sábado, 4 de abril de 2009

:: Los Porongas ::

- ACREANIDADE CONFIGURADA PARA A TRANSCENDÊNCIA -
por Eduardo Carli de Moraes

É, amiguinhos, hoje (pasmem!) falaremos sobre o Acre. Sem zueira. E olha que dele tenho até trauma: no ginásio, sempre rodava na prova de Geografia se me pedissem para nomear a capital desses "estados bizonhos". Tropeçava na decoreba e era obrigado a protestar: "vô lá saber, 'fessora?" Peguei até raiva. Agora tô superando os preconceitos. Porque visto daqui "de baixo", com este olhar preso à maior megalópole do Sudeste, o Acre sempre me pareceu como algo alien. Um lugar que eu imagino mais parecido com algum exótico país estrangeiro do que similar às paisagens poluentas e repletas de arranha-céus de Sumpaulo. E quem diria, caros leitores, que eu um dia sentiria ímpetos de pesquisar mais sobre aquelas lonjuras do Brasil por causa de uma recém-adquirida paixão por uma banda acriana! Com passaporte sônico nos tímpanos, bóra então fazer um rápido turismo cultural, subindo "por escadarias amazônicas até Marte"!..

Pedi uma mãozinha pra Wikipédia e descobri curiosidades interessantes sobre este canto do Brasil repleto de vazios populacionais, reservas indígenas e matas intocáveis: o Acre um dia já foi território pertencente à Bolívia e só foi englobado ao Brasil no começo do século 20; a produção de borracha por ali era tão exorbitante que, durante a II Guerra Mundial, os aliados foram muito auxiliados pelas nossas exportações, tanto que depois mandaram muito capital para a criação da Companhia Siderúrgica Nacional; e existem sim, pasmem, alguns "acrianos ilustres": Enéias Carneiro (ele mesmo, do "meu nome é Enéias!" e do "vote no PRONA!"), Armando Nogueira e Glória Perez. Depredando também é cultura!

Pois é de lá, das profundezas da Amazônia selvagem, erguendo-se do meio das seringueiras que produziram tanta borracha exportável, que jorra o som do Los Porongas - uma das mais incríveis, originais e idiossincráticas das bandas nacionais recém-nascidas. Gravado e produzido pelo Philippe Seabra, da Plebe Rude, o álbum de estréia dos caras é fodástico. Soa como um pós-grunge nacionalíssimo feito e tocado com muita garra, ambição e frescor de idéias. A banda, por não inserir no caldo muito tempero regional, tem potencial para ser curtida em todo território nacional, agradando a indies, grunges, hippies, MPBistas e mangue-beatniks.

O vocalista e principal compositor Diogo Soares (não confundir com seu xará, o colunista do Depredando), mostra-se um letrista prendado, cheio de versos misteriosos, associações-de-palavras pouco usuais e uma performance vocal que beira o teatral mas que jamais soa afetada. Já os riffs e dedilhados do guitarrista João Eduardo são espetáculo à parte: ele soa como um adolescente grungy, com manifesto gosto pelas sombras, daqueles que provavelmente cresceu com os ouvidos antenados em Seattle e predileção pelos pedaizinhos repletos de fuzz e bigmuff. Os Porongas parecem estar tentando estabelecer uma ponte entre o grunge e a sonoridade do britpop noventista ("Enquanto uns Dormem" começa soando como a irmã latino-americana de "High and Dry" do Radiohead) e do pós-punk deprê do começo dos 80 ("Subvertigem" é quase um abrasileiramento de "She's Lost Control", do Joy Division, inclusive contando com uma personagem feminina atormentada).


O tormento é sempre a solução
Me atormenta a calma e a mansidão


João Eduardo encarna ora um Jerry Cantrell ("Tudo ao Contrário" é Alice in Chains puro), por ora um Kim Thayil ("Suspeito de Si" lembra muito Soundgarden da última fase), indo de tranquilos e climáticos dedilhados à explosivos clímaxes saturados de efeitos. E tem até a manha de arriscar quase um stoner-metal brutal no riff de "Subvertigem" (quase um Kyuss sujão). Costumo reclamar que o rock brasileiro sofre de raquitismo guitarrístico: falta guitarra foda em quase toda banda nacional que ouço por aí (com raras exceções: o Cachorro Grande, que possui um mini Keith Richards de boina em seu line-up, sendo a principal delas). Com o Los Porongas dá gosto de ver uma guitarra ser usada de modo tão eficaz e inventivo, ainda que nada soe extremamente original - soa massa, e é o que conta.


