quarta-feira, 11 de junho de 2008

:: The Flaming Lips ::


FEARLESS FREAKS!
- por Eduardo Carli de Moraes -


Vocês que temem pela sanidade de seus miolos, atenção: fiquem longe desse hospício itinerante que são os Lábios Flamejantes! Vai que a doidice deles é contagiosa... Mas quem tiver tais pudores de embirutecer e, por isso, fechar os ouvidos para essa banda literalmente lunática estará perdendo algo sensacional - e, porra, um pouco de loucura não faz mal a ninguém, especialmente quando entregue em cápsulas sônicas tão docinhas, e que descem pela garganta dum jeito tão suave, dando um barato tão bacana...

Eles têm músicas sobre caratecas japonesas lutando robôs cor-de-rosa, já foram passageiros de uma ambulância dirigida por um padre, conhecem o sabor metálico das nuvens e acabaram de finalizar um filme Ed-Wood-esco sobre um Papai Noel em Marte que acaba se tornando um suicida... E você quer realmente se arriscar a meter seu pobre cérebro na linha de fogo desses psicopatas e entrar no universo desses birutas? Quer! Pois esse teatro do absurdo e do nonsense que se chama Flaming Lips reiventou o rock americano a golpes de insanidade e criatividade maníaca dum modo maravilhoso - e poucas bandas da cena alternativa americana a partir dos anos 80 tem uma história tão excitante e uma relevância tamanha quanto este monumento psycho-freak de mais de 20 anos de idade e que continua flamejando.

Quem os conheceu faz pouco tempo deve ter sido atraído especialmente pelas extremas pirotecnias sônicas, visuais, teatrais e performáticas que fazem do show do Flaming Lips um dos espetáculos mais mind-blowing de que se tem notícia no pop contemporâneo. Não é só Wayne Coyne flutuando sobre a platéia dentro duma bolha gigante que faz o charme do treco: são as luzes estroboscópicas em abundância; as muitas bolas de sabão e flocos de neve e nuvens de fumaça; os coadjuvantes fantasiados de bichinhos de pelúcia tamanho família sobre o palco; as bexigas e os balões de cores berrantes; as projeções de imagens que lembram fractais, experimentos avant-garde ou maluquices de Andy Warhol; os figurinos da mais pura extravaganza embrulhando a banda e seu maestro; e, claro, a música, que às vezes supera o grau de doidice de tudo o que a envolve. Como um dia de zorra total no jardim de infância. Ou como um teste do ácido de Ken Kesey e seus Merry Pranksters reencenado num show de psicodelia extremada, conduzida por mão de mestre por um malucão hippie que surpreendentemente se tornou um dos maiores entertainers do rock mundial.

Mas quem vê imagens dos Lips hoje em dia, com o imenso aparato tecnológico que eles possuem ajudando-os a construir um espetacular mosaico de cores e sons sobre os palcos (o que o público brasileiro pôde conferir no primeiro Claro Que É Rock!), nem imagina a tosquice das antigas acrobacias pirotécnicas que eles arriscavam nos anos 80, quando pensavam que eram a nova encarnação do The Who no Sul caipira americano ou um cruzamento genético mau-sucedido entre o Yes e os Sex Pistols.

"Hell's got all the good bands, anyway!" - cantava Wayne numa velha canção ("Ode To C.C."), como se quisesse dizer que prefere descer ao reino de Satã a subir pro Céu, porque as bandas lá debaixo são bem mais legais do que as missas, ofertórios e troços com harpa e corais de anjinhos lá de cima... E era mais ou menos essa sedução pelo diabólico, pelo estranho, pelo nérdico e pelo incendiário que caracterizou os primeiros anos dos caras, onde ataques guitarrísticos quase Sonic Youth se revezavam com experimentos folk syd-barretianos e flertes com o kraut-rock do Can e a psicodelia anos 60.

O filmaço Fearless Freaks, um dos melhores rockumentaries da história do cinema, possui algumas cenas antológicas sobre o começo da caminhada dos Lips. Vê-se lá, por exemplo, que na época eles gostavam de colocar fogo em coisas em cima do palco, e dum modo não muito controlado, já que o cabelo de certas pessoas costumava às vezes ficar em chamas. E gostavam de tocar estupidamente alto, para que o público, mesmo se não gostasse das canções, pudesse se dizer no final, pelo menos: “those guys were fucking loud!”

Na primeira vez que a Warner Brothers ligou para os Flaming Lips querendo mostrar interesse em assinar com eles, o Flaming Lips, é óbvio, bateu o telefone na cara da mega multinacional porque pensou que era trote. Você pode até imaginar um dos caras mandando um: “seeeei, cuzão! até parece que eles iam querer uma banda louca e invendável como nós!” Porque aqueles caras de Oklahoma que pareciam afim de imitar os Butthole Surfers, o Frank Zappa ou o começo do Pink Floyd soavam completamente inadequados para o cast de uma grande gravadora.


