O LIVRE CAMINHAR DAS PERNAS (*)
A aventura estética de Diego de Moraes
(*) verso de Fernando Simplista,
camarada e parceiro de Dieguito
"Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres."
OSWALD DE ANDRADE. Manifesto da Poesia Pau Brasil.
(in: "A Utopia Antropofágica", Ed. Globo, pg. 65.)
"Parte de Nós" (Fósforo Cultural, 2010) download | matéria |
Poucos dos jovens artistas hoje na ativa no fervilhante cenário musical brazuca empunha tão bem a bandeira da diversidade e da criatividade quanto este "cuiabano de Goiás", legítimo exemplar do homo ludens, "dom" Dieguito de Moraes.
Seu álbum de estréia, Parte de Nós, lançado em 2010 pela Fósforo Cultural, já foi esmiuçado e celebrado aqui no blog em outra ocasião. O tempo passa, o tempo voa, e o disco prossegue um álbum de cara estimação e alta rotação por aqui, quiçá valendo como um dos trabalhos mais interessantes de nossa música indiegena, cá em terras de Pindorama, neste jovem século 21.
Múltiplas e diversas são as "facetas" de Diego de Moraes: cantor, compositor, músico, poeta, cronista, chargista, professor, palhaço, mascate... Múltiplos são os projetos, bandas e parcerias em que o inquieto Dieguito injeta seus ímpetos criativos atualmente: toca as aventuras do Pó de Ser e do Waldi & Redson; canta em parcerias com as cantoras Rosa Ferraz e Sara Não Tem Nome; e nesta próxima Sexta-Feira, 05 de Outubro, apresenta seu novo espetáculo solo, no Centro Cultural UFG, onde música, teatro, circo e poesia prometem dar-se as mãos em lúdica comunhão.
Pra quem ainda não conhece a obra de Diego de Moraes, eis aqui, nesta matéria e entrevista, o convite e a janela aberta.
Já veterano no cenário de festivais de Goiânia (já tocou em inúmeras edições do Goiânia Noise, do Bananada e do Vaca Amarela...), Diego de Moraes já abriu shows para Rita Lee (no FICA 2011), já fez dueto com o Jards Macalé (no Bananada 2012) e já vociferou "Bichos Escrotos", dos Titãs, num festival dedicado ao cinema ambiental. É uma das forças criativas mais exuberantes da nova música que se inventa no Cerrado brasileiro, às vezes "desafinando o coro dos contentes" (Torquato Neto), às vezes "botando seu bloco na rua" (Sérgio Sampaio). Dieguito já merece juntar-se a Cícero e Camelo, Wado e Amarante, Criolo e Emicida, Karina Buhr e Blubell, no time dos grandes compositores que esta geração está rendendo.
Em "Pelas Barbas do Profeta", Diego abre o leque de suas diversas influências e mestres: dos versos de Camões aos traços de Robert Crumb, dos olhos de Chico Buarque às veias de Jimi Hendrix, de Grande Sertão: Veredas à "transa de Romeu & Julieta" ("quem não pode, que fique na punheta!").
Esta pequena galeria de heróis poderia ser muito ampliada com a adição de tantos outros inspiradores, de Paulo Leminski a Sérgio Sampaio, de Raul Seixas a Mazzaropi, de Odair José a Arrigo Barnabé. Todos esses ingredientes são lançados num caldeirão - com umas pitadas apimentadas de Iggy e os Stooges e de new wave à la Elvis Costello - o que gera algo de um frescor e uma novidade que arejam e rejuvenescem a música brasileira. "Somos os criadores da estética dodecafona", brinca Diego, junto de seus camaradas de banda do Pó de Ser, depois do show no último Festival Vaca Amarela.
Esta pequena galeria de heróis poderia ser muito ampliada com a adição de tantos outros inspiradores, de Paulo Leminski a Sérgio Sampaio, de Raul Seixas a Mazzaropi, de Odair José a Arrigo Barnabé. Todos esses ingredientes são lançados num caldeirão - com umas pitadas apimentadas de Iggy e os Stooges e de new wave à la Elvis Costello - o que gera algo de um frescor e uma novidade que arejam e rejuvenescem a música brasileira. "Somos os criadores da estética dodecafona", brinca Diego, junto de seus camaradas de banda do Pó de Ser, depois do show no último Festival Vaca Amarela.
