terça-feira, 28 de abril de 2009

:: Caê ::

ISSO É CAETANO?
- por DIOGO SOARES -


Na zilionésima vez que ouvia o "Zii e Zie", do Caê, chegou um dos caras que mora comigo e tascou:

— Isso é Caetano?
— é sim, mas por que pergunta? - retruquei.
— Ahhh, se você dissesse que é um CD do Los Hermanos eu acreditava.

Em seu blog Caetano escreve que se vê como um "comentarista". Em oposição aos artistas que encarnam sua música, que a vivem, que a consomem e que se consomem. Entre eles cita Dylan e Jorge Ben (mas dá a dica que tá falando de Cobain e Hendrix também). Completa que isso dá margem pra muita gente não gostar de seus trabalhos. Mas que ele é assim mesmo. Tá de olho no mundo.

Em 2006 gravou "Cê". Agora lança com a mesma banda "Zii e Zie". Disse que ouviu até rachar o Pixies - BBC Sessions. Tava no show do Radiohead em Sampa. Discorre sobre Bowie e Nirvana. Diz que prefere Pistols ao Clash. Tudo isso num clima aberto para discussões numa troca bacana de idéias em seu blog.

Os dois álbus se completam. Z&Z acaba sendo menos ácido. E mais coeso. Mas pode ser explicado não como crítica ou avanço em relação ao Cê, e sim como parte de um conjunto maior de coisas. Assim, seria possível pensar que Caetano está olhando para os diversos contextos e influências que o rock carrega em seu DNA. Que vai cair num Mars Volta ou num Múm. Que tem Radiohead e Los Hermanos. Como eu disse, não há escolhas. Há comentários.




sexta-feira, 24 de abril de 2009

:: Medeski, Martin and Wood ao vivo em SP!!! ::

Orelhada!
Por Bernardo Santana


Constatação: o Depredando o Orelhão deve ao Medeski, Martin & Wood o equivalente ao PIB de um pequeno país em direitos autorais, tal é o chamego dos integrantes do blog pela banda. Para quem não conhece, trata-se de um trio de jazz-funk-experimental — WOW! — nova-iorquino formado em 1991 e que já prestou serviços honrosos à música muito mais vezes que qualquer dessas bandinhas preguiçosas por aí. Ainda não toca a sineta? Então toma essa, essa, essa e mais essa.

Este que voz escreve talvez engane bem, mas só conheceu a banda ano passado, graça ao twitter… Ok, mentira, só pra usar o sucesso alheio pra bombar a resenha… Na verdade, foi graças a um post do camarada Marcolino aqui mesmo, no D.O. Let’s Go Everywhere virou disco da vida, jazz de criança (no melhor sentido) pra mostrar pros filhos.

O show que estamos postando aqui serviu só pra confirmar quão foderoso é o trio. Realizado no SESC Vila Mariana no final de setembro do ano passado. Registrado graças a um pouco de cara de pau e a um gravador mezza boca (mas o som até que tá firmeza!). Ouvido por menos vezes do que deveria, admito, mais ainda assim troféuzinho exclusivo do Depredando (Yey!).

É só clicar e começar a groovear!

quinta-feira, 23 de abril de 2009

:: da série PÃO QUENTINHO ::

BOB DYLAN - "Together Through Life" [192kps - 51mb]
http://www.mediafire.com/?w2m3tzfqytz
extra: "Theme Town Radio Hour" (Dylan comanda 1h no rádio!)
http://www.mediafire.com/?ooy4gdj245y


PROPAGANDHI - "Supporting Caste" [192 kps - 52 mb]
http://www.mediafire.com/?jojmi2jyqz5


LAURA GIBSON - "Beasts Of Season" [192 kps - 60 mb]
http://www.mediafire.com/?zfalq3hj4rr


THE DECEMBERISTS - "Hazards of Love" [160 kps - 67 mb]
http://www.mediafire.com/?fmjfg0mmylf

segunda-feira, 20 de abril de 2009

:: Trail of Dead ao vivo! ::

...AND YOU WILL KNOW US BY THE TRAIL OF DEAD
ao vivo no Le Trabendo, Paris, 07/04/2009

por FABRÍCIO BOPPRÉ (*)


O Trail of Dead é uma banda que desperta muitas discussões. Não é, de modo algum, uma banda convencional (se é que há alguma). Os elementos que rodeiam sua música, a grandiloquência, as capas e ilustrações de seus álbuns, as vinhetas e faixas instrumentais orquestradas, as fotos e vídeo-clipes investidos de uma seriedade bem mal-disfaçada, tudo isso costuma atribuir aos caras uma pretensão meio diferente, algo que costuma-se associar ao pessoal do metal e seus temas habituais. E, antes que você tenha a oportunidade de assisti-los ao vivo, muito se ouve falar sobre a teatralidade de suas performances. Sem contar que estamos falando de uma banda que se intitula, na verdade, … And You Will Know Us By The Trail of Dead. Enfim, exagero é uma palavra que combina bem com o Trail of Dead, e não são poucos os que costumam achar que a banda soube trabalhar bem com isso até o Source Tags and Codes, obra-prima de 2002, mas que nos três discos seguintes, perdeu a mão e a coisa degringolou-se. Daí a transformarem-se, na opinião de muitos, em uma banda meio caricatural, em alguns casos até meio anedótica, não tardou.

Eu confesso que sempre fiquei meio confuso, o Trail of Dead sempre foi um enigma para mim. Não entendia os caras direito. Mas vou aproveitar a digníssima ocasião — eu vi o Trail of Dead ao vivo! — e fazer um esforcinho reflexivo aqui.

