sábado, 26 de abril de 2008

:: o melhor disco de 2007 ::

WILCO
"Sky Blue Sky"
(LP + EP)



- THE COMFORT IN BEING SAD -
por Eduardo Carli de Moraes




“When the mysteries we believe in
Aren’t dreamed enough to be true
Some side with the leaves
Some side with the seeds”




“I miss the comfort in being sad!”, berrava um irado Kurt Cobain, alma inquieta e desesperada, parecendo estar com saudade do tempo em que a angústia e o desconforto não eram tão aflitivos e parecia existir até como repousar na tristeza... Não sei porquê, mas é essa expressão que mais me vêm à mente quando penso na obra que o Wilco vêm criado nesta década: the comfort in being sad. Jeff Tweedy parece ter realizado alguma magia suprema de alquimia que faz com que a melancolia possa ser vista como algo quase confortável, uma substância narcótica amena e agradável correndo nas veias, algo que acalma, anestesia e nos deixa poéticos e mansos...

O Wilco vem mudando de formação de disco a disco e Jeff Tweedy é o único fio condutor comum a tantos Wilcos que viveram através dos anos. Claro que a perda mais crucial para a banda foi a saída de Jay Bennett, que abandonou o barco após Summerteeth devido a desentendimentos sérios com Tweedy, muito bem retratados no excelente documentário de Sam Jones, “I Am Trying To Break Your Heart”. Com a debandada de Bennett, ocorreu uma certa “ruptura” na carreira do Wilco, que, com o lançamento de Yankee Hotel Foxtrot (2001), consumou a transformação de uma banda bastante palatável e classicista num grupo que os críticos, não sem razão, gostavam de chamar de “experimental” e “vanguardista”. Por isso só quem esperava do Wilco uma atitude de “Radiohead americano”, que traz na manga dúzias de experimentalismos novos a cada novo disco, poderia se decepcionar com Sky Blue Sky – um disco surpreendente por sua simplicidade, por ser tão direto ao ponto, por ser desencanado e super na dele.

Sky Blue Sky, ao contrário de aprofundar as tendências experimentais do álbum anterior, A Ghost Is Born, parece uma tentativa de retomar um pouco da simplicidade e espontaneidade que haviam sido deixadas um pouco de lado. O disco anterior, obra-de-arte instigante mas de digestão difícil, continha certos experimentos demasiado radicais para ouvidos não treinados - como os 10 minutos de kraut rock + poesia dadaísta de “Spiders Kidsmoke” ou as guitarrices atonais que dominavam grande parte de “At Least That's What You Said”.

Sky Blue Sky me parece o disco mais palatável do Wilco desde o Summerteeth: disco duma musicalidade fácil e fluida, de uma banda que parece atingir a genialidade sem precisar fazer muito esforço, deixando para trás as sonoridades um tanto mais arrastadas e esquizóides que imperavam em certas músicas do Yankee e do Ghost. Fazia tempo que o Wilco não fazia algo que dava tanto a sensação de estar à vontade no mundo, sendo quem se é, sem grilos, sem neuras, sem dramas.


Fazia tempo que Tweedy não parecia tão de bem com a vida e com sua banda (e ele vem declarando em entrevistas que considera esta, a atual, a melhor das formações do Wilco). Agora que seu estado de saúde parece ter se estabilizado e o cara não parece mais estar sendo torturado por enxaquecas duríssimas, o Wilco se beneficiou – eis uma banda que soa muito mais jovem do que soava no Yankee Hotel Foxtrot e no A Ghost Is Born, que continham certas músicas que vinham impregnadas de cansaço, da exaustão e da desistência comunicacional. Só lembrar que a voz de Tweedy ao declamar os versos de “I Am Trying To Break Your Heart” pareciam algo saído das cordas vocais de algum doente soterrado debaixo de uma apatia lotada de anestésicos. Ou que os lamentos arrastados de “Radio Cure” demonstravam muito, muito cansaço (“cheer up, honey I hope you can / there's something wrong with me”).

O trabalho de guitarras em Sky Blue Sky, que está entre as coisas mais lindas que se fez na música pop nessa década, parece a continuação natural do que vigorava no A Ghost Is Born: um certo sabor de Sonic Youth está presente, principalmente o trabalho mais recente, centrado em guitarras mais limpas e microfoniais menos selvagens e mais “ambient”. Com isso se misturam certos arroubos e transas entre duas guitas que lembram muito o Television fase-Marquee Moon (especialmente no finzinho de “Impossible Germany) e as jams do Neil Young com o Crazy Horse. Mas o Wilco continua sendo uma banda capaz de ser simplesmente rock and roll: no refrão de “Hate It Here”, o riffão vigoroso que soterra o ouvinte parece algo que Jimmy Page iria compor para a abertura de algum rockão do Led Zeppelin. Já o jeitão de “Walken” é puro Replacements, com Tweedy mais uma vez fazendo sua inimitável imitação do vocal de Paul Westerberg.