Diferença e diversidade parecem ser palavras de ordem da estética dieguista: como ele próprio avalia, seu percurso artístico no cenário musical têm primado pela valorização da diferenciação ("eu sempre tento ser um pouco diferente", canta em seu hit "Amigo"). Com uma inquietude criativa que transborda por todos os poros, incontenível, Diego segue travessia por um "caminho torto", de bicho-urbano-rural, longe de percursos pré-definidos, "na dança da canção incerta".
Ao mesmo tempo que circula livre-e-solto no cenário de Goiânia Rock City, repleto de bandas roqueiras ruidosas, que tanto marcaram a história recente do rock goiano e brasileiro (MQN, Hang The Superstars, Mechanics, Vícios da Era, Black Drawing Chalks, Hellbenders, Bang Bang Babies, Ultravespa...), Diego de Moraes também sabe mergulhar suas raízes nos solos férteis da cultura popular, inclusive a sertaneja, admirador que é de figuras como Juraildes da Cruz e Domá da Conceição.
Parte de um cenário musical que não produz apenas sertanejo comercial, nem somente stoner rock pauleira e rock-de-garagem sujo, mas que também é repleto de brasilidades (é só pensar no trabalho de Umbando, Coró de Pau, Cega Machado, Grace Carvalho, Chimpanzés de Gaveta, Radiocarbono, Casa Bizantina, Passarinhos do Cerrado...) Diego de Moraes, artista singular e irrotulável, circula por estes meios sem o mínimo pudor, com um sadio desrespeito pelas fronteiras e pelos sectarismos. Não se deixa prender a uma persona ou a um estilo fixos - e não teme dar murro em ponta de faca.
Mestre em História pela UFG (Universidade Federal de Goiás), Dieguito fala do passado com a urgência de quem sabe que viver é agora. Nenhuma veneração passiva do que passou, mas sim uma intensa atividade criativa que, debruçando-se sobre o que já foi criado, liquidificando ingredientes antigos, produz a diferença e dá-à-luz o novo.
Contra a imposição de uma meta única a todos os tão diversos mortais, "cada um que trace sua meta". Contra a "monotonia, burocracia, desarmonia e correria (que agonia!)" de "Todo Dia", o remédio é o "livre caminhar das pernas", como diz um verso de Fernando Simplista que Diego adora e adota. "A liberdade existencialista te condena à tua própria jornada", canta Dieguito em uma das canções registradas na Depredando Sessions, sessão acústica gravada no aconchego do sofá de Diego em sua casa em Senador Canedo, Goiás, e que você pode ouvir (11 faixas) no fim deste post.
"Não quero ser só mais um que foge de si fingindo estar tudo bem.Não quero ser só mais um que foge de si num tranquilo além."
Diego de Moraes - "Anormalidade"
Depredando: Sua música, que já transcendeu os limites do Brasil e foi disseminada "na gringa", numa coletânea do jornal inglês The Guardian, por exemplo, costuma ser rotulada por alguns como "neo-tropicalismo". O que você acha da etiqueta? Qual a sua relação com a Tropicália e a herança tropicalista? Repetir ou reinventar?
DIEGO: Além de "Amigo" ter saído nesta coletânea do Guardian, lá fora também saiu uma música nossa, "Todo Dia", numa coletânea da Nova Tropicália. Outro dia eu tava na Avenida Goiás [em Goiânia] e um cara me abordou: “Você não pode parar não, Diego, você é a Tropicália aqui em Goiás!” Pois é: pelo fato de minha música sempre ter tido "brinquedinhos" e piruetas que levaram muita gente a associá-la com aquela “euforia” tropicalista, aquele espírito lúdico. Mas eu também gosto muito de um cara como o Sérgio Sampaio, que já é mais soturno e depressivo.
