segunda-feira, 4 de maio de 2009

:: Riot Grlll - parte 01 - KATHLEEN HANNA ::


REBEL GIRRRRL

- Kathleen Hanna mistura punk rock, new wave e tecno tosco para espalhar seus protestos políticos e disseminar o feminismo -

por Eduardo Carli de Moraes


"You learn that the only way to get rock-star power as a girl is to be a groupie and bare your breasts and get chosen for the night. We learn that the only way to get anywhere is through men. And it's a lie." --- Kathleen Hanna

Cantora, compositora, zineira, fotógrafa, punk-rocker, ativista política, feminista militante e garota-problema, Kathleen Hanna foi uma das garotas mais notáveis do rock independente americano dos anos 90 pra frente. Ela hoje é considerada um dos maiores nomes no Levante das Calcinhas ocorrido no punk dos anos 90, o maremoto riot que trouxe feminismo e engajamento para o centro do foco - junto com 3 ou 4 power chords socados com fúria e versos berrados por verdadeiras pimentinhas com fogo no rabo e veneno na língua.

Kurt Cobain, que tanto fez para propagar as bandas pequenas que achava merecedoras de maior atenção (como os Pixies, os Vaselines ou os Meat Puppets), prestou homenagenam indireta à Kathleen Hanna ao escolher o título do maior hino da década. Conta a lenda que Hanna um dia pichou com spray vermelho na parece de Cobain uma gracinha que ele jamais esqueceu ("Kurt Smells Like Teen Spirit"). Ela se referia, na verdade, a um desodorante - o tal do "Espírito Adolescente" - mas acabou gerando uma expressão que Kurt deve ter adorado: feder à espírito adolescente. Quem diria que daí nasceria o grande hit nirvanesco, retrato de uma geração, muito bem batizado por esta pastora da seita punk que tanto fez pela "cena"!

Hanna, antes de transformar-se num dos lumiares do riot grlll e militante feminista, foi antes de mais nada uma fodida na vida: sempre mandada pro diretor no ginásio, por fazer zona ou por ser pega usando drogas, foi obrigada a pagar um aborto, na adolescência, com grana arrancada de um trampo no McDonalds. Ela mesma confessa que, quando adolescente, só queria saber de três coisas: ir a shows (de punk e reggae), fumar maconha e ficar bêbada. Poderia também dizer: "brincar de mudar o mundo - e o maligno american-way-of-life - empunhando um microfone e berrando punk-rock". E vejam só o simbolismo: ela faz aniversário no mesmo dia - 12 de Novembro - que Gandhi e Charles Manson! O que (ela brinca...) talvez explique como ela pode ser, ao mesmo tempo, uma militante política pacifista e uma completa psicopata berrante ("Maybe this explains my freakishly dualistic, hot-headed, Scorpio personality", explicou ela na sua mini auto-bio digital).

Kathleen Hanna é nada mais, nada menos, que uma heroína do rock contemporâneo. É inimaginável o tamanho da influência dessa menina dentro deste movimento musical, político e comportamental - o riot grrrl - que procurou realizar uma mescla entre punk rock cru e incendiário com ativismo político e discurso feminista. Liderando o Bikini Kill, Hanna ajudou a acender a chama do riot como um gênero importante da contracultura musical na década passada, juntando uma atitude confrontacional e anti-capitalista com a obstinação em permanecer de pés cravados no underground. Foi a primeira vez que toda uma cena, baseada nos preceitos clássicos do punk - do-it-yourself e live-fast-die-youg - foi bolada por dúzias de garotas através da América, e capitaneada por Hanna em Olympia, W.A. (cidade imortalizada pelo Rancid numa das mais fodásticas canções do And Out Come The Wolves).

O riot grrrl sempre procurou confrontar os estereótipos do que uma garota poderia ou não fazer, questionando toda uma série de temáticas relacionadas com o feminismo ("estupro, abuso doméstico, sexualidade [inclusive lesbianismo], dominância masculina na hierarquia social e formas de libertação e potencialização da mulher", segundo a síntese da AMG). Dentre as principais bandas que simpatizavam com o "movimento" e que acabaram por ganhar o rótulo riot (querendo ou não) estão o Sleater-Kinney, o Bratmobile, o Seven Year Bitch, o L7, o Babes in Toyland e as bandas e projetos paralelos de Kathleen Hanna (o Bikini Kill, o Julie Ruin e o Le Tigre).

