“Será que há ainda uma comunidade dos fiéis de um mesmo Deus? Meu deus permite o aborto em alguns casos, aceita o Ogino-Knauss, o diafragma e a pílula; o teu não quer nada com preservativos, mas aceita as mulheres ordenadas padres; aquele do papa não quer mesmo nada de tudo isso. O teu é de esquerda, o meu é de direita... deus mudou. Não é mais o fiador simbólico da tradição que fundava uma comunidade, mas o nome comum dos interlocutores imaginários de cada um. É meu deus privado. A cada um, o seu... O deus dos indivíduos da modernidade, em suma, é um telefone celular narcísico. Dele, sempre disponível, espero o conselho que de fato quero dar a mim mesmo. Ele é cortado sob medida: em caso de luto, se a ressureição não bastar, oferece a reencarnação ou a comunicação espírita; em caso de pobreza, o discurso da montanha; em caso de doença, por que não algo hindu ou budista?”
* * * *
“...os meios de comunicação de massa tentam oferecer a seus espectadores, em primeiro lugar, as imagens nas quais estes mais querem se espelhar. Talvez por isso mesmo, aliás, nossa relação com a mídia seja facilmente paranóica. De fato, as imagens que eles nos apresentam, para que possamos refleti-las como tantos espelhos, acabam nos perseguindo. É em relação a elas que medimos nossa inadequação; elas constituem um assíduo e frustrante dever. Na ausência de princípios reguladores, são a versão moderna do que a psicanálise chamava de superego.
...o desconforto de uma sociedade reunida ao redor de estereótipos imaginários comuns é que esses sempre se tornam persecutórios. Nunca conseguimos ser, seja qual for nossa sorte, tão ideais quanto os clichês de sucesso, felicidade e aventura que a cultura nos propõe... os ideais que são propostos vêm juntos com a obrigação de imitá-los, de realizá-los. Portanto, eles nos perseguem como modelos impossíveis de serem alcançados...
Claro que sabemos que os heróis da tela nunca morrem, que seus automáticos estraçalham e param os carros, assim como sabemos que, na realidade, quebrar um vidro a socos dói, como doem as balas dos outros. Mas até onde queremos ser lembrados? (...)
Vivemos em um mundo onde talvez a subjetividade só encontre consistência pelas imagens que o repertório midiático nos propõe como amáveis (não tanto por nós, mas pelos outros). A cada esquina nos deparamos com espelhos invertidos que não nos refletem: são imagens pintadas que nos delegam paradoxalmente a tarefa de refleti-las."
CONTARDO CALLIGARIS,
Crônicas do Individualismo Cotidiano
(Ática, 1996)
[+] entrevista p/ TRIP ::: no provocações do abujamra ::: no programa roda viva (tv cultura) ::: explicando a adolescência.
Amanhã (18/06), lá no XIII Festival Internacional de Cinema Ambiental (enfim vou conhecer a antiga capital do estado de Goiás!), vai rolar muita coisa bacana: o Contardo palestrando e lançando seu novo livro (a partir das 17h30, no Cine Teatro São Joaquim); antes, às 15h, na Mostra de filmes do Arnaldo Jabor, o crássico do cinema brazuca "Eu Sei Que Vou Te Amar" (com interpretação magnífica da Fernandinha Torres!); às 20h tem "O Casamento" e às 22h o "Toda Nudez Será Castigada" (ambos do Jabor, o último uma adaptação de Nelson Rodrigues); e de noitinha, pra fechar o dia, showzito do Manu Chao (com abertura do Gloom). Banquete!!!
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