:: FLORA PURIM - "Flora é M.P.M." (1965)
"Basta o primeiro fraseado de Flora Purim, na introdução da faixa de abertura (“Morte de Um Deus de Sal”) deste disco de estréia (“Flora É M.P.M.”), para comprovar que Flora Purim cantava de um modo completamente diferente de todas as outras cantoras da época. Quase nenhuma influência nem mesmo das intérpretes que admirava, como Sylvia Telles, Alaide Costa e Maysa. Nada da inexpressividade de Nara Leão, equivocadamente considerada “musa” da bossa nova por quem ainda hoje tenta vender a idéia de um “movimento nascido nos apartamentos de Copacabana”, ao invés de entender (e aceitar) a bossa como criação espontânea do baiano João Gilberto. Ou seja: Flora realmente já fazia, em setembro de 1964, data da gravação deste “Flora É M.P.M.”, a Música Popular Moderna originária da sigla estampada no título do hoje histórico LP. Trabalho agora relançado - pela primeira vez oficialmente - em CD, depois de “merecer” diversas edições piratas na Europa.
"Basta o primeiro fraseado de Flora Purim, na introdução da faixa de abertura (“Morte de Um Deus de Sal”) deste disco de estréia (“Flora É M.P.M.”), para comprovar que Flora Purim cantava de um modo completamente diferente de todas as outras cantoras da época. Quase nenhuma influência nem mesmo das intérpretes que admirava, como Sylvia Telles, Alaide Costa e Maysa. Nada da inexpressividade de Nara Leão, equivocadamente considerada “musa” da bossa nova por quem ainda hoje tenta vender a idéia de um “movimento nascido nos apartamentos de Copacabana”, ao invés de entender (e aceitar) a bossa como criação espontânea do baiano João Gilberto. Ou seja: Flora realmente já fazia, em setembro de 1964, data da gravação deste “Flora É M.P.M.”, a Música Popular Moderna originária da sigla estampada no título do hoje histórico LP. Trabalho agora relançado - pela primeira vez oficialmente - em CD, depois de “merecer” diversas edições piratas na Europa.
Como o cantar de Flora não se encaixava nos padrões vigentes, o disco foi execrado pela maioria dos críticos. Os mais cordatos apenas trataram de ignora-lo. Nada muito diferente da agressividade manifestada, na década seguinte, após a definitiva consagração internacional da artista, eleita “cantora revelação” pelos críticos da Down Beat – a Bíblia do jazz – em 1974. Naquele mesmo ano, os leitores da mesma revista apontaram a brasileira como a melhor cantora de jazz do mundo, à frente de Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Carmen McRae e Betty Carter! Proeza que, para desespero dos puristas, se repetiu por mais cinco anos, com um impacto comparável somente ao de Billie Holiday nos anos 40, segundo atestou o historiador Leonard Feather em célebre artigo no jornal Los Angeles Times. Uma fase de sucesso que durou até a chegada da onda retrô, pregada por Wynton Marsalis e seus neo-boppers, que trouxeram de volta ao jazz o conservadorismo, o academicismo e, pior de tudo, o racismo (agora contra os brancos...)
Filha do romeno Naum Purim (violinista amador, fã de Stephane Grappelli, companheiro de Fafá Lemos e Djalma Ferreira em serestas no bairro do Catete) com a pernambucana Rachel (pianista que incutiu na filha o amor pelo jazz), a carioca Flora nasceu (em 6 de março de 1942) e cresceu ouvindo Erroll Garner, Art Tatum, Oscar Peterson e Thelonious Monk. Dos 8 aos 12, estudou piano clássico. Depois, violão com Oscar Castro-Neves. Ainda adolescente, formou, ao lado da irmã Yana, um conjunto vocal que tinha Luiz Eça, então ilustre desconhecido, como arranjador. Casou-se com o psicanalista Ary Band, tiveram uma filha, Niura, e, para alívio da família, Flora passou apenas a sonhar com música. Até conhecer, numa visita ao Bottle’s Bar, no Beco das Garrafas, o já famoso baterista Dom Um Romão...
