terça-feira, 8 de setembro de 2009

:: os álbuns da década ::


:: THE WHITE STRIPES ::
White Blood Cells (2001)
por Eduardo Carli

Eles me fizeram encarar mais de 20 horas de viagem (somando ida e volta), apertado numa van com mais umas 10 pessoas, quando foram escalados como headliners do primeiríssimo TIM Festival, em 2003, no MAM carioca. Sinal de que minha fissura pela banda, naquela época em que Elephant era alvo de intenso hype mundial, estava parecendo a de um junkie por sua droga de preferência. Quando eu e o Bernie nos metemos a enfrentar os mais de 750 quilômetros que separam Bauru do Rio de Janeiro, num bate-volta de esgotar os ossos de qualquer mortal, esse ato tresloucado era uma confissão do quanto o White Stripes era uma banda extremamente magnética. A gente toparia ir até o Pará pra vê-los.

O show, confesso, me decepcionou um tantinho - mas muito provavelmente não por culpa da banda (apenas dos pinos que Jack trazia no dedo), mas devido ao cansaço extremo que tinha deixado a jornada e as 4 bandas que vieram antes. Quando Jack e Meg adentraram o palco, o ato de permanecer de pé já era sentido por meu pobre esqueleto como um martírio digno de Cristo subindo o Gólgota. Acabei aproveitando bem mais os shows que precederam: a caleidoscópica viagem psicodélica colorida dos Super Furry Animals e o dance-punk-com-saxofones do The Rapture, que levou o Rio ao êxtase coletivo absoluto com "House of Jealous Lovers". Mas ficou na lembrança, indelével, o fato: os White Stripes tinham sido o ímã que me sugou para meu primeiro rolê pelo Rio de Janeiro (voltaria anos depois, para o funeral dos Los Hermanos), aventura que haveria de ficar na minha memória pessoal gravada como algo especial e inesquecível.

Nos idos de 2001, quando lançaram White Blood Cells, o White Stripes estava prestes a dar um salto: de banda local a fenômeno global. Em Detroit, no Michigan, terra natal da Motown, da General Motors e do MC5, o duo já vinha ganhando uma certa notoriedade desde 1997, tocando seu primário e rústico rock garageiro em pubs locais hoje antológicos como o extinto The Gold Dollar. O grande chamariz era, é claro, a formação pouco usual: os White Stripes não eram de fato uma banda completa, mas um casalzinho, cujas misteriosas relações a imprensa mexeriqueira não parou de investigar.

Tanto fuçaram que trouxeram a tona a bombástica revelação: Jack e Meg não eram irmãos, como costumavam contar nas entrevistas, não se sabia se por pilhéria ou na honestidade; mas haviam sido casados e se divorciado. Quando a Glorious Noise jogou na internet o certificado de matrimônio de John Anthony Gillis e Megan Martha White, o enigma se dissipou. Mas os Stripes, que dizem adorar a reserva e a privacidade, não cessaram de ser alvos de fofoca.

White Blood Cells foi o primeiro álbum que os Stipes gravaram longe da cidade natal: foram até Memphis, no Tenessesse, cidade onde Elvis Presley desfilou seu topete por tantas décadas, para registrar seu terceiro petardo. A banda, que sempre primou pelo minimalismo, também não deixou jamais de possuir uma sensibilidade pop que a tornava altamente explodível no mainstream. O segundo álbum, De Stijl, já lapidara um pouco a crueza do debut, mas ainda mantinha-se com os pés fincados na rusticidade - o próprio nome do álbum fazia referência a um movimento artístico holandês que utilizava somente cores e formas primárias, tendo influenciado pesadamente a visão gráfica e fashion dos Stripes.



Mas foi Blood Cells o disco que escancarou imensas portas para que Jack e Meg se tornassem a coisa gigante que se tornaram nesta década. A explosão da nitroglicerina viria de fato com o álbum seguinte, Elephant. Gravado em Londres e puxado pelo hit "Seven Nation Army", chegou à estonteante marca de 1 milhão de discos vendidos - o que, na era do MP3, não é performance desprezível. Mas nada disso teria sido possível se White Blood Cells não tivesse chegado na voadora contra as cercas de Detroit Rock City e tornado os Stripes nacionalmente famosos, numa época em que os olhos dos EUA voltaram-se para a Cidade dos Motores, onde haviam surgidos tantos fenômenos pop famosos na época - como Eminem e Kid Rock.