Acho que o pensamento do tropicalismo não é uma fórmula - é algo muito abrangente. O liquidificador que era aquilo não se reduz ao ficar-repetindo o que um jornalista “fixou”. O Sindicato era uma banda heterogênea, mas havia alguns artistas que nossas opiniões convergiam: os Mutantes é unanimidade! O Transa do Caetano Veloso também. (O Eduardo Kolody, guitarrista da banda, fez até um mestrado sobre os Mutantes chamado “Qualquer Bobagem”). Existe portanto muito interesse pela tropicália - mas não para repetir.
A crítica que faço é ao revisionismo da nossa cultura. A nossa intenção nunca foi do tipo "criar uma banda mod porque quero ser igual ao The Who". Queremos absorver essas influências e recriar. Pra mim esse é o caminho da música no Brasil e no mundo hoje: recriar é criar também. Ninguém começa do nada. Alguns tem aquela estafa de pensar: “ah, tudo já foi feito! Agora só podemos copiar!” Não: a gente pode reprocessar as influências. Essa foi sempre a idéia que norteou nossa ação no Sindicato e agora no Pó de Ser também.
Sou meio desconfiado dessas coisas de “preservar”, saca? A cultura é dinâmica e tem muita gente por aí que "se aproveita" dessas coisas da identidade cultural. O Pó de Ser polemiza nesse sentido. O meu parceiro Kleuber Garcez vem de uma banda, o Mina D'água, que tinha sempre uma presença forte ritmos tradicionais como ciranda e baião - em suma, ritmos da cultura popular. Ele começou a se sentir cobrado a ficar fechado naquilo. Ele - que é apaixonado por Caetano, tem muita coisa do Lenine, conheci o Luiz Tatit por ele... - não compactua com o "folclorismo", esses discursos que se formam em torno da preservação da identidade.
Banda Pó de Ser, projeto que une Diego de Moraes, Klêuber Garcez e membros do Vida Seca |
Você é mestre em História e pesquisador da Cultura Brasileira, alguém interessado em se debruçar sobre o passado da produção artística nacional: conte-nos um pouco sobre esta jornada de ser ao mesmo tempo um artista criador e um "entusiasta" e pesquisador da cultura nascida em terra brasilis.
No meu mestrado estudei o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), que existiu de 1956 a 1964. Quando ocorre o golpe militar, ele é destruído, o que é uma grande derrota não só pro ISEB, mas para a própria esquerda nacionalista, que acreditava num projeto de desenvolvimento que não estava associado à ESG (Escola Superior de Guerra). Muito da discussão do ISEB é em relação à questão da cultura autêntica, em oposição ao imperialismo. Não é exatamente folclorismo, mas uma cultura crítica e combatente.
Pegavam muita influência de conceitos do existencialismo, de “autenticidade”, não-se-perder-no-outro, aquela coisa de que fala um pouco o Heidegger em Ser e Tempo: a existência autêntica. O pessoal do ISEB, alguns deles, eram influenciados pela discussão filosófica do pós-guerra e reprocessaram isso nas formulações deles. O Renato Ortiz fala que o ISEB, no fim dos 50 e início 60, estava continuando os debates do Modernismo, mas em outras bases, num contexto de nacionalismo e desenvolvimentismo. Mesmo com a derrota em 1964, a influência do ISEB e dos CPCs (Centros Populares de Cultura) continuou.
Movimento Estudantil, Anos de Chumbo
Nos seus últimos anos, o ISEB teve uma influência muito grande sobre os estudantes da UNE e os Centros Populares de Cultura. Muitos caras do tropicalismo começaram ali, naquela arte política dos CPCs, onde havia muito aquela coisa da conscientização, levantar os problemas do povo brasileiro... Foi posto como “arte populista”. Acho fascinante esse momento do debate da poesia concreta com os CPCs. A Tropicália é, entre outros fatores, uma resposta a esses debates: vamos só importar e repetir, como a Jovem Guarda faz? Ou vamos olhar pro Brasil?
Todos esses fenômenos culturais que foram se sucedendo - Modernismo, Antropofagia, ISEB e CPCS, Tropicália, mangue-beat, Fora do Eixo... - têm noções sobre a relação entre o nacional e o estrangeiro: até que ponto devemos nos deixar influenciar pelos "gringos", o quanto devemos ser "antropófagos", qual a diferença entre o colonizado e o imperialista... Como você vê essa questão?