Apesar das evidências acima, muitas outras características da banda não batiam, não combinavam com essa idéia de que se trata de um pessoal que se leva a sério demais. Já viu alguma entrevista da banda? Os caras não param de falar palhaçadas. Suas respostas e explicações são sempre estapafúrdias, brincadeiras inventadas na hora, numa aparente competiçãozinha interna que eles promovem para ver quem fala a besteira mais engraçada. E apesar da arte de seus discos — os desenhos barrocos de Conrad Keely —, das vinhetas e de ocasionais títulos pomposos, sua música, como se sabe, não chega a ser totalmente contaminada por essa esquisita atração por temas clássicos. Ok, há aqui e ali um interlúdio metido a atmosfera de idade-média, coros e coisas do tipo, mas a banda se presta ao respeito e faz uma música pesada, é verdade, mas sem apelar para qualquer das idiossincrasias do metal, como os vocais constrangedores, as letras patéticas, as exibições de virtuosismo, etc. E antes que alguém se ofenda, não foi essa a intenção: eu também ouço algumas bandas de vocais constrangedores, de letras patéticas e com exibições de virtuosismo. Há de se manter viva a criança dentro de nós.

Enfim, o Trail of Dead parece se posicionar num caminho intermediário, os caras gostam de usar essas referências todas, mas numa medida suficiente que os permite serem ainda rotulados de, bem, rock alternativo (na falta de um termo melhor), e manter uma distância segura do heavy-metal. E quando perguntados sobre tudo isso, dão gargalhadas, riem e se esbaldam falando besteiras. E quando não são perguntados, também. Se divertem com a confusão que isso causa nos desavisados e tratam tudo com irreverência, sem atribuir grande importância à sua música, apesar das aparências.

Fui assisti-los no dia 7 de abril no Le Trabendo, em Paris, um local pequenino que fica dentro do Parc de la Villette, uma espécie de enorme parque que concentra casas de shows de diferentes portes e também um conservatório de música. Eu já conhecia o Le Trabendo, pois lá assisti um show da Isobel Campbell com o Mark Lanegan, e estava algo curioso sobre como um local de dimensões e feições diminutas poderia abrigar um show do Trail of Dead e seus seis integrantes, com suas famosas tendências a promover o caos. Mas nunca deve-se subestimar a falta de gosto dos parisienses pela música mais, digamos, agressiva. Se Kurt Cobain ressuscitar e reformar o Nirvana, é capaz de Paris ser a única parada da “I Hate Myself and I Want To Die (and I Did It) Tour” onde os ingressos não se esgotarão. Tenho certeza que na apresentação da Isobel Campbell com o Mark Lanegan o acanhado Le Trabendo abrigou mais gente.


O show foi parte da divulgação desse novo disco, The Century of Self, composto e gravado me parece que baseado num sentimento de descartar as experiências e a musicalidade mais variada do disco anterior (que mesmo a banda julga um trabalho mal-sucedido, dentro de suas perspectivas particulares) e voltar a trabalhar com os extremos que os fizeram notórios, mas mantendo o crescente grau de importância à melodia, que a banda vem refinando disco a disco, desde sua estréia, em 1998. Mas antes de vê-los defenderem suas causas, assistimos aos nova-iorquinos do So So Glos, uma banda de punk-rock desse mais festeiro, bem honesta e dedicada.

O Trail of Dead entrou no palco sob os urros dos poucos parisienses mais ligados à boa música e com "Invocation", a faixa instrumental de abertura do Source Tags and Codes, saindo das caixas de som, reproduzida a partir de algum computador por perto. Momentos de expectativa sentidos na pele, guitarras em punho (três logo de cara, com Jason Reece iniciando o show de pé, deixando a bateria por conta “apenas” de Aaron Ford), logo a música começa a jorrar e as coisas começam a fazer sentido.

Três músicas do The Century of Self abriram o show, também as três iniciais do álbum: "Giant’s Causeway", "Far Pavillions" e "Isis Unveiled". Logo em Giant’s Causeway, o turbilhão sonoro que os caras geram é de impressionar, mas a música me parece muito mais baseada no seu peso toneládico do que em qualquer outra coisa, de modo que a coisa começa mesmo com "Far Pavillions", uma faixa que caiu no meu gosto desde a primeira audição do novo disco. A dinâmica dos dois vocais no refrão, a cargo de Conrad Keely e Jason Reece, é de arrepiar. Na sequência, "Isis Unveiled" até que me convenceu um pouquinho mais, pois aquele detalhe da guitarrinha solo do começo, com seu pique épico-feliz que sempre me remete às detestáveis bandas de metal-melódico (só de conhecer o termo eu já não mereço crédito algum nesta vida), ao vivo é totalmente engolido pela barulheira.

Aliás, é preciso dizer que não são poucas as vezes em que esta barulheira rouba algo da música dos caras. Em alguns momentos é realmente difícil distinguir alguma melodia saindo do palco, pois a união de todos os instrumentos e a forma pouco delicada com que eles são tratados transmuta-se em mero barulho denso e dissonante. Talvez a acústica do local contribua para isso, não sei. Mas na verdade pouco importa, pois ali no show, o divertimento deixa de ser puramente sonoro e passa a outros campos sensitivos, na observação/participação da festa que a banda promove. Em alguns poucos minutos eles já estão suando, já derrubaram muita coisa, Jason Reece já tocou guitarra, esgoelou-se e já esmurrou o segundo kit de bateria. Quando você lê ou ouve falar sobre como um show do Trail of Dead é visceral, ou mesmo quando você assiste a algum vídeo, você pode até criar algo bastante próximo em sua imaginação, mas, para ter uma noção exata do grau de alucinação, só presenciando.

E os caras não se levam a sério demais coisa nenhuma. Eles, antes de tudo, se divertem. Dão gargalhadas, dialogam com o público (interagem de outras formas também, que vou comentar depois), espancam seus instrumentos com genuína sede de rock ‘n’ roll e evidente júbilo. Conrad Keely e Jason Reece de forma mais acentuada, logicamente. Na verdade, somente Kevin Allen (também membro desde o início da banda, junto com Conrad e Jason) passa quase desapercebido em seu canto.

