domingo, 25 de maio de 2008

Violins


“E eu garanto que seus filhos agradecem por crescer
sem ter que conviver com bichas e michês
e pretos na TV, discípulos de Che
Putas com HIV”

Grupo de Extermínios de Aberrações, do álbum “Tribunal Surdo”

“E eu posso inventar a missa, louvar o acaso e absurdo
Em noites que te chamei sem ouvir respostas
Enquanto o mundo te cobra sempre um futuro
A lama e a glória são a mesma bosta”

Entre o Céu e o Inferno, do álbum “A Redenção dos Corpos”


A maioria das bandas brazucas entra ou já entrou um dia no terrível dilema entre cantar na língua-mãe ou partir para o inglês, berço do rock. Muitas argumentam que o roque soa melhor in English. Mas a real, real mesmo, é que escrever belas letras em português é uma arte a que poucos se mostram aptos. É preciso ter veia de poeta, veia de músico e, mais que tudo, veia de cronista. Uma boa letra não precisa ter muitas palavras; mas é imprescindível ter muita história pra contar. Tipo aquela lenda de que desafiaram Hemingway a escrever uma história com até seis palavras e ele a fez com maestria: “Doam-se sapatos de bebê nunca usados”.

E quem ouve as poesias de ácido clorídrico acima, pérolas da banda goiana Violins, descobre uma daquelas raras bandas prontas, lapidadas, com timbre de guitarras e ira na medida certa em suas letras. “A Redenção dos Corpos”, quinto álbum recém-lançado do quarteto, mostra isso com perfeição. O mundo dos Violins te levanta da cadeira com músicas surpreendentemente boas e letras que poderiam ser uma Divina Comédia contemporânea – mas sem o céu. Só pelo título das músicas já é possível ter uma idéia do universo em que transita essa banda sensacional: “Padre Pedófilo”, “Rei Pornô” (com referências a Fidel), “Terrorista Justo” e “Festa Universal da Queda”. Não é choque pelo choque, não é transgressão por diversão. No retrato anárquico do Violins, não existe coturno pra abrandar o chute. É pé descalço contra um mundo de pregos.

Todo esse mundo apocalíptico já havia chegado a um primor no trabalho anterior, "Tribunal Surdo" (2007), de onde saiu “Grupo de Extermínio de Aberrações”, consagrada como uma das melhores canções do roque brasileiro atual pela nossa gloriosa crítica especializada. Na verdade, é obrigatório para qualquer ser que queira mergulhar no universo de grandes novas sonoridades do Brasil ter o estômago devidamente puncheado por essa canção. Mas o crédito da banda vai além, pois ela nem sempre foi assim. Acompanhar a discografia do Violins é ver um grupo retirar aos poucos das entranhas tudo de que o rock mais precisa nesse momento: sinceridade polida com brocas de vida real.

A princípio intitulada Violins and Old Books, a banda lançou em 2001 o EP “Wake up and dream”, que dava o teor romântico (no mais sentido século 19 que isso possa ter) com letras em inglês e descarregos de piano e violinos para o niilismo do grupo. Beto Cupertino (voz, guitarra e violão), Léo Alcanfor (guitarra), Thiago Ricco (baixo), Pierre Alcanfôr (bateria) e Pedro Saddi (teclados) pareciam não ter ainda a exata noção do que fazer com o sentimento do mundo e todos os livros lidos.

Em 2003, já como apenas Violins, o grupo estréia em versão em português no primeiro álbum, “Aurora Prisma”. Ainda auto-centradas, as letras continham uma busca pela relação com o outro que ainda se limitava ao par romântico, como em “Feche Seu Corpo”. O grupo inicia a árdua tarefa de encaixar as idéias na língua-mãe com um roque carregado de influências progressivas e de hard rock, esbarrando em um Ivan Lins nos anos 70. O piano ainda se sobressai à ira. A religião desponta tímida em “Deus Você” (“Deus, você pode crer: eu nunca fui o filho que você quis”), mas nada que se comparasse a “Grandes Infiéis”, o trabalho seguinte.

Mais dois anos se passaram e o Violins enfim surge como um grupo de Príncipes do Fim do Mundo, que encara no laço os temas que rondam o unerground nosso de cada dia. Cupertino desiste do amor e liberta-se (“Então um viva à insensatez/ Que suja a sua tez/Num bar ou num sexo a três”, canta em “Il Maledito”) para embrenhar-se no lodo que habita os deuses, os diabos e as entranhas dos seres mais variados, como em “Vendedor de Rins”. Ainda apegado ao rock clássico, o grupo chega a esbarrar em riffs grunges para saudar a ira que brota enfim das canções, como em “Hans” e “Matusalém”.


“Tribunal Surdo”, de 2007, aprimora o viés mais ácido da banda (agora quarteto, sem Léo), que começa a descobrir no violão um grande companheiro da ironia. Isso é facilmente percebível até pela continuidade em que se pode ouvir Tribunal e o álbum seguinte, “A Redenção”. Ambos tecem um mundo sem vislumbres de esperança e cada canção parece um versículo de um livro do Apocalipse moderno.

Cada vez com mais controle dos momentos em que as guitarras gritam e as crônicas líricas enlanguescem podres, o Violins caminha para o amadurecimento, enquanto canta as desventuras de uma humanidade que cavalga para o auto-aniquilamento. Que restem pelo menos as palavras, então.

Você pode ouvir todos os álbuns do Violins em links no MySpace do grupo: http://www.myspace.com/violinsbr

4 comentários:

Anônimo disse...

Lendo esse post,passeei pelos últimos anos da minha vida,que teve Violins como trilha sonora.A banda fica melhor a cada dia,e para as pessoas que,como eu,a acompanha esse texto é especial.Fico feliz a cada crítica elogiosa à banda,eles merecem mesmo,fazem um trabalho excelente.

Marco Souza disse...

muito bacana o som deles, ana.
vc tem os albuns em mp3 pra passar pra nóis?

Anônimo disse...

Eu to começando a me aprofundar mais na obra do Violins agora, mas já deu pra ver que é uma das bandas nacionais na ativa de proposta mais interessante e bem merecedora de atenção - e o texto tá fodaço, ana! Dá mó vontade de conhecer o som dos caras após ler essas palavras... e essa é uma das maiores qualidades que um texto sobre banda indie pode ter.

ah, qto aos álbuns completos em mp3: a "direção" deste honroso blog preferiu não colocá-los à disposição de todos com medo de arranjar briga com os Violins (vai que eles não gostam...) - e não queremos inimizade com bandas legais! Mas, na surdina: a comuna Discografias do Orkut tem quase a discografia toda disponível...

http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=6244330&tid=2503963584266935077

=)

Anônimo disse...

como sempre a Ana me fazendo ir atrás de bandas novas para o meu antigo relicário musical dos sixties e seventies... há pouco tempo atrás, foi justamente ela e sua Crendicial Tosca que me levou a ouvir o Vanguart!!!