Jeff Tweedy nunca escondeu de ninguém o quanto estudou e foi influenciado por Bob Dylan e Neil Young, ambos fantasmas presentes aqui. A delicadeza das baladinhas folk “Sky Blue Sky”, “Patient With Me” e “Leave Me...” lembram a sutileza e a meiguice dos discos acústicos de Neil Young, especialmente o Harvest e o Harvest Moon. Já o tempero caipira no refrão de “What Light” é o mais perto que Tweedy já chegou de emular o Bob Dylan da fase Nashville Skyline.

Já “Had It Here” um poderoso blues-rock, um dos maiores hits potenciais que o Wilco compôs nessa década, é um alegre fábula bem-humorada sobre saudade e desamparo. À primeira vista pode até parecer uma historinha um tanto machista de um cara que, abandonado pela esposa ou namorada, não consegue se virar com as tarefas domésticas mais banais – como se ele só sentisse falta dos serviços de empregadinha da amada... Mas a é música mais profunda que isso, apesar da aparência de trivialidade. Quando o eu-lírico se narra a zanzar pela casa vazia, limpando todos os dormitórios, usando a máquina de lavar roupas, deixando a louça toda a brilhar, faz tudo só para descobrir que de nada adianta ter uma casa brilhando de limpa quando a amada está distante - “keeping things clean doesn't change anything”. É a velha fábula do homem que pode ter uma mansão arrumada, imperial, com os talheres de ouro brilhando e cheia de eletrodomésticos hi-fi, mas que odeia mortalmente o lugar por não estar junto de sua amada. “I hate it here when you're gone...”



A tentativa de exorcizar a morte ainda permanece. No disco passado, Tweedy contava causos sobre gente cujo objetivo na vida era se tornar um eco (“Hummingbird”); dizia que parir fantasmas (a ghost is born...) através da arte era um modo de trapacear contra o túmulo; descrevia com triste ironia a crença de que tudo que tinha sido adquirido em vida viveria após a morte (“Wishful Thinking”)... Suas preocupações espirituais não mudaram tanto de um disco para o outro.

A música mais explícita sobre a mortalidade é a que fecha o álbum, “On and On”, onde Tweedy faz promessas de eternidade à amada... Você pode até imaginar a angústia invadindo o coração dela ao olhar nos olhos da morte, enquanto ele suplica que ela contenha o pranto (“Please don't cry, we're designed to die...”) e rascunha um poético consolo: “On and on and on we'll be together, yeah... On and on and on we'll stay together , yeah... Till we disappear together in a dream...”

Se ele acredita ou não nesse consolo é o que menos importa; a beleza da música está nesse mantra que ele sussurra aos ouvidos da amada, como uma mãe cantando para o filho uma canção de ninar e garantindo que os monstros não existem e que tudo vai ficar bem – mesmo que seja mentira. Me pergunto o que Jeff diria se fosse perguntando se acredita mesmo num amor que sobreviva a morte, como parece sugerir os versos de “On and On”. E gosto de imaginar que ele diria: “não sei, mas era o que era preciso cantar para ajudar a curar a ferida...”

Já “Either Way” é uma das músicas mais cheias de ternura que eu já ouvi, fotografando uma alma num momento de indecisão, sem saber se ainda é amado ou não, nem se no futuro será ou não, mas se predispondo a ser compreensivo, para bem ou para o mal. É uma doce mensagem que ele manda: me ame ou não, vou tentar entender – e talvez (mas só talvez...) isso tudo tenha algum sentido no esquema das coisas. Aconteça o que acontecer, amor ou não, amor ou solidão, ele vai estar em paz.

A doçura pacífica de “Either Way” é uma espécie de mudança de clima e de temática para Tweedy, já que a violência entre os amados sempre esteve presente como tema em várias canções do Wilco, e isso faz tempo. Só lembrar de “Via Chicago”, música do Summerteeth (1999), em que Jeff Tweedy descreve, através duma sangrenta narrativa folk, um “causo” de assassinato parecido com aquele que Neil Young narra em sua clássica “Down By The River” (“down by the river i shot my baby”...). Os primeiros versos da longa canção já vem afundados em sangue e hostilidade: “I dreamed about killing you again last night – and it felt allright with me / Sitting on the banks of Embarcadero skies – I sat and watched you bleed”.

