domingo, 1 de abril de 2012

"Os chefes que causam dano à sociedade perdem o direito de comandá-la" (por Holbach, Sistema da Natureza,1770)









“Todo governo, para ser legítimo, só pode ser fundamentado no livre consentimento da sociedade, sem o qual ele não passa de uma violência, uma usurpação, uma pilhagem. […] O governo não tira seu poder senão da sociedade, e, tendo sido estabelecido apenas para o seu bem, é evidente que ela pode revogar esse poder quando o seu interesse o exige, modificar a forma do seu governo e ampliar ou limitar o poder que ela confia aos seus chefes, sobre os quais conserva sempre uma autoridade suprema, pela lei imutável da natureza que quer que a parte esteja subordinada ao todo.

Assim, os soberanos são os ministros da sociedade, seus intérpretes, os depositários de uma porção mais ou menos grande do seu poder, e não os seus senhores absolutos nem os proprietários das nações. Por um pacto, seja expresso ou tácito, esses soberanos se comprometem a zelar pela manutenção e a se ocupar do bem-estar da sociedade. É somente sob essas condições que essa sociedade consente em obedecer. Nenhuma sociedade sobre a Terra pôde ou quis conferir irrevogavelmente aos seus chefes o direito de lhe causar dano. […] Os chefes que causam dano à sociedade perdem o direito de comandá-la.

Por falta de conhecerem essas verdades, ou de aplicá-las, as nações tornaram-se infelizes e não contêm senão um vil amontoado de escravos, separados uns dos outros e isolados da sociedade que não lhes proporciona nenhum bem. Por uma consequência da imprudência dessas nações ou da astúcia e da violência daqueles a quem elas haviam confiado o poder de fazer as leis e de pô-las em execução, os soberanos tornaram-se os senhores absolutos das sociedades. Desconhecendo a verdadeira fonte do seu poder, pretenderam tê-lo recebido do céu, não ter de prestar contas senão a ele de suas ações e não dever nada à sociedade - em poucas palavras, serem deuses sobre a Terra e governá-la arbitrariamente como os deuses do empíreo. 

Desde então, a política se corrompeu e não passou de um banditismo. As nações foram aviltadas e não ousaram resistir às vontades de seus chefes; as leis nada mais foram do que a expressão de seus caprichos. O interesse público foi sacrificado a seus interesses privados; a força da sociedade foi voltada contra ela mesma. Seus membros a abandonaram para se ligar aos seus opressores… Por fim, um hábito estúpido e maquinal fez que gostassem das suas correntes. 

Para prevenir esses abusos é necessário, portanto, que a sociedade limite o poder que confia aos seus chefes e reserve para si uma porção suficiente desse poder para impedir que eles lhe causem dano. É preciso que, prudentemente, ela divida as forças que, reunidas, infalivelmente a oprimirão. Além disso, a mais simples reflexão fará que ela sinta que o fardo da administração é demasiado grande para ser levado por um único homem - e que a extensão de seu poder o tornará sempre perverso. Enfim, a experiência de todas as eras convencerá as nações de que o homem é sempre tentado a abusar do poder, que o soberano deve estar submetido à lei, e não a lei ao soberano.”

* * * * * 

“Os seres que são considerados como acima da natureza ou dela distintos serão sempre quimeras. […] Na falta de conhecer a natureza, o gênero humano produziu os deuses, que se tornaram os únicos objetos de suas esperanças e de seus temores. Os homens não perceberam que essa natureza, desprovida de bondade assim como de malícia, nada mais faz do que seguir algumas leis necessárias e imutáveis, produzindo e destruindo os seres, […] alterando-os sem cessar. Eles não viram que era na própria natureza e em suas próprias forças que o homem devia buscar suas necessidades, remédios contra seus sofrimentos e meios de tornar-se feliz; eles esperaram essas coisas de alguns seres imaginários que eles consideraram como os autores de seus prazeres e infortúnios. De onde se vê que é à ignorância da natureza que se devem essas potências desconhecidas – sob as quais o gênero humano por tanto tempo tremeu – e esses cultos supersticiosos que foram a fonte de todos os seus males.

É por falta de conhecer a sua própria natureza, sua própria tendência, suas necessidades e seus direitos que o homem em sociedade caiu da liberdade para a escravidão. Ele ignorou ou acreditou-se forçado a sufocar os desejos de seu coração e a sacrificar seu bem-estar aos caprichos de seus chefes. […] Submeteu-se sem reservas a homens como ele, que seus preconceitos o fizeram considerar como seres de uma ordem superior, como deuses sobre a Terra.

[…] Foi ainda por falta de estudar a natureza e suas leis que o homem se estagnou na ignorância. Sua preguiça preferiu deixar-se guiar pelo exemplo, pela rotina, pela autoridade, antes que pela experiência que requer atividade e pela razão que exige reflexão. Daí essa aversão que os homens demonstram por tudo aquilo que lhes parece afastar-se das regras às quais estão acostumados; daí seu respeito estúpido e escrupuloso pela antiguidade e pelas instituições mais insensatas de seus antepassados. Daí os temores que se apoderam deles quando lhes são propostas as mudanças mais vantajosas ou as tentativas mais prováveis. Eis porque vemos as nações definharem em uma vergonhosa letargia, gemerem sob abusos transmitidos de século para século… É por essa mesma inércia que as ciências úteis permanecem por tanto tempo entravadas pela autoridade: aqueles que professam essas ciências preferem seguir os caminhos que foram traçados para eles do que abrir caminhos novos. Eles preferem os delírios da sua imaginação e suas conjecturas gratuitas às experiências trabalhosas – as únicas que seriam capazes de arrancar da natureza os seus segredos.

Em poucas palavras, os homens, seja por preguiça, seja por temor, tendo renunciado ao testemunho dos seus sentidos, foram guiados em todas as suas ações e seus empreendimentos apenas pela imaginação, pelo entusiasmo, pelo hábito, pelo preconceito e, sobretudo, pela autoridade – que soube tirar proveito da sua ignorância para enganá-los. Sistemas imaginários tomaram o lugar da experiência, da reflexão e da razão: almas abaladas pelo terror e embriagadas pelo maravilhoso, ou embotadas pela preguiça e guiadas pela credulidade que é produzida pela inexperiência, criaram para si algumas opiniões ridículas ou adotaram sem exame todas as quimeras com as quais quiseram alimentá-las.

Foi assim que o gênero humano permaneceu em uma longa infância, da qual se tem tanta dificuldade para tirá-lo. Ele não teve senão hipóteses pueris, das quais nunca ousou examinar os fundamentos e as provas. Acostumou-se a considerá-las como sagradas, das quais não lhe era permitido duvidar nem por um instante. Sua ignorância tornou-o crédulo… A força tirânica o manteve em suas noções, que se tornaram necessárias para subjugar a sociedade. Elevemo-nos, pois, acima da nuvem do preconceito!”



— Paul Henri Thiry, o Barão de Holbach (1723-1789), 

um dos mais importantes pensadores do Iluminismo,
no clássico O Sistema da Natureza (1770). 
Excertos retirados do Capítulo 9 da Parte I.

Um comentário:

Mandy Savoy disse...

Não estou suportando politica (por causa das provas de Direito), shuashua.

Resumindo, principalmente o penúltimo paragrafo, ser humano extremamente alienado.