"Desde pequenos nós comemos lixo
Comercial e industrial
Mas agora chegou nossa vez
Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês
Vamos fazer nosso dever de casa
E aí então vocês vão ver
Suas crianças derrubando reis
Fazer comédia no cinema com as suas leis..."
LEGIÃO URBANA
LEGIÃO URBANA
No "Dia do Basta", 21 de Abril último, quando mais de 80 cidades brasileiras organizaram marchas em protesto contra a corrupção, cerca de 8 mil goianienses tomaram as ruas da capital do Estado governado por Marconi Perillo. Foi o segundo fim-de-semana consecutivo com milhares de manifestantes colorindo as ruas com provas incontestes de que há quem se levanta a bunda do sofá contra o conformismo e que arregaça as mangas em prol de mudança. Organizadas essencialmente pelo Facebook e demais redes sociais, esses eventos eletrizantes são provas de que não foi só a Primavera Árabe que soube utilizar a Internet como ferramenta de Mobilização Social e que, seguindo o exemplo da Praça Tahir, Goiânia começa a realizar notáveis Occupy Praça Cívica.
Praça Tahir, Egito, durante a "Primavera Árabe" (2010-2012) |
Bradando a muitas vozes slogans como "Marconi, bicheiro, devolve o meu dinheiro!" e "O povo acordou, o povo decidiu, ou pára a roubalheira ou paramos o Brasil!", a massa festiva tomou as ruas com alegria e ímpeto, num movimento cívico pacífico, apesar de alguns pequenos conflitos isolados com a polícia. Minha impressão é a de que essas passeatas tem um apoio muito maior da população goiana do que as "notas oficiais" do governo sugerem quando tentam menosprezar esse agito como se viesse de uma "oposição minoritária".
Uma manifestação, na era da cibercultura, tem toda uma série de peculiaridades que não se via em tempos idos: além da onipresença das câmeras fotográficas e dos celulares com Instagram, em que dúzias de participantes servem também como repórteres e documentaristas, as máscaras e fantasias indicavam as "filiações" dos manifestantes, seja ao movimento hacker Anonymous, seja à simbologia anarco-pop disseminada por V de Vingança, seja ao movimento estudantil ou sindical. Muitos dos jovens protestadores, com as caras-pintadas com as cores tropicais da bandeira nacional, pareciam querer viver pela primeira vez o que seus pais viveram nas manifestações pelas Diretas Já, pelo fim da Ditadura Militar ou pelo impeachment de Collor.
A multidão - predominantemente jovem - marchou com um ardor que eu, pelo menos, nunca tinha vivenciado, de dentro do turbilhão, nesta vida. Aos 27, posso dizer que perdi meu cabaço quanto à participação em grandes protestos políticos. Me senti galvanizado e comovido ao marchar em meio a essa galera sem medo de erguer sua voz. Me senti feliz de me sentir parte de um coletivo que, arrebatado, reclama diante da sociedade seu direito à expressão e à rebeldia. Foi bonito ver uma juventude que, tendo nascido original, não quer morrer uma cópia. Que, como Maiakóvski diria, age como se não tivesse nenhum cabelo branco por dentro. Foi lindo ver professores, educadores, pedagogos, universitários, movimentos estudantis e docentes, botando a boca no trombone contra um Governo que enxerga a Educação como algo relegado ao terceiro plano - pois a prioridade, é claro, são as fazendas e os "acordos comerciais"! E, claro, o jogo-do-Bicho e os caça-níqueis.
Só que agora deu zebra. As "tenebrosas transações" de que nos fala Chico Buarque começaram a vir à tona. Uma cachoeira de escândalos de corrupção e enriquecimento ilícito parece trazer uma crise moral das mais sérias para certos políticos que, por baixo do pano, nos bastidores do poder, têm nos surrupiado em surdina. E o povo que toma as ruas parece ser esperto e lúcido o bastante para ter aprendido com a História e para "sacar" com esperteza quando "há algo de podre no Reino da Dinamarca". "O povo não é trouxa", lia-se num cartaz. "É o governo quem deve temer o povo", dizia outro.
Se acho importante divulgar as fotos retiradas durante estas manifestações de rua, que muita gente garante serem as maiores em Goiânia desde o "Fora Collor!", é porque a Internet, neste caso, se tornou o único abrigo possível de um relato factual das vivências da rua. "In times of universal deceit, telling the truth becomes a revolutionary act", diz George Orwell. E hoje, o Facebook e a blogosfera é uma das únicas chances viáveis de pôr em prática aquele preceito de que tanto gosto e que aprendi com o sábio punk Jello Biafra: "não odeie a mídia; torne-se a mídia!"
