segunda-feira, 29 de setembro de 2008

:: Teenage Fanclub ::


TEENAGE FANCLUB
- Discografia Completa -



(Ah, o Tineije! Nada mais fácil nesse mundo que gostar deles. Difícil é falar deles sem cair na pieguice. Difícil é escrever uma resenha que não saia parecendo uma melosa carta de amor. Difícil é entender como é que não venderam 50 milhões de discos e não se tornaram, nos 90, o que os Beatles foram nos 60. E difícil não adorar quem tanto me fez feliz. Sem dúvida: uma das bandas que eu mais gosto, ever. E tava faltando por aqui um especialzão pra eles. Pois aí vai: todos os 7 álbuns de estúdio dos caras aí embaixo - deliciem-se!

Alguns anos atrás [acho que foi em 2005, 2006...], falando sobre Grand Prix, escrevi esse textin meio besta e sentimental:)


A adolescência é engraçada - e não somente pelo pipoco das espinhas pela cara, dos pêlos pelo corpo e da Vozona de Macho na garganta, mas pelo monte de contradições e desejos conflitantes que fazem essa época tragicômica da vida: que adolescente sabe ao certo o que quer ser? Tô achando muito interessante olhar pros meus Teenage Years através dos discos que mais marcaram - o que acaba por revelar também altas contradições musicais... Eu, por exemplo, parecia dividido em pelo menos dois "eus" (mas é claro que eram muitos mais): um lado meu tinha aquele ímpeto rebelde e iconoclasta e se sentia atraído pelas Bestialidades Sonoras, aquelas que tinham aquela indispensável característica: eram capazes de fazer todas as "pessoas normais" ficarem loucas de raiva e reprovação - e com dor de ouvido, claro. Já a tendência melancólica, a inevitável tristeza que por vezes dominava, solicitava algo de mais doce, carinhoso, amável...

Na minha prateleira de CDs, conviviam então os discos do Slayer, do Iron Maiden e do Nirvana com os do Belle and Sebastian (ai que vergonha!), do Radiohead e do Teenage Fanclub... Os primeiros, ouvidos no volume máximo, pra infernizar os vizinhos e a família, só pra dar provas de rebeldia. Os segundos, secretamente apreciados no escuro, com fones-de-ouvido e por vezes vergonhosas lágrimas inseguráveis. Através da música, era dada a mensagem para o mundo lá fora: ou te ensurdeço, ou não te escuto...


O Teenage Fanclub foi uma dessas bandas que mais marcou a minha adolescência, uma das que eu adorei com mais fanatismo, uma das que fizeram aqueles anos um pouco mais suportáveis, um pouco menos sombrios... E marcou também por todo o sacrifício que foi preciso fazer pra conseguir esses discos. Nesses tempos totalmente internetizados em que vivemos, quando conseguir um disco é bico (bastam alguns cliques no Soulseek e alguns minutos de espera), dá até uma certa saudade dos velhos tempos em que era uma dureza achar e comprar discos de bandas alternativas. Foram poucas as bandas que tomaram mais a minha grana do que o TFC, mas hoje tenho um baita orgulho desses meus quatro originais, todos importados, que na época valiam cerca de 35 pilas cada, uma verdadeira fortuna... Quanta moeda no porquinho, e quantos recreios em greve de fome, e quanta mesada-de-pai guardada com ardor religioso, só pra que eu tivesse o prazer de conseguir essas bolachinhas... E que prazer, é claro, ouvi-las depois do "martírio"!

Eu suspeito que aquilo que os jovens dos anos 60 descobriram ouvindo Help!, Rubber Soul, Sgt. Peppers ou Pet Sounds, eu descobri ouvindo Grand Prix, Bandwagonesque e Songs From Northern Britain. O quê? A banda pop perfeita. Com tudo redondinho e impecável, sem uma nota fora de lugar, sem uma sujeirinha ou fedôzinho pra incomodar: música praticamente impossível de não curtir de cara, sem pensamento, sem juízo, na simpatia mais espontânea possível... Depois da experiência Teenage Fanclub, tirei pra mim uma lição que uso até hoje pra julgar a música: se eu tenho que PENSAR pra decidir se uma banda é boa ou não, essa banda tem muita chance de não ser realmente boa. Com o Teenage Fanclub eu nunca precisei pensar: gostava e pronto.

Esse quarteto escocês, que nunca explodiu comerciamente em lugar nenhum (e que mesmo nos EUA é banda pequena, que nem tem certos de seus discos lá lançados), conseguiu compensar a falta de sucesso com a conquista de um séquito de fãs extremamente fiel. São poucas as pessoas que chegam a conhecer o Teenage Fanclub; mas dessas poucas, são muitas as que passam, daí em diante, a chamá-la de Banda da Minha Vida...

Os caras foram pescar nos anos 60 e 70 as maiores inspirações para o seu power-pop guitarrento e doce, erguendo, em plena década de 90, um monumento estupendo em homenagem aos seus heróis do passado: principalmente os Quatro Bês Fundamentais (Beatles, Beach Boys, Big Star e Byrds), mas também Neil Young, Gram Parsons, Badfinger, entre outros. O nome da banda já entregava: o Fã-Clube Adolescente compunha melodias grudentas em adoração ao pop-perfeito do passado, com nenhuma intenção "revolucionária" ou "vanguardista". E confesso que por vezes eu chegava a pensar que o que eles fizeram, muito mais do que somente um ato de adoração a grandes bandas antigas, era... superação.

Sim: cheguei a me convencer, com aquela tradicional pagação-de-pau exagerada característica de todo fã, que o Teenage Fanclub tinha superado qualquer banda dos anos 60 em termos de perfeição pop. Hoje já não tenho tanta certeza, e nem me importo em ter - afinal, não é preciso escolher entre o Teenage Fanclub e os Beatles, por exemplo, quando se pode ter os dois... O fato é que o TFC permanece ainda hoje como a principal referência do Revival do Power Pop nos anos 90, e é banda ainda insuperada por tantas outras bandas que tentaram fazer o mesmo (Posies, Matthew Sweet, Cosmic Rough Riders, Shins, Sloan, Ash, Brendan Benson...). E permanece o mistério: como é possível que o Teenage Fanclub, essa banda tão irresistível, não tenha vendido milhões de cópias e se mantenha ainda hoje como uma banda cult de baixas vendagens?