O setlist prosseguiu com algumas ótimas surpresas, como "Stand in Silence", ótima faixa do So Divided, e a linda "Clair De Lune", uma das melhores do Madonna. A banda não toca muitas músicas, foram 13 no total, mas elas se estendem bastante. Nenhuma é executada igual à sua versão original em disco, ainda que geralmente estas extensões não soem exatamente como improvisos, me pareceram sempre coisas bem ensaiadas, que tiram proveito do grande entrosamento entre eles, apesar das mudanças no line-up dos últimos anos. Dentre as preferências pessoais, marcaram presença "Another Morning Stoner" (minha música preferida de todos os tempos, se tivesse que escolher só uma, numa hipotética e absurda enquete) e "How Near How Far", que a banda parece ter decidido incluir no último instante, inclusive desculpando-se por algum eventual erro, já que não a tocava há algum tempo. Aliás, desconfio que "How Near How Far", com aquele seu momento mágico onde a música cessa e renasce devagarzinho, ainda há de ser transformada em núcleo de alguma metodologia psiquiátrica que visa curar pessoas que sofrem de depressão profunda.

E, à medida que o show vai acontecendo, o Trail of Dead vai levando tudo às últimas consequências. Auto-preservação é um instinto do qual pelo menos Conrad e Jason nasceram totalmente desprovidos. Em "Totally Natural", uma música que mesmo em disco já traz consigo uma carga de violência magnífica que você sente no corpo, ao vivo te faz pensar que Conrad Keely qualquer hora vai morrer no palco; de tanto se colidirem e se balançarem, seus órgãos internos simplesmente irão parar de funcionar e o demente vai falecer ali e ninguém vai perceber. Jason Reece, fazendo parte dos vocais de "Caterwaul", se joga no público, puxando pelo pescoço um ou outro pelo caminho e dividindo com eles o microfone. Em certo momento o cara ficou ao nosso lado e, embalado por aquela estrofe final estupidamente empolgante, dava pra ver a adrenalina transpirando do corpo atarracado do rapaz.

O show terminou com "Richter Scale Madness", clássico brutal do primeiro disco da banda, e aparentemente, entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Momentos depois os caras já estavam em meio ao público, ainda encharcados de suor, rindo e tomando cerveja, Conrad Keely num estandezinho recebendo cumprimentos e tentando vender seus desenhos meticulosos. Um show do Trail of Dead derruba toda a aura de pretensão e gravidade que pode-se atribuir à banda, que pelo visto se diverte tanto batendo fotos posando com cara de malvados quanto debochando uns dos outros a cada tentativa desastrada de falar em francês, mesmo um simples merci beaucoup. Uns loucos muito divertidos e autênticos, sem dúvida alguma, que se já não fazem uma música brilhante como outrora, pelo menos protagonizam aquilo que é certamente um dos shows mais impressionantes que se tem notícia.


Setlist:

Giant’s Causeway
Far Pavillions
Isis Unveiled
Stand In Silence
Homage
Bells of Creation
Will You Smile Again For Me
How Near How Far
Clair de Lune
Totally Natural
Another Morning Stoner
Caterwaul
Richter Scale Madness


Downloads:

"SOURCE TAGS & CODES" [2002] (192 kps - 68 mb)
http://www.mediafire.com/?dtmz5lzyhtm

"WORLDS APART" [2005] (192 kps - 61 mb)
http://www.mediafire.com/?xgwzt2byvky

"THE CENTURY OF SELF" [2009] (192 kps - 83 mb)
http://www.mediafire.com/?j2wb2zn2jzz


(*) Fabrício Boppré, correspondente do Depredando em Paris, é o criador e editor-chefe do bacaníssimo portal Dying Days, dedicado a todas as bandas que revolucionaram o rock nos anos 90. Glue there!

sábado, 18 de abril de 2009

Jeff Buckley


"There's no time for the hatred, only questions: What is love? Where is happiness? What is life? Where is peace? Where will I find the strength to bring me release? Tell me where is the love in what your prophet has said! Man, it sounds to me just like a prison for the walking dead! Oh, i've got a message for you and your twisted hell! You better turn around & blow your kiss goodbye - to life eternal, angel..."

(JEFF BUCKLEY)


"Love is not a victory march,
It’s a cold and it’s a broken hallellujah…"

(LEONARD COHEN)



Foi uma das mortes mais misteriosas que o rock já conheceu. Conta a lenda que, na noite de 29 de maio de 1997, Jeff Buckley, 30 anos de idade, bebeu um pouco de vinho, entrou num afluente do rio Mississipi completamente vestido e cantando alto um clássico do Led Zeppelin. Depois de alguns minutos nadando de costas, desapareceu debaixo d'água, deixando pasmo o amigo que tinha ficado ali, na margem, só observando a extravagância do companheiro... Dias e dias depois, o cadáver foi descoberto boiando nas águas do lendário curso d'água, aquele mesmo que testemunhou o nascimento do blues e que, nesse dia, servia de leito funerário para um pequeno gênio da música americana... e até hoje, sem achar resposta, ficamos a nos perguntar: o que diabos aconteceu?

As investigações da polícia concluíram por "afogamento incidental", já que nenhum sinal de intoxicação química foi encontrado no corpo de Jeff e a hipótese de suicídio parecia improvável. O fato é que, naquela noite, o mundo perdia um dos maiores talentos musicais que tinham surgido nos anos 90: Jeff Buckley, filho do mito do folk Tim Buckley, deixava atrás de si um pequeno legado - mas um que não pararia de emocionar, conquistar corações e influenciar dúzias de músicos e bandas. As dez músicas de Grace (além das quatro do Sin-é EP) são o único documento musical que Jeff Buckley lançou em vida. Depois, é claro, como é costume, uma avalanche de lançamentos póstumos chegariam às lojas, incluindo o inacabado segundo disco Sketches For My Sweetheart The Drunk, alguns álbuns ao vivo (com destaque para o ótimo Mystery White Boy), coletâneas de Eps (Grace EPs) e relançamentos de projetos antigos (Songs For No One, com Gary Lucas).



