DUAS REFÁBULAS
Cigarra, Formiga & Cia
"Cansadas dos seus papéis fabulares, a cigarra e a formiga resolveram associar-se para reagir contra a estereotipia a que haviam sido condenadas.
Deixando de parte atividades mais lucrativas, a formiga empresou a cigarra. Gravou-lhe o canto em discos e saiu a vendê-los de porta em porta. A aura de mecenas a redimiu para sempre do antigo labéu de utilitarista sem entranhas.
Graças ao mecenato da formiga, a cigarra passou a ter comida e moradia no inverno. Já ninguém a poderia acusar de imprevidência boêmia.
O desfecho desta refábula não é róseo. A formiga foi expulsa do formigueiro por lhe haver traído as tradições de pragmatismo à outrance e a cigarra teve de suportar os olhares de desprezo com que o comum das cigarras costuma fulminar a comercialização da arte."
[do livro Socráticas, 2002. in: Poesia Completa, pg. 490]
La Fontaine de cu é rola! A graciosa fábula acima é de autoria do poetaço brazuca José Paulo Paes (1926-1998). Seu Poesia Completa, nestes últimos tempos, tem sido minha leitura prediletíssima. Convido quem se interessar a conhecer mais sobre a vida e a obra deste mestre da poesia nacional a dar um pulo na Casa de Vidro. Por lá também fiz uma homenagem fúnebre ao José Saramago (1922-2010), falecido estes dias, e que deixa órfã não só a língua portuguesa, de que era um dos maiores mestres, mas este mundinho ainda tão cheio de fanatismo e intolerância e que ele soube tão bem confrontar e questionar com o mais lúcido e ferino dos olhares.
E logo mais a Copa Pirata continua, com a entrada em campo de EUA e Canadá para a segunda pelada do nosso arranca-toco sônico. Aguardem!
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