Grand Prix, segundo a opinião quase unânime dos fãs, é a obra-prima - se bem que haja quem prefira o lado mais "sujo" dum Bandwagonesque ou Thirteen, discos com um peso maior nas guitarras distorcidas, ou os discos mais "fofos" e baladeiros que virão depois, como Songs From Northern Britain e Howdy!. Mas Grand Prix, com sua produção cristalina, com suas guitarras menos feedbackadas e microfonadas, com seus vocais perfeitamente harmoniosos, com seu trabalho de equipe muito bem coordenado, é onde está reunida toda a verve dos Teenages. Um disco um tanto "humilde", sem dúvida, que não quer salvar o mundo, fazer espetáculo, revolucionar o rock ou instaurar uma nova vanguarda - e retrô, também, e sem nenhuma grande ousadia... Mas eu não vejo como reclamar de um disco desses: inspiradérrimo, apaixonado, sincero, borbulhante de vida e de sentimento...

Era 1995, na metade de uma década um tanto cínica e sombria, que tinha sido dominada até então pelo niilismo anárquico e suicida de Kurt Cobain e pelo punk ensombrecido de Seattle. Tempo de sombras. E o Teenage Fanclub ousou cometer um disco que ninguém ousava então: cheio de silly love songs cantadas sem um pingo de ironia, de cinismo, de rebeldia ou de escuridão. Esse quarteto de Glasgow, composto por jovens bem-educados e certinhos, não tinha nada a ver com a imagem do rock-star cabeludo, fedido, bêbado, auto-destrutivo e comedor de groupies... Eles chegaram mostrando que havia espaço para a doçura e para a delicadeza no rock dos 90. "Música de mariquinha!", alguns vão dizer... Mas quem disse que só os Machões marcam a história do rock? Bobagem. Na década da descrença, o Teenage Fanclub veio e disse, sem vergonha: acreditamos no Amor, na Honestidade e na Gentileza! Divindades que estavam, naquela época, tão fora-de-moda... Fora-de-moda, sim, mas a moda é algo que não dura: e as divindades cultuadas pelo Teenage, no fundo, são atemporais e sempre terão seus cultuadores. E eu não me importo de estar entre eles.

Tudo bem que há momentos não-tão-perfeitos em Grand Prix, principalmente por causa das músicas do Raymond McGinley, o menos talentoso dos três compositores da banda. Sempre achei que o Norman Blake e o Gerard Love teriam feito melhor se tivessem barrado as composições de Ray, as três que menos gosto no disco ("Verisimilitude", "Say No" e "I Gotta Know"). Apesar de serem perfeitamente audíveis e agradáveis, elas empalidecem em comparação aos grandes clássicos, que são mesmo da dupla Blake e Love (ouso dizer: o equivalente noventista ao Lennon e McCartey do passado). Infelizmente, Raymond não é o George Harrison do Teenage Fanclub. Minhas prediletas, até hoje, são "Sparky's Dream", com seu idealismo romântico exagerado, "I'll Make It Clear", com sua ingênua simplicidade, e, óbvio, o clássico dos clássicos, "Neil Jung", talvez a melhor pepita da história do power pop e séria candidata à Música da Minha Vida...

E as letras, que muito crítico sério considera o ponto mais fraco do Teenage Fanclub, podem mesmo parecer um amontoado de clichês românticos: à primeira vista, os escoceses não trouxeram nada de extremamente original ao formato, usado e re-usado e tre-usado, da canção de amor. Mas nunca me importei muito com isso. Tudo parecia sincero, e era o que importava. E eu me lembro bem o quanto os caras do Teenage Fanclub conseguiam, por vezes, expressar exatamente o que eu tava sentindo: decepção por não conseguir concretizar certos platonismos ("It gives me pain when I think of you / And the things together we'll never do..."); cansaço e melancolia derrotista ("You're tired, and you're broken / Your true feelings remain unspoken / You couldn't hide behind your name"...); sonhos amorosos bobalhões ("Just someting simple and unaffacted / We're getting closer than we expected..."); sem falar nas frases aparentemente bobocamente românticas, mas que, num tinha jeito, eu gostava ("Love is easy to define / Mine is yours and yours is mine / Through the pain, through the pain...").

Sim, já cheguei a desprezar o meu Teenage Fanclub, a achar que era uma banda "bonitinha demais pra ser verdade", a encostar os CDs no fundo da gaveta e deixá-los tomando pó... "Lixo kitsch! Música de marica!", dizia nos meus momentos mais rebeldes. Mas o fato é que sempre que eu ponho algum disco deles pra ouvir, e em especial o Grand Prix, isso me faz um bem danado: a vida fica instantaneamente mais leve, mais fácil, mais simples. Sem falar do prazer da memória: talvez os momentos de maior alegria da minha adolescência inteira tenham se dado ouvindo o Teenage Fanclub, esse refúgio musical contra as tempestades do mundo... Se eu pudesse escolher morar dentro de um disco, tipo me exilando numa Casa de Música, esse seria provavelmente o meu escolhido. Como não posso, me contento em ir até esse Poço de Doçura que é o Grand Prix e pegar pra mim, vez ou outra, um pouco de alegria - com meu balde furado... ;-)

:: DOWNLOADS ::

1990 - "A Catholic Education" (54 MB)
http://www.mediafire.com/?mjlbmmlwm2m



1991 - "Bandwagonesque" (57 MB)
http://www.mediafire.com/?g523nymdk2l



1993 - "Thirteen" (63 MB)
http://www.mediafire.com/?yz5ynzymi23



1995 - "Grand Prix" (55 MB)
http://www.mediafire.com/?ymcfufndmbm



1997 - "Songs From Northern Britain" (58 MB)
http://www.mediafire.com/?dm4mymudlw2