A morte trágica de Jeff, que parecia ecoar o fim de seu pai, morto após uma overdose de heroína em 1975, aos 28 anos, foi o que bastou para selar seu destino como um mito de primeira grandeza - e hoje não há dúvida de que ele é um dos maiores ídolos cult dos anos 90 e Grace um dos discos mais peculiares, tocantes e lindos da década. O sucesso comercial nunca veio de verdade (ele era bom demais para o mainstream...), mas Jeff Buckley conquistou uma série de fãs famosos que ajudaram a fazer seu elogio e propagandeá-lo: de Patti Smith (que convidou-o para um dueto em "Beneath The Southern Cross") a Jimmy Page (que o considerava um dos melhores vocalistas surgidos nos últimos 20 anos), de Brad Pitt (que considera a música de Buckley "uma obsessão" e que esteve cotado para encarná-lo na telona) a Chris Cornell (que gravou "Wave Goodbye", linda música de seu primeiro disco solo, em homenagem e tributo à Jeff), de Elizabeth Frazer (a vocalista do Cocteau Twins) a Bono Vox... entre muitos outros.

A história, em resumo, é a seguinte: Jeff Buckley deixou sua Los Angeles natal para tentar a sorte em Nova York no começo dos anos 90 e deu um jeito para se inserir na cena folk e boêmia do Greenwich Village - onde tocou por alguns anos em vários barzinhos, cafés e boates, lentamente construindo uma procissão de fiéis seguidores, até ser descoberto por uma grande gravadora e lançar, em 1994, este Grace. Steve Berkovitz, um dos chefões da Sony Music, revelou em entrevista à BBC (para o documentário Everybody Here Wants You) o tamanho da empolgação que Buckley causou. Era crença geral na gravadora de que ele se inscreveria na história do rock junto a nomes míticos de primeira grandeza: "Acho que a Columbia e a Sony meio que pensaram que a coisa seria: Dylan -> Springsteen -> Buckley". Não somente ele era o filho de um grande mito musical do passado, como também tinha um talento próprio inegável - não é à toa que tinha assinado um contrato de um milhão de dólares (!!) com a Columbia...

E Grace, apesar de não ter virado um sucesso de vendas espantoso (“Last Goodbye” foi a única música a se tornar um semi-hit), foi amplamente elogiado pela crítica e parecia ser apenas a primeira pedra na construção de um edifício que teria tudo para ser monumental. Todo mundo pensava que Jeff Buckley iria lançar uns 30 discos, gravar até fazer 70 anos de idade e consagrar-se como um dos gigantesco deus do rock - sim, na altura de um Dylan, de um Springsteen, de um Van Morrison... Mas ah! Esse foguete, na ascendente, explodiu em pleno vôo - e até hoje os fogos de artifício resultantes dessa explosão se esparramam pelos céus do rock, para deleite dos nossos olhos...


Convivo com Grace há pelo menos uns 8 anos, o que já basta para dizer que somos amigos de longa data, íntimos, inseparáveis, que não brigam jamais - e é incrível que eu não tenha enjoado nem um pouco de um disco que já escutei na íntegra dezenas e dezenas de vezes. Há alguma coisa aqui que impede que essas músicas envelheçam, algo que não deixa a familiaridade se tornar enjôo, algo que permanece sempre novo, sempre fresco, sempre tocante... Eu não acho difícil me imaginar com 60 anos de idade e ainda gostando de Grace tanto quanto sempre gostei (mais fácil do que ser um velhinho que curte Nirvana, isso é... :)

Grace não foi somente um mero princípio promissor de uma carreira que tinha tudo pra ser brilhante. Foi sim um clássico instantâneo e reconhecido como tal antes mesmo do fim trágico de Jeff. Essas 10 canções foram o suficiente para escrever seu nome na história da música nos anos 90 - e, se me permitem um pouco de sentimentalismo, mesmo que não houvesse mais gravação alguma disponível (felizmente há bastante material, como provam os vários lançamentos póstumos), só Grace já bastaria para que eu levasse Jeff Buckley e sua música primorosa pra sempre inscritos no coração.

Jeff Buckley é certamente um dos meus cantores prediletos de todos os tempos: que voz! QUE VOZ! Que união perfeita entre um feeling extremo e uma técnica espantosa. Que coragem para passar do sussurro que beira o silêncio ao grito mais primal. Que ousadia para ir até o limite extremo da voz, até o ponto em que parece que as cordas vocais já estão prestes a se rasgar. É de deixar boquiaberto.

Sempre me deixou pasmo, por exemplo, a maneira como ele conseguia prolongar a voz - dar um "sustain" - por um tempo incrivelmente longo, como no final de "Grace", quando ele tira do fundo da alma um inacreditável grito - que sempre me dá uns calafrios lá no fundo da alma. E, como nota muito bem o Gary Marshall, Jeff Buckley nunca se deixou dominar pelo exibicionismo ególatra que contamina muitos vocalistas de talento ("he never let his ego get in the way of the songs and Grace is mercifully free of the vocal histrionics that plague most naturally talented singers", diz Gary). E o melhor: ele parecia ter uma conexão íntima e profunda com as letras e nunca cantava palavras que não tivessem uma ressonância sentimental. "I need to inhabit every bit of a lyric", disse ele em outra entrevista, "or else I can't bring the song to you - or else it's just words..."

Sim, Grace está longe de ser um disco "homogêneo". O mesmo garoto que cantava aos sussurros a melancólia balada "Hallellujah" entrava num transe cobainiano e berrava como um endemoniado sobre um fundo quase speed-metal em "Eternal Life"... O mesmo cara que cantava com voz afeminada e operística "Corpus Christi Carol" soltava a voz como um bom rock star no refrão explosivo de "Mojo Pin"... O que levou alguns a acharem Buckley um cara incoerente e que não soube dar unidade ou continuidade ao álbum. Não concordo. Pra mim a coisa faz todo o sentido e a variedade de estilos em Grace só comprova a variedade dos gostos e habilidades de Buckley, um artista realmente plural e um vocalista ultra-eclético e de voz realmente abençoada. O lance é que ninguém aprende a cantar desse jeito: essa voz é um dom. É graça.