* * * * *



Eles pareciam aquele tipo de doidões que nem precisavam de drogas para terem uma mente em permanente estado de estímulo ácido... Que gravadora botaria fé nos Flaming Lips? Mas olha que deu certo... Os Lips viraram, para a maior parte do ouvinte-médio, aquele que só conhece o que rola nas rádios FM bombadinhas e na MTV, uma daquelas one-hit-bands inesquecíveis dos anos 90 quando “She Don't Use Jelly” estourou, catapultando o álbum Transmissions From The Satellite Heart para o topo das paradas. A música falava sobre tangerinas, vaselinas e geléia – e ninguém entendeu porra nenhuma. Parecia ser sobre sexo, parecia ser sobre comida, e parecia ser sobre mastigar páginas de revistas - e parecia mais ainda uma música que alguma criança com talento precoce para a arte dadaísta teria composto se a mamãe lhe tivesse despejado uma gotinha de LSD no Nescau. E aí ninguém resistiu ao charme do hit.

Se, antes de "Jelly", os Flaming Lips eram uma tosca e insana banda psicodélica de Oklahoma que pouquíssimos nerds conheciam, com discos caóticos onde se misturavam momentos de brilhantismo puro com quedas num lixo tóxico extravagante, depois do hit começaram a ser levados mais a sério pela crítica musical como um projeto-de-arte a ser espreitado com atenção. Fizeram um discaço maravilhoso (Clouds Taste Metallic), mas que não engrenou nas paradas. Depois, abandonando qualquer esperança de sucesso comercial, embarcaram no extremamente tresloucado projeto Zaireeka, um disco que quase ninguém conseguiu ouvir – e não por não querer, mas por que este álbum quádruplo exigia que 4 sound-systems tocassem os 4 Cds ao mesmo tempo, o que poucos mortais se dispuseram a fazer. E, na sequência, chegaram ao cume da genialidade.



The Soft Bulletin, de 1998, é um daqueles álbuns com um poder que merece adjetivos grandiosos: místico, transcendental, espiritualmente edificante. Nele o barulho guitarrístico acalmou-se, as loucuras foram razoavelmente domadas, e então os Lips puderam dar esse lindo mergulho num universo mais sinfônico, poético e existencial que é uma das maiores obras-primas do rock nos anos 90. “Race for the Prize” e “Waitin' For Superman” são o tipo de músicas que mesmo o mais insensível dos mortais acaba reconhecendo como de uma lindeza de derreter corações.

Na sequência, fizeram mais dois álbuns de estúdio, Yoshimi Battles The Pink Robots e At War With The Mystics, que tornaram mais aguda a experimentação com uma psicodelia moderna sussa e colorida. Vimos também temáticas mais existencialistas tomarem mais espaço no universo de temas da banda, principalmente devido aos choques emocionais causados sobre alguns dos Lips pela morte, pelo envelhecimento e pelo vício a narcóticos. Wayne Coyne perdeu seu pai recentemente, o que ele comenta de modo confessional e tocante no finzinho de Fearless Freaks, mostrando que tipo de lições de vida pôde tirar desse doloroso processo de luto e renascimento ("there are things you have to face when you're not prepared to face'em", canta ele em "Fight Test").

Além disso, o multi-instrumentista Steven Drozd, a segunda maior força criativa dos Lips, também andou passando por maus bocados por excesso de junk - mas depois de mais de seis anos viciadíssimo em heroína, deu a improvável "volta por cima" (ele até permitiu que fosse filmado falando dum jeito extremamente aberto e sem firulas sobre seu vício, enquanto preparava a droga que injetaria nos braços tomados por abscessos e veias judiadas, numa das cenas mais impressionantes de Fearless Freaks - mais espantosa que qualquer coisa de Réquiem Para um Sonho ou Trainspotting).

"If God hears all my questions, how come there is never an answer?" - se perguntava Wayne no disco de 1995. Essa tendência de questionamento existencial se exacerba mais ainda nos discos posteriores, chegando ao cume na lindíssima balada "Do You Realize?", feita para ser um suave soco no estômago do ouvinte, com Wayne perguntando: "você tem noção de que todas as pessoas que você conhece um dia vão morrer?". A filosofia dos Lips, passando pelo reconhecimento da fragilidade humana e do poderio invencível da morte, que nos condena à transitoriedade e à angústia, deságua numa extrema valorização do presente da sensação ("all we have is now") e do amor como salvação ("love is the greatest thing our heart can know").

