terça-feira, 21 de junho de 2011

<<< Dona Zica, Manda a Urucubaca Pra Lá! >>>


por ARTHUR NESTROVSKI,
no livro "OUTRAS NOTAS MUSICAIS"
(Publifolha Editora, pg. 411 e 412)

Eles são bonitos, arrojados, exasperados e desabusados, e seu segundo disco cai no chão da nossa música como um meteoro. Já era de se esperar algo do gênero, passados dois anos do primeiro disco do DonaZica, Composição. Mas ninguém poderia prever esse Filme Brasileiro, que saiu em 2005 na série CD 7 (CDs mais baratos, com sete músicas).


Só quem viu DonaZica ao vivo pode avaliar do que o noneto é capaz. Musicalmente a mistura já é explosiva, combinando vertentes que vão da música eletrônica à bandinha de coreto, de Jorge Ben Jor a Arrigo Barnabé, de Itamar Assumpção a Tom Zé, rap, rock e Mário de Andrade. Em cena, a combinação ganha acentos estrambóticos, que atualizam as invenções performáticas da canção tropicalista, uma geração depois das reinvenções da vanguarda paulista.

Em disco, a questão se traduz em outro campo - precisamente para este meio, o disco, afligido por crises mais ou menos apocalípticas segundo a ótica do profeta. Filme Brasileiro é mesmo um exemplo do que pode representar um disco, confrontado com as pulverizações da música pela internet. O disco, no caso, é uma obra, composta por sete canções, ou sete cenas, ou como que se queira chamar as partes do todo. E o disco tem uma ideia, que faz de cada canção um reflexo enriquecido das outras.


"Relaxe", começa a letra da primeira música, parceria de Iara Rennó com Alzira Espíndola. "Bicho-papão não dá medo a ninguém" - e a gente bem pode imaginar o que não virá pela frente, sob os augúrios de uma figura repetida no baixo (alternando compassos quaternários e ternários, à maneira de Itamar), junto com a bateria curta e funda e as econômicas figuras do contraponto na flauta (dobrada), aos quais se somam intervenções de um triângulo de baião e suspiros de moça. Isso tudo nos primeiros 50 segundos de música, o que dá a medida do engenho em evidência do começo ao fim do disco.

Ressalte-se o engenho da gravação, outra arte do disco como disco. Quando as três musas cantam "segure-se", as vozes vêm e vão de vários pontos, sibilinamente sedutoras nos seus "ss". Cada detalhe é pertinente, até para confirmar, onde preciso, a sua justa impertinência; e cada canção se resolve segundo leis que cria para si.


Para usar uma terminologia de Tom Zé: não são, de modo geral, canções 'contemplativas', canções de beleza, mas muito mais canções 'cognitivas', que provocam e fazem pensar. "Quem cozinhou o Brasil?", pergunta serenamente Andreia Dias. "500 anos de ilusão e feijão", continua ela, a caminho dos desabusos: "Passou de mão em mão", "comeu com goiabada e marmelada", "descobriu a cura que cura nada", até a uzynozônica "Quem descobriu o Brasil? / Pegou no teu pau-/ Brasil", onde a separação dos versos crava toda uma arte da ambiguidade.

Esse é um disco dos filhos do Brasil, não só porque Iara é filha de Alzira Espíndola, e Anelis Assumpção de Itamar, mas porque a questão da gênese se deixa adivinhar por trás de tudo. Neste Filme Brasileiro, cabem vanguardas e atavismos de várias extrações, que o DonaZica combina como ninguém, na esperança de um final desconhecido.

(10.12.05)



Composição (2003)
http://www.mediafire.com/?uhbmbbssqoern27

Filme Brasileiro (2005)
http://www.mediafire.com/?co1doj2pk96nq87

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