Tim Buckley, o paizão, também era um cara bastante eclético e que usava sua voz com uma radicalidade extrema – mas acho bobagem reduzir a música do Jeff a uma mera continuação da obra do seu velho (que Jeff, aliás, mal conheceu, que o influenciou muito pouco e que morreu quando ele era ainda criança). Apesar da semelhança de voz inegável (a genética explica...), Jeff Buckley foi pescar suas influências em outros lugares: no Led Zeppelin e nos Smiths, em Van Morrison e Janis Joplin, no Big Star e no MC5, na diva francesa Edith Piaf e no paquistanês Nusrat Fateh Ali Khan... Page & Plant, como ele sempre confessou, tiveram para ele uma influência muito mais marcante do que a música e a voz do pai. "A primeira voz pela qual me apaixonei", disse em uma entrevista, "foi aquela do jovem Robert Plant" - e ele completava, engraçadinho: "na época em que ele soava como a Janis." (É um momento hilário: "He was trying to sound like Howlin' Wolf, but he didn't. He sounded like some fucking animal.")

O disco inteiro é excelente e eu nunca tive vontade de pular música nenhuma, mas é claro que tenho minhas prediletas. “Grace”, a música, é um fenomenal exercício de exorcismo da morte e tem um dos clímaxes mais arrepiantes que eu conheço; “Lover, You Should Have Come Over” me lembra as melhores coisas do The Queen Is Dead dos Smiths e é, fácil fácil, uma das minhas 10 músicas prediletas em todos os tempos; o grunge “Eternal Life”, que entra rasgando a tranquilidade do disco com guitarras distorcidas e gritos irados, é um das músicas de rock pesado que eu mais admiro e que mais me emocionam entre todas que já ouvi – e tem outro daqueles clímaxes inacreditáveis...

As 3 covers também foram muito bem escolhidas e, melhor que isso, são muito mais do que meras "cópias" das originais: Jeff transformou cada uma delas em uma coisa absolutamente sua. A lindíssima versão para "Hallellujah", de Leonard Cohen (já gravada também por John Cale), é um daqueles casos de cover que ultrapassa a original de tal maneira que fica em seu lugar como a versão definitiva e incomparável - mais ou menos do jeito que foi com a versão de Hendrix para "All Along The Watchtower", de Bob Dylan. O standard jazz "Lilac Wine" (famoso na voz de Nina Simone) e o exercício vocal quase operístico de "Corpus Christi Carol" (de Benjamin Britten) também ficaram excelentes.




Grace é um disco atormentado, sim, cheio de angústia e melancolia, onde a voz é quase sempre o veículo para um lamento todo dolorido - repleto de sombras, como se essas músicas estivessem todas mergulhadas na penumbra... Em "Last Goodbye", é a morte do amor ("I hate to feel the love between us has died - but it's over...") e a distância e a dificuldade de vencer as barreiras entre os amantes ("Why can't we overcome this wall? Well, maybe it's just because i didn't know you at all...") o que ele narra; em "Lover...", é a ânsia por um amor impossível de satisfazer ("I'm broken down and hungry for your love, with no way to feed it... Oh, child, where are you tonight? You know how much I need it...") e a falta de experiência e de sabedoria ("Maybe I'm just too young to keep good love from going wrong..."); em "So Real", é simplesmente o medo de amar, confessado com uma simplicidade tocante ("I love you, but i'm afraid to love you... I'm afraid to love you...")... Conheço poucos versos que pareçam mais sinceros, mais humildes e mais verdadeiros.

Ouvir o canto frequentemente lamentoso de Jeff não é algo que deprima; é algo que eleva, purifica e comove - porque o lirismo e a beleza estão lá para redimir toda a tristeza. A morte é também um fantasma presente em vários cantos do álbum, mas nunca a coisa descamba pra morbidez. A mensagem de "Eternal Life" é que devemos aceitar nossa finitude, por mais amargo que isso seja ("You better blow your kiss goodbye to life eternal, angel..."), já que a morte, como canta ele em "Grace", não é assim tão má: "Não tenho medo de ir", canta, "Ela me lembra de toda a dor que vou deixar pra trás...".

Sim, a vida de Jeff, breve como foi, e tão tragicamente interrompida, não deixa com isso de ter sido completa e de ter rendido lindos frutos. Sim. Mas como evitar a imaginação dos futuros que nunca serão? Ah, tudo o que ele poderia ter sido... Nós todos, fãs de Jeff Buckley (mas não só dele: de Kurt Cobain, de Elliott Smith, de Nick Drake, de Schubert... e de tantos outros que morreram ainda na juventude, e com tanto ainda a dizer...), não conseguimos evitar essa sensação de termos perdido demais com sua morte - apesar de termos ganhado tanto com sua vida...

Muito da beleza trágica de Grace está em saber que o cara que deu à luz esta pérola não passou mesmo de uma estrela cadente, que passou pela Terra espalhando pelo céu um brilho efêmero mas memorável, antes que a morte, como sempre faz, tenha rasgado bruscamente um trabalho em andamento. É um destino trágico, sim, que nos sugere que nossas vidas nunca vão passar de rascunhos que nunca teremos tempo de passar à limpo... mas que belos rascunhos saem, às vezes! Pelo menos, se isso serve de consolo, é bom saber de algo que ficou dessa vida - e algo de magnífico. E é bom saber que sempre teremos Grace e suas dez músicas nos fornecendo um interminável alimento para a saudade...


"Grace" (1994) Legacy Edition (Deluxe)
download CD 01 || CD 02

"Sketches for My Sweetheart the Drunk" (póstumo)
download (álbum duplo em zip único)

quarta-feira, 15 de abril de 2009

:: Road Rash ::


You've been away for so long
You can't ask why
Swervedriver – Duel

Nesses dias de vida de proletário de merda o que me deixa feliz é botar o fone e escutar música no talo. E música que me dá nostalgia. E música das minhas tardes de nerd vagabuundo jogando 3do com a camaradagem. E música rock dos bão. Grunge dos bão. Anos 90 dos bão. Tempo dos bão. Continuo aqui com fone na cabeça e sorriso na cara.


