terça-feira, 19 de maio de 2009

:: David Bowie ::

:: DAVID BOWIE ::
Hunky Dory

por Eduardo Carli de Moraes e Pedro Só

“If Bowie had a virtue at the end of the Sixties, it was that he reacted to the identity crisis affecting rock as a culture and as a generation of musicians, after the Woodstock jag and the loss of a series of guiding lights who were mowed down by heroin abuse, as the Sixties slid into the Seventies. (...) Bowie was undecided between Velvet Underground and Stones-style heroin-soaked decadence (the post-Brian Jones Stones), or Pink Floyd’s psychedelic trips towards an electronic-mystic future, enhanced by the colors of LSD. So in the end he sort of found a middle ground, got rid of his Mod gear, and with increasing authority turned into a musician who knew he was between a disappearing world and the dawn of a new world. The Sixties were on their way out (they didn’t go away completely until 73 or 74) but at that time the Seventies seemed like some awful imitation, vulgar and impoverished. Bowie became the symbol of this indecision, this ambiguity, this loss of direction.” - - - (Assante)



Antes de mergulhar fundo em Hunky Dory, o álbum bowiano que ouvi com mais voracidade e fascinação dentre todos do Mestre, o maluco era para mim mais uma fascinante incógnita do que um ídolo pra quem eu babava ovo. David Bowie me parecia um incoerente e caótico artista mutante, que talvez nem terráqueo ou humano fosse, capaz de assumir tantas facetas e personas que era dureza decidir: "mas quem é esse cara? E como julgar, numa discografia tão vasta e heterogênea, o que presta e o que não?" Com Hunky Dory, pela primeira vez, tive certeza de estar frente a um artista de primeiríssima grandeza, mistura de poeta, profeta e maluco-beleza, que fazia uma gororoba com as melhores lições do folk, do glam e do rock and roll num liquidificador absolutamente próprio. Bowie, a partir de então, me apareceu como o parteiro de uma obra musical sem par, que semeou originalidade e insanidade nos campos da música pop como poucos antes (ou depois) dele haviam logrado fazer.

Hunky Dory permanece sendo o disco artisticamente mais completo e admirável do músico mais influente da década de 70. E, se me perguntarem, é simplesmente um dos grandes álbuns da história do rock. Um crítico disse uma vez que, neste álbum, Bowie adotou uma atitude de “posso ser Dylan, Lou Reed e Syd Barrett de uma vez só!” – e foi bem isso mesmo. Assumindo cada vez mais uma persona andrógina e brincando cada vez mais com a ambiguidade sexual, Bowie aparecia na capa parecendo uma moçoila loira frígida de uma fotografia antiga. Conta-se que ele chegou à sessão de fotografias louco para parecer com Marlene Dietrich – e a foto vintage que estampa a capa de Hunky Dory “tem um carisma próximo ao de uma rainha do cinema em decadência” (BM).

Hunky Dory contêm uma filosofia difícil de descrever, mas que soa como uma mescla de Nieztsche, Crowley, Darwin, Warhol, Dylan e anfetaminas. Bowie, feito um Zaratustra do Pop, faz referência à chegada de uma certa era em que a humanidade ficaria obsoleta e fora-de-moda, uma raça tornada quase inútil (“homo sapiens have outgrown their use”, canta ele), tendo que ser substituída por uma outra leva de super-homens que a juventude teria como missão inventar.

“The children that you spit on as they try to change their worlds / Are immune to your consultations / They’re quite aware of what they’re going through”,
cantava ele, com mais veneno ainda do que Dylan tinha feito em seu ataque às gerações mofadas e jurássicas em "The Times They Are A-Chagin'". Desnecessário dizer que, para o doidão iluminado que era Bowie então, esta nova Humanidade seria sexualmente desreprimida, poeticamente lúdica, musicalmente aventureira, comportalmente provocativa, explorando mil diferentes personas com completa desenvoltura e implodindo todos os clichês de comportamento ditados pela sociedade careta. Enfim: uma humanidade feita à imagem e semelhança de... David Bowie!

Hunky é uma espécie de auge artístico de uma década prolífica e geniosa para Bowie. Nela, o velho camaleão do rock passou por várias metamorfoses, soltando uma meia-dúzia de álbuns clássicos em suas diferentes encarnações. Gravou um dos discos mais seminais do glam rock com Ziggy Stardust, em 1972, quando assumiu o personagem um tanto andrógino e esquisitão de um extraterrestre que descia à Terra trazendo o rock de outras galáxias. E nós, pasmos terráqueos, ficamos para sempre contagidos com o som que fazia aquela criatura sexualmente ambígua que vinha acompanhada por uma banda de aranhas marcianas soltando chispas de eletricidade da boa. Assumindo o papel do messiânico e amaldiçoado rock star Ziggy Poeira Estelar, Bowie caiu fundo na brincadeira de ser uma estrela pop, vestindo roupas futuristas, maquiagem pesada e cabelos laranja resplandencentes.

Seu sucessor, o também brilhante Alladin Sane, “continuava na mesma plataforma genial de Ziggy e oferecia um relato brutal de um artista em ascensão.” Na sequência veio o álbum conceitual Diamond Dogs, baseado na distopia política seminal de George Orwell, 1984. Numa fase posterior, depois do fim de seu casamento com Angie e problemas de dependência à cocaína e álcool, Bowie, conta-se, estava “cada vez mais paranóico e obcecado com ovnis, ocultismo e Adolf Hitler” (CSh). Influenciado pelo novo rock vanguardista alemão de Can, Neu! e Kraftwerk, Bowie se meteu a fazer um disco que é sua versão do soul (Station to Station, de 1976) e depois compõs a famosa Trilogia de Berlim – cujo ponto alto é Low (de 1977), com a contribuição de Brian Eno.

