sexta-feira, 9 de maio de 2014

"O Enigma de Junho" - Série de artigos de Idelber Avelar explora legado da ditadura, crise da representatividade, Passe Livre, dentre outros ingredientes...


"Há que se virar pelo avesso, então, as perguntas que ocuparam os analistas: como é possível que as massas saiam assim às ruas num país de quase pleno emprego, como o Brasil, que está longe das obscenas taxas de desemprego da Espanha? Como é possível que isso aconteça num país em que não há ressentimento ante uma tirania, como foi o caso no Egito da Primavera Árabe? Como isso é possível, perguntavam-se, num país em que recentemente 30 milhões de pessoas ascenderam à classe media e um pacto de classes bem-sucedido, o lulismo, ancorado na figura de um notável estadista, parecia ter domesticado todo conflito? Essas perguntas acerca de como é possível que isso esteja acontecendo cumpriram o papel de mascarar o fato de que a pergunta que importa de verdade é a oposta, ou seja: como é possível que isso não tenha ocorrido antes? Como é possível que isso não tenha acontecido durante duas décadas? Muito especialmente, como é possível que isso não tenha ocorrido na última década, a do lulismo? 
O pacto lulista se ancora na incorporação de uma ampla parcela dos mais pobres ao consumo - ao consumo, não à cidadania, ou em boa parte dos casos à cidadania entendida como consumo - sem que nenhum privilégio dos mais ricos seja tocado. Isso se torna possível, claro, somente num contexto em que o bolo esteja continuamente crescendo, o que ocorreu na década passada graças ao boom das commodities que o Brasil exporta em grande quantidade. Muitas das políticas de ascensão social do lulismo foram instrumentos de uma proletarização de formas de vida e de convivência com a floresta ou com o semi-árido, por exemplo, que tanto o neoliberalismo de Fernando Henrique como o desenvolvimentismo petista não podiam senão ver como pré-capitalistas ou pré-modernos, predestinados a morrer, em suma. No caso da Amazônia, essa troca (a passagem de um modo de vida com certa conversa com o entorno selvático a outro modo de vida no qual esse entorno serve como matéria-prima e substrato sacrificial de uma modernização movida a hidrelétricas, pecuária extensiva e soja) se produz intensamente durante os anos Lula e chega neste momento, não é exagerado propô-lo, ao seu esgotamento como pacto." - Idelber Avelar
Um novo Junho vem aí e nada mais oportuno do que relembrar as jornadas de Junho do ano passado - um mês histórico para os movimentos sociais e mobilizações populares no Brasil. Confira a série de 4 artigos de Idelber Avelar - um trabalho jornalístico primoroso - sobre “O Mistério de Junho”:

I: Os protestos de 2013 e a Amazônia

II: Os protestos de 2013 e o legado da ditadura

III: Os protestos de 2013 e a quebra do pacto lulista

IV: Os protestos de 2013 e a crise de representatividade


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