Serei cortante como a lâmina da língua
Eu vivo à míngua do meu próprio ser
E vá crescer! Que eu sempre serei criança


Quanto à temática, uma melancolia terna, expressa em catarse poética, parece dominar o "ambiente sentimental" dos Porongas. Mas em nenhum momento eles caem no xorôrô emo tão em voga em nossos lacrimejantes tempos, ainda que certos versos venham carregados de desalento ("transparente a dor / diluída em lágrimas / e outras invenções febris", diz a letra de "Suspeito de Si"). Mas a tristeza, aqui, alça um vôo de lirismo e fina poesia, não resvalando jamais para o sentimentalismo barato.

"Sou metade com inteira dor",
canta Diogo, e ficamos nos perguntando se ele se refere a Platão e sua mítica sugestão de que somos todos partes de organismos mutilados, que um dia foram plenos, mas que agora estão condenados a ser metades em incansável e cansativa busca de suas "almas-gêmeas". "Eu não sou daqui, eu sou de Plutão / Sou um praça em combate vão", canta desconsolado, como se fosse mesmo uma metade reconhecendo-se incapaz de completar-se.

A razão espaço-tempo
é sempre tão desencontrada
Todo início quase um fim
Tanto sempre sempre acaba...

A sensação, ao embarcar na viagem poronguiana, é a de caminhar num mundo sem pistas, em estado de desnorteio, meio que às cegas, sem muitas bússolas e à luz de velas. "Vou por atalhos / Se faço curva faço nó / Eu não tenho timão / Nem direção maior", diz "Enquanto uns Dormem". É um mundo onde até mesmo as "entidades" que normalmente simbolizam a Perfeita Positividade revelam que trazem em si toda uma ambivalência e um jogo de contradições. É o caso de "Como o Sol", onde o Astro-Rei é descrito como algo mutante e pleno de consequências das mais diversas: "como o Sol / que se esconde ou se espalha / Que aquece ou atrapalha / Que derrete ou agasalha".

A cabaça das idéias
Conhecida por cabeça
Quem sabe talvez mereça
Rosa, lírio ou azaléia.


Vai-se pela vida com o peito repleto de "anseios temperados com receios, paranóias e outras dúvidas". Cada um com seu escudo e seu esconderijo. Cada um pedindo aos outros emprestadas as escadas, que vem sempre sem degraus, e que devolvemos sempre depois do Carnaval. O que importa é jogar fora "tudo o que não interessa agora" e ir, de barco à vela ou à nado, que "guarda o horizonte o nome de amanhã". Complicou? É que os Porongas estão aí nos confundindo para nos esclarecer - e essa arte é mais feita para desnortear que para apontar caminhos. É som que espalha sombras para ver se as luzes se acendem. Poesia que causa uma vertigem do bem.

A vontade é citar mais uma meia-dúzia de versos e estrofes, mas deixo aí somente o convite: caiam de cabeça no som e no "lego de palavras" poronguiano - vale a pena! É um discaço, original e lírico, catártico e sombrio, sentimental e elevado, de uma banda que conseguiu cometer logo em sua estréia um clássico instantâneo do rock independente nacional. Los Porongas é um álbum que vai revelando um valor cada vez maior com repetidas audições e possui tão numerosos quebra-cabeças poéticos que consegue manter nossas mentes intrigadas por muito tempo. Borracha o escambau: é isso aqui é o melhor produto de exportação do Acre!


DOWNLOAD (11 músicas - 256 kps - 85 MB):
http://www.mediafire.com/?zmywt13dkjj

“Contradição primeira. Urbanidade amazônica. Seiva que escorre nas veias. Ceia do cosmopolitismo. Correr nos rios assim como se corre nas ruas. Inundado a cada verão do sul. O destino. Se é que há. E se houver. Feito pelas mãos próprias. Impropriedade do termo. Porque coletivo. Despropriedade imaterial. Cultura pop?ular. Para cada verso uma nota e em cada nota um valor. Seringais perdidos em nossa memória genética. Eletrizados no passado do amanhã. Hoje. Batalha. Poética da chama. Irmandade. Los. Acreanidade configurada para a transcendência. Porongas.” - do ENCARTE do 1o ÁLBUM PORONGUIANO

2 comentários:

Diogo S. disse...

Poxa! Anos atrás procurei no Google por meu nome... e aparecia o cara! ehehehe Conheci a banda de maneira inusitada! Já tinha este CD. Curti!

Max disse...

Poxa sem comentarios... texto bom,e claro mostra um pouco dessa grande banda...Viva Los Porongas..Parabéns!!!