quarta-feira, 30 de março de 2011

:: Skazeiras ::

vou estrear como dj em goiânia nesta sexta, 01/04, no Metrópolis,
quando o pub recebe a visita alucinada dos mineiros do
Fusile (ska de b.h. que é puro tnt!)

como a festa está programada para celebrar o SKA, nos últimos tempos mergulhei fundo nos "arquivos do estilo" para selecionar as eleitas para a pista.

estou longe de ser ás neste gênero (aliás, seria o ska uma espécie de reggae anfetaminado? O jazz de big-band entrando na era da guitarra elétrica? O explosivo encontro da malemolente Jamaica com a frenética América? Desisto!), mas já tive crushs por um punhado de bandas de ska.

Save Ferris
(juro que bati o olho no verdinho ali atrás e pensei que era "apologia"...)

Monique Powell,
ex-vocalista do Save Ferris
O Save Ferris já foi uma das bandas que eu mais adorava ouvir quando precisava de algo que unisse beleza, alegria e empolgação, ambas em doses cavalares. Numa época que os metaleiros do ABC ao meu redor "piravam" com o Nightwish, depois com o Evanescence, eu, contrariando os pendores neo-góticos dos cabeludos, preferia pagar-pau era pra Monique Powell.

O Rancid continua sendo uma das bandas na história do punk que mais curto, a ponto de já ter ouvido ...And Out Come The Wolves e Life Won't Wait mais vezes do que muito disco dos Beatles. "Time Bomb" é o tipo de hit que não se desgasta ou envelhece, ainda que 15 anos tenham se passado desde que explodiu.

Sem falar nas finas pepitas com pitadas de ska do The Clash, presentes em profusão no London Calling, que só se tornou um dos álbuns mais cruciais da história do rock com os riscos que a banda tomou longe das fronteiras do punk 77' ramônico que dominava os dois primeiros, acabando por flertar com o rockabilly, o reggae, o soul e, claro, com o ska ("Rudie Can't Fail", "The Right Profile" e "Wrong 'Em Boyo" o atestam!).


Rancid: nada representa melhor o skacore noventista do que ...And Ou Come The Wolves(1995)
e seus carros-chefe "Time Bomb" e "Ruby