quarta-feira, 12 de novembro de 2008

:: No apologies, no lyrics, no regrets, just abstract ::


:: The Effects of 333 - Black Rebel Motorcycle Music (2008)

Esse textinho mal merece ser chamado de resenha: está mais para uma orientação do que você encontrará acaso adquira o novo disco do Black Rebel Motorcycle Club, The Effects of 333, entrecortado por algumas reflexões sobre a banda, a indústria, a arte, e algo sobre cavernas.

Começo por dizer que adquirir The Effects of 333 é algo que eu sugiro que você faça, tanto pela música (com as ressalvas que virão logo a seguir) quanto pela iniciativa da banda: gravar um disco de forma independente, sem apoio de estúdios, e vendê-lo em seu próprio site, sem intermediários, por honestos 6 euros/dólares. Acredito que um modelo de vida digno e sustentável entre bandas e seu público, via internet, se aproxime disso. Assim, prestigiar as bandas precursoras é mais do que justo, é uma obrigação nossa. Para ficar só nos nomes grandes, Radiohead e Nine Inch Nails são outras com as quais eu já compactuei, ideologicamente e monetariamente. Neste segundo aspecto, não que estas bandas em particular precisem, mas é pelo princípio. Acabaremos sendo os responsáveis por fazer a coisa se desenvolver neste sentido, estendendo-se para todas, as grandes, médias e as pequenas. Pense nisso.

Quando ao BRMC, nota-se que a banda continua inquieta. Depois do fantástico Howl, que representou uma primeira quebra na discografia do grupo, tivemos uma retomada com o Baby 81. Pois agora, uma vez mais, eles mostram o dedo médio para quem quer que esperasse uma nova emulação de Jesus and Mary Chain e saem do estúdio com um punhado de músicas ditas "instrumental/ambient". Esse rótulo está lá no site deles, como um aviso. Lê-se pouco depois: "no apologies, no lyrics, no regrets, just abstract".

E é isso mesmo, são dez faixas em sua maioria desprovidas de melodia, formadas por ruídos, fundos sonoros contínuos, sinistros e intrigantes; sons que se estendem com o objetivo aparente de soar como qualquer coisa, menos com música no sentido tradicional da coisa. Desconfio que boa parte disso seja a definição de ambient music (ou ambient music do mal), e de fato não há muito o que acrescentar à própria definição. Como um atenuante, e para não assustar totalmente os mais conservadores, algo de melodia aparece aqui e ali, começando pela bela And With This Comes, e depois esparsamente, em faixas que parecem versões instrumentais e inacabadas de sobras das sessões de Howl. Descontruídas por camadas extras de sons alienígenas, naturalmente.

Peter Hayes cantando não se ouve, mas disto você já desconfiava, ao chegar até aqui. Aliás, parece haver pouca intervenção humana mais direta, salvo os violões e guitarras ocasionais que conduzem as tímidas linhas melódicas já citadas. Em verdade, estas linhas parecem meros traços soterrados na tal ambiência, sem destinos possíveis, prestes a submergirem no caos. Soam até, paradoxalmente, como distúrbios breves, incapazes de se manterem, ao invés de serem elas próprias as mantenedoras da música, como se faz convencionalmente. Em And When Was Better, a última música, ouvimos finalmente uma voz humana. Vozes, melhor dizendo. Algo como um passeio pela faixa AM de um aparelho de rádio, a confusão de vozes e chiados somando-se à confusão já estabelecida desde a primeira faixa. Se ainda havia alguma esperança de conclusão, de sentido, já era. O disco termina e, sendo você uma pessoa normal, deverá estar algo perturbado, na dúvida se encara de novo a parada pedregosa.

Não é música para qualquer um -- nem sei direito ainda se é para mim, nem sei direito se é música. De qualquer forma, é sempre merecedora de atenção uma banda que arregaça as mangas e registra aquilo que quer, sem concessões e sem receios. Entendo como um forte indício de arte genuína. Daí que -- não sei se é uma falha de caráter minha ou alguma espécie de sentimentalismo -- costumo me identificar com material deste tipo, por mais distante que esteja de meus interesses habituais. Botou coração e uma boa dose de independência, fico mais tolerante e com espírito mais aberto. É, é um negócio meio sem sentido, mas cá estou eu realmente envolvido com este The Effects of 333. Ouço, não entendo muito, mas curto o processo, o desafio que parece estar ali escondido nas sombras desta música inóspita, esquisita. Vou me acostumando, e começo a procurar por outras bandas do estilo, para compreender um pouco melhor este mundo, que parece habitado por criaturas que moram em cavernas. Acho até que é um interesse com prazo de validade etiquetado, mas isso não descaracteriza o valor da coisa. Vamos ver o que as outras bandas têm a me dizer.

Devaneios à parte, fato concreto é que o BRMC mostrou coragem redobrada e cometeu mais esta ruptura, ainda mais brusca que a anterior. Algo a ver com as críticas ao Baby 81? Talvez. A nova saída do baterista Nick Jago? Provável. E assim seguem traçando sua trajetória, errando aqui, acertando ali, perdendo público cá, ganhando acolá. "Hold back the edges of your gowns, ladies, we are going through hell". À sua maneira, e isso tem peso grande. Não faço a mínima idéia do que os caras aprontarão a seguir -- não acho que esse disco antecipe nada, assim como Howl não o fez -- mas a essa altura eles já são, para mim, uma das bandas contemporâneas mais relevantes, uma das com que eu mais me identifico.


É o que posso dizer deste The Effects of 333. Considere-se avisado. Interessou-se? Dá uma passada na loja virtual dos caras e boa viagem. É baratinha e poderá ser bem compensadora.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá!
Muito bom seu blog!
Com conteúdo e consistência!
Abraço!