A Tropicália está olhando pro Brasil, pra sanfona do Luiz Gonzaga, por exemplo. Muita coisa que estava perdida e esquecida é trazida à tona. Mas ao mesmo tempo é trazida também a psicodelia: mistura-se Jimi Hendrix com Roberto e Erasmo. Nos meios mais intelectualizados, a Jovem Guarda era muito mau-vista como alienação, entretenimento, mas a Bethânia, por exemplo, percebeu que ali tinha alguma coisa, incentivou o Caetano a olhar pro Roberto com outro olhar. Entre 64 e 68 é um momento de muita efervescência, mas depois disso começa a censura, os exílios...
A Tropicália tem repercussão nos festivais, mas batendo de frente nas fórmulas dos festivais, indo contra o nacionalismo ufanista. Ainda tem nacionalismo na Tropicália, só que um nacionalismo internacionalista. Já o Teatro Opinião é quase o resquício do CPC que tinha acabado. Lá tinha 3 grandes figuras: a Nara Leão representando a bossa nova e a Zona Sul, já que o apartamento dela era um centro de reunião importante (até brincam que lá era preciso cantar baixinho, porque era apartamento...). João do Vale, pedreiro e grande poeta. E o Zé Keti, representando o morro.
Nos anos 60 houve toda uma polêmica sobre a arte política: de um lado a esquerda nacionalista, por exemplo o Geraldo Vandré, e de outro lado a antropofagia total que os tropicalistas queriam. Minha música vai mais na veia do tropicalista, mas não sou como muita gente, que vê o Vandré como um retardado nacionalista, nem como aqueles mais politizados que o endeusam...
“Pra Não Dizer Que Não Falei De Flores” virou um grande emblema das lutas sociais no Brasil: impossível pensar essa época sem citar essa música. O Pablo Kossa escreveu no manifesto do Rock pelo Niemeyer: “se disseram que quem sabe faz a hora, o pessoal de Goiânia entendeu isso”. Muitas manifestações ainda fazem referência a essa música. Já o pessoal que venera Mutantes, Tom Zé, Caetano, parece que despreza o Vandré, uma galera que diz que ele é personagem datado. O Julio Medaglia, que é um cara polemicíssimo, eu adoro as coisas que ele fala sobre isso: os provocadores são sempre interessantes.
Ainda em 2012 seu projeto Waldi & Rédson, dupla caipira que você integra junto com o Chelo, da banda mineira Porcas Borboletas, vai estrear em disco?
Sim! O nosso primeiro disco, Minha Vida Empanzinada, já está engatilhado e deve sair em breve. A gente acha que no Waldi e Rédson dá pra amarrar uma história, construir um fio narrativo, e até mesmo com mais concisão do que foi no Parte de Nós. Nós achamos que pode rolar um lance meio Léo Canhoto e Robertinho, sabe? Aquelas histórias de bangue-bangue. Ou algo no estilo do Estrada da Vida, aquele filme feito pelo Nelson Pereira dos Santos.
De tudo que eu já fiz na vida, o Waldi e Rédson é aquilo que tem o conceito mais bem definido. É uma dupla sertaneja com influência dos clássicos que a gente escuta – Milionário e Zé Rico, João Carreiro e Pardinho, forte inspiração no bang-bang de Léo Canhoto e Robertinho, então é esse universo. Mas nas letras... Nas letras é a loucura, a junkeria, a piração... E as nossas piadas internas, como o F.O.B. (Fura-Olho-de-Brother), uma expressão que o Chelo sempre usa e que acabou entrando pro vocabulário do nosso círculo de amigos. “O cara é FOB, hein?” “Tá FOBANDO o outro!” Virou até o verbo fobar. (rs) Já chegaram até a inventar o P.I.B., que é o Pega-Irmã-de-Brother. Não dá pra saber o que é pior: o cara que fura o olho ou o cara que pega a irmã do brother... (rs)”
Se nada se cria do nada, tudo se cria a partir de criações prévias, ainda que transformadas, ultrapassadas, pervertidas, traduzidas, atualizadas. Conte-nos um pouco mais sobre alguns de seus "heróis" musicais, os compositores e cantores que mais te influenciaram.
