sábado, 2 de fevereiro de 2008

Beleza Degradante



Tom Waits [1985] Rain Dogs

"uma sucessão de climas urbanos e suburbanos, captados através de um olhar cínico e canalha, onde desfilam uma galeria de personagens saídos dos becos mais sórdidos do Harlem ou de Los Angeles. Cenas de caçadas policiais, como num romance de Raymond Chandler, espeluncas de quinta categoria em Chinatown, onde mulheres da vida vagueiam pela rua ao lado de personagens de Bukowski que perderam o rumo de casa. Todo o cinismo corrosivo das operetas de Bertold Brecht e Kurt Weill, interpretado com a dramaticidade irônica de um teatro de vaudeville"

Rene Dacol ("O Estado de São Paulo", 25/6/86).

Apesar de toda a sua esquisitice, Waits faz parte da mesma linhagem de "frágeis senhores da guerra" em que se incluem compositores como Bob Dylan, Lou Reed, David Bowie, Elvis Costello, Leonard Cohen, Neil Young e Nick Cave. Além disso, é um poeta de mão cheia e um compositor sofisticado, capaz de fazer melodia até mesmo com o barulho de uma cadeira, como prova a canção "Shore Leave", do álbum "Swordfishtrombones" de 1983 que era a primeira parte de uma trilogia informal, que seria completada com "Rain Dogs" e "Frank Wild´s Years". Comprova-se este fato quando Elvis Costello, um dos sujeitos com o melhor bom gosto musical no mundo, faz três covers de clássicos de Waits para o álbum com Anne Sofie Von Otter, "For The Stars". No entanto, para chegar ao seu estilo único, Waits teve de criar uma persona anterior: a de melhor cantor de botecos que já existiu.

Rain Dogs é uma coletânea de histórias sobre marinheiros (diz a lenda que seria o Frank de "Swordfishtrombones" cruzando o oceano e chegando em New York - fato que nunca foi comprovado), um compêndio de sabedoria do submundo, um tratado de loucura escrito pelos próprios loucos - tudo isso e muito mais. Neste álbum, Tom Waits incorpora de vez a sua persona de cicerone do absurdo e faz a pedra de toque da sua metafísica. Sim, o mundo é um hospício (o título "Rain Dogs" é uma gíria para os doentes que ficam girando em torno de um mesmo lugar, como os cachorros que rondam suas poças de urina em dias de chuva), mas capaz de uma poesia assustadora, uma poesia que também pode ser dolorida, repleta da incomunicabilidade que só os amantes proibidos possuem. Há espaço para o humor negro, também se percebe que Waits está cada vez mais preocupado com uma pergunta básica, à la Sartre: Os infernos são outros ou somos nós que construímos o nosso próprio Inferno? Ainda assim é uma obra bastante esperançosa, já que consegue refletir sobre a passagem do tempo no ser humano com uma serenidade indistinguível, mesmo que aceite o fato tristemente, como sussurra com um tom próximo de uma voz normal em "Time" (regravada por Tori Amos):

"The shadow boys are breaking all the laws/ And you're east of East St. Louis/ And the wind is making speeches/ And the rain sounds like a round of applause (...)And they all pretend they're Orphans/ And their memory's like a train/ You can see it getting smaller as it pulls away/ And the things you can't remember/ Tell the things you can't forget that/ History puts a saint in every dream/ And it's Time Time Time/ That you love" (Os garotos da sombra quebram as leis/ E você está a oeste de East St Louis/ E o vento está fazendo discursos/ E a chuva soa como aplausos (...)/ E todos fingem serem órfãos/ E a memória deles é como um trem/ Você pode vê-la diminuir enquanto ela vai embora/ E as coisas que você não se lembra/ Contam as coisas que você não quer esquecer que/ a História põe um santo em cada sonho/ E é o Tempo o Tempo o Tempo/ Que você ama).

Uma metafísica começa quando o sujeito aprende a amar o Tempo, independente da sua crueldade nas pessoas. Além do Tempo, deve-se aprender a cultivar a solidão como uma amiga. E isso Tom Waits nos ensina como ninguém. Contudo, ele retrata um mundo em que a única fuga decente parece ser a resignação de "já ter visto tudo" e, por isso, nada mais o impressiona. "9th and Hennepin" pode ser considerada o hino do frágil senhor da guerra, com sua ironia alucinatória em estilo beatnik. A solidão de estar separado da amada é talvez a única coisa que o mantém são, mesmo quando quer se "comportar como um cachorro". Escute "Downtown Train", a canção mais pop que Waits já escreveu, tão pop que até Rod Stewart fez uma versão radiofônica, não percebendo a desilusão afiada ao cantar:

"The downtown trains are full/ With all those Brooklyn girls/ They try so hard to break out of their little worlds/ You wave your hand and they scatter like crows/ They have nothing that will ever capture your heart/ They're just thorns without the rose/ Be careful of them in the dark/ Oh if I was the one/ You chose to be your only one" (O trens do centro estão lotados/ De garotas do Brooklyn/ Elas tentam sair daqueles mundos pequeninhos/ Você faz um aceno e elas respondem como corvos/ Elas não tem nada que vá agarrar o seu coração/ São apenas espinhos sem rosa/ Tome cuidado com elas no escuro/ Se eu fosse o único/ O único que você escolheria).

A mensagem de Waits não é algo explicíta. Seu humor do absurdo ainda mostra alguma resistência contra as ilusões da vida quando berra na última canção de "Rain Dogs", "Anywhere I Lay My Head" - "I don't need anybody/ Because I learned to be alone/ And anywhere/ I lay my head, boys/ I will call my home" (Eu não preciso de ninguém/ Porque aprendi a ficar sozinho/ E em qualquer lugar/ que eu deitar a minha cabeça/ Será a minha casa).

Sua alma é sua casa porque ninguém mais pode tê-la - exceto o Diabo, para quem o personagem de Waits está prontinho para fazer um pacto. No caso, um pacto patético, como fez no álbum seguinte, a parte final de sua trilogia, "Frank´s Wild Years", que mostra o velho Frank se envolvendo com o tinhoso. A tentação sempre foi algo que interessou Waits e ele desenvolveria este assunto na sua metafísica, fazendo uma contraposição com o tema da inocência - que só é possível quando sonha, e geralmente o sonho é um pesadelo grotesco.

Tom Waits está para a canção como "On The Road" de Kerouac esteve para a literatura beat dos anos 50.

Texto parcialmente extraído do site: O Indivíduo

Download: Mediafire - mp3 de 192 kbps - 73 MB

Um comentário:

Pedro Tiago disse...

Man, o link tá dando erro!