2000 - "Howdy!" (63 MB)
http://www.mediafire.com/?vuzmttizunn



2005 - "Man-Made" (64 MB)
http://www.mediafire.com/?iug2horyjdm


meu top
(se quiserem indicação de prioridades:)
01) GRAND PRIX
02) SONGS FROM NORTHERN BRITAIN
03) BANDWAGONESQUE
04) HOWDY!
05) THIRTEEN
06) A CATHOLIC EDUCATION
07) MAN-MADE

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

:: TV on the Radio::



[Dear Science]
TV ON THE RADIO

Ser jornalista de cultura é uma tarefa ingrata. Desesperador ter que escrever, por exemplo, sobre os filmes do David Lynch ou sobre os álbuns do TV on the Radio (ou do Medeski e seus comparsas, tão bem destilados aqui nesse ilustre espaço). Porque o que fascina nesse tipo de coisa é justamente o fato de situar-se no insituável: limbo? Vanguarda? Udigrudi? Tanto faz.

Sou bem suspeita pra falar de TV On The Radio porque considero o álbum anterior, o Return To Cookie Mountain, uma das coisas mais fodásticas dessa década. Uma mistura bem das boas entre lirismo e experimentalismo. Mas como pra amaciar o bife a gente tem que bater nos rótulos, vamo lá: seria algo como o Talking Heads dos anos 2000. Uma suruba entre Arcade Fire e Kraftwerk.

O álbum novo (pão quentinho cortesia do Depredando), “Dear Science”, não supera o outro, e acho que ninguém esperaria por isso. Mas mantém o espírito fresco da banda e aquele gostinho de “uou” que só essas coisas “exquisitas” podem fazer por você.

Delicie-se aqui

domingo, 21 de setembro de 2008

:: da série PÃO QUENTINHO ::

PRIMAL SCREAM - "Beautiful Future"
(mp3 de 160 kps - 61 MB):
http://www.mediafire.com/?4fiyoznqh4o


METALLICA - "Death Magnetic"
(mp3 de 128kps - 67 MB)
http://www.mediafire.com/?moqidjq2oew


JONNY GREENWOOD (do RADIOHEAD) - "There Will Be Blood"
[trilha sonora original do filme "Sangue Negro"]
(mp3 de 320 kps - 75 MB)
http://www.mediafire.com/?mv31yzrovdj


CALEXICO - "Carried To Dust"
(mp3 de 160kps - 51 MB)
http://www.mediafire.com/?yq3nzzddeey

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

:: Fino Coletivo ::



FINO COLETIVO


"Não diga que as estrelas estão mortas / Só porque o céu está nublado." Os versos de Wado, além de uma pérola de sabedoria popular, pode bem se aplicar ao cenário musical brasileiro, que pode parecer aos mais exigentes um panorama sombriamente nublado. Os emos espalham pelas paradas seu histérico chorôrô enjoativo via NxZero, Fresno e parentes; os dinossauros dos anos 80, como o Capital Inicial e o Ira!, se arrastam como tristes sombras do passado glorioso. Alguns mais radicais, órfãos dos Los Hermanos e revoltados contra a falta de produtividade, nos últimos tempos, de Mundo Livre S/A e Planet Hemp (bandas atualmente num limbo), podem se perguntar: que existe de bom nessa desgrama de país?

Uma das muitas respostas possíveis é: o Fino Coletivo. A banda reúne, com uma unidade que parece passe de magia, 7 artistas independentes de Alagoas e do Rio. O alagoano Wado, um dos nomes mais magistrais da MPB nesta década, veio para integrar a trupe depois do lançamento de seu 3o álbum, A Farsa do Samba Nublado. Trouxe junto um dos membros de sua banda de apoio, o Realismo Fantástico: Alvinho Cabral. Juntaram-se ao MoMo (Marcelo Frota) para umas jams, em 2005, e depois decidiram unir as turmas numa super-banda repleta de loops, grooves, suíngues, batuques e poemas coloridos.

Um coletivo é "um núcleo criativo mais descontraído, entre amigos profissionais, sem fórmulas e sem líder, mas nem por isso dispersivo", comenta Lauro Garcia em crítica para no Estado de São Paulo. "Nada daquela chateação de baladinha tecno lounge, que virou clichê de certas cantoras novatas." À semelhança da Orquestra Imperial, o Fino Coletivo também é um ajuntamento amigável de músicos engajados na estrada do groove, que se revezam nos vocais e nas composições, cometendo algo que consegue a proeza de soar ao mesmo tempo coeso e eclético.



Algumas das músicas deste disco de estréia já apareceram em discos do Wado e que ressurgem auqi em regravações sempre instigantes e pertinentes. "Tarja Preta", uma das grandes músicas de Cinema Auditivo, é um samba-funk primoroso que só não virou hit porque o Brasil não presta. Já a linda e melancólica balada "Poema de Maria Rosa" possui um sabor tão grande de autenticidade, um tom tão sincero, que não é difícil se emocionar com versos tão simples como:

E se na vida tudo não valer
Eu vou procurar você
Pra dizer que não deu certo
Nem bonito e nem correto
Mas a vida é mesmo assim.

Já "Uma Raiz, Uma Flor", do disco de estréia de Wado (Manifesto da Arte Periférica), é uma poética exaltação da Natureza que conta com criativas metáforas ("uma raiz é uma flor que despreza a fama") e versos inesquecíveis. Eles, os versos memoráveis, aliás não faltam num álbum que, apesar de não vir saturado de pretensões literárias, sempre carrega palavras que instigam. Em "Dragão", por exemplo, é com muita classe que se descreve um beijo na boca: "minha língua é um copo d'água na tua boca de dragão". Já em "Partiu Partindo", um lúdico jogo de palavras com o verbo partir e as palavras "partida" e "parte" gera quase uma música composta na língua do Pê.