Com uma vasta discografia, digníssima de ser explorada, os Flaming Lips são hoje um verdadeiro monumento vivo do rock alternativo americano. Com fãs de alto quilate pagando um pau para Wayne Coyne e sua companhia de insanidade construtiva (como Beck, Jeff Tweedy, Juliette Lewis, Jack White...) e um respeito quase unânime da crítica e do público antenado, os Lips, além de mestres da pirotecnia ao vivo, são hoje um dos grandes pilares da inventividade pop-musical no mundo. Prosseguem esculpindo um som extremamente lúdico e “infantil” (no bom sentido...), mas que tem frequentes lampejos de sabedoria. O Flaming Lips é um simulacro de viagem de LSD por um País das Maravilhas Sônicas que Alice não conheceu (e que não exige ingestão química!), ao mesmo tempo que é um teatro multi-mídia esplêndido orquestrado por um malucão que é dos seres mais sábios do atual rock mundial. Turn it on!



DOWNLOADS - 4 DISCOS ESSENCIAIS DOS FLAMING LIPS:

"TRANSMISSIONS FROM THE SATELLITE HEART" (1993)
http://www.mediafire.com/download.php?pzlt3va4ylj
cotação depredando: 9.1



"CLOUDS TASTE METALLIC" (1995)
http://www.mediafire.com/download.php?g40lzjmelxb
cotação depredando: 9.5



"THE SOFT BULLETIN" (1998)
http://www.mediafire.com/?gmmmoz14vwx
cotação depredando: 10.0


"YOSHIMI BATTLES THE PINK ROBOTS" (2001)
http://www.mediafire.com/download.php?bmxm9byzmbj
cotação depredando: 8.5

6 comentários:

Anônimo disse...

fooda o post galera!
vou pegar no minimo dois discos do Flaming Lips!


abração ai!

Anônimo disse...

só dois, pô?! os quatro são crássico! =)

valeu aí, rapaz!

Anônimo disse...

pois eu acho q vou pegar todos ein, apesar das milhares de coisas q tenho aqui pra ouvir.. afinal, deve ter dado trabalho.
eu adorei a matéria, bem escrita! eu me interesso por flaming lips mas nunca sai procurando muito discografia, só músicas dispersas..
e putz! minha combinação favorita nos momentos doidos é essa mesmo: zappa, BUTTHOLE (*-*), syd barrett... aí eu ainda ouço junto o Smile dos BB e o Niandra LaDes do velhinho frooshontay. perfeito!
mas só de vez em nunca mesmo, mistura perigosa essa
:*

Anônimo disse...

Ana, se vc já curte umas loucurinhas musicais, ainda mais misturebas perigosas assim, pode cair sem medo no mundo dos Lips - a doidice deles é benigna e inofensiva. Faz cócegas! :D

Butthole Surfers e Zappa tem uma loucura mais preocupante... O Arnaldo Baptista é a encarnação viva dos poderes enlouquecedores do excesso de ácido. E outro dos meus loucos prediletos é o Captain Beefheart - esse às vezes é gênio... tenho q postar aqui logo mais.

E Frooshontay é o apelido mais bonitinho que já inventaram para o cara que eu costumo chamar de Grande Frusça! (rs)

:*

Valeus e volte sempre!

Anônimo disse...

captain é ótimo mesmo.. apresentei o solo do john pra uma conhecida e logo de cara ela já disse ter achado melhor q captain (tenho q concordar com ela, mas se outras pessoas lêem eu falando isso me matam :)
ano passado eu ouvia direto o Psychedelic games for May com o Niandra.. aliás, religiosamente ouço o Niandra qse todo dia há um bom tempo, meu vício.

HAHUHAUH o chamo de froo-froo, frusça.. mas Frooshontay foi ele mesmo q inventou, long time ago

Anônimo disse...

hahaha! Ana, eu pelo menos num vo te matar não só pq vc diz que o "Froo-Froo" solo é melhor que o Capitão Coração de Bife - tb acho! :) Sou fãzaço do Frusça (aliás logo mais acho q vou postar por aqui, reaproveitando velhos textos q tenho sobre ele...) e pra mim é sem exagero uma das coisas que eu mais gosto da história do rock! =O O Niandra e o Smile From The Strets You Hold eu ouço pouco (são os de doidices mais extremas...) - os que ouvi infinitas vezes foram mais o Curtains, o The Will To Death e o Shadows Collide With People - só discaço!

Poootz, e acredita que nunca ouvi o Psychedelic games for May? Q vergonha! :P E olha q eu gosto bastante do Floyd fase Syd Barrett... vo correndo baixar!

;)