por FABRÍCIO BOPPRÉ (*)

Eu confesso que sempre fiquei meio confuso, o Trail of Dead sempre foi um enigma para mim. Não entendia os caras direito. Mas vou aproveitar a digníssima ocasião — eu vi o Trail of Dead ao vivo! — e fazer um esforcinho reflexivo aqui.
Apesar das evidências acima, muitas outras características da banda não batiam, não combinavam com essa idéia de que se trata de um pessoal que se leva a sério demais. Já viu alguma entrevista da banda? Os caras não param de falar palhaçadas. Suas respostas e explicações são sempre estapafúrdias, brincadeiras inventadas na hora, numa aparente competiçãozinha interna que eles promovem para ver quem fala a besteira mais engraçada. E apesar da arte de seus discos — os desenhos barrocos de Conrad Keely —, das vinhetas e de ocasionais títulos pomposos, sua música, como se sabe, não chega a ser totalmente contaminada por essa esquisita atração por temas clássicos. Ok, há aqui e ali um interlúdio metido a atmosfera de idade-média, coros e coisas do tipo, mas a banda se presta ao respeito e faz uma música pesada, é verdade, mas sem apelar para qualquer das idiossincrasias do metal, como os vocais constrangedores, as letras patéticas, as exibições de virtuosismo, etc. E antes que alguém se ofenda, não foi essa a intenção: eu também ouço algumas bandas de vocais constrangedores, de letras patéticas e com exibições de virtuosismo. Há de se manter viva a criança dentro de nós.
Enfim, o Trail of Dead parece se posicionar num caminho intermediário, os caras gostam de usar essas referências todas, mas numa medida suficiente que os permite serem ainda rotulados de, bem, rock alternativo (na falta de um termo melhor), e manter uma distância segura do heavy-metal. E quando perguntados sobre tudo isso, dão gargalhadas, riem e se esbaldam falando besteiras. E quando não são perguntados, também. Se divertem com a confusão que isso causa nos desavisados e tratam tudo com irreverência, sem atribuir grande importância à sua música, apesar das aparências.
Fui assisti-los no dia 7 de abril no Le Trabendo, em Paris, um local pequenino que fica dentro do Parc de la Villette, uma espécie de enorme parque que concentra casas de shows de diferentes portes e também um conservatório de música. Eu já conhecia o Le Trabendo, pois lá assisti um show da Isobel Campbell com o Mark Lanegan, e estava algo curioso sobre como um local de dimensões e feições diminutas poderia abrigar um show do Trail of Dead e seus seis integrantes, com suas famosas tendências a promover o caos. Mas nunca deve-se subestimar a falta de gosto dos parisienses pela música mais, digamos, agressiva. Se Kurt Cobain ressuscitar e reformar o Nirvana, é capaz de Paris ser a única parada da “I Hate Myself and I Want To Die (and I Did It) Tour” onde os ingressos não se esgotarão. Tenho certeza que na apresentação da Isobel Campbell com o Mark Lanegan o acanhado Le Trabendo abrigou mais gente.

O show foi parte da divulgação desse novo disco, The Century of Self, composto e gravado me parece que baseado num sentimento de descartar as experiências e a musicalidade mais variada do disco anterior (que mesmo a banda julga um trabalho mal-sucedido, dentro de suas perspectivas particulares) e voltar a trabalhar com os extremos que os fizeram notórios, mas mantendo o crescente grau de importância à melodia, que a banda vem refinando disco a disco, desde sua estréia, em 1998. Mas antes de vê-los defenderem suas causas, assistimos aos nova-iorquinos do So So Glos, uma banda de punk-rock desse mais festeiro, bem honesta e dedicada.
O Trail of Dead entrou no palco sob os urros dos poucos parisienses mais ligados à boa música e com "Invocation", a faixa instrumental de abertura do Source Tags and Codes, saindo das caixas de som, reproduzida a partir de algum computador por perto. Momentos de expectativa sentidos na pele, guitarras em punho (três logo de cara, com Jason Reece iniciando o show de pé, deixando a bateria por conta “apenas” de Aaron Ford), logo a música começa a jorrar e as coisas começam a fazer sentido.
Três músicas do The Century of Self abriram o show, também as três iniciais do álbum: "Giant’s Causeway", "Far Pavillions" e "Isis Unveiled". Logo em Giant’s Causeway, o turbilhão sonoro que os caras geram é de impressionar, mas a música me parece muito mais baseada no seu peso toneládico do que em qualquer outra coisa, de modo que a coisa começa mesmo com "Far Pavillions", uma faixa que caiu no meu gosto desde a primeira audição do novo disco. A dinâmica dos dois vocais no refrão, a cargo de Conrad Keely e Jason Reece, é de arrepiar. Na sequência, "Isis Unveiled" até que me convenceu um pouquinho mais, pois aquele detalhe da guitarrinha solo do começo, com seu pique épico-feliz que sempre me remete às detestáveis bandas de metal-melódico (só de conhecer o termo eu já não mereço crédito algum nesta vida), ao vivo é totalmente engolido pela barulheira.