"Hortelã" é pura nostalgia transformada em canção. É mais que saudade - essa tristeza pelo que se foi, essa dor de querer reencontrar o distante. Nessa pérola está espalhada a melancólica alegria de relembrar os "detalhes tão pequenos de nós dois", como diria o Robertão, em versos que montam um painel concreto de lembranças (a barra de hortelã, o sabor do chocolate, o sorvete dividido no primeiro verão, o abraço exposto na cidade, o céu laranja e o adeus do sol...). No refrão, em coro, o Fino Coletivo incentiva o ouvinte a entrar na mesma onda ("Deixa a vida lhe trazer recordações!") - e não é difícil deixar-se arrastar pela mesma corrente em direção ao passado, rememorado através de uma névoa sentimental e outonal.


Já "Tempestade", nos mergulha ainda mais numa tristeza que nos relembra de solitários urbanos que vagueiam através das multidões, inutilmente buscando algum conforto para o coração. "Eu tenho procurado amor, mas a rua é covardia", lamenta-se o eu-lírico. Um pouco de luz, porém, entra numa canção que, sem ela, seria perto de sufocante: "Eu tenho pouco amor. Mas o pouco é alegria."

Mas é aí que está o elemento idiossincrático do Fino Coletivo: uma banda que consegue soar tão triste em algumas músicas, pula rapidinho para sonoridades festeiras e alegres. "Mão na Luva", por exemplo, é quase um pagodão, levada no cavaquinho e repleta dos clichêzaços "laiá-laiás". Essa música irresistível não faria feio tocando nas rádios do povão ou animando o sambão na favela. A diferença é que certos beats eletrônicos e uma finesse poética transformam o que poderia ser sonoridade vulgar em material fino. Até o mais radical e enfurecido odiador das pragas como Só Para Contrariar, Raça Negra, Molejo e Exaltasamba, que assombraram nossas infâncias, pode se pegar irrestivelmente curtindo, pasmem, um pagodão. A música é uma divertida descrição de um personagem briguento, zicado e que não sabe andar na linha: "Só bate o prego onde a madeira racha / Se mete pedra é pra quebrar vidraça / Erva daninha do jardim. / E fecha a mão / É de briga em briga, é de graça / E errado ou com razão / Não se importa com a questão / Se é mentira ou se é trapaça."

Um disco ao mesmo tempo balançante e sóbrio, melancólico e afirmativo, nublado aqui e ensolarado acolá - prova de este coletivo sabe passear finamente por todas as cores do arco-íris musical e sentimental. E, como diz um célebre verso de Wado, isso é música pra quem tira aprendizado e alegria do que também não é bom.


DOWNLOAD:

http://www.mediafire.com/?7v8zthdzrzt
(mp3 de 192kps,12 músicas, 38min, 52MB)

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

:: Medeski, Martin & Wood ::

MEDESKI, MARTIN & WOOD
[DISCOGRAFIA - pt 1]

(Sensacional! MM&W vêm aí para nova turnê brasileira, com três shows agendados para Sampa - 2 no SESC Vila Mariana (sábado e domingo) e um no Bourbon Street (quinta-feira). Como comemoração, vamos ir postando a discografia deste magnífico trio de jazz-rock. O Marcolino já tinha falado sobre o disco novo aqui no Depredando tempos atrás - agora é hora de explorar os (maravilhosos) discos anteriores. Voilà:)


O Jazz Punk, Véio!
por Diego Fernandes
(no Scream and Yell)


Eles são o que há.

Não quero que isso soe muito exagerado aos leitores, mas, bom, dane-se: em termos de jazz, eles são a única banda que importa atualmente. E, a bem da verdade, este que vos escreve os considera também uma das coisas mais rock'n'roll da atualidade. Como o crítico Rob Mitchum do site Pitchfork sabiamente observou, por mais controverso que isso soe, o jazz é um gênero musical estagnado e morto, vivendo essencialmente através de aparelhos (re-re-reedições de clássicos), um estilo trancafiado em um gueto purista medonhamente conservador que conta com um número de artistas contemporâneos expressivos que não chega a encher os dedos de duas mãos (os amantes de música pop mais atentos já devem ter notado que o jazz escorreu quase todo para o rock, ainda que diluído e por vezes descaracterizado).

Se há luz na escuridão, esta luz atende pelo extenso nome Medeski, Martin & Wood. O trio é uma das últimas entidades musicais que se propõe a manter viva a chama da música improvisacional, empolgante, emocional, e – principalmente - inovadora que o jazz veio a representar com o surgimento de nomes como Miles Davis, Charlie Parker e Chet Baker. Caso você discorde dessa afirmação e concorda com a máxima headbanger de que "jazz é coisa de velho", pare de ler esse texto, agora, e volte para seus CDs do Nickelback. Já.

Formado por John Medeski (teclas em geral), Chris Wood (baixos acústico e elétrico) e Billy Martin (bateria e percussão), o grupo, que adota a clássica e tenaz formação "piano trio" (baixo-bateria-piano), chuta sempre em direções inesperadas. Seja ao incorporar batidas rap, seja apostando na interação com DJs, seja em seu descarado flerte com o pós-rock, a banda até agora acertou a mão em tudo que fez.

A exemplo de Miles Davis, adotam uma postura iconoclasta e parecem estar andando para o que críticos e especuladores possam vir a achar do gerenciamento de sua carreira - participaram de um disco com Iggy Pop (o subestimado Avenue B), tendo o grande Iguana chegado a chamar Medeski de "mestre do órgão Hammond". Por outro lado, gravaram um disco junto com John Scofield (o álbum A Go-Go), considerado o mais expressivo guitarrista de jazz da atualidade. Como elogio pouco é bobagem, o estilo de Chris Wood ao baixo chegou a ser comparado ao do mestre Charles Mingus.




