segunda-feira, 19 de abril de 2010

::Yasukatsu Oshima e a Música de Ryukyu::

- por Alexandre Nakamura -

Nascido na ilha de Ishigaki, parte do conjunto das ilhas Yaeyama, extremo sul do Japão, numa região que em alguns mapas ainda se lê "Ryukyu islands", Yasukatsu Oshima é um dos maiores representantes da música tradicional okinawana. Okinawa tem uma história paralela ao Japão que, pra além de suas belezas naturais, clima sub-tropical, récorde de longenvidade do mundo, karatê & etc, pouca gente conhece. Até o passado recente (por volta do século XVII d.C.), Ryukyu foi um país autônomo, um reino com suas próprias línguas, costumes, música, etc. Historicamente essas ilhas tiveram mais influência da China e das ilhas do pacífico sul em geral do que do Japão. O principal instrumento usado lá é o sanshin, o qual fiz um post dedicado à ele no meu blog.

Yasukatsu Oshima interpreta músicas tradicionais da região de Yaeyama como também de ilha principal de Okinawa (Uchiná, em uchinaguchi, a língua okinawana), além de composições próprias, sendo que a maioria são cantadas em uchinaguchi (língua de Uchiná), yamamuni (língua de Yaeyama) ou uchina-yamatuguchi (mistura de uchinaguchi com japonês).

Há quase 2 anos atrás foi minha última visita à essas ilhas, quando aproveitei pra trazer alguns cds entre eles o Shima Meguri, último disco solo do Yasukatsu Oshima.

大島保克・島めぐり
Yasukatsu Oshima: Shima Meguri - 2005

1.Kaisare
2. Kurushima Kuduchi
3. Agarizachi
4. Maheratsui, Maheratsui no Tosui
5. Kohama Bushi
6. Akayura
7. Tarama Shonkane
8. Honen no Ayagu
9. Irabu Togani
10. Kunjan Sabakui
11. Mashunku Bushi
12. Ichubigwa
13. Irayoi Tsukiyahama


Em 2007 ele lança um disco dueto junto com o pianista Geoffrey Keezer (famoso por ter tocado no Art Blakey's Jazz Messengers, entre outros) de músicas tradicionais, algumas composições próprias em arranjos de jazz não-convencionais pro minyô uchinanchú. Há uma entrevista interesante com Geoffrey aqui falando sobre esse dueto.


Yasukatsu Oshima with Geoffrey Keezer - 2007

1. Ryusei
2. Tsuki nu Kaisha
3. Kuinupana
4. Sukikanna
5. Tinsagu nu Hana
6. Menuhama
7. Agarikata Bushi
8.Sagechiyuya
9. Ufarakuitsui
10. Uyamaari

Muitas dessas músicas pro ouvido ocidental podem soar demasiado lentas, monótonas (pra muitos até sonolento...). Então coloco aqui também algo de agitado, pra dançar, chacoalhar a alma: kachashii. O kachashii é um ritmo mais festivo, geralmente tocando nos encerramentos de festas, casamentos, aniversários... até numa espécie de "rave" uchinanchú chamada mo ashibi (é um "after hours" que os okinawanos faziam antigamente na praia até o amanhecer). Essa é a chance de aprender o kachashii com Tooru Yonaha, outro grande expoente atual dessa música:

Yonaha Toru: "Kachashii a go-go" - 2004

1. Hounen Ondo
2. Kadiku
3. Tanchame - Ichiihanaribushi
4. Chatan mekata
5. Takouyama
6. Harikuyamaku
7. Umi nu chinboura
8. Uchina sanba
9. Mentaabushi - safenbushi
10. Ashibi amaga
11. Toushindooi

E pra conhecer mais um pouco sobre a música dessas ilhas, coloco aqui também uma coletânea com vários artistas, entre eles Rinsho Kadekaru e Misako Oshiro, além de uma entrevista com Rinsho Kadekaru explicando sobre instrumentos e as artes de Ryukyu (em japonês):


沖縄/祭り・うた・放浪芸 春
Okinawa Matsuri, Uta, Horougei - Haru (primavera) - 2003

1. shougatsu no ayagu
2. koudan - hachiki no orochi
3. narimono
4. hinsu jurigwa
5. gumuchibujo
6. kagyadefu bushi
7. shibai
8. hitori shibai
9. nmu haru
10. kaisare
11. yokanayo

domingo, 11 de abril de 2010

::THE HUMAN TRASH::

O Lixo Humano
Orgânico, Papel, Plástico e Metal - tudo cru

--- por Ana Alice Gallo ---

Há glamour na podridão da cidade. Há alma no rock e no lixo, esses excluídos produtos da nossa civilização, que muitas vezes se regurgitam em nossa própria cara. E a flor-de-lótus no esterco paulistano vem em forma de um rockabilly sujo e poderoso chamado The Human Trash. O power trio, formado pelo duo de guitarras femininas Mari e Mayra “Trash” e pelo batera L.T, se prepara para lançar o primeiro álbum “Welcome to Trashville”, mas já liberou um Epzinho bala com quatro dessas canções que mostram o potencial nada descartável da banda.