Quando a gente abriu o show do Cérebro Eletrônico, fiz uma entrevista com o Tatá Aeroplano. A paixão pelo Sérgio Sampaio e pelo Júpiter Maçã nos une. Ele também venera o trabalho desses caras. Toda essa cena tem uma veneração pelos Mutantes e por Tom Zé que está sempre presente. É aquela coisa... Não ter medo da liberdade! A velha mensagem de abrir as portas da percepção. Estar com as antenas abertas para absorver e manter contatos.
Walter Franco
é um grande criador, de uma obra inquietante, criada já depois do
tropicalismo. Até acho que o Araçá Azul é uma resposta do Caetano
ao Ou Não do Walter. Acho Walter Franco um grande artista, até pelo lance da
poesia concreta. Já o Sergio Sampaio é muito visceral, cru. O último
disco que ele lançou em vida foi o Sinceramente, de 1982 - até morrer em
1994, não lançou mais nada. Tem aqueles vídeos no Youtube dele, tocando pra meia-dúzia de
amigos bêbados, que eu acho extremamente belo, sofisticadíssimo. Acho tudo que ele
faz biográfico. Já o Walter Franco acho mais conceitual, Sergio Sampaio é mais pessoal. Sérgio tem umas parcerias incríveis com o Raul Seixas na Sociedade Grã-Cavernista do Brasil. E ele tem todo um diálogo implícito com
Drummond: “cansei de ser moderno, vou ser eterno...".
O Juraildes da Cruz é outro que pra mim é gênio. Essas discussões do nacionalismo, da importação, que vem dos anos 60, aparecem no Juraildes: “Se farinha fosse americana e mandioca importada, banquete de bacana era farinhada...” Tem gente que trata o Juraildes como regionalista, mas eu o considero um grande criador. Um cara único, pelo violão dele, pela maneira como ele constrói. Foi uma grande felicidade quando ele nos convidou para tocar com ele lá na Praça Cívica. Um cara que a gente admira demais, que já participou de festivais com Walter Franco e Djavan, que já tinha ganhado Prêmio Sharp, depois ganhou prêmio de música brasileira no Teatro Municipal do Rio de Janeiro – e olha que foi por votação na Internet! (E ele nem tem Twitter!)
"não bato boca com o destino o que pintar eu assino." PAULO LEMINSKI |
E quais você diria que são os teus Poetas de Cabeceira, os teus livros prediletos na área da Poesia?
Um dos meus livros de cabeceira é o 26 poetas hoje da Heloísa Buarque
de Hollanda, um livro histórico que legitimou a chamada
“poesia marginal”, fenômeno das mesas de bar e das portas de
cinema, da geração mimeógrafo, de mão em mão. A poesia marginal tirou a poesia da gaveta, tornou-a popular, colocou-a na calçada, levou-a para todos os lugares, para fora das bibliotecas, até por causa das gírias, da loucura das drogas. “Lugar de poesia é na calçada”. A Heloísa, de dentro
da academia, reconheceu esse fenômeno da poesia marginal e arriscou, trouxe isso pro
cânone. Gosto muito do Torquato Neto, do Wally Salomão, do Jorge
Mautner (gosto da obra musical quanto escritor), Paulo Leminski...
O Itaú tá com uma coleção chamada ICONOCLÁSSICOS. Eles fizeram
um filme sobre o Itamar Assunção. E fizeram também um baseado no Catatau do Leminski. A viagem do Catatau é: “e se René Descartes tivesse vindo pro
Brasil junto com Maurício de Nassau?” O que seria do racionalismo
do ocidente se acontecesse isso? Uma prosa experimental muito bacana.
Gosto muito do Pio Vargas, um poeta goiano que morreu aos 26 anos, em 1991, de overdose de cocaína. Leminski via o Pio Vargas como provável sucessor. É um cara marginalizado, esquecido, pela figura polêmica que foi - não baixava a crista pra ninguém. A Revista Bula organizou a publicação.
