quarta-feira, 6 de outubro de 2010

<<< Gavetas Mofadas e Nostalgias >>>














Já fui um voraz leitor de revistas musicais, inclusive as de gosto muito duvidoso. Tenho gavetas entulhadas com elas. Inclusive com aquelas tenebrosas Rock Brigades que traziam posters dos ogrotários do Manowar ( "the gods made Heavy Metal, and they saw that it was good! / They said to play it louder than hell, we promised that we would!", lembro até hoje...) e tinham entrevistas com bandas da Finlândia ou da Lituânia que faziam aquele death metal "truculento e maravilhoso" (e ideal para bater pescoço, "banger"!). Todo mundo tem um ou outro furo no fundilho de seu passado, e eu tenho esse no meu: ter um dia achado legal ser metaleiro... (Mas juro que eu só tinha 15 anos.)


Além das Brigades e da sua clone Roadie Crew, comprava com devoção aquelas velhas Rock Press, que mais pareciam um zinão em p&B distribuído clandestinamente e manufaturado no mais puro espírito-DIY. Eu suava para achar nas bancas de Santo André e do ABC a danada, mas dava gosto quando me deparava com aquela porra em meio ao lixão de Vejas, Cláudias, Casa & Decoração e outras porcarias, brilhando em meio aos porcos com o Johnny Rotten ou o Iggy Pop na capa...

Cheguei até a importar da gringa uma ou duas raríssimas SPINs, que eu adquiria com mirradas economias obtidas pelo único método disponível aos 15 anos de idade (não, não pensei em começar a bater carteiras nas ruas ou a trabalhar num carrinho de churros...): não comia no recreio do colégio pra ter uns trocados da mesada sobrando no fim do mês pra torrar em discos. Mas a ocasião precisava ser escolhida com esmero, já que a poupança não dava para mais do que uma importação ao ano: em 1997 tinha sido Dust, do Screaming Trees (36 contos, uma fortuna!); em 1998, Above, do Mad Season (uns 40... quase fui à falência...); em 1999 talvez sobrasse o bastante, caso eu levasse meu jejum com a seriedade dum monge franciscano, para mandar vir aquela SPIN dos "90 Melhores Álbuns dos Anos 1990" , com o Nirvana no topo e na capa...


 Colecionei Bizz por um tempo, depois, mas não com a mesma empolgação. Me parecia muito establishment, muito coloridinho, muita pose... Foi ali, é claro, que li pela primeira vez algumas matérias foda de caras como o Alexandre Matias, o Andre Barcinski, o Pedro Alexandre Sanches e o Gastão Moreira, caras que eu fui aprendendo a respeitar conforme crescia e moldavam meu gosto musical com suas idéias, recomendações e sacadas.

Provavelmente eu não teria escolhido esta promissão infame, o jornalismo, se não fosse por estas carradas de junk-journalism que consumi quando era moleque. Foi isto e a Caros Amigos o que me decidiu. Com 17 eu não tinha nenhuma ambição maior do que um dia escrever sobre rock nalgum canto, sem censura nem firula, e não foi sem alegria que encontrei um ou outro maluco na faculdade que fazia zines punk defendendo o anarquismo e descendo o cacete na religião (além de investir no humor negro e na estética recorte-e-cole!), como foi o Kaos do Fred, manufaturado e distribuído em Bauru (suposta "Seattle caipira") para um público estratosférico de uma dúzia de trutas.

Comprei também, mais recentemente, uma ou outra Rolling Stone, mas logo me desinteressei, decepcionado não exatamente com a qualidade do jornalismo, mas com a minha própria sensação de que na era da "imprensa corporativa", com suas dimensões "monstro", eu não sentiria nunca mais o prazer que tive ao virar as páginas da primeira Rock Press e sentir a excitação de fazer parte de uma seita secreta...

A era da Internet chegou e a minha gaveta de revistas de música parou de crescer. Hoje, se sou capaz de escrever sobre esta gaveta com um afeto que beira a comovida nostalgia, é também porque sinto como se isto tivesse ficado definitivamente no passado, quase como se o papel estivesse ficando obsoleto... Ou pelo menos não tão necessário. O que me traz a memória o tempo em que descobri a Pitchfork, anos atrás, e senti na hora que as coisas iam mudar radicalmente também para o jornalismo musical com a chegada da cibercultura e da febre do Napster. O jornalismo musical ali embarcou numa trip nova, cujos enigmas eu tentava decifrar, não entendendo direito toda a complexidade daquilo, não sabendo se deveria sentir um complexo de inferioridade terceiro-mundista ou se tratava de aprender com os caras para tentar trazer para o nosso jornalismo algumas das coisas que eles tinham de melhor...

Tudo isto pra dizer que descobri dia desses algo que, além de me despertar estas rememorações, que mais parecem dum tiozão-roqueiro lembrando a "era de ouro" dos Yardbirds, me fez muito curioso quanto aos rumos que vai tomar o jornalismo musical daqui em diante. Na era em que a interconexão global de computadores gera o que talvez seja o mais intenso intercâmbio de gravações musicais já registrado na história da humanidade, é urgente que uma mídia musical com nova cara surja! A quantidade de informação que se tornou acessível é estarrecedora, assim como a quantidade de música nova produzida de modo independente e "injetada" na Web aos borbotões, milhares de vezes por dia, nestes "planetas" inimagináveis 10 anos atrás: o My Space, a Trama....

O que eu descobri foi a revista Noize, que é publicada desde 2007 e já lançou 37 edições mensais. A proposta dos caras parece bacana: oferecer informação pormenorizada sobre a cena musical independente, especialmente brazuca, dando o devido destaque para os festivais (hoje já "organizados" através da ABRAFIN) e para todos os Movimentos Fora do Eixo oficiais e clandestinos. E, o melhor de tudo, com um "vizupreza" e tudo de graça. Você pode baixar os PDFs no site dos caras ou fazer uma assinatura em que paga somente as despesas postais e receber todos os meses sua Noize quentinha (R$ 45 por 12 edições).

Fica aí a dica. Depois digo mais o que achei da danada e em que posição ela vai ser estocada na infame gaveta: se junto com a sovaqueira metaleira ou num lugar mais digno...

(E ó só que culhão deve o Thom Yorke na declação abaixo, retirada das "páginas" pê-dê-éficas da revista pelo santo "print screen":)


Um comentário:

Ana Alice disse...

belíssimo post nostálgico, Lux! Faltou ó mencionar a Zero, que não sei se vc curtia mas fez parte da minha pilha de revistas amadas... e a Noize é mesmo tudo. Longa vida ao jornalismo musical, em todos os formatos. bjssss