terça-feira, 19 de julho de 2011

Tatoo Rock Fest 2011: Ratos de Porão e Dead Fish



Chegando a sua sétima edição anual consecutiva, a Tatoo Rock Fest, que ocorreu em Goiânia no começo deste mês de Julho, no Centro Cultural Oscar Niemeyer (espaço precioso, que enfim está sendo plenamente utilizado, fazendo jus aos mais de R$60 milhões nele investidos), trouxe uma porrada de artistas da tatuagem, nacionais e gringos, para mostrarem seu talento na arte da cicatriz voluntária. Paralelamente à intensa tatuação, as atrações musicais serviram como um cardápio riquíssimo para os batedores-de-cabeça, moicanados, cabeludos, motoqueiros e roqueiros sujos em geral - especialmente aqueles que apreciam as vertentes mais extremas e violentas do rock nacional, como o punkão old-school com laivos de death metal dos veteraníssimos Ratos de Porão, que estão há quase 30 anos espalhando a pestilência e a balbúrdia infernal, e o hardcore melódico dos capixabas do Dead Fish, que apesar de desdenhados como "proto-emos" por alguns mostraram-se capazes de convocar uma festa punque da melhor qualidade. 


Guidable A Verdadeira História Do Ratos De Porão (Documental)

Dentre as atrações locais, destaque mais uma vez para o stoner chapado repleto de fritações dos Black Drawing Chalks, bandaça que vem acumulando experiência nos palcos do Brasil e do exterior (acabaram de voltar de uma turnê pela Inglaterra...), e os sempre entusiasmantes Space Monkeys, que estão a cada show mais afiados e precisos, indo bem além da sina de "Foo Fighters do cerrado" e fazendo-nos suspeitar que o disco de estréia de Edimar, Fredox e companhia, previsto para Setembro de 2011, será o mais fino petardo do rock goiano neste ano.

O destaque supremo vai, no entanto, não para uma banda específica, mas para o público que esteve no Niemeyer na sexta e no domingo (os dois dias em que pude marcar presença, já que no sábado o headliner Mombojó, muito malemolente pro meu gosto, não animou-me a sair de casa). Como já ocorreu em outras ocasiões, na Tatoo Rock Fest cheguei à conclusão de que a platéia, em Goiânia Rock City, é o verdadeiro espetáculo: nos shows de Ratos e Dead Fish, ambos com o som lindamente no talo, a ponto de estourar tímpanos de freiras, contaram com intensa participação de muitos malucos que subiram no palco e fizeram toda sorte de piruetas e mortais ao se lançar de volta para a galera, sem falar nas lindas rodas de pogo e nas extasiantes transgressões de regras policialescas impostas pelos guardas... É sempre tão massa ver a juventude agindo com a maior alegria enquanto põe em prática o mais descarado desacato à autoridade! Nada adiantou que os seguranças chatonildos tentassem acabar com a festa do stage diving: a repressão só incendiou ainda mais os ímpetos rebeldes, e no fim das contas a anarquia camaradística estava instaurada.

E pensem bem: só mesmo quem muito confia em seus camaradas, muitos deles desconhecidos e anômimos, lança seu corpo nos ares, com risco de espatifar a cuca no chão; ninguém se arrisca a fratura e fodição à toa, mas só por acreditar "piamente" na brodagem punk: "ninguém há de me deixar quebrar meus ossos contra o asfalto", pensa cada um daqueles que mergulha do palco para a pista, "sei que estou entre camaradas que hão de sustentar minha queda!" É a camaradagem mais genuína, e não a misantropia, o que dá o tom num ritual emocionante desses!

Kropotkin (1842 - 1921), anarquista russo e profeta-punk de longas barbas

O Hobbes (1588-1679), filósofo político que justifica o absolutismo, me parece um misantrópico que acredita que a selvageria e a violência grassariam caso o Leviatã do Estado não colocasse seus poderes de coerção e repressão no sentido da domesticação da besta-fera chamada homem; nisto, possui uma visão sobre a natureza humana muitíssimo pessimista quando comparada com aquela de meu querido Kropotkin, russo anarquista que, apostando que o coração humano não é assim tão podre quanto querem nos sugerir os defensores da tirania, sustenta que, na ausência de autoridades autoritárias e poderes estatais, saberemos cuidar uns dos outros tendo como guia a camaradagem.  O que tem a ver? Tudo, para minha cabecinha de filósofo entusiasta do Movimento Punk: pois há vezes que um show punk nos traz boas notícias sobre a humanidade e nos fez crer que Kropotkin tinham mais razão que Hobbes. A anarquia é mais doce que o autoritarismo.

Tem vezes que o punk é pura poesia.










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