1. Hammerbox – Simple Passing
2. Hammerbox – Trip
3. Paw – Jessie
4. Paw – The Bridge
5. Paw – Pansy
6. Swervedriver - Duel
7. Swervedriver – Last Train to Satansville
8. Soundgarden – Rusty Cage
9. Soundgarden – Kickstand
10. Soundgarden – SuperUnknown
11. Soundgarden – Outshined
12. Monster Magnet – Dinosaur Vacume
13. Therapy – Auto Surgery
14. Therapy – Teethgrinder

DOWNLOAD (60MB)


terça-feira, 14 de abril de 2009

:: da série PÃO QUENTINHO ::

HEAVEN & HELL [Iommi, Dio, Butler e Appice] - "The Devil You Know"
http://www.mediafire.com/?w1gjzwm1g1z [192kps - 73 MB]


DOVES - "Kingdom Of Rust" [192kps - 68 mb]
http://www.mediafire.com/?mtngtjx0ntn


FEVER RAY - idem [160kps - 54 mb]
http://www.mediafire.com/?nynhqytmdkd



GOMEZ - "A New Tide" [192kps - 73 mb]
http://www.mediafire.com/?mzomtjtzgdi



BAT FOR LASHES - "Two Suns"
http://www.mediafire.com/?vmmkium52zn [192kps - 61 mb]

domingo, 12 de abril de 2009

:: saldão de móveis coloniais ::


FEIJOADA BÚLGARA II - A MISSÃO

- os Móveis Coloniais de Acaju preparam um novo levante
para tomar de assalto o pop nacional com seu segundo álbum
-


por Eduardo Carli de Moraes


Eles não são somente uma banda: são uma comunidade neo-hippie. E vêm aí, a todo gás, convidando-nos a aderir à seita! E quem há de resistir?! Na estrada desde 1998, o Móveis Coloniais de Acaju, a big-band mais cool do Brasil, prepara-se agora para lançar seu segundo petardo. "Compl_t_", o aguardado disco novo do super-grupo de Brasília, desembarca prometendo ser um dos grandes acontecimentos no Pop tupiniquim em 2009.

O álbum foi produzido pelo gabaritado Carlos Eduardo Miranda (que já trabalhou com Skank, O Rappa, Cordel do Fogo Encantado e Cansei de Ser Sexy, entre outros) e será disponibilizado para download gratuito no site da Trama Virtual neste mês de Abril. Profetizar que será um grande sucesso não é risco algum: nada parece mais plausível do que vermos o Móveis tomando o pop de assalto e tornando-se uma das maiores bandas desse país.

Mas a responsa é grande: depois de terem lançado um dos álbuns de estréia mais espetaculares que uma banda nacional lançou nesta década, eles retornam tendo que fazer jus às altas expectativas dos milhares de fãs que já conquistaram. O disco novo chega tendo várias missões na mira: tentar transpor para o estúdio todo o punch e paixão que demonstram em cima do palco; provar que a criatividade está intacta mesmo depois da perda de um membro-chave (o guitarrista e compositor Leonardo Buzrstyn, que mudou-se para os EUA); e dar mais uns passos em direção ao mainstream nacional, onde o vácuo deixado pelo hiato dos Los Hermanos solicita um preenchimento à altura.


O grupo é composto por nada menos que 10 músicos, o que já torna a sonoridade bem mais rica do que a média, com a presença de instrumentos que incluem flauta transversal, sax, trombone, gaita e escaleta, entre outros. Talvez pelo tamanho grandalhão da turma, o som do Móveis seja tão variado e aventureiro, síntese de influências das mais diversas. Definir o som da banda, além de tarefa ingrata, seria um mutilamento: eles soam ora como uma banda de ska que gosta de Jorge Ben, ora como uma big band de jazz que tivesse um tempero MPB, ora como rock and roll de maconheiro ou como um samba-funk de malandrão – daqueles pra ouvir num churras, em dia de Sol escladante, com muitas geladas e direito a uma pelada de futebol... Uma verdadeira "feijoada búlgara", como eles mesmos curtem se auto-definir.

Talvez dê para encontrar similaridades com big-bands gringas como o Big Bad Voodoo Daddy ou o Royal Crown Revue. E no Brasil talvez seja possível enxergar no Karnak um grupo precursor dessa zoada salada mista. Mas o Móveis na verdade soa fresco e original como pouca coisa que veio antes deles. E o que é soa ainda mais inaudito e surpreendente é a performance ao vivo dos caras, que já deixou muita gente boquiaberta e encharcada de suor pelos palcos por aí. Não é à toa que ganharam reputação de terem um dos shows mais espetaculares do Brasil: em carne e osso, os malucos são uns alucinados.

O Móveis ao vivo é pura catarse: chove sobre o público uma tempestade de energia bruta e excitação descontrolada, num ritual hedonista festeiro que é capaz de nos levar a um estado quase de Êxtase. O vocalista André González parece um molecão anfetaminado que pula, se contorce, se esgoela e se esparrama pelo chão e pelos ares, sempre com a energia no talo, como um coelho da Duracell chapadaço que está sempre com as pilhas repletas. É tão cool que dá até raiva. O cara faz qualquer outro "líder" de banda nacional ficar parecendo sem sal e necessitado de passar por um Curso Intensivão de “Como Ser um Showman Do Caralho”. Ele canta como faria um Frejat mais punk e desencanado, um Amarante de cabelo-sujo ou um Julian Casablancas mais extrovertido e sacana. E sempre se entregando com toda a alma à performance.

Já os caras dos metais, pisoteando os clichês que mandam os músicos ficarem quietinhos num canto do palco, saem correndo feito uns insanos, fazem micagens e macacagens, bolam dancinhas curiosas - tudo com a sonzeira rolando. Quem já viu sabe: a banda inteira parece morrendo de tesão de estar ali, envolvida nesta Experiência Coletiva Fuderosa que apaga os contornos entre público e artista e nos junta a todos na mesma festa, no mesmo lugar do caralho, "todos juntos numa pessoa só" (como diriam os Mutantes sob efeito de LSD). Num show dos Móveis, nem é preciso ácido para que estejamos todos juntos numa pessoa só. E isso é um dos maiores elogios concebíveis que se pode fazer à performance ao vivo de uma banda. Dá pra acreditar que os putos fazem a galera pogar e pular mesmo quando estão tocando (pasmem!) uma cover do Portishead?!?

