“Belo Monte - Anúncio de uma Guerra”
(Documentário - Brasil - 2012 - 1h44min - diretor: André D'Elia)
“O Brasil do futuro: como diz Beto Ricardo, metade uma grande São Bernardo, a outra metade uma grande Barretos. E um punhado de Méditerranées à beira-mar plantados, outro tanto de hotéis de eco-turismo em locais escolhidos dentro do Parque Nacional “Assim Era a Amazônia”, criado pela Presidente Dilma Roussef (em segundo mandato) no mais novo ente da federação, o Iowa Equatorial, antigo estado do Amazonas. Bem, esse é só um pesadelo que me acorda de vez em quando…” (VIVEIROS DE CASTRO)
Dilma só aparece uma vez no filme, mas sua participação ligeira se encerra com uma fala que carrega um famoso maquiavelismo: "há males que vem para o bem", diz em reunião com sua trupe nossa presidenta. É o retorno do celebérrimo "o fim justifica os meios". Que soem os alarmes da suspeita (mais uma vez!) diante de idéias assim! Afinal de contas, que males são estes que se supõe como necessários? E vem eles para o bem de quem? Ademais, não há uma certa arrogância em se bancar o profeta visionário que consegue prever com certeza os caminhos que levam aos amanhãs cantantes?
A mesma lorota já ouvimos antes: "não se faz uma omelete sem quebrar alguns ovos". O desenvolvimento do Brasil exigiria, para que a omelete saísse ao gosto do Palácio, alguns "efeitos colaterais": milhares de índios expulsos das terras onde habitaram seus ancestrais, Altamira lançada ao Caos da superpopulação e das epidemias tropicais, e tudo em prol dos sacrossantos interesses de crescimento desse país que, após tanto tempo de Complexo de Vira-Lata, parece subitamente de ego inflado, pavoneando-se de estar entre a meia-dúzia de economias mais pujantes do globo. E se tem algo que aprendi lendo as tragédias gregas de Ésquilo, é isso: a soberba causa desgraça certa.
Os que estão embevecidos com a utopia desenvolvimentista, ainda hoje, parecem pintar um cenário cor-de-rosa dos tempos que virão: um Brasil "financeiramente forte", "competitivo no mercado internacional", com bolsas de valores bombadas e demais blá-blá-blás economicistas. Enquanto isso, muitos de nós, brasileiros, não conseguimos enxergar senão com horror e pavor a perspectiva de que brotem McDonalds às margens do Rio Xingu e que logo as latinhas de Coca Cola estejam boiando nas águas junto aos cadáveres dos cardumes.
Quiçá em algumas décadas teremos realizado a proeza de que se abram dúzias de Shopping Centers na Amazônia, rodeados por imensos favelões e outros bolsões de pobreza, onde novos Caveirões da Polícia Militar possam reprimir os que tem pouco para que possam prosseguir na bonança os que têm demais. Amazônia, 2050: gigantescos outdoors de néon anunciam as mais novas maravilhas em promoção nos Wal-Marts que vieram tomar o lugar da antiga rainforest. E as outrora cristalinas águas dos rios agora estão imundas feito as do Tietê.
Essa megalomania do desenvolvimentismo, esta vontade cega de crescimento, merece ser questionada: desenvolver o Brasil em direção ao quê? Qual o nosso modelo e paradigma de civilização digna de ser imitada? Queremos de fato seguir na senda dos EUA, feito uns totózinhos servis, de mentalidade ainda colonizada, que só sabem seguir pelas vias abertas pelos outros? Vamos ficar pagando-pau pra quem cagou em cima do Protocolo de Kyoto e que não pára de se meter em guerras no Oriente Médio para defender o interesse da indústria petrolífera? Queremos de fato imitar um país cujos gastos com tanques, bombas, mísseis e demais armas de destruição em massa dá de lavada em qualquer outro país? Queremos de fato prosseguir botando lenha na fogueira do Industrialismo, quando as ruas de nossas metrópoles mal conseguem suportar novos afluxos de carros em nossas avenidas abarrotadas? Queremos o tal do desenvolvimento ao preço da uma catástrofe ambiental, de um desflorestamento brutal dos alvéolos verdes amazôneos, tão cruciais para o planeta quanto são os pulmões que cada um de nós carrega no peito?
Se Belo Monte está sendo feita para o bem das grandes empresas e das grandes empreiteiras, se o governo Dilma só está tão obstinado em prosseguir com a obra por causa da grana alta correndo nos bastidores do poder, comprando eleições e mandando e desmandando com a força da bufunfa, então não tenho dúvida de que mais e mais multidões vão engrossar o coro: "Um, dois, três, quatro, cinco, mil / Ou pára Belo Monte ou paramos o Brasil!"
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Viveiros de Castro: “Em uma fotografia de Miguel Rio Branco, que mostra um cárcere na Bahia, lemos uma frase arranhada no reboco da parede: “Aqui o filho chora e a mãe não ouve”. Frase terrível. Seria isso o Estado: onde o filho chora e a mãe não ouve. O lugar geométrico de todos os lugares onde o filho chora e a mãe não ouve. E ao mesmo tempo, o dossel que nos protege… Fora da cela, fora da jaula, seremos devorados – é o que nos contam.
Uma intenção poético-política sempre esteve comigo e diz muito diretamente respeito a um outro modo de imaginar o Brasil: o Brasil como multiplicidade complexa, original, polívoca, antropofágica. Quem sabe mesmo um “país do futuro” em outro sentido - no sentido de que o Brasil abriga virtualmente em si uma idéia futura, inédita, do que pode ser um país? Invenção, experimentação. Contra vento e maré, reinventar o Brasil. Com os índios, entre outros.
Uma boa política, aquela que me desperta simpatia de início, é aquela que multiplica os possíveis, que aumenta o número de possibilidades abertas à espécie. Uma política cujo objetivo é reduzir as possibilidades, as alternativas, circunscrever formas possíveis de criação e expressão, é uma política que descarto de saída.
A diversidade das formas de vida é consubstancial à vida enquanto forma da matéria. Essa diversidade é o movimento mesmo da vida. A diversidade dos modos de vida humanos é uma diversidade dos modos de nos relacionarmos com a vida em geral, e com as inumeráveis formas singulares de vida que ocupam todos os nichos possíveis do mundo que conhecemos. A diversidade é um valor superior para a vida. A vida vive da diferença; toda vez que uma diferença se anula, há morte. “Existir é diferir”.
É do supremo e urgente interesse da espécie humana abandonar uma perspectiva antropocêntrica. Os rumos que nossa civilização tomou nada têm de necessários… é possível mudar de rumo, ainda que isso signifique mudar muito daquilo que muitos considerariam como a essência mesma da nossa civilização.
Falar em diversidade socioambiental não é fazer uma constatação, mas um chamado à luta. Não se trata de celebrar ou lamentar uma diversidade passada, residualmente mantida ou irrecuperavelmente perdida. A bandeira da diversidade real aponta para o futuro: a diversidade socioambiental é o que se quer produzir, promover, favorecer. Não é uma questão de preservação, mas de perseverança. Não é um problema de controle tecnológico, mas de auto-determinação política."
— | EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO in: Encontros (org. Renato Sztutman) Azougue Editorial Leia na íntegra |
Assista ao documentário on-line ou faça o download:
Saiba mais: http://www.facebook.com/BeloMonteOFilme
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