Sebastião Salgado. Terra.
"...o Brasil ficou para trás na história e ainda busca uma reforma agrária feita há séculos nos países desenvolvidos. O Brasil é hoje o segundo maior em concentração fundiária, perdendo apenas para o Paraguai. Segundo estudos do MST, 2,8 % das propriedades rurais ocupam 56,7 % de todas as terras cadastradas.
Na Europa, a democratização do uso da terra foi feita ao mesmo tempo em que os centros urbanos começaram a se desenvolver com a Revolução Industrial. A criação e o fortalecimento das pequenas propriedades impediu um êxodo rural excessivo e propiciou um crescimento equilibrado das cidades. Os feudos da Idade Média foram então substituídos por propriedades menores e produtivas.
Na Inglaterra, a mudança na estrutura agrária foi feita no século 18. Na Alemanha, embora mais lenta, a reforma se deu na mesma época. A Revolução Francesa, iniciada em 1789, transformou os latifúndios da Igreja e da nobreza em propriedades bem menores destinadas aos camponeses. Na Rússia, com a revolução socialista, os latifúndios também foram loteados.
Nos EUA, a democratização da terra foi feita há mais de cem anos. Pequenos lotes de terra foram formados na medida em que o oeste do país foi tomado e as tribos indígenas que lá viviam, massacradas.
"Na América Latina, a maioria das tentativas de reforma agrária foi frustrada. Poucos são os exemplos como o de Cuba, que começou a repartição das grandes propriedades com a Revolução Cubana, em 1959, e ainda hoje avança na redução dos latifúndios", diz Correia de Andrade.
No Brasil, a história dos latifúndios tem início na colonização, com a doação de sesmarias a apadrinhados da Coroa. A sesmaria de Pernambuco, uma das mais importantes economicamente, ia da ilha de Itamaracá até o rio São Francisco, no Sertão. Essa política durou mais de trezentos anos. Em 1852, foi instituída uma lei que estabelecia que a relação de posse de terra seria de compra e venda, o que se perpetua até hoje, com poucas modificações.
Durante todo esse tempo, muitos movimentos foram formados em prol da reforma agrária no Brasil. Antes do MST, o mais expressivo foram as Ligas Camponesas, abafadas com o golpe militar de 1964. Hoje, sob lonas pretas de acampamentos país afora, trabalhadores sem-terra dos mais variados movimentos levam adiante a luta pela democratização do campo. E marcham na direção de um país com menos desigualdades, sem latifúndios."
Mariana Camarotti
CAROS AMIGOS #74, Maio de 2003.
Segundo as estatísticas da ONU, cerca de 930 milhões de pessoas no mundo passam fome. A cada cinco segundos morre uma criança no planeta devido à subnutrição ou doenças evitáveis - como o "Ponto de Mutação" (livro de Fritjof Capra depois adaptado para o cinema por seu irmão) já denunciava décadas atrás. Umas trinta crianças já morreram desde que você começou a ler este texto. Só no Brasil, segundo o IBGE, nada menos que 11 milhões de famílias padecem de “condições de insegurança alimentar grave”, situação desastrosa que recentemente o Garapa do José Padilha tão bem soube documentar e denunciar.
Já no quesito concentração fundiária, nosso país é a segunda nação mais injusta do mundo, atrás somente do Paraguai. Cerca de 3% de latifundiários detêm mais de 50% das terras do Brasil. E, claro, as tentativas de modificar este quadro normalmente são repudiadas pelos reaças ou banhadas em sangue pelas autoridades: lembremos de todas as campanhas de difamação contra o MST que a Veja e a Rede Globo perpetraram por anos; e lembremos também do massacre de Eldorado dos Carajás (dentre outras chacinas menores...) quando 19 camponeses foram assassinados, "a maioria a golpes de armas brancas ou de coronhadas na cabeça, e vários assassinados depois de presos, dezenas de feridos gravemente, e muitos desaparecidos até hoje." (Stedile)
Entre 01 e 07 de Setembro/2010, acontece o "Plebiscito sobre a Limitação da Propriedade da Terra --- em defesa da reforma agrária e da soberania territorial e alimentar". Faço questão de divulgar por aqui esta iniciativa elogiável e convidá-los a conhecer a campanha e dar um pulo na urna. Para começar a terminar com a festa do agronegócio corporativo e dos latifundiários herdeiros das capitanias hereditárias é preciso ir lá e dizer "basta!" para essa obscena desigualdade que continua, em 2010, a somente fornecer a multidões de camponeses apenas o direito a uma parca terra: o túmulo. "É a parte que te cabe neste latifúndio...".
E é sempre boa hora para relembrar os versos de João Cabral que Chico musicou e o Ilha das Flores de Jorge Furtado - que, na minha opinião, é um dos melhores curtas já feitos aqui.
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