Enquanto o álbum novo não sai e uma nova turnê não se inicia, um tiragosto do futuro do Móveis já está disponível no site oficial da banda e no You Tube: vídeos da banda tocando ao vivo todas as músicas de "Compl_t_". À primeira audição, as novas composições parecem um tanto menos saborosas no quesito literário, o que talvez se explique pela saída do (ex)guitarrista Leonardo Bursztyn, que compôs as letras (geniais) de "Perca Peso", “Aluga-se Vende”, "Copabacana" e "Menina Moça", dentre outras pérolas do 1o disco. (Bursztyn, que já demonstrava ser uma mente brilhante na música, está fazendo doutorado em economia na Univerdade de Harvard, prova de que é tem mesmo uma puta cabeça).

O “novo Móveis” não possui mais a sátira social cáustica que se via em "Perca Peso" (que zoava, por exemplo, os ricaços que levam o cachorro ao cabeleireiro). Nem tem mais a constelação de referências engraçadinhas, levada ao extremo em músicas como "Copabana" (que juntava Gorbatchev, Corvettes, marajás, perestroikas, chás, iôgas e dicionários numa bizarra e irresistível canção de amor). Também ficam para segundo plano as citações culturais às pencas, que iam de Kafka (cujo Gregor Samsa, protagonista do clássico “A Metamorfose", torna-se Gregório Sansonite na música "E Agora, Gregório?") à "Fellini, Buñuel, Pasolini e Fidel" (que são imaginados juntos, numa roda de samba em Havana, em "Receio do Remorso").

Esta "aura cult" aparece bem atenuada nas músicas novas, dando a impressão de que o Móveis tornou-se uma banda mais simples e direta, com "riffs" de metais sempre certeiros e melodias memoráveis, mas cujas palavras carregam menos ambição e soam menos lúdicas. A faceta mais crítica e sarcástica praticamente sumiu (a não ser, talvez, em canções como “Cheia de Manha” ou “Para Manter Ou Mudar”). As músicas de amor parecem tomar o primeiro plano: "Cão Guia" é uma prova de que ainda é possível compor uma cancioneta romântica que soa original. "Adeus" traz bonitas promessas do eu-lírico à sua musa: "refaço meus planos para rimar com os seus / eu trago meus sonhos pra somar aos seus". Em "Falso Retrato", a tônica é mais de hostilidade ("não me enquadro com você"), enquanto que “O Tempo”, single candidato a hit, traz pílulas de filosofia sobre o quanto o amor distorce nossa percepção temporal, engatinhando ou acelerando como se obedecesse às batidas do coração.

Sim, o Móveis Colonias de Acaju tem tudo para conquistar as multidões – e seria uma glória merecida. Se a fama, que provavelmente virá mais forte do que nunca agora, será benéfica ou danosa, só o tempo dirá. Mas dá pra profetizar que um grupo tão seguro de si, e que faz tudo dando passos tão firmes, será um edifício sólido que não vai se abalar com as ventanias do pop. Os caras vieram para ficar. E não há nem sinal de cupins roendo o coração destes flamejantes móveis coloniais!



o primeiro EP (2001)
http://www.mediafire.com/?z5ggn2jiyjt [7 faixas, 20 MB]


o primeiro álbum (2003):
http://www.mediafire.com/?m12mz52ldem


preview das músicas novas:







segunda-feira, 6 de abril de 2009

sábado, 4 de abril de 2009

:: Los Porongas ::

- ACREANIDADE CONFIGURADA PARA A TRANSCENDÊNCIA -
por Eduardo Carli de Moraes

É, amiguinhos, hoje (pasmem!) falaremos sobre o Acre. Sem zueira. E olha que dele tenho até trauma: no ginásio, sempre rodava na prova de Geografia se me pedissem para nomear a capital desses "estados bizonhos". Tropeçava na decoreba e era obrigado a protestar: "vô lá saber, 'fessora?" Peguei até raiva. Agora tô superando os preconceitos. Porque visto daqui "de baixo", com este olhar preso à maior megalópole do Sudeste, o Acre sempre me pareceu como algo alien. Um lugar que eu imagino mais parecido com algum exótico país estrangeiro do que similar às paisagens poluentas e repletas de arranha-céus de Sumpaulo. E quem diria, caros leitores, que eu um dia sentiria ímpetos de pesquisar mais sobre aquelas lonjuras do Brasil por causa de uma recém-adquirida paixão por uma banda acriana! Com passaporte sônico nos tímpanos, bóra então fazer um rápido turismo cultural, subindo "por escadarias amazônicas até Marte"!..

Pedi uma mãozinha pra Wikipédia e descobri curiosidades interessantes sobre este canto do Brasil repleto de vazios populacionais, reservas indígenas e matas intocáveis: o Acre um dia já foi território pertencente à Bolívia e só foi englobado ao Brasil no começo do século 20; a produção de borracha por ali era tão exorbitante que, durante a II Guerra Mundial, os aliados foram muito auxiliados pelas nossas exportações, tanto que depois mandaram muito capital para a criação da Companhia Siderúrgica Nacional; e existem sim, pasmem, alguns "acrianos ilustres": Enéias Carneiro (ele mesmo, do "meu nome é Enéias!" e do "vote no PRONA!"), Armando Nogueira e Glória Perez. Depredando também é cultura!

Pois é de lá, das profundezas da Amazônia selvagem, erguendo-se do meio das seringueiras que produziram tanta borracha exportável, que jorra o som do Los Porongas - uma das mais incríveis, originais e idiossincráticas das bandas nacionais recém-nascidas. Gravado e produzido pelo Philippe Seabra, da Plebe Rude, o álbum de estréia dos caras é fodástico. Soa como um pós-grunge nacionalíssimo feito e tocado com muita garra, ambição e frescor de idéias. A banda, por não inserir no caldo muito tempero regional, tem potencial para ser curtida em todo território nacional, agradando a indies, grunges, hippies, MPBistas e mangue-beatniks.