O governo Marconi, todo respingado com as gotas da cachoeira de escândalos de corrupção que têm estourado nos últimos tempos, têm exercido sobre a mídia local uma influência bastante "coronelesca". Com a mídia "estrangeira" (quero dizer, que vem de fora do Estado, e que este ainda não conseguiu subornar...), o "coronelismo" é escancarado: dias atrás, o governo Marconi, suspeita-se, contratou um monte de capangas, mandou-os sair pela cidade em carrões, parando em todas as bancas-de-jornal, tentando EXTERMINAR as revistas Carta Capital que circulavam por Goiânia revelando os complôs íntimos entre Demóstenes e o bicheiro.
Deu ZEBRA no jogo-do-bicho. Todo mundo com cara de "Xiii, Marquinho! A Casa caiu!" |
Uma antiquíssima tática de políticos inescrupulosos, que consiste em varrer a sujeira para baixo do tapete, mantendo as aparências de higiene imaculada do palácio. Esse governo parece querer mandar na mídia feito aqueles generais da Ditadura que tiveram a pavorosa idéia de instalar a censura prévia e os porões do DOPS. O desprezo absoluto do governo Marconi pelo Direito à Informação é chocante. Quando as manifestações de rua estouraram, o governo Marconi começou a mandar e desmandar na mídia local, querendo que os subservientes vassourinhas ajudassem a esconder debaixo dos tapetões as realidades nas ruas de Goiânia e das revelações operação Monte Carlo da PF.
O Diário da Manhã foi um cãozinho tão obediente ao patrão que não teve pudores de mentir descaradamente sobre o número de presentes à 1a Marcha - e subestimaram miopemente os cerca de 3 mil manifestantes (há quem fale em 5 mil....) como se fossem 500 gatos pingados. Palhaçada. Numa tentativa mesquinha e cheia de baixeza de depreciar o movimento, este jornal soltou seu escárnio pra cima da galera que "só sabe cantar três versos do Hino Nacional". O radialista Luiz Gama, também fielmente marconista, soltou alguns dos comentários mais fascistóides e ignorantões que tive o desprazer de ler nos últimos anos, dizendo, por exemplo, que na manifestação "só tinha bandido" e que "qualquer promoção nas Casas Bahia junta mais gente".
Essa palhaçada de cobertura midiática, porém, não consegue esconder completamente o que realmente está se vivenciando nas ruas - e principalmente pois a Internet eles não vão conseguir comprar. Tudo indica que esse governo Marconi vive uma de suas piores crises morais destes 3 mandatos - pelo menos é o que muitos goianienses têm me dito ou expressado nas ruas. Desde o "Fora Collor!", em que os caras-pintadas foram às ruas exigindo o impeachment de Fernandinho Almofadinha, que as ruas de Goiânia não vivem tamanho fervor e frisson.
A seiva enérgica de uma juventude indignada é o que está correndo pelas veias desta que é uma das mais jovens capitais brasileiras e onde a juventude, há tanto tempo, têm feito tanto de importante em prol, por exemplo, dos rumos da cultura independente (principalmente musical) brasileira. Estou pensando no Goiânia Noise, na Monstro Discos, no Bananada, na Fósforo Cultural, na Construtora, nas dúzias de excelentes bandas e músicos e compositores e produtores culturais, em todo esse povo que, agindo em rede e em conjunto, criou uma cena artística tão efervescente, criativa e sustentável. E com promessa para expandir-se ainda mais. Vale lembrar que, tempos atrás, quando eu ainda nem morava em Goiânia, essa galera tomou as ruas no movimento Rock Pelo Niemeyer, mostrando a força que se pode tirar do preceito do-it-yourself quando ele é metamorfoseado em do-it-together!
Está armado em Goiânia, pois, um the clash que ainda terá muitos capítulos: de um lado, um governo sob ameaça de estar afundado até o pescoço na lama dos jogos-de-azar, que arrancam a grana sofrida dos pobres e enchem as contas bancárias daqueles que já possuem seus aviões e suas fazendas. De outro, um setor cada vez maior da sociedade composto por gente bem-informada, cética e ativa, uma juventude desperta e desconfiada com relação aos políticos, uma massa que está de saco cheio de roubalheira, concentração de capital, politicagens autoritárias, coronelismo e resquícios de ditadura - e que toma as ruas na certeza de que estar lutando por uma boa causa.
O futuro? O futuro, desconheço; mas o presente é de excitação e suspense.
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ALGUMAS FOTOS DAS DUAS PASSEATAS EM GOIÂNIA
(14 e 21 de ABRIL de 2012)
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