segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

"A publicidade, que constitui o segundo maior orçamento mundial depois da indústria de armamentos, é incrivelmente voraz: mais de 500 bilhões de despesas anuais." (Serge Latouche)



A PUBLICIDADE E OS BENS DE GRANDE FUTILIDADE
por Serge Latouche 
(Professor de Economia da Universidade de Paris)


"Três ingredientes são necessários para que a sociedade de consumo possa prosseguir na sua ronda diabólica: a publicidade, que cria o desejo de consumir; o crédito, que fornece os meios; e a obsolescência acelerada e programada dos produtos, que renova a necessidade deles. Essas três molas propulsoras da sociedade de crescimento são verdadeiras incitações-ao-crime.

A publicidade nos faz desejar o que não temos e desprezar aquilo de que já desfrutamos. Ela cria e recria a insatisfação e a tensão do desejo frustrado. Conforme uma pesquisa realizada entre os presidentes das maiores empresas americanas, 90% deles reconhecem que seria impossível vender um produto novo sem campanha publicitária; 85% declaram que a publicidade persuade "frequentemente" as pessoas a comprar coisas de que elas não precisam; e 51% dizem que a publicidade persuade as pessoas a comprar coisas que elas não desejam de fato (cf. André Gorz, "Capitalisme, socialisme, écologie", Paris, Galilée, 1991, p. 180).

Esquecidos os bens de primeira necessidade, cada vez mais a demanda já não incide sobre bens de grande utilidade, e sim sobre bens de grande futilidade. Elemento essencial do círculo vicioso e suicida do crescimento sem limites, a publicidade, que constitui o segundo maior orçamento mundial depois da indústria de armamentos, é incrivelmente voraz: 103 bilhões de euros nos Estados Unidos em 2003, 15 bilhões na França. No total, considerando o conjunto do globo, mais de 500 bilhões de despesas anuais. Montante colossal de poluição material, visual, auditiva, mental e espiritual!

O sistema publicitário "apossa-se da rua, invade o espaço coletivo - desfigurando-o -, apropria-se de tudo o que tem vocação pública, as estradas, as cidades, os meios de transporte, as estações de trem, os estádios, as praias, as festas. Ele inunda a noite assim como se apossa do dia, ele canibaliza a internet, coloniza os jornais, impondo sua dependência financeira e levando alguns deles a ficar reduzidos a tristes suportes. Com a televisão, ele possui sua arma de destruição em massa, instaurando a ditadura do ibope sobre o principal vetor cultural da época. (...) A agressão se dá em todas as direções, a perseguição é permanente. Poluição mental, poluição visual, poluição sonora." (Jean-Paul Besset, em "Comment ne plus être progressiste... sans dévenir réactionnaire", Paris, Fayard, 2005, p. 251).

Com a obsolescência programada, a sociedade de crescimento possui a arma absoluta do consumismo. Impossível encontrar uma peça de reposição ou alguém que a conserte. Se conseguíssemos pôr a mão na ave rara, custaria mais caro consertá-la do que comprar uma nova (sendo esta hoje fabricada a preço de banana pelo trabalho escravo do sudeste asiático). Assim é que montanhas de computadores se juntam a televisores, geladeiras, lava-louças, leitores de DVD e telefones celulares abarrotando o lixos e locais de descarte com diversos riscos de poluição: 150 milhões de computadores são transportados todos os anos para depósitos de sucata do Terceiro Mundo (500 navios por mês para a Nigéria!), apesar de conterem metais pesados e tóxicos (mercúrio, níquel, cádmio, arsênico e chumbo).

À bulimia consumista dos fissurados em supermercados e lojas de departamentos corresponde o workaholismo, o vício em trabalho dos executivos, alimentado, em muitos casos, por um consumo excessivo de antidepressivos. (...) Nós, franceses, somos detentores de um triste recorde: compramos, em 2005, 41 milhões de caixas de antidepressivos. (...) Resta-nos apenas assinar embaixo do diagnóstico do professor Dominique Belpomme: "O crescimento tornou-se o câncer da humanidade" (cf. "Avant qu'il ne soit trop tard", p. 211).


LATOUCHE
, S.
"Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno"
Editora Martins Fontes, 1a ed, 2009.
Tradução de Claudia Berliner.

2 comentários:

R$1,99 disse...

texto muito bom, lembra um pouco adorno e horkheimer nos escritos sobre industria cultural, que envolve bastante publicidade,já que publicidade envolve tudo quanto se pode ser vendido.

Roberto disse...

Excelente artigo, a consciência existe! Informação rara e riquíssima perdida na Internet atrás da névoa do conteúdo supérfluo que gera milhões de likes.
Me lembra o Projeto Venus, Rudolf Steiner e "Quem somos nós".