Comecemos pelo orgânico. A crueza do som do The Human Trash começa no fato de que dispensaram, sem delongas, o baixo. A bateria, feita com latão de lixo, lata de tinta, garrafa de breja e outras coisas que todos nós podemos encontrar na lixeira de casa, traz sua – como se pode imaginar – peculiar sonoridade, sem perder a força e a marcação encorpada tão característica de sons dos anos 50 pra lá. O trio, que também integra bandas do underground brasuca como Backseat Drivers, Pullovers, e da monobanda The Fabulous Go Go Boy from Alabama, se reveza nas vozes. E, ao abrir o latão, o ouvinte tem a sensação de ser transportado para qualquer inferninho quente e malcheiroso de onde o rock poderia brotar do chão.

Agora, o papel. Apesar de rezar a cartilha de uma seleta parcela do “indiebilly” brasileiro, calcada em compassos fechados de backbeat, rock anos 50, bluegrass e outras cruezas deliciosas, o frescor e a urgência da banda abrem espaço para que “Welcome to Trashville” seja aguardado com alegria por esta depredadora que vos fala. E, pra completar, quem assina a produção é o legendário Marco Butcher, uma das mentes por trás do glorioso Thee Butchers’ Orchestra e o Uncle Butcher and His One Man Band em pessoa.

Mas, ao contrário de outras pérolas da internet, a banda não é de plástico. Dá pra ouvir por aí, e em lugares bem bacanas, da capital ao interior de Sampa, passando por Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Londrina e Maringá. Em junho, a THT fará uma tour com a banda americana Two Tears pelo Brasil, anuncia o batera Luis. E, enquanto o CDzinho metálico não chega, baixe no virtual mesmo. Ouça, com certeza, as faixas “Trash Bomb" e "Trashville”.

sábado, 10 de abril de 2010

:: Pavement For Dummies ::


-- por Eduardo Carli ---

Nem sou muito chegado em coletas, que costumam ser pragas caça-níqueis que as majors tiram da cartola para maximizar lucros com sacais "greatest hits", mas esta bolacha do recém-renascido Pavement a gente faz questão de recomendar com entusiasmo. Baixem djá!

Stephen Malkmus e sua trupe, que tinham se separado após o quinto álbum Terror Twilight (1999), deram uma de Fênix neste 2010 e tão de volta das cinzas, com força total: vão sair na já hypada Tour da Reunião, escalados até como um dos headliners do Coachella, e rpometem musiquetas novas para logo. Para celebrar a renascença, soltaram este Quarantine The Past, bolachinha que serve como um excelente "Pavement For Dummies" (and for fans!): são 23 pepitas (incluindo singles e faixas de EPs, músicas não presentes em nenhum dos álbuns de estúdio), todas selecionadas pelos próprios caras.

Taí uma oportunidade supimpa pros leigos conhecerem várias fases e tendências de uma das mais seminais bandas noventistas --- da faceta low-fi / róque de baixíssimo orçamento à la Guided By Voices (e que gerou Slanted & Enchanted, um dos debuts mais cultuados da década) às doideras tortas à la Velvet Underground, das pós-punkices que vão no rastro do The Fall às letras crípticas, nonsense e cheias de referências pop que só encontram paralelo na lírica dum Beck ou At The Drive-In.

Todas as cancionetas assoviáveis e power-pop estão aqui, para que ninguém ralhe que o Pavement é uma "banda difícil e intragável", caso das irresistíveis "Cut Your Hair" (do clássico-mor Crooked Rain, Crooked Rain), "Stereo" (do modesto Brighten The Corners) e "Shady Lane" (do canto de cisne Terror). A faceta baladeira, sempre tingida com aqueles vocais charmosamente desafinados e tímidos à la Lou Reed, também marca presença (com "Spit On a Stranger" e "Here"), lado-a-lado com as barulheiras trashy e punky (como na esporrenta "Unfair"). E não falta o lado experimental-malucão-nerdoso do genial Wowee Zowee, um dos discos mais injustamente subestimados da história do indie-rock.

Não percam, pois, este discaço que vem em muito boa-hora pra nos lembrar que fodástica banda era (e é!) o Pavement. E que este disco nos instigue a cair de cabeça, mais uma vez, nestes 5 grandes álbuns que eles nos legaram, algumas das melhores obras do rock alternativo americano nos anos 90. Gold soundz!