O Bikini Kill lançou apenas dois álbuns de estúdio ('Pussywhipped' [94] e 'Reject All American' [96]) e duas coletâneas ('The CD Version of the First Two Records' [92] e 'The Singles' [98]) antes de encerrar suas atividades em 1997. Como introdução ao universo barulhento e estridente da banda, o álbum 'The Singles' talvez seja a melhor pedida, reunindo as músicas mais clássicas (incluindo "Rebel Girl", "Anti-Pleasure Dissertation" e "I Like Fucking") em um disquinho rápido de 9 faixas, algumas delas produzidas por Joan Jett.

Após o fim do Bikini Kill, Kathleen assumiu seu alter-ego Julie Ruin e gravou o tosquérrimo álbum homônimo em 1998, onde tocava quase todos os instrumentos (mesmo sem ter muita noção de como fazer isso) e começava a experimentar com eletrônica caseira. Na hora de sair em turnê, precisava arranjar uma banda de apoio para acompanhá-la e foram chamados Johanna Fateman e Sadie Benning. Ao invés de prosseguir com seu alter-ego, Hanna resolveu parir uma nova banda. Estava formado o Le Tigre.

O primeiro disco, lançado em 1999 pela gravadora comandada por Hanna (a Mr. Lady), é uma belezura de disco new wave conjugado com experimentos toscos com eletrônica. Fazendo uso de samplers, sintetizadores e bateria eletrônica, e misturando isso com a simplicidade tradicional dos power chords e riffões básicos do punk, a banda criou um mini-clássico do lo-fi moderno. É o tipo de disco que parece ter sido gravado num dormitório de garota equipado com alguns equipamentos baratos. É a velha idéia punk: você num precisa ter milhares de dólares na mão pra ir prum puta estúdio bem equipado, pagando um produtor renomado no mercado, comprando Fenders, Gibsons e amplificadores do tamanho de caminhões pra fazer sua música. Uma idéia na cabeça, uma vontade irreprimível de se expressar, e um pouco (bem pouco mesmo) de apetrechos técnicos (que nem é necessário saber operar direito) já é o bastante.

Certamente o Le Tigre não é pra todos os gostos: há quem irá falar mal só porque é simples, caseirão e não tem "virtuosidade" musical. É verdade que essas garotas não manjam nada de teoria musical e de escalas e arpejos e modos gregos e modulações e o caralho. E Kathleen também não está nem um pouco interessada naquilo que costuma se chamar de "cantar bem" (no sentido Elton John da coisa). Mas e daí? Precisa? "Nós favorecemos a expressão simples do pensamento complexo", ouve-se em "Slideshow At Free University", e é esse o caminho de Hanna. Pra que complicar as coisas? A "música em si" não é o que importa. E um berro desafinado dado com emoção vale mais do que uma performance vocal perfeita e afinada que é pura ostentação exibicionista.

A banda possui uma grande diversidade temática e muitos "links" - é a música-punk da Era Digital, enfim. Em "Hot Topic", música que dispara referências pra todos os lados, a banda vai enumerando toda uma série de heroínas do feminismo e do "rock feminino" (incluindo Yoko Ono, The Slits, Sleater-Kinney, Cibo Matto, The Butchies e mais uma pá de gente que nunca ouvi falar). Em "What's Yr Take on Cassavettes?" colocam em questão a genialidade ou não de um dos heróis do cinema independente americano (John Cassavettes). "The Empty" traz uma certa insatisfação com a lógica mainstream da música pop atual, com "as estrelas entrando e saindo dos automóveis e nós continuando a nos perguntar quando vamos sentir algo real":

The stars are getting in and out of automobiles
And we keep wondering when we're gonna feel something real
Keep waiting for a Santa that'll never come
A real party not just for people who're faking fun.
But everything gets erased before it's even said
And all that glitters isn't gold when inside it's dead.


