"Quando vier a Primavera"
Alberto Caeiro (F. Pessoa)
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
HINO À VIDA (1881)
de Lou-Andreas Salomé
Tão certo quanto o amigo ama o amigo,
Também te amo, vida-enigma
Mesmo que em ti tenha exultado ou chorado,
mesmo que me tenhas dado prazer ou dor.
Eu te amo junto com teus pesares,
E mesmo que me devas destruir,
Desprender-me-ei de teus braços
Como o amigo se desprende do peito amigo.
Com toda força te abraço!
Deixa tuas chamas me inflamarem,
Deixa-me ainda no ardor da luta
Sondar mais fundo teu enigma.
Ser! Pensar milênios!
Fecha-me em teus braços:
Se já não tens felicidade a me dar
Muito bem: dai-me teu tormento.
* * * * *
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
* * * * *
"Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramaria
Não atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria...
Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora...
Palpitam flores, estremecem ninhos...
E o sol do amor, que não entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos."
OLAVO BILAC
"A Via Láctea"
Pintura: Van Gogh
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Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
de Lou-Andreas Salomé
Tão certo quanto o amigo ama o amigo,
Também te amo, vida-enigma
Mesmo que em ti tenha exultado ou chorado,
mesmo que me tenhas dado prazer ou dor.
Eu te amo junto com teus pesares,
E mesmo que me devas destruir,
Desprender-me-ei de teus braços
Como o amigo se desprende do peito amigo.
Com toda força te abraço!
Deixa tuas chamas me inflamarem,
Deixa-me ainda no ardor da luta
Sondar mais fundo teu enigma.
Ser! Pensar milênios!
Fecha-me em teus braços:
Se já não tens felicidade a me dar
Muito bem: dai-me teu tormento.
* * * * *
Um poema que "impressionou profundamente" a Nietzsche, que compôs uma música para acompanhar o "Hino à Vida" de Lou, "a única composição musical que ele decide imprimir e publicar", como aponta Maria Cristina Franco Ferraz em seu excelente estudo "O Bufão dos Deuses" [e-book na íntegra]
Confira a composição baseada no poema acima...
De Friedrich Nietzsche (1844-1900) – “Hino à Vida”
De Friedrich Nietzsche (1844-1900) – “Hino à Vida”
["Hymnus an das Leben"]
Partitura da música completa: http://bit.ly/Ra8SR0
Assista/escute com orquestra:
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
* * * * *
"Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramaria
Não atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria...
Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora...
Palpitam flores, estremecem ninhos...
E o sol do amor, que não entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos."
OLAVO BILAC
"A Via Láctea"
Pintura: Van Gogh
* * * * *
P.S.: Apreciadores da poesia, fica a dica: estamos tentando agregar poemas bacanas em um único espaço lá na nossa página do Facebook, onde mais de 30 poesias já estão disponíveis para serem sorvidas e compartilhadas à vontade. Incluindo... Goethe, Baudelaire, Maiakóvski, Cecília Meireles, Hilda Hilst, dentre muitos outros. Fiquem antenados que a idéia é ir adicionando material novo gradualmente conforme progredirem os bons encontros e os encantamentos...
4 comentários:
muito bom, muito bom
poesia sempre é bom.
estava procurando um pouco da literatura apamonhada de goiania e encontrei um livreto muito recheado, não sei se já conhece, mas deixo lhe a indicação.
bar do escritor, UBE-GO.
outra questão,
que esta muito em voga,
http://somostodospalestinos.blogspot.com.br/, são os confrontos na faixa de gaza.
sei lá, como um blog jornalistico critico, acho que seria de interesse dos depredadores.
E muito bom, a interação depredativa com um toques de poesia é bem interessante, espero que isso continue.
Valeu pelas dicas, meu caro!
De poesia goiana, ainda conheço pouco, mas já me tornei fã de Pio Vargas, poetaço que me foi apresentado pelo Dieguito de Moraes. Já destaquei o Pio aqui no blog tempos atrás... http://depredando.blogspot.com.br/2011/10/o-acaso-e-uma-empresa-para-qual-tudo.html
Quanto à questão Palestina, de fato... assunto atualíssimo. Acabo de publicar um novo post sobre o tema, com textos de Galeano, Chomsky, Amos Oz, e mais um monte de documentários essenciais para entender os conflitos... Confira: http://depredando.blogspot.com.br/2012/11/galeano-chomsky-e-amos-oz-dentre-outros.html
Abraços!!! E volte sempre!!!
Difícil não retornar,
a cultura goiana -sempre que posso- me empurra para o depredando.
Essa questão dos conflitos no oriente é de fato bem atualissimo, e com uma história bem longa, independentes de serem milenares, seculares, ou mesmo fruto de décadas de conflitos, eles tem todo um contexto gigantesco.
Vou dar uma olhada atençã (assim que possível for) no conteúdo relacionado aos conflito internacionais.
E a literatura goiana é bem escondida à mostra. Hoje mesmo fiquei sabendo de um tal de Brasigois Felício, de acordo com fonte segura, o sujeito é porreta.
E no post do Pio Vargas, muito obrigado por me avisar, vou dar uma olhada agora.
Muito agradecido.
Massa, camarada! Se tiver material deste sujeito porreta, o Brasigois (nome artístico, eu presumo?), compartilhe conosco aí embaixo... Ainda conheço pouquíssimo de literatura goiana, mas ter descoberto Pio Vargas me abriu o apetite. Volte sempre!
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