Para mais info, remetemos à bela matéria da Pitchfork. Glue there!


PAVEMENT - Quarantine The Past
[23 faixas, 320kps, 150mb]
http://www.megaupload.com/?d=JTE5HTHI

quinta-feira, 8 de abril de 2010

:: Karina Buhr ::


:: DECOLANDO CONTRA A VONTADE DO CHÃO ::
- Por Eduarco Carli de Moraes -

Karina Buhr está bombando. Apesar de estar longe de ter se alçado de súbito a ao céu duvidoso das estrelas do "Mundo Pop", com estouros cintilantes mas efêmeros no Disk MTV e hit nas grandes FMS, no Universo Paralelo que é o Cenário Independente a moça desponta como uma das figuras nacionais que promete marcar este 2010. Com o lançamento de seu álbum-solo de estréia, "Eu Menti Pra Você", Karina têm recebido muitas loas da imprensa escrita em matérias notáveis na Ilustrada e no Estadão, sem falar de destaque na blogosfera em frequentadíssimos points digitais como o Eu Ovo.

Comadre Fulozinha, Karina ao centro.

A carreira pregressa da baiana Karina, que migrou ainda criança para Pernambuco mas mora há cinco anos em São Paulo, possui duas vivências essenciais. A primeira é sua presença na banda de Recife Comadre Fulozinha, dedicada a manter viva a tradição folclórica e musical local numa mistureba de maracatu, baião, ciranda, cantigas-de-roda e outros ritmos regionais --- coletivo no qual Karina canta, "bate um tamborzinho" e toca rabeca. Apesar de desconhecido nos grandes centros do Sudeste, o Comadre é uma força notável no Nordeste, tendo participado de gravações junto com o Mundo Livre S/A e o Eddie, além de ter gozado da "trutagem" de Chico Science.

A segunda das vivências cruciais da jornada de Karina foi sua vinculação ao Teatro Oficina, revolucionário grupo teatral paulista, idealizado por Zé Celso Martinez Côrrea, que provoca e subverte desde 1958. Karina integrou como atriz-cantante a trupe de Zé Celso em um dos momentos mais gloriosos de sua história: a encenação dionisíaca-tempestuosa de "Os Sertões", de Euclides da Cunha.

Depredando o Orelhão esteve no SESC Pompéia para presenciar e registrar em vídeos exclusivos o show de lançamento do álbum de Karina Buhr --- este "pão quentinho" brazuca que promete vir para integrar o panteão dos Novos Talentos da "MPB" (se usarmos a sigla num sentido bem amplo) que já inclui a Céu, a Mariana Aydar, a Bel "Bluebell" Garcia e a Tiê. O show foi um verdadeiro "acontecimento" que "atraiu legião espantosa da cena musical contemporânea", inclusive Céu e Curumin, como conta a matéria de Lauro Lisboa Garcia pro Caderno 2.

Karina, esbanjando a presença de palco que só mesmo uma atriz do Oficina seria capaz de prodigalizar, está longe de ser uma "show-woman" como estamos acostumados no famigerado "show-business" --- veja abaixo, por exemplo, um trechinho de "Avião Aeroporto" em que a cantora pira e entra num "transe" enquanto canta o mantra sado-masô "se bate de leve dói bate que com força mata":



Ter experenciado sua performance pra lá de idiossincrática me deixou uma persistente sensação de que "algo novo", ainda um tanto inefável e vago, difícil de descrever, aconteceu na música brasileira com seu surgimento. Karina Buhr, com todo seu bicho-grilismo e teatralidade genuína, com seu soteque nordestino charmoso e suas letras bizarras, sua simplicidade alegre e simpatia sem esforço, parece vir a somar algo de precioso a uma cena que, felizmente, tem nos dado cada vez mais "mulheres de personalidade". A banda que a acompanhava foi um show à parte: Edgard Scandurra (Ira!) e Fernando Catatau (Cidadão Instigado) nas guitarras, o sensacional "Miles Davis brazuca" Guizado (no trompete), Mau (no baixo) e Bruno Buarque (na batera).

Abaixo compartilhamos mais dois vídeos exclusivos do showzaço: o já hit "Ciranda do Incentivo", talvez a mais cáustica das composições de Karina, em que ela usa de ironia pesada com aqueles que querem "fazer uma ciranda pra colocar no disco / na lei de incentivo à cultura", tudo sob uma base de pancadão-funk/carioca; e a bela "Esperança Cansa", que conta com fodásticos solos de trompete de Guizado. Voilà:





KARINA BUHR - Eu Menti Pra Você

COMADRE FULOZINHA - 1999