:: DOWNLOADS ::

"TONIC" (2000) - 94 MB
http://www.mediafire.com/?fztziciu6lq

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"ELECTRIC TONIC" (2001) - 93MB
http://www.mediafire.com/?cxytpdvz0fi

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"UNINVISIBLE" (2002) - 51 MB
http://www.mediafire.com/?xqccstvk0ew

Vamos encarar isso: o rock precisa ser salvo. Do quê, exatamente? Oras, me parece óbvio: de se tornar uma instituição. Caso você não esteja lembrando, instituição é uma coisa inatacável, cuja estrutura e regras morosas podem matar o indivíduo no cansaço (e em geral matam mesmo). Se é essa a perspectiva para o maldito futuro do rock, se tornar mais ou menos o que o Oasis é hoje, bom, me mostrem onde EXATAMENTE fica a cabeça que eu mesmo atiro, no meio dos olhos, depois ajudo a enterrar. O verdadeiro rock não compactua com convenções sociais -- o que não quer dizer que o rock não vista sapatos e use gel de vez em quando, assim, quando dá na telha. Rock não significa três acordes e cabelo despenteado – não SOMENTE. Rock é estilo de vida, e sua capacidade de surpreender e levantar o dedo médio para tudo que não importa e faz uso de mediações escusas é o que o mantém vivo. Ou deveria. Supõe-se que a trilha sonora apropriada para essa insurreição pessoal deveria ser algo que dispusesse de vigor, criatividade e capacidade de alterar seu estado de espírito, certo? Bom, então permitam-me dizer que MM&W é rock. Tem que ser. Sem meias palavras, Uninvisible é incrível -- reitera a perigosa afirmação de que, se um artista é realmente bom, seu último trabalho tem de ser o melhor. A faixa-título já entra matando. É difícil resistir. O clima é nublado, fantasmas circundam -- velhos músicos negros desencarnados arrastando correntes ao redor. O que vem sendo mostrado por um punhado de artistas ligados à vertente minimalista do pós-rock é que a sobrecarga e o conseqüente esvaziamento ligados à pós-modernidade por vezes são combatíveis com ausência de palavras, abstração e propósito concentrado. Jazz? Cabe dizer que o som do MM&W não é propriamente minimalista – em verdade, certas passagens são tão grandiloqüentes que te fazem se sentir um fdp malvado rodando a cidade num Mavericão. O range de emoções que o trio percorre sem o uso de palvras (ok, há uma participação especial em estilo spoken word, uma exceção) é assombrosa. Salvar o rock não é o tipo de tarefa fácil, nem tampouco rende grandes louros (Cobain estourou os próprios miolos), mas é necessário, ciclicamente. Necessário que surjam artistas dispostos a comungar com seus instrumentos, entregar-se por completo, sangrar entre as notas. Também não é tarefa para uma única banda ou artista. Diversidade é um grande passo. Mas... jazz? Palavras de John Medeski: "Não quero entrar nessa discusão de ‘o que é jazz’ e ‘o que não é jazz’ -- porque a verdade é que eu estou cagando pra isso." Pensem nisso. Melhor: dêem uma ouvida nisso, como quem não quer nada. Se não gostar, deixe de lado, esqueça – fazer o quê? Mas, sim, jazz. Pode apostar. (Diego Fernandes)

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"END OF THE WORLD PARTY (JUST IN CASE)"(2004) 73 MB
http://www.mediafire.com/?mo9rgvjktyc

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"LET'S GO EVERYWHERE" (2008) 67 MB
http//www.mediafire.com/?v2cwqz5cmvn

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

:: Los Amigos Invisibles ::

da série: TOUR INTERPLANETÁRIO
DE DEPREDAÇÕES



LOS AMIGOS INVISIBLES,
direto de CARACAS, Venezuela.


Som: Funk, disco music, lounge mais latinices em geral e um pouco de acid jazz.

Histórico: Formado em 1995, o sexteto causou furor na insípida cena Venezuela com seu primeiro disco, A Typical And Autoctonal Venezuelan Dance Band. Soava como dance, mas usava guitarras elétricas; podia ser rock, mas tinha congas e um balanço incomum ao estilo. Como o reconhecimento esperado não veio, a banda mudou-se para Nova York em 1997, certa de que os gringos iriam valorizá-la mais do que os conterrâneos. Funcionou: o ex-Talking Heads David Byrne, sempre de olho no caldeirão terceiro-mundista, arregimentou o grupo para sua gravadora (Luaka Bop). No mesmo ano, fizeram a estréia fora de seu país natal, The New Sounds Of Venezuelan Gozadera, que recebeu boas resenhas nas revistas americanas. Arepa 3000, o trabalho seguinte, reforçou a boa receptividade da crítica para com a banda – só falta o público descobrir também que eles são muito bons.

Pra Quem Gosta de: Red Hot Chilli Peppers das antigas, Banda Black Rio, Stereo MC's.

(Bizz – março 2001)

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Disco Essencial:


Arepa 3.000 - A Venezuelan Journey Into Space
por EMERSON GASPERIN
(na Bizz, Dez 2000)

Quem procura sabe da dificuldade que é encontrar algum nome contemporâneo que ainda faça som festeiro sem recorrer somente a efeitos eletrônicos, scratches ou batidas sintéticas. Los Amigos Invisibles é para esse tipo de gente. Em seu 2º disco, o combo venezuelano mostra novamente que sim, é possível ser balançante (no sentido James Brown da coisa) e atual ao mesmo tempo – basta ter tino para dosar os ingredientes. Arepa 3000, como a estréia da banda (The New Sounds Of Venezuelan Gozadera, de 1997), explora à exaustão várias vertentes musicais dançantes – lounge, funk, ritmos latinos, house, disco music.

Tal versatilidade, somada ao capricho maior que o sexteto dedicou aos refrãos dessa vez, torna o álbum um deleite do início ao fim. É tamanha a maestria do grupo de fazer o povo se mexer que até parece que já um DJ na formação. Uma hora, teclados ordinários e astral de boate dominam o cenário, como em “La Vecina” ou “Caliente”; em outra, quem dá o tom é o suingue de “Qué Rico” ou “Cuchi Cuchi”. Recheando a farra, levadas que remetem a Chilli Peppers fase BloodSugarSexMagik ou a Santana envelhecido em martini (“Fonnovo”, “Mujer Policia”, “Si Estuvieras Aqui”, “Domingo Echao”). Fica a reflexão: quando até a Venezuela esfrega na nossa cara uma banda para representá-la com louvor na cena pop mundial, é porque a situação anda mesmo desesperadora.