Havia ali canções de uma infantilidade absolutamente adorável, que contrastava radicalmente com a pose de mau e de machão que costuma ser comum nos líderes de bandas de rock por aí. Quando White cantava "I'm so tired of acting tough and I'm gonna do what I please", os versos soavam como um manifesto e um grito de libertação. Nos folkzinhos bonitosos "Hotel Yorba", "We're Gonna be Friends" e "Same Boy You've Always Known", Jack White soa com um eterno menino, com uma autenticidade que é rara de se encontrar em qualquer canto do showbizz. Mas os Stripes também conseguiam fazer um barulho dos diabos - como em "Fell In Love With a Girl", um punkaço de 1h30min que remete aos Undertones ou aos Buzzcocks, em que uma guitarra encorpada e a gritaria frenética de White nos fazem esquecer completamente a falta de um contra-baixo na banda. O clipe da música, feito com animação de Lego, foi recentemente eleito o melhor da década pela Pitchfork. Mas havia também muito amargor espalhado pela lírica whiteana. "It can't be love, cause there is no true love", canta no refrão de "The Union Forever", petardo cínico e quase niilista que cita também uma cancioneta presente no Cidadão Kane de Orson Welles.

A imprensa mundial judiou bastante da pequena Meg, sempre descrita como uma batera tosqueira. Sua óbvia limitação técnica, porém, em nada prejudica a interação quase instintiva do casal, que mesmo depois do desquite permaneceu musicalmente muito bem transado. A evolução de Meg através dos anos também é notável - e longe vão os tempos em que Jack, nos primeiros shows de Detroit, falava ao microfone, na maior cara-de-pau e sacanagem, "tem alguém aí que saiba tocar bateria? I need a new drummer!" Eu, que nunca fui de ficar pagando pau pros bateristas punheteiros ao estilo do Rush ou do Dream Theather, acho a Meg eficiente, simpática e gracinha - e precisa de mais? Sem falar que, como disse o Lúcio Ribeito, "a estilosa Meg nem toca tão bem assim; mas não precisa. Jack toca por ela, pelo baixista que não existe e por mais um time de guitarristas que não há, tamanha a habilidade e velocidade em levar o som do White Stripes do blues ao rock ao punk ao country em uma canção".

Hoje, Jack White, merecidamente, é um dos maiores rock-stars sobre a face do planeta azul - e foi White Blood Cells o primeiro passo de gigante nesta direção. De um duo detroitiano tosqueira, que poderia ter continuado como um evento underground como são o The Go, o Paybacks ou o Detroit Cobras, os White Stripes subiram em seu foguetinho vermelho-e-branco rumo ao extremo estrelato. Provas? Eles têm clipes dirigidos por alguns dos maiores bã-bã-bãs do cinema mundial, como Michel Gondry (que fez "Fell In Love With a Girl" e "Dead Leaves and the Dirty Ground") e Sofia Coppola (que filmou "I Just Don't Know What To Do With Myself"). O próprio Jack já se arriscou como ator hollywoodiano, em "Cold Mountain" (de Anthony Mingella) e "Café e Cigarros" (de Jim Jarmusch). Nas filmagens do primeiro, conseguiu inclusive garfar a belezinha da Renée Zellwegger, com quem se casou e rapidamente desquitou. Jack montou ainda duas bandas paralelas, que o público e a imprensa mundial acompanha com olhos atentos, o Raconteurs e o The Dead Weather. Sem falar que juntou-se a Jimmy Page e The Edge (do U2) para o documentário It Might Get Loud, e fez participações especiais kick-ass em shows de ninguém menos que os Rolling Stones - façanha registrada por Scorcese em Shine a Light. Tanto que circulam na net notícias quentes de que está trabalhando com ele... Keith Richards! Não é de salivar?

DOWNLOAD >>> http://www.mediafire.com/?keiwhywnatv

Um comentário:

Vernardo Santana disse...

Hah! Dessa viagem e desse disco eu me lembro! Os dois, pra mim, coisa de se guardar pra vida mesmo e de provocar melancolia velhaca. Ah, aqueles eram os dias...