Bowie nos 70's também faria importantes trabalhos como produtor de discos que se tornariam clássicos, como o Transformer de Lou Reed e o Raw Power de Iggy Pop com os Stooges. Sem falar que ajudou a parir o hino do glitter que o Mott the Hoople imortalizou, “All The Young Dudes”. Iniciou também uma carreira cinematográfica paralela, atuando no The Man Who Fell To Earth de Nicolas Roeg, contracenando com Kim Novak em Just a Gigolo e vivendo Pôncio Pilatos no A Última Tentação de Cristo de Martin Scorcese, entre outros papéis menos notáveis.

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Para explicar em mais detalhes o charme e o impacto de Hunky Dory, passo a palavra para Pedro Só (extraído do Discografia Básica da Bizz, Abril de 2001):

O LADO MALUCO-BELEZA DA REVOLUÇÃO GLAM

Enquanto exaltava a nova raça andrógina e mutante, Hunky Dory também trazia recados de David Bowie para a garotada viciada em TV e sexualmente confusa diante das portas abertas pelos anos 60

- por Pedro Só -


Não era exatamente como divindade pop que aquele suburbano magrelo, ex-mímico, ex-mod, com três álbuns incoerentes no currículo, era tratado em Londres. Aos 24 anos, David Bowie já ensaiara passos como cantor-compositor hippie e tentara ser o que os ingleses chamam de "music hall entertainer" (uma coisa meio Ivon Curi). No começo daquele 1971, havia lançado um disco de rock pesado, The Man Who Sold The World, aparecendo na capa metido num vestidinho. De escassa repercussão, o trabalho despertou a atenção de um empresário canalha americano, Tony DeFries. Embarcado para os EUA, Bowie trocou figurinhas com Lou Reed e Andy Warhol. Começava o plano marqueteiro que o estouraria em 1972, impulsionado pelo rock'n'roll energético de Ziggy Stardust. A incipiente revolução glam já estava em curso, mas o futuro astro demorou um disco para cair dentro musicalmente.

Esse disco foi Hunky Dory. A partir dele, Bowie deixou de ser uma nebulosa promessa. Logo na abertura, "Changes" ("Mudanças"), inspirada pela gravidez da então esposa Angie, assumia sua natureza mutante e avisava: "Essas crianças em quem você cospe / Enquanto tentam mudar seus mundos / São imunes aos seus consolos / Eles sabem muito bem o processo pelo qual estão passando". O arranjo, porém, era típico de café-teatro, baseado no piano de Rick Wakeman (do Yes) e com mudanças de direção na estrutura harmônica a perseguir aquele truque Cole Porter de traduzir a letra em música.

Em seguida, mais uma adorável frescura pianística, "Oh! You Pretty Things!", saudava a chegada do filho Zowie misturando conceitos maluco-beleza nietzschianos ("abram alas para o Homo Superior"). Terminava com mais um alerta: "Todos os estranhos chegaram hoje / E parece que estão aqui para ficar".

Muito além da simples exaltação da nova raça andrógina e extravagante - mencionada em "Kooks", outro vaudeville coruja em homenagem ao pequeno Zowie -, as mensagens pegavam em cheio a garotada que crescia viciada em TV e sexualmente confusa diante de tantas portas abertas pelos anos 60. Meninos e meninas capazes de entender o zapping da balada "Life on Mars?". Nessa obra-prima bastarda ("inspirada por Frankie", informa a contracapa - no caso, "Frankie" Sinatra e sua versão de "My Way"), papai, mamãe, Mickey Mouse, Lennon "à venda de novo", a "Amerika", a decadente Inglaterra, sonhos de celulóide... tudo é triturado no coração de uma adolescente. E transformado em beleza pelas cordas arranjadas por Mick Ronson (1946-1993), guitarrista que passsaria à eternidade como o adorável presepeiro a escudar Ziggy.

Na categoria "grandes imitações", Bowie incluiu três recados para lá de ambíguos. "Andy Warhol", um pseudoflamenco, mais sacaneia do que homenageia ("Andy tira uma soneca", "Andy pensa em tinta e cola, mas que coisa legal mais chata!"). "Song For Bob Dylan" dirige-se ao bardo como se ele fosse um super-herói ("Dê-nos de volta nossa unidade / Não nos deixe com a sanidade deles"), não sem certa ironia. "Queen Bitch", talvez o único rock'n'roll do álbum, é paródia assumida do Velvet Underground, com vocais falados à Lou Reed e letra sobre uma bicha má que rouba o "amigo" do narrador.

Para fechar, uma pitada de originalidade, "The Bewlay Brothers". Por trás da letra críptica, impenetrável, repleta de referências à convivência com Terry (o irmão esquizofrênico de Bowie que se matou), o pathos da grande arte. Como algumas das melhores coisas da vida, você não entende, mas sente. Em Hunky Dory, se fez farejar pelo mundo o genial diluidor que há três décadas dá as cartas na música pop. A partir de idéias alheias, sim, mas e daí?


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2 comentários:

Anônimo disse...

hi depredando,

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