Gosto muito do Pio Vargas, um poeta goiano que morreu aos 26 anos, em 1991, de overdose de cocaína. Leminski via o Pio Vargas como provável sucessor. É um cara marginalizado, esquecido, pela figura polêmica que foi - não baixava a crista pra ninguém. A Revista Bula organizou a publicação.
Maiakósvki também é um cara que eu gosto pra caralho. No debate que eu te falava entre Poesia Concreta e CPC, eu acho que o Maiakósvki é referência pros dois lados. Tanto pros militantes engajados, que são a favor de uma poesia para o povo, quanto para os concretistas. Ele tem os dois lados: o do engajamento e o do experimentalismo da linguagem.
Torquato Neto |
Parece-me que os seus projetos artísticos seguem um pouco a sugestão de Torquato de "desafinar o coro dos contentes" - isso no sentido de uma procura consciente pelo "ser diferente", uma fascinação pela anormalidade, uma busca por uma expressão artística excêntrica, original, que fuja dos clichês. Como é este processo de "tentar fazer diferente", ainda que destoando do coro dos contentes?
A gente sempre fui
um pouco Estranho no Ninho. Erramos mais que
os outros. A
gente se beneficiou muito com toda a bizarrice e a abrangência do
que a gente fez. Por um lado a gente se beneficiou, mas também
pagamos o preço por este caminho torto. “Um anjo torto, muito
doido, veio ler a minha mão. Não era um anjo barroco...”, como diz o Drummond. A
minha escolha foi usar as composições como meio de comunicar anseios, observações do
cotidiano.
Eu vim da
bateria. Tocava Nirvana e Ramones. Quando eu saí da Igreja, o rock
foi uma válvula de escape. Até os 15 anos, eu tinha lido a Bíblia
duas vezes e levava tudo aquilo tudo muito a sério. Bem nessa época
aqui em Senador Canedo surgiu a primeira banda autoral, o Nóia Catódica.
Quero até fazer um documentário sobre isso, sobre o cenário em redor dessa banda: eu tinha 15 anos e a galera era toda mais velha, tinha muito mais
informação que eu, tinham vinis do Jethro Tull, Black Sabbath,
Iron... O que nos unia era o rock. Não tinha divisão de tribos
entre punk, metal, grunge – não, quem era do rock tava junto.
Fazíamos cover de "Pet Cemetery", Sabbath, Iron Maiden... Foi muito
legal. A minha identificação era com o grunge, com o punk, com Dead
Kennedys, Stooges... Fui começando a ser incluído na MPB depois que
tava tocando bateria, fui conhecendo mais coisas e me abrindo.
Quando eu morei em
Goiânia, período tenso e intenso, em 2007/2008, momento em que estávamos
ocupando os espaços, o Sindicato tocou muito. Em cada show a gente
inventava um nome... Diego e os Fritos da Terra. Diego e os Moraes.
Diego e os Mendigos. Os Imoraes. O Fal do Rollin Chamas até falou pra gente
deixar uma cartola no palco e dizer pro público depositar ali
sugestões de nomes de banda. Em 2007 a gente foi em nossa 1º viagem pra São Paulo porque ganhei o Prêmio Capricho. Fui o único cara feio que saiu na Capricho: foi um momento em
que eles não tiveram muito capricho e, como diz o Zagallo, tiveram
que me engolir.
Em 2007, quando a
gente começou, gerava um estranhamento muito grande. É a coisa do
Patinho Feio. O 1º Bananada em que tocamos, você pega o flyer e vê que quem tocava: Violins,
Mechanics, Sangue Seco. Naquele momento, a diversidade não estava
tão grande como hoje. A gente, mesmo com nosso caminho torto, que
não deve ser imitado pelas crianças (rs), da nossa maneira conseguimos contribuir para
ampliar o cenário independente no sentido dele absorver a diversidade. Hoje é uma coisa mais consolidada e a gente participou nessa
direção.
Próximo Show: 05/10, Centro Cultural UFG, Pça Universitária
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