E os caras não se levam a sério demais coisa nenhuma. Eles, antes de tudo, se divertem. Dão gargalhadas, dialogam com o público (interagem de outras formas também, que vou comentar depois), espancam seus instrumentos com genuína sede de rock ‘n’ roll e evidente júbilo. Conrad Keely e Jason Reece de forma mais acentuada, logicamente. Na verdade, somente Kevin Allen (também membro desde o início da banda, junto com Conrad e Jason) passa quase desapercebido em seu canto.
O setlist prosseguiu com algumas ótimas surpresas, como "Stand in Silence", ótima faixa do So Divided, e a linda "Clair De Lune", uma das melhores do Madonna. A banda não toca muitas músicas, foram 13 no total, mas elas se estendem bastante. Nenhuma é executada igual à sua versão original em disco, ainda que geralmente estas extensões não soem exatamente como improvisos, me pareceram sempre coisas bem ensaiadas, que tiram proveito do grande entrosamento entre eles, apesar das mudanças no line-up dos últimos anos. Dentre as preferências pessoais, marcaram presença "Another Morning Stoner" (minha música preferida de todos os tempos, se tivesse que escolher só uma, numa hipotética e absurda enquete) e "How Near How Far", que a banda parece ter decidido incluir no último instante, inclusive desculpando-se por algum eventual erro, já que não a tocava há algum tempo. Aliás, desconfio que "How Near How Far", com aquele seu momento mágico onde a música cessa e renasce devagarzinho, ainda há de ser transformada em núcleo de alguma metodologia psiquiátrica que visa curar pessoas que sofrem de depressão profunda.

O show terminou com "Richter Scale Madness", clássico brutal do primeiro disco da banda, e aparentemente, entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Momentos depois os caras já estavam em meio ao público, ainda encharcados de suor, rindo e tomando cerveja, Conrad Keely num estandezinho recebendo cumprimentos e tentando vender seus desenhos meticulosos. Um show do Trail of Dead derruba toda a aura de pretensão e gravidade que pode-se atribuir à banda, que pelo visto se diverte tanto batendo fotos posando com cara de malvados quanto debochando uns dos outros a cada tentativa desastrada de falar em francês, mesmo um simples merci beaucoup. Uns loucos muito divertidos e autênticos, sem dúvida alguma, que se já não fazem uma música brilhante como outrora, pelo menos protagonizam aquilo que é certamente um dos shows mais impressionantes que se tem notícia.
Setlist:
Giant’s Causeway
Far Pavillions
Isis Unveiled
Stand In Silence
Homage
Bells of Creation
Will You Smile Again For Me
How Near How Far
Clair de Lune
Totally Natural
Another Morning Stoner
Caterwaul
Richter Scale Madness
Giant’s Causeway
Far Pavillions
Isis Unveiled
Stand In Silence
Homage
Bells of Creation
Will You Smile Again For Me
How Near How Far
Clair de Lune
Totally Natural
Another Morning Stoner
Caterwaul
Richter Scale Madness
Downloads:

"SOURCE TAGS & CODES" [2002] (192 kps - 68 mb)
http://www.mediafire.com/?dtmz5lzyhtm
"WORLDS APART" [2005] (192 kps - 61 mb)
http://www.mediafire.com/?xgwzt2byvky
"THE CENTURY OF SELF" [2009] (192 kps - 83 mb)
http://www.mediafire.com/?j2wb2zn2jzz
(*) Fabrício Boppré, correspondente do Depredando em Paris, é o criador e editor-chefe do bacaníssimo portal Dying Days, dedicado a todas as bandas que revolucionaram o rock nos anos 90. Glue there!
4 comentários:
Ooo Fabrício, que texto massa! Belo relato de um show que deve ter sido fodástico, somado com uma bela análise da obra anterior banda, à luz da performance ao vivo... Dessa vez a inveja pela sua estadia aí em Paris subiu a níveis estratosféricos! Acho que não tem banda que eu mais queira ver ao vivo (dei bobeira e perdi qdo eles estiveram no Brasil...). Agora a vontade só se agravou!
Gostei muito dessa idéia, tb: " 'How Near How Far', com aquele seu momento mágico onde a música cessa e renasce devagarzinho, ainda há de ser transformada em núcleo de alguma metodologia psiquiátrica que visa curar pessoas que sofrem de depressão profunda..." Prozac tá com nada! =)
Abraços!
Pois é, Edu, o show foi foda mesmo! É uma banda para se assistir num palco, antes de julgá-los somente pelos discos. Eu gosto de todos e tal, mas como eu disse no texto, antes de vê-los, a banda tinha algo de incompreensível para mim [risos]. Ainda sobre o show, aqui tem umas fotinhos que batemos lá!
Muito bom o texto! Há algum tempo procuro conhecer melhor essa banda, vou baixar! Valeu!
Não saberia qualificar o som deles. Embora tenha gostado muito. Acho que no fundo esses moleques queriam é zoar com a cara de todo mundo e mijar em cima de todos os clichés da música que foram inventados pelos críticos em sua patética competição para ver quem conhece mais nomes de estilos diferentes.
É foda para um critico dizer que gostou de uma som e não sabes dizer de onde veio... kkkkkkkkk
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