DOWNLOAD (mp3 de192kps,60 MB):
http://www.mediafire.com/?5bjqib6gmvz

terça-feira, 9 de setembro de 2008

:: Idlewild ::


IDLEWILD
"100 Broken Windows" (2000)

Sem nervinhos e nem gordura.
por Fabricio Boppré


Esse 100 Broken Windows sempre me faz pensar numa virtude que não é todo bom álbum que traz consigo: "não deixar a peteca cair". A expressão é bem conhecida e a analogia, fácil: começar a ouvir o disco e sacar que ali tem música boa logo nos primeiros segundos, e esse momento agradável persistir, renovar-se a cada faixa, até o fim. Sem decepções, sem trechos descartáveis ao longo de todo o tempo que o disco estiver girando.

Coisa para poucos, pois é algo já meio que socialmente e mercadologicamente aceitável, nesta época onde ainda sobrevive (ainda que cada vez mais capenga) o velho conceito do álbum, que tenhamos sempre algo dispensável em meio às tantas músicas que compõem seu formato LP padrão. Uma ou outra música que agrade somente a poucos, algo mais divertido para a banda do que para o público. Momentos de visível falta de inspiração, "porque afinal, temos que encher pelo menos 40 minutos para soltar esse disco logo", pensaram os caras no estúdio. Às vezes até vinhetas.

Normal, não dá de exigir só filé mignon no lote de música nova que uma banda costuma gravar e colocar num LP a cada, sei lá, dois anos, mesmo existindo os singles, EPs e coletâneas de b-sides teoricamente destinados a isso, a abrigar as gordurinhas e satisfazer os fãs que não admitem não ter tudo (e a indústria, que não admite deixar de capitalizar sobre seus contratados). Quase nunca é só filé mignon, tem as gordurinhas, os nervinhos, as sementes, as espinhas, os pedaços queimados demais.

Comparações gastrônomicas à parte, o fato é que discografias seriam reduzidas significativamente se cortássemos do catálogo, mesmo de nossas bandas preferidas, as músicas que não passam pelo crivo de nossas exigentes e limpas orelhas. E isso que nem estou entrando no mérito da subjetividade dos gostos pessoais, que sempre geram divergências nas avaliações dos álbuns, na hora da conversa entre fãs. Enfim, comum e perdoável. Isso nem torna um disco ruim. Às vezes um -- como dizer? -- momento diferente, é até bem-vindo. Gordurinha de picanha, na farinha, tem seu valor.

Por isso há de se valorizar os discos que começam, terminam, e não te fazem desconectar-se da música que emitem nem por um minuto. O segundo disco do Idlewild, 100 Broken Windows, lançado em 2000, é um desses. Não te rouba o sorriso da cara um só instante. Ou, melhor dizendo, não te faz parar de batucar o pé ou balançar a cabeça, já que estamos falando de uma das mais competentes bandas de pop-harcore (não sou bom em rótulos, mas acho que esse é plausível e contextualizante o suficiente) a darem as caras nos anos 90, no vácuo deixado pelo Nirvana.

Como o disco tem como forte o conjunto homogêneo e nivelado bem alto, não faz muito sentido destacar essa ou aquela faixa. É tudo divertido e ultra-empolgante do início ao fim, ótimas músicas sucedendo-se sem intervalos -- porque no fim você realmente fica com a impressão de que nem os segundinhos protocolares entre-músicas foram deixados. Guitarras empunhadas e refrões cantados com gana e excelência melódica tais que dão a impressão que foi tudo gravado numa única sessão, num único fôlego inspiradíssimo de 42 minutos, num arroubo de criatividade florescido após o consumo de substâncias estimulantes extraterrenas. E que os caras poderiam até ter continuado o esforço por outros tantos minutos, gravando um álbum triplo, sem comprometer. Sem deixar a peteca cair.

Mas, como eu não resisto a uma enumeração de favoritas, acrescento que faixas como "Little Discourage", "Roseability", "Idea Track", "Listen To What You've Got", "Mistake Pageant" e "Meet Me At The Harbour" (foi difícil o esforço de escolher menos do que meio tracklist) são daquelas que te fazem pensar que mesmo um monge budista no Tibet não poderia negar que essa é uma música boa demais. Se existir internet nos mosteiros do Tibet, os monges podem tirar a prova com o link abaixo.


segunda-feira, 8 de setembro de 2008

:: PET SOUNDS - VOL IV ::

Sounds & Sights by
ERIC, tecladista da Superquem

Estréia dessa que voz fala no projeto fofunho do Depredando de Sons de Estimação, com a presença ilustre de Eric, o tecladista-chien andalou da banda bacanuda Superquem. Destaque do udigrudi paulista, a Superquem manda sonidos a la Sonic Youth, mas com pitadas generosas de amizade. Ou seja: lisergia sem restrições. O Ep de 2007 dos caras é sensacional e é passagem obrigatória dos depredadores a audição da faixa “Laura” - ouça e baixe aqui.

Eric foi precioso nas escolhas e, devido à inabilidade da blogueira em conseguir os mp3, ficamos com a contribuição do próprio tecladista, que selecionou vídeos de suas próprias indicações e me salvou de ser demitida do blógui, hehe.





1 - "Shadowplay" – Joy Division – porque “tristeza não tem fim, felicidade sim”; disco genial, uma sensação de vazio que nos faz sentir bem.

2 - "The Night" – Morphine – O fim de uns maiores trios contemporâneos, uma estocada no peito.

3 - "Mega Man 2 Flashman" – The Advantage – os maiores intérpretes da plataforma 8 bits dos games.

4 - "La valse des Monstres" – Yann Tiersen – na linha de que todo bom filme tem que ter um bom compositor.

