sexta-feira, 18 de novembro de 2011

SWU - 14/11 - Diário de Bordo


Só animei de ir ao 3º dia da SWU. As pópices comercialóides de Black Eyed Peas, Duran Duran e Peter Gabriel aniquilaram qualquer ânimo de ir aos dois primeiros dias (fora a falta de grana...). Dentre as atrações dos dois primeiros dias, tava afinzaço de ver a grande Susan Tedeschi junto de Derek Trucks e os dinossauros do Lynyrd Skynyrd - mas fiquei só passando vontade. Outra das apetitosas aparições que valeria a pena conferir, o Modest Mouse, cabou por cancelar seu show (equipamento não chegou), de modo que acompanhei de leve, pela net, os acontecimentos dos 2 primeiros dias sem sofrer muito por não estar lá in loco:

a "treta" entre os roadies do Ultraje a Rigor e do Peter Gabriel, que saíram no soco e na cabeçada em cima do palco, em irrupções de selvageria bélica e patriotismo xenófobo que foram, no mínimo, o maior mico; o espetáculo circense da Courtney Love, que como de praxe faz qualquer coisa pra aparecer - mostra o peitinho, xinga quem mostra a foto de Kurt Cobain, manda Dave Grohl tomar no cu, pede para a platéia chamar o Foo Fighters de banda de viadinhos, e depois ainda se acha super punk ao fazer cover de... Michael Jackson. (Courtney não têm som que segure a responsa, então apela pro freak-show! A Brody Dalle no auge dos Distillers dá de 10 nela!) E o Chris Cornell, meu.... que idéia de jirico foi essa de tocar Unplugged, só voz e violão, num festival ao ar-livre e com público de mais de 50 mil?!? Acústico é coisa de pub, de teatro, de ambiente intimista, meu nêgo! A negada queria era uma bandaça grungy tocando pesado feito o Sabbath e com aqueles lindos esgoelamentos de "Outshined", "Spoonman", "My Wave"... Enfim: não tenho a sensação de ter perdido muito coisa nos 2 primeiros dias de festival. Já no 3º...

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SPREAD YOUR LOVE LIKE A FEVER!

A impressão que o Black Rebel Motorcycle Club me deixou foi similar àquela que tive depois que assisti o Jesus & Mary Chain (aquele do revival): um show preciso, mas sem verve; nenhuma nota fora-do-lugar, mas com pouco improviso e piração; tudo muito bem-ensaiadinho e executado com máxima perícia, mas... empolgação muito baixa para incendiar a platéia.

É verdade que não deve ser fácil encarar um público gigantesco, em país estrangeiro, num palcão daquele tamanho, ainda mais para aqueles que têm uma certa tendência à timidez... O Black Rebel me pareceu uma banda que sofreu, ao menos na SWU, com um certo stage fright. Pareciam um tanto paralisados pelo medo. E o medo deixou a banda mais grave, soturna e sem humor do que eu imaginava que seria. Enganou-se quem – como eu – esperava que o B.R.M.C. ao vivo fosse um esporro punk altamente divertido. 

O show foi sério e contido demais. O que não impediu os ouvidos da gente de curtirem toda uma série de canções certeiras, executadas como se fossem o próprios Cds sendo tocados naqueles mega-auto-falantes: "Spread Your Love", "Ain't No Easy Way", "Love Burns", "Whatever Happened to My Rock'n'Roll"... só sonzeira. Mas em matéria do que se conhece por "presença de palco" e "carisma"... o B.R.M.C. foi brochante.

Um dos caras – aquele que parece um Jack White mais gordinho e bochechudo... - permaneceu quase o tempo todo de olhos fechados. Por mais que isso seja bom para a concentração, não pude deixar de pensar comigo mesmo: porra, se fosse eu, diante dum oceano de gente desses, num dos acontecimentos mais impressionantes da minha vida, eu gostaria de manter os olhos bem abertos! O outro cara, de óclinhos escuros, até se soltou mais no finzinho do show, desceu para perto da galera, foi minimamente performático, mas, no geral, o Black Rebel fez uma apresentação digna de banda shoegazer. Só faltou rubor roseado nas faces feito as mocinhas pudicas daqueles romances do século 18...



TAKES A TEENAGE RIOT TO GET ME OUTTA BED RIGHT NOW


A lenda viva do rock independente norte-americano Sonic Youth voltou a terra brasilis poucos dias depois de anunciarem publicamente o fim dos 27 anos de casamento entre Thurston Moore e Kim Gordon. Suspeitei que seria o fim-da-linha e a última oportunidade para ver os caras ao vivo. O show na SWU não fez jus a um legítimo show de despedida – e é bem provável que os caras ainda sigam jornada e se despeçam em New York City, terra natal, em meio às lágrimas de luto dos fãs deserdados...