Nenhuma outra música do Wilco chegou a esse nível de ultraviolência, descrevendo o cara sonhando em matar seu “bebê” e depois assisti-la a sangrar até a morte, mas há algo parecido no “estou tentando quebrar o seu coração”, título e refrão da primeira música de Yankee Hotel Foxtrot, e no “você achou uma gracinha vir beijar meu olho roxo, apesar de eu o ter ganho de você”, em “At Least That's What You Said”. Esta última, aliás, apesar da placidez tranquila em que se desenrolam seus primeiros minutos, é uma melancólica canção que fotografa a dificuldade de comunicação e o afastamento gradual de um casal em crise. É como se o eu lírico estivesse perdido, sem saber ao certo se o que a amada diz é da boca pra fora ou realmente vem das profundezas de seu ser. Dá até pra imaginar os dois dentro de um quarto, brigando amargamente, e ela dizendo: “Leave me alone!” Mas aí o eu lírico se pergunta: “Talvez se eu for embora, você vai querer que eu volte pra casa...” Fica aquela indecisão de descobrir se há algo por detrás do falado, se algo se omite, se esconde, se mascara – e o relacionamento parece estar caindo aos pedaços justamente pela falta de sinceridade entre os dois, por essa eterna suspeita do “pelo menos foi o que você falou”, sem que se saiba o que de verdade se sentia, por trás do falado...

Em Sky Blue Sky, Tweedy parece mais pacífico, mais doce, mais iluminado, apesar de ainda ter a alma polvilhada por farelos de tristeza (que, no fundo, incomodam bem pouco...). Ele mostra-se tentando ficar feliz só pelo fato de estar vivo (“oh, I didn't die, I should be satisfied / I survived... That's good enough for now...”) e evocando esperanças das mais simples e singelas para adoçar a própria alma desconsolada (“maybe the sun will shine today, the clouds roll away... maybe i won't feel so afraid...”). Na linda “You Are My Face”, ele confessa, em meio a versos enigmáticos, o quanto está perdido (“i have no idea how this happens / all my maps have been overthrown...”) e nem sabe mais quem é (“when everybody's feeling all alone can't tell you who i am...”). Mas o maravilhoso no Wilco é que nada disso deságua em desespero ou em paralisia choramingante. A vida é afirmada, abraçada, beijada, amada, aceita com tudo o que ela contêm dentro. A confusão, a melancolia, o desconsolo, são todos abraçados com aceitação, quase ternura, como se fossem velhos amigos, que vêm com o sabor tranquilizante da familiaridade...

Com esse belíssimo disco, o Wilco se consolida como a melhor banda americana da atualidade, de longe, sem rivais no retrovisor. E Jeff Tweedy, ao mesmo tempo que prossegue sendo um cantor dos mais adoráveis, vai adentrando um ambiente lírico totalmente próprio. Não há banda que soe nem remotamente parecida com o Wilco, nem musical nem poeticamente, sinal da originalidade dessa que é, se perguntarem ao meu coração, uma das melhores bandas que já existiu... I love it to death.


DOWNLOAD (mp3 de 160kps, 17 faixas, 1h11min, 86MB):
http://www.mediafire.com/?yxzgv1jbwx2

obs: esse é o Sky Blue Sky versão de luxo, que vem com o EP de brinde - contendo três músicas inéditas, todas maravilhosas ("The Thanks I Get", "Let's Not Get Carried Away" e "One True Vine") e versões ao vivo de "Impossible Germany" e "Hate It Here".

....atendendo a pedidos, disponilizamos também somente o EP:
http://www.mediafire.com/?yc1y9udt0mm (28 MB)

LEIA MAIS: POP MATTERS --- A.V. CLUB --- PREFIX --- NO RIPCORD --- SLANT ---TINY MIX TAPES --- LOST AT SEA --- STYLUS.

5 comentários:

Leo Fernandes disse...

Fala, cara
O seu blog é excelente.
Passa na parte dos anos 80 do seu blog, que postei um comentário sobre as The Go-Go´s, realmente elas são ótimas.
Valeu!!!!

Anônimo disse...

Poxa cara, valeu pela visita e o elogio.
Não é sempre que eu tenho o link do álbum, mas já fiz um teste uma vez, foi no álgum do ben harper and the blind boys of alabama... gostaria sim de postar sempre o álbum para facilitar a audição do pessoal...
gostei também do seu blog!! e já aproveito para fazer um pedido e uma propaganda: pedido: tem como postar só o ep do sky blue sky!!!
a outra é que tem também uma resenha do sky blue sky no discoteclando e ele entrou na minha lista de melhores de 2007, que postei na minha coluna no http://engenho.art.br
Abraço, continue visitando, as postagens geralmente são quinzenais quando estou com tempo e mensais quando sem tempo...

Unknown disse...

Pedido atendido! O Sky Blue Sky EP tá disponível pra download no fim do post... Curtaê!

Anônimo disse...

valeu... eficiência na postagem hein!!! já está devidamente linkado no discoteclando!!!

Tati disse...

Concordo que é o melhor álbum de 2007, e What Light é a minha predileta...