"Deceptacon" é a mais bikini-killesca do disco, com o seu maravilhoso refrão nonsense ("Who took the bomp from the bompalompalomp? / Who took the ram from the ramalamadingdong?") e uma série de provocações a um certo personagem roqueiro vazio ("Your lyrics are as dumb as the linoleum floor") e que não enxerga a política nas letras hannianas ("Let me hear you depoliticize my rhyme"). Em "Let's Run", deliciosa tosqueira new-wave, Hanna declara-se a fim de espalhar sua demência ("I wanna spread my dementia / I wanna knock it off the line / Give me attention / Every day and every night...") com seu tradicional vocal nervoso e estridente.

Dançante e punky ao mesmo tempo, divertido e militante em iguais doses, transpirando vitalidade e espírito independente, esse disco é uma das inúmeras provas de que a mulherada rocker está muito viva. É provável que Hanna nunca venha a atingir de novo o grau de visceralidade punk do Bikini Kill, mas o Le Tigre continua expandindo seu legado com respeitabilidade. Não só musicamente falando, já que Hanna transcende o próprio domínio da música: é ativista política, zineira, dona de gravadora, pacifista, anti-Bushista, nova-yorkina moradora das proximidades do antigo WTC, sempre colocando a música a serviço de suas espertíssimas críticas sócio-político-culturais.

Atualmente, com todo o legado do riot grrrrl espalhado pelos anos 90 e 00, só mentalidades superficiais e restritas ao que é imposto pela mídia mainstream podem acreditar que as mulheres na música se restringem a ninfetas siliconadas e fabricadas ao estilo de Britney Spears - e suas dúzias de clones. Kathleen Hanna é um dentre muitos exemplos de garotas que pegaram em armas - ou empunharam microfones e guitarras - para criar alternativas e protestar contra a "bosta do jeito capitalista-cristão de fazer as coisas", como diz o próprio Manifesto de Hanna (cujos trechos notáveis compartilhamos na sequência).


RIOT GIRLL MANIFESTO, por Kathleen Hanna [excertos]

we recognize fantasies of Instant Macho Gun Revolution as impractical lies meant to keep us simply dreaming instead of becoming our dreams AND THUS seek to create revolution in our own lives every single day by envisioning and creating alternatives to the bullshit christian capitalist way of doing things.

we know that life is much more than physical survival and are patently aware that the punk rock "you can do anything" idea is crucial to the coming angry grrrl rock revolution which seeks to save the psychic and cultural lives of girls and women everywhere, according to their own terms, not ours.

we are interested in creating non-heirarchical ways of being AND making music, friends, and scenes based on communication + understanding, instead of competition + good/bad categorizations.

we are unwilling to let our real and valid anger be diffused and/or turned against us via the internalization of sexism as witnessed in girl/girl jealousism and self defeating girltype behaviors.

we hate capitalism in all its forms and see our main goal as sharing information and staying alive, instead of making profits of being cool according to traditional standards.

DOWNLOADS:

The Singles
http://www.mediafire.com/?ndmmfmg0iom



The CD Version Of The First 2 Records
http://www.mediafire.com/?au3ncxg0nyy


Reject All American
http://www.mediafire.com/?m1wwniqdzuy


Pussy Whipped
http://www.mediafire.com/?jbmrfcetyyx


Le Tigre - 1999
http://www.mediafire.com/?gzqzwrdtuzv


Feminist Sweapstakes - 2001
http://www.mediafire.com/?mtgnihmtmmz


This Island - 2004
http://www.mediafire.com/?yfzzjgzvzmw

LEIA MAIS: Kathleen Hannah por ela mesma - Wikipedia - Hanna fala sobre seu aborto em matéria para o SALON - Entrevista na INDEX Magazine - Bio - Treta com Courtney Love - Ms Magazine - Fan Page.

5 comentários:

Ana Alice disse...

texto fantástico, LuX! pauta fodástica.

Ezequiel disse...

Parabéms! Le tigre é massa. Tem como conseguir Living Things? Valeu!!!

Anônimo disse...

It is right to be contented with what we have, never with what we are.

Ana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana disse...

Visitei o blog pela primeira vez qndo tava procurando material do The Gits e nao me arrependi... dessa vez a felicidade so nao foi completa por os links do Le Tigre nao estao funcionando... REUPEM OS LINKS POR FAVOR!