Fizeram o que sabem fazer de melhor, e com competência. Muita microfonia, muitas afinações estranhas de guitarra, muito instrumento sendo esfregado em lugares um tanto incomuns... Todas aqueles doideras que um dia foram muito surpreendentes e acachapantes mas hoje se tornaram altamente previsíveis. Achei que Kim Gordon cantou músicas demais – e eu, que sou bem mais o vocal de Lee Ranaldo e Thurston, fiquei um tanto contrariado pela escolha do repertório. Não adianta: Kim Gordon não têm uma voz lá muito bonita e não é uma cantora lá muito expressiva (é só comparar com uma PJ Harvey e ver a tremenda diferença!) e as letras que canta são bem mais-ou-menos em comparação àquelas duma Lydia Lunch, por exemplo.

De qualquer modo, deu pra viajar... É admirável ver ao vivo os caras que transgrediram tantas regras e deram ao mundo do rock'n'roll algumas das melhores provas do que é chamado, no âmbito da música clássica do século 20, de "emancipação da dissonância". Em outras palavras: o Sonic Youth sabe soltar as rédeas do caos e deixar este capeta vagar por aí, peralta, trovejante, despejando sobre nossos tímpanos tempestades de eletricidade descontrolada...


O Megamorte eu só vi e ouvi de longe, com a certeza absoluta de que meus tempos de metaleiro adolescente foram algum tipo de psicopatologia gravíssima que me fez enxergar algo incrível nesse treco que hoje me parece tão risível. É como se o Pato Donald tivesse sido condenado ao Inferno e retornasse à terra para cantar uns thrash metals do Capeta com a voz de quem está com sentado na privada com prisão-de-ventre. E a foto acima diz tudo sobre o Mustaine: tá bom pra ser garoto-propaganda da L'Oréal...





I'M NOT DEAD AND I'M NOT FOR SALE

O primeiro show da noite que realmente empolgou foi o do Stone Temple Pilots: só música foda, numa sequência matadora, com o público ganho do começo ao fim e altos "coros" de fazer grunge molhar de lágrima a camiseta de flanela. 

Lembro que o STP era zoado de "sub-Pearl-Jam" na época de Core, como se fossem tornar-se mais uma one-hit-band que embarcou no hype de Seattle. Que nada. Uma das bandas mais versáteis e bem-humoradas que emergiram daquele cenário, com flertes com o glam e o power-pop, o Stone Temple Pilots é uma puta duma banda noventista que conseguiu sobreviver à junkidade de Weiland com classe.

Tendemos a idolatrar os suicidas, os que morreram de overdose, os Cobains, Stanleys e Woods, mas os sobreviventes também merecem palmas. Scott Weiland, todo jeitoso em seu terno-e-gravata, cantou pra cacete, mostrou estar a todo gás, aparentemente mantendo suas veias longe da junk e injetando só música nas veias. A multidão cantando junto com "Plush" foi um momento extasiante. Melhor ainda a linda sujeira de sons como "Wicked Garden" ou "Silvergun Superman", sons que na adolescência eu adorava pôr no som, no talo, para me esgoelar junto.

Foi tão bom que deu a impressão de acabar rápido demais. Showzaço de hard-rock de arena!



DOWN IN A HOLE AND I DON'T KNOW IF I CAN BE SAVED

O Alice in Chains tenta sobreviver à O.D. letal de Layne Stanley e não faz feio nesta sua nova encarnação. O novo vocalista têm um timbre de voz muito semelhante ao do falecido e aguenta bem a responsa de encarar uma galera monstro. Só que há uma imensa diferença entre os dois: Layne Stanley era um cara profundamente melancólico, auto-destrutivo, pálido feito um cadáver, mestre em interpretar algumas das obras-primas mais sombrias e fundo-do-poço do rock noventista. 

O cara cantava com uma angústia, uma raiva e um nojo existencial que pareciam subir direto de vísceras apodrecidas. Parecia contaminado por uma NÁUSEA sartriana por existir neste mundinho infame. Entoava lamentos como se estivesse enterrado vivo num buraco, sem salvação, como na linda e épica "Down in the Hole", talvez a obra-prima do fodástico Dirt, um dos clássicos-mor na história do Grunge. A morbidez de Stanley era tamanha que me lembro de pensar, ao assistir o incrível Unplugged MTV dos caras, que o Alice in Chains foi a única banda que deixou o Acústico MTV parecendo um filme-B de zumbi.

