:: DIRTY PROJECTORS ::
"I want to believe that the creative life is a sustainable life, and that
invention is an endless renewable resource. It's depressing to think of
creativity as psychic deforestation -- I don't want to be bald at the end of this.” --- David Longstreth
Projetores sujos não necessariamente estragam o filme: talvez o deixem mais vago e onírico, surreal e bizarro, psicodelizando o que seria sem graça se viesse sem distorções. Imaginem que massa um filme de David Lynch ou Guy Maddin projetado por lentes imundas sobre um lençol esvoaçante! Talvez ter isto em mente ajude os viajantes a curtirem a estranhíssima viagem de cinema auditivo que o Dirty Projectors nos oferece com seu Bitte Orca, um dos discos mais celebrados (e esquisitos) de 2009.
Já no novo álbum, universalmente aclamado como o ápice da carreira da banda, os Projectors viajam felizes por um amplo espectro sonoro, realizando "uma perfeita união entre excentricidade e acessibilidade" (como diz a resenha do A.V. Club). "Virtuosístico mas lúdico, imprevisível mas acessível, Bitte Orca não é um álbum de gênero, encapsulando idéias em demasia para poder ser arquivado convenientemente sob o rótulo 'indie' ou 'experimental'", escreve a Slant (que os compara aos Books, aos Battles e ao Of Montreal).
Findo este 2009, ano fértil em experimentalismos (a julgar pelos álbuns do Animal Collective e do Grizzly Bear, ambos incensados pela crítica mundial), o Dirty Projectors vê-se sagrado como uma das bandas de saco-mais-puxado pelos cri-cris: Bitte Orca foi eleito o 2º melhor disco do ano tanto pela revista Time (ficando atrás de Brad Paisley) quanto pela Pitchfork (que elegeu o Animal Collective) – dois vice-campeonatos de muita responsa. Entrou ainda no 6º posto da Rolling Stone e no 4º da Pop Matters. Como se não bastasse, eles têm feito timinho com jogadores de peso, como o Talking Head David Byrne (fizeram juntos um som pra coleta Dark Was The Night).
Mateus Potumati, do +Soma, destaca que a banda gerou "uma onda violenta de reações que vão da adoração efusiva - aí inclusos nomes como David Byrne, Arto Lindsey e Caetano Veloso - ao ceticismo e ao mais franco desprezo". Isso devido ao radicalismo de "sua abordagem vanguardista de estilos variados como o punk, o indie rock, a no-wave, o pós-punk, a música africana, o hip-hop, a composição européia contemporânea e os ares tropicalistas".
O Dirty Projectors, sobre o palco, emanava esquisitice. Um tanto fora-de-contexto num dos dias mais noisy do festival, subiram ao palco do Centro Cultural Martin Cererê depois que tinham passado sobre os tímpanos do público verdadeiros rolos compressores de barulho assassino: o stoner rock do Black Drawing Chalks, o pãnque-métal do Mechanics e o tosqueira'n'roll das Mercenárias. Foi um tanto estranho ver a boniteza folk "Two Doves", cantada lindamente pela gracinha da Angel Deradoorian, com uma guita limpinha a acompanhando, depois de tanta balbúrdia e insanidade. O que para alguns foi um começo "morno" me pareceu, muito mais, um prelúdio sussa para uma viajada jornada que, aos poucos, foi conquistando o público - que pode ter entendido pouco, mas que soube abandonar-se a sentir muito.
Me pareceu que os Projectos ouviram os discos dos Talking Heads com muita devoção, em especial o clássico Remain In Light (1980), mas que tentam simular aqueles cabulosos grooves criados por Byrne & cia sem antes dar um rolê, pelo menos, por Funkadelic e Sly & The Family Stone - pra não falar em malandros remolejos africanos. Mas dá pra notar que estão indo na ondinha de valorização das sonoridades africanas, que conta com outros defensores no Vampire Weekend, desconstruindo os clichês do pop sem medo de cair na bizarria.
Pasmo frente à estranheza do show, eu me perguntava quando é que o vocalista tinha sido liberado do hospício e quando foi que tinha começado a perceber que fazer música podia ser boa terapia contra a esquizofrenia... Não à toa já andam chamando Longstreth de “mad genius”! Ele parecia quase às beiras de ter un "ataques epiléticos" à la Ian Curtis, mas não tinha o mínimo “pudor” em fazer suas “dancinhas” - uma delas que eu logo apelidei de “pescocinho”, em que ele ficava bicando o ar como uma galinhazinha de pescoço de elástico que algum adolescente peralta tivesse feito fumar maconha... (Desculpem, mas só metáforas muitíssimo estranhas descrevem a coisa!).
A guitarrinha de Longstreth, mais rítmica do que solante, é do tipo que nos deixa indecisos quanto ao talento do músico, mas que não deixa que se duvide do quanto ele é criativo e amalucado ao lidar com suas próprias limitações técnicas. Mateus arrisca uma descrição, mais ou menos precisa (mas nenhuma precisão é possível na transmissão deste bizarre-way-of-playing), dizendo que "Dave Longstreth alternava, na guitarra, a levada à The Contortions com solos que remetiam a um Robert Fripp ou Steve Howe como vistos por Stephen Malkmus".
Já a gracinha de vocalista Angel, vestida num pijaminha amarelo quase infantil, como quem quisesse se sentir de volta ao quarto onde aos 5 aninhos pela primeira vez começou a cantar frente ao espelho, dava a sensação de não ter nascido para o palco e de não saber ao certo o que fazer de si mesma ali em cima -- mas mandou bem com seu "timbre delicado e folk, que se situa entre a voz de uma Joanna Newsom e a de uma Björk" (+Soma).
Para adicionar esquisitices ao quadro já bizarro, as três vozes femininas entoavam cânticos malucos, como se tivessem sido alunas de uma instituição psiquiátrica ou orfanato-reformatório -- o ápice sendo a bela "Stillness Is The Move". Em muitos momentos, davam a nítida impressão de estarem cantando em línguas estranhas, remetendo a “I Zimbra”, música de Fear Of Music em que Byrne constrói uma letra inteira com fonemas que nada significam – ou seja, canta num idioma inventado, fazendo das concatenações de sons arbitrários e sem sentido a inebriante matéria do canto.
Precioso privilégio o nosso: o de poder ver ao vivo os Dirty Projectors justo no momento em que eles, na crista da onda, são consagrados como uma das mais marcantes bandas de 2009. Ouvir Bitte Orca repetidas vezes, abrindo-se à tanta criatividade concentrada e dispersa, é não só ótimo para expandir horizontes sônicos como também é uma lição maior. A de que às vezes “louco” é só um rótulo que os babacas grudam naqueles que se comportam de modos que eles não podem entender ou aceitar - e que são, muitas vezes, muito mais autênticos e criativos do que os comportamentos estereotipados dos normopatas. Caso de Longstreth, artista amalucado que bota fé que o processo da criatividade possa ser contínuo e perpétuo: a criação não gera um "desflorestamento cerebral" e não nos deixa carecas no fim do processo.
BITTE ORCA (2009)
http://www.mediafire.com/?xdj1m2znlh5
DAYTROTTER SESSIONS
:http://www.mediafire.com/?xuzumhjzjgw
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