A paixão avassaladora fez a cantora romper o casamento – para tristeza da tradicional comunidade judaica - e instalar-se com sonhos & bagagens no apartamento de Dom Um na Rua Domingos Ferreira, no coração de Copacabana. Certa noite, inconformado, o pai de Flora chegou, armado, ao Bottle’s Bar, disposto a acabar com a vida do músico. Por sorte, errou o tiro. Mas não sossegou até internar a filha para fazer sonoterapia, com a esperança de que esquecesse “aquele negro”. Não adiantou. E foi no meio de toda essa turbulência que a moça, depois de um período como crooner da orquestra do Maestro Cipó, conseguiu - por intermédio de Romão e do jornalista Sergio Porto (vulgo Stanislaw Ponte Preta) - um contrato com a RCA. Em três sessões, em setembro de 64, sob a produção de Dom Um, gravou material suficiente para um LP e um compacto-duplo. Tudo isso agora reunido neste CD, junto com alternates takes - totalmente inéditos – das músicas “Gente” e “Preciso Aprender A Ser Só”.
“Flora É M.P.M” conta com um dream-team de arranjadores (Cipó, Luiz Eça, Waltel Branco, Osmar Milito, Paulo Moura) e músicos. Para início de conversa, Dom Um convocou seus colegas do Copa Trio: o pianista Dom Salvador (ainda chamado de Salvador Filho) e o baixista Manuel Gusmão. Grupo que, sob a liderança do saxofonista João Theodoro Meirelles, e reforçado pelo trompetista Pedro Paulo, se transformaria no Copa 5, força-motriz do “Samba Esquema Novo” de Jorge Ben. Meirelles e Pedro Paulo também foram convocados para o disco de Flora, integrando uma big-band com três trompetes (Pedro, Hamilton e Formiga), quatro trombones (Norato, Raul de Souza, Macaxeira, Pala) e seis saxofones (Paulo Moura no sax-alto, Cipó e Meirelles nos tenores, Netinho, Sandoval e Aurino Ferreira nos barítonos).
No repertório do LP, cinco temas da peça “Pobre Menina Rica”, de Lyra & Vinicius (“Cartão de Visita”, “Sabe Você”, “Maria Moita”, “Samba do Carioca”, “Primavera”), três canções de um rapaz que se assinava Eduardo Lobo (“Definitivamente”, “Reza”, “Borandá”), duas parcerias de Menescal & Boscôli (“A Morte de Um Deus de Sal”, “Nem O Mar Sabia”), e uma composição de Waldyr Gama (“Se Fosse Com Você”). No compacto, duas dos irmãos Marcos & Paulo Sergio Valle (“Preciso Aprender A Ser Só”, “Gente”), uma de Wilson Simonal & José Luiz (“Jeito Bom de Sofrer”) e uma de Lyra & Boscoli (“Barquinho de Papel”).
(...) Na verdade, amostras de um talento ainda em fase de aperfeiçoamento, que atingiria sua maturidade nos Estados Unidos, para onde Flora mudou-se em 1967, já com novo amor no coração e na música, o percussionista Airto Moreira. Juntos, integraram a banda de Gil Evans e o grupo Return To Forever, de Chick Corea. Gravaram com Carlos Santana, Duke Pearson, Cannonball Adderley e Lee Oskar. Contratada pela Milestone Records em 73, enquanto Airto brilhava no cast da CTI, Flora gravou seis excepcionais álbuns produzidos por Orrin Keepnews. Jóias do quilate de “Butterfly Dreams”, “Stories To Tell” e “500 Miles High At Montreux”. Depois de cumprir pena por porte de drogas, assinou contrato milionário com a Warner em 76. Nos anos 80, passou pelos selos Concord e Virgin, enveredou pela world-music (com seu grupo Fourth World) e pelo acid-jazz (“Speed of Light”) em sessões para a companhia inglesa B&W nos anos 90. Recentemente assinou com o selo Narada Jazz, pelo qual lançou, em 2001, o elogiado “Perpetual Emotion”. Em termos discográficos, “Flora É M.P.M.” representa o marco inicial de tão brilhante trajetória."
Petrópolis, 21 de agosto de 2001
(Produtor musical, historiador de jazz e música brasileira, jornalista e educador – membro da IAJE, International Association of Jazz Educators)
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Um comentário:
Putz, que bela resenha sobre a Flora!!!
Eu tive o infortúnio de adquirir um unico CD dela e me deparei com aquela bossa carioca de apartamento, que eu tanto odeeeeeeeeeeio, e nao achei nada da fase mágica do jaiz puxado pacarai que ta escrito ao final do texto.
Agora ja sei como encontrar!!!
Muito bom!
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