O vocalista e principal compositor Diogo Soares (não confundir com seu xará, o colunista do Depredando), mostra-se um letrista prendado, cheio de versos misteriosos, associações-de-palavras pouco usuais e uma performance vocal que beira o teatral mas que jamais soa afetada. Já os riffs e dedilhados do guitarrista João Eduardo são espetáculo à parte: ele soa como um adolescente grungy, com manifesto gosto pelas sombras, daqueles que provavelmente cresceu com os ouvidos antenados em Seattle e predileção pelos pedaizinhos repletos de fuzz e bigmuff. Os Porongas parecem estar tentando estabelecer uma ponte entre o grunge e a sonoridade do britpop noventista ("Enquanto uns Dormem" começa soando como a irmã latino-americana de "High and Dry" do Radiohead) e do pós-punk deprê do começo dos 80 ("Subvertigem" é quase um abrasileiramento de "She's Lost Control", do Joy Division, inclusive contando com uma personagem feminina atormentada).


O tormento é sempre a solução
Me atormenta a calma e a mansidão


João Eduardo encarna ora um Jerry Cantrell ("Tudo ao Contrário" é Alice in Chains puro), por ora um Kim Thayil ("Suspeito de Si" lembra muito Soundgarden da última fase), indo de tranquilos e climáticos dedilhados à explosivos clímaxes saturados de efeitos. E tem até a manha de arriscar quase um stoner-metal brutal no riff de "Subvertigem" (quase um Kyuss sujão). Costumo reclamar que o rock brasileiro sofre de raquitismo guitarrístico: falta guitarra foda em quase toda banda nacional que ouço por aí (com raras exceções: o Cachorro Grande, que possui um mini Keith Richards de boina em seu line-up, sendo a principal delas). Com o Los Porongas dá gosto de ver uma guitarra ser usada de modo tão eficaz e inventivo, ainda que nada soe extremamente original - soa massa, e é o que conta.


Serei cortante como a lâmina da língua
Eu vivo à míngua do meu próprio ser
E vá crescer! Que eu sempre serei criança


Quanto à temática, uma melancolia terna, expressa em catarse poética, parece dominar o "ambiente sentimental" dos Porongas. Mas em nenhum momento eles caem no xorôrô emo tão em voga em nossos lacrimejantes tempos, ainda que certos versos venham carregados de desalento ("transparente a dor / diluída em lágrimas / e outras invenções febris", diz a letra de "Suspeito de Si"). Mas a tristeza, aqui, alça um vôo de lirismo e fina poesia, não resvalando jamais para o sentimentalismo barato.

"Sou metade com inteira dor",
canta Diogo, e ficamos nos perguntando se ele se refere a Platão e sua mítica sugestão de que somos todos partes de organismos mutilados, que um dia foram plenos, mas que agora estão condenados a ser metades em incansável e cansativa busca de suas "almas-gêmeas". "Eu não sou daqui, eu sou de Plutão / Sou um praça em combate vão", canta desconsolado, como se fosse mesmo uma metade reconhecendo-se incapaz de completar-se.

A razão espaço-tempo
é sempre tão desencontrada
Todo início quase um fim
Tanto sempre sempre acaba...

A sensação, ao embarcar na viagem poronguiana, é a de caminhar num mundo sem pistas, em estado de desnorteio, meio que às cegas, sem muitas bússolas e à luz de velas. "Vou por atalhos / Se faço curva faço nó / Eu não tenho timão / Nem direção maior", diz "Enquanto uns Dormem". É um mundo onde até mesmo as "entidades" que normalmente simbolizam a Perfeita Positividade revelam que trazem em si toda uma ambivalência e um jogo de contradições. É o caso de "Como o Sol", onde o Astro-Rei é descrito como algo mutante e pleno de consequências das mais diversas: "como o Sol / que se esconde ou se espalha / Que aquece ou atrapalha / Que derrete ou agasalha".

A cabaça das idéias
Conhecida por cabeça
Quem sabe talvez mereça
Rosa, lírio ou azaléia.


Vai-se pela vida com o peito repleto de "anseios temperados com receios, paranóias e outras dúvidas". Cada um com seu escudo e seu esconderijo. Cada um pedindo aos outros emprestadas as escadas, que vem sempre sem degraus, e que devolvemos sempre depois do Carnaval. O que importa é jogar fora "tudo o que não interessa agora" e ir, de barco à vela ou à nado, que "guarda o horizonte o nome de amanhã". Complicou? É que os Porongas estão aí nos confundindo para nos esclarecer - e essa arte é mais feita para desnortear que para apontar caminhos. É som que espalha sombras para ver se as luzes se acendem. Poesia que causa uma vertigem do bem.

A vontade é citar mais uma meia-dúzia de versos e estrofes, mas deixo aí somente o convite: caiam de cabeça no som e no "lego de palavras" poronguiano - vale a pena! É um discaço, original e lírico, catártico e sombrio, sentimental e elevado, de uma banda que conseguiu cometer logo em sua estréia um clássico instantâneo do rock independente nacional. Los Porongas é um álbum que vai revelando um valor cada vez maior com repetidas audições e possui tão numerosos quebra-cabeças poéticos que consegue manter nossas mentes intrigadas por muito tempo. Borracha o escambau: é isso aqui é o melhor produto de exportação do Acre!


DOWNLOAD (11 músicas - 256 kps - 85 MB):
http://www.mediafire.com/?zmywt13dkjj

“Contradição primeira. Urbanidade amazônica. Seiva que escorre nas veias. Ceia do cosmopolitismo. Correr nos rios assim como se corre nas ruas. Inundado a cada verão do sul. O destino. Se é que há. E se houver. Feito pelas mãos próprias. Impropriedade do termo. Porque coletivo. Despropriedade imaterial. Cultura pop?ular. Para cada verso uma nota e em cada nota um valor. Seringais perdidos em nossa memória genética. Eletrizados no passado do amanhã. Hoje. Batalha. Poética da chama. Irmandade. Los. Acreanidade configurada para a transcendência. Porongas.” - do ENCARTE do 1o ÁLBUM PORONGUIANO