5 - "Canto de Ossanha" – Baden Powell & Vinicius de Moraes – o horizonte das grandes misturas, o que viria a ser e ainda virá.

6 - "Você Foi Embora" – Graforréia Xilarmônica – o maior “power” trio braziliano.

7 - "Lágrimas de Diamante" – Moska íntimo e forte, é triste, bate firme pois é sincero.

8 - Rumo aos Antigos – Rumo – Tv Cultura é muito Rumo, ou Rumo é muito Tv Cultura?

9 - "Corra e Olha o Céu" – Cartola depois dos Oito Batutas, o maior conjunto de apoio do século passado.

10 - "Jaburu" – Constantina como traduzir isto em mínimas, semínimas e semifusas? É a sexta lista na pauta.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

:: The Smiths ::

THE SMITHS,
"Strangeways, Here We Come" (1987)

por Jardel Sebba
(no Noite Passada Um Disco Salvou Minha Vida)


Eu só não lembro se foi no fim de 1989 ou no começo do ano seguinte. O resto é nítido: minha mãe trabalhava no centro do Rio e eu, de férias, ia junto para me enfurnar pelos becos da Cinelândia. Algumas paradas eram obrigatórias, duas em particular. As bancas dos partidos políticos, na porta da Câmara dos Vereadores, onde discutia-se acaloradamente sobre a esquerda no Brasil e o novo Marxismo (existiam essas duas coisas na época). E a rua adjacente ao Teatro Municipal, onde colecionadores (e alguns recém-adeptos ao CD) se encontravam para trocar e vender discos de vinil. Ali foi a minha primeira prévia do Soulseek, onde conheci e ouvi milhões de coisas que não estavam à venda nas Lojas Americanas, e onde, numa dessas levas, trouxe para casa o disco mais importante da minha vida.

Naquele momento, eu tinha quinze anos e a triste convicção de que a música pop era burra. Gostosa de ouvir, dançante, excitante, intrigante, pegajosa, porém burra. Da voz rouca do Paul Young na Rádio Mundial AM aos primeiros números da Bizz, passando pela temporada histérica do RPM no Canecão e pelo meu primeiro disco, o sensacional Colours by Numbers, do Culture Club, o gosto pela canção pop já havia se instalado de forma irreversível em mim ao longo dos anos 80. Eu gostava daquilo, meu pé não negava, meu coração menos ainda. E não fazia diferença se fosse o Ritchie de óculos escuros no Chacrinha ou o absurdo show do Motorhead no Brasil que passou na Manchete. "A Vida tem Dessas Coisas" e "Ace Of Spades" nunca estiveram tão próximas.

Acontece que estávamos entrando nos anos 90, e os tempos eram outros. A América Latina tinha presidentes liberais, o Leste Europeu era um território livre, o mundo começava um ciclo sem Guerra Fria e o Brasil entrava na era Collor. Mais importante, eu estava naquele preciso momento deixando de ser um moleque descompromissado para me tornar um moleque chato, pedante, metido em discussões sobre a estética da crueldade enquanto bandeira ideológica em Saló, de Pasolini, ou sobre o impacto dos ensaios de Camus sobre a condição humana. Nesse contexto, a minha adorada música pop continuava grudenta como gel New Wave, mas parecia burra, muito burra.

Foi nesse contexto que, umas duas semanas depois de ter sido comprado nas bancas do centro, Strangeways, Here We Come, dos Smiths, tocou pela primeira vez na minha vitrola e mudou a minha maneira de encarar a música. Ele tinha a resposta. Nunca, em nenhum outro momento da história da música pop, a canção obteve um tratamento tão luxuoso quanto no derradeiro álbum dos Smiths. Ali, a música pop deixava a seção de enlatados e passava a integrar a de biscoitos finos.


Num primeiro momento, Strangeways... parecia uma mulher linda mas sem assunto; você se apaixona por ela, mas não entende muito bem o motivo. Algo que não estava claro então, mas que já se instalava no inconsciente, era que aquele disco fazia algo sublime a quem gosta de música: elevava a música pop à categoria de obra de arte. Se deixar apaixonar pela obra-prima dos Smiths é entender um disco de música pop de outra maneira, é perceber o artigo de luxo que aquela embalagem pode conter. Nunca o mundo foi tão simples e tão intenso, nunca poderia imaginar que meia dúzia de canções poderiam ser tão ricas, tão vivas, tão belas. Tão admiráveis e, principalmente, tão coesas entre si.

A partir de então, passei a entender que havia uma diferença entre os discos: havia aquele, como o Strangeways..., que precisam ser admirados como uma obra de arte, com a continuidade e coesão que se enxerga um quadro ou uma peça de teatro, e outros cujas canções podem figurar na próxima coletânea caça-níqueis da gravadora ao lado de meia dúzia de hits e lados Bs sem constrangimento algum para o consumidor. Algum estraga prazer há de mencionar a expressão "disco conceitual" para lembrar que discos para serem entendidos de forma contínua não eram novidade em 1987. Bullshit. Nenhum disco pode ser mais conceitual e coeso do que um que abre com "Oh, I Think I'm In Love" e fecha com "I Won't Share You".

É isso: o primeiro passo para me apaixonar por Strangeways... foi entender, depois de algumas audições, que aquele era um disco que falava essencialmente de amor. O amor da juventude perdida, o amor pelo que se começa e não se termina, o amor pelo ceticismo, o amor pela namorada em coma, o amor que é apenas um pouco menor do que costumava ser, o amor de sonho na noite anterior, o amor pelo ódio de quem não merece amor, o amor pelo que foi sua vida, embora você pudesse ter dito não, o amor de alguém que está perto, o amor que não compartilha seu objeto de amor. Dez faixas, dez tipos de amor. Se um disco podia ser tão simples e complexo, e ao mesmo tempo falar de amor de forma tão cortante e direta, talvezeu não precisasse de nenhum daqueles livros e cineastas e ensaístas, mas tão-smente de um quarteto de Manchester.