O novo vocalista, ao contrário, parece ser sujeito mais de-bem-com-a-vida. Negão sanguebom, cabelão black power, camiseta do Led, parecendo saído do Mars Volta/At-The-Drive-In, é bem mais vivaz e serelepe do que Layne Stanley. Se dá melhor nas músicas mais punk - "We Die Young", "Them Bones" - do que naquelas mais arrastadonas e pé-na-cova. No geral, acho que o Alice in Chains encontrou um excelente substituto para o posto do quase insubstituível Layne, ainda que acabe soando como uma Banda Cover de Luxo. 

Debaixo de uma chuvinha teimosa e gelada, que serviu como ótimo contraponto atmosférico a sons como "Rain When I Die", o AIC fez o show mais deprê da noite, com alguns dos momentos artisticamente mais belos de toda a SWU: Jerry Cantrell, o sujeito mais nórdico do rock ocidental (o loirão nem parece norte-americano com esse puta jeitão de dinamarquês!), tocou lindamente e nos brindou com alguns dos mais magníficos solos de guitarra da noite. Que guitarrista fudido. Cheio de feeling, faz aquelas seis-cordas chorarem e berrarem como poucos. Todos os clássicos tavam lá: "Man in a Box", "Rooster", "Angry Chair", "No Excuses", final apoteótico com "Would?"...

No ano em que o grunge completa 20 anos de ESTOURO - em Setembro de 2011 a nitroglicerina Nevermind tinha seu pavio aceso para mudar para sempre o cenário musical, levando o punk para as massas (the year that punk broke...) e chamando todas as atenções do mundo para o noroeste dos EUA e o epicentro Seattle... - o público brasileiro teve um banquete grunge primoroso. Na mesma semana, tocaram por aqui Pearl Jam, Alice in Chains, Stone Temple Pilots, o ex-Soundgarden (e Audioslave) Chris Cornell... Se o rock americano prosseguir tão caidinho e meia-boca como anda, não resta muito a fazer senão reverenciarmos, cheios de nostalgia, esta magnífica cena que marcou os anos 90 com um rastro de suicídios, overdoses, shows-hecatombe, catarses fudidas e algumas das melhores canções com guitarra distorcida e vocal esganiçado que a humanidade já pôde produzir.


YOUR MENSTRUATING HEART AIN'T BLEEDIN' ENOUGH FOR TWO

O Faith No More, que encerrou a SWU, me pegou já extenuado pela maratona e mal conseguindo me sustentar de pé. Mesmo assim, depois de horas de chuva na cabeça, lama no tênis e demandas excessivas para minhas pernas sedentárias, a trupe de Mike Patton conseguiu impressionar com sua roleta-russa esquizofrênica malucona. A potência vocal de Patton é um bagulho tão absurdo quanto suas variadas loucuras escancaradas: esse cara é prova viva de que alguns não são enfiados pelas autoridades em hospícios justamente pois conseguem canalizar suas neuroses na direção da criação artística. 

Vestidos de pais-de-santo, rodeados de flores, invocando Exu no terreiro enlameado de Paulínia, os doidões do Chega-de-Fé atacaram pra tudo quanto é lado: musiquinha de elevador, hardcore gritadaço, popzinho romântico fácil, thrash metal gutural, coralzinho das meninas de Heliópolis, hard-rock de arena, sarau de poesia nordestina... Uma bagaça totalmente desconexa e fragmentária, altamente pós-mô, original até dizer chega. 

Mike Patton surpreendeu como stand-up comedian e rendeu algumas das melhores risadas de toda a SWU. O sujeito tem umas 50 diferentes vozes e poderia ser imitador profissional em algum programa de TV. Falou em português macarrônico com o público, mas seu curso intensivo do idioma lusitano parece ter sido dedicado apenas a palavrões e gírias de baixo calão. Sem economizar no "porra, caralho, merda" e suas corruptelas, Patton se esgoelou lindamente, desceu pro meio da galera e não economizou um mililitro do combustível vasto que tinha em seu tanque. 

Senti falta das fodaças "A Small Victory" e "Falling to Pieces", mas tá valendo. É entusiasmante presenciar uma banda tão ousada, eclética e selvagem utilizando uma espécie de metralhadora giratória estética que não deixa ninguém sair do recinto sem ser baleado.

Tanta criatividade unida a tamanho destemor em relação aos clichês e regrinhas sobre o que é são/saudável/bonito não se vê toda hora. Ao Faith No More cai como uma luva o inesquecível verso do poeta Guilherme Mandaro: "‎Que não seja o medo da loucura que nos obrigue a baixar a bandeira da imaginação!"

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