Há algo de mágico no testamento dos Smiths. Da capa, com Richard Davalos, à primeira faixa sem guitarras, a sublime "A Rush and a Push and The Land is Ours" (aliás, quantas vezes você começou a ouvir um disco e levou uma pedrada como "Olá, eu sou o fantasma de Joe, o encrenqueiro, enforcado em seu lindo pescocinho 18 meses atrás. Disseram 'há muita cafeína no seu sangue, e uma ausência de sabor na sua vida', eu disse 'me deixem sozinho porque eu estou bem, apenas surpreso de ainda estar sozinho'"?). Da linearidade das faixas nos dois lados do vinil (cinco de cada lado, uma canção "difícil" abrindo, uma canção épica no meio) à primeira participação de Morrissey como intrumentista num disco da banda, no dedilhado de piano da soberba "Death of a Disco Dancer" (aliás, quão profética ela seria sobre o futuro de Manchester e seu clube mais famoso, o Hacienda?). Da descuidada mixagem que deixou a frase de Morrissey no fim de "I Started Something I Could'nt Finish" perguntando ao produtor se aquele era o take final ("Ok Steven, shall we do it again?") ao inusitado solo no meio da inacreditável "Paint a Vulgar Picture", que nada mais era do que um recurso para cobrir o buraco que surgiu com a exclusão de parte da letra em cima da hora (aliás, quantas confissões são tão sinceras e ácidas sobre a vida no showbusiness?). Da introdução doentia de "Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me" à declaração de amor de "I Won't Share You" (na época, dizia-se que a gota d'água para a separação da banda teria sido o fato de JoOhnny Marr abandonar as gravações no meio para participar de discos do Bryan Ferry e dos Talking Heads. Seja lá que peso isso tenha tido, "I Won't Share You" faz todo sentido).

Aquilo que para mim era a introudção de uma banda que continuaria a mudar a minha vida, para a própria banda era o epílogo. Strangeways... começou a ser concebido em fevereiro de 1987, depois de uma mini-turnê européia. A banda chegou ao Wool Hall Studio, em Bath, num clima de euforia. Era um estúdio caseiro no meio do nada, e pela primeira vez ninguém precisava gravar correndo para voltar para casa. Bem servidos de álcool numa casa aconchegante, as jams varavam a madrugada. Pelo menos entre Marr, Rourke, Joyce e o produtor Stephen Street, já que mOrrissey dormia cedo, por volta das onze da noite, e não socializava nem quando deveria - há a célebre história do take de "I Started Something..." que o produtor levou para o cantor ouvir na sala de tevê. Street voltou para o estúdio informando que Morrissey não teria gostado de algumas passagens da gravação. Johnny Marr respondeu com um singelo "fuck him".

Na receita dos meses em que a banda se trancou para produzir o disco, muita cerveja, vinho e dancinhas ridículas ao som de Sign O' The Times, o então recém-lançado disco do Prince. Era o fim, mas nem parecia. Havia problemas, claro, as relações já haviam se desgastado, Johnny Marr, que havia entrado na banda aos 19 anos, sofria de estafa, e Ken Firedman era uma figura nefasta que rondava o estúdio e interrompia as jams para conversar em separado com a dupla de compositores da banda sobre dinheiro. Apesar de tudo, segundo o relato de quem esteve lá, os Smiths poucas vezes pareceram tão felizes e à vontade na vida.

Poderão surgir bandas melhores que os Smiths, letristas mais espetaculares que Morrissey, compositores mais geniais que Johnny Marr. Mas nunca mais haverá um disco como "Strangeways, Here We Come". Ele não é só um símbolo da música pop como produto de primeira necessidade. É, também, um antídoto contra a mediocridade. Sempre que ouço uma versão lamentável de alguma canção que eu gosto, ou quando inventam um hype sobre uma banda ruim, ou quando alguma farsa se apresenta como artista, ou quando vejo surradas jogadas de marketing que "chocam" a opinião pública, eu o coloco no toca-discos. Se um disco como aquele existe, não há razão para perder a fé na música pop.


DOWNLOAD (35 MB, 11 músicas, 128kps):
http://www.mediafire.com/?jhvmbjpaqpo

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

:: Super Furry Animals ::

SUPER FURRY ANIMALS,
Guerrilla


ROCK ALUCINADO SEM MEIAS-PALAVRAS
por JOSÉ FLÁVIO JR

O Super Furry Animals é a banda mais lisérgica do rock contemporâneo. Gruff Rhys, Dafydd Ieuan, Guto Pryce, Huw Bunfond e Cian Ciarán (nominhos bastante comuns, não é?) usam LSD, sim, fumam maconha, sim, e tomam chá de cogumelo, sim. O terceiro disco da banda, sucessor do ótimo Radiator (1996), reforça todo o amor que os integrantes cultivam pelo lado viajandão da vida. As letras de Guerrilla vão da filosofia nonsense de "Some Things Come From Nothing" ("Albumas coisas vêm do nada / nada parece vir de alguma coisa") ao tatibitati pra lá de pueril de "Chewing Chewing Gum" ("Não masque chiclé na cama / você pode acordar com ele preso no cabelo"). Quem conseguir sacar os trocadilhos em inglês terá prazer ainda maior. Em "Do Or Die", Gruff canta: "I am free / you are four / let's take a five". "Northern LItes", primeiro single do álbum, e "The Teacher" são as músicas mais grudentas - e são, justamente, as que têm letras menos viajandonas. O som continua parecendo com tudo e nada ao mesmo tempo. Você ouve e diz: "Isso é Pink Floyd, agora ficou com a cara do Blur, tem toques de Buzzcocks, pianinho à Dave Brubeck, lances eletrônicos, algum ritmo caribenho..." Dá pra dizer qualquer coisa a respeito do Super Furry Animals, menos que essa rapaziada não tem criatividade. Cogumelo neles!

DOWNLOAD (192 kps - 62 MB - 14 músicas):
http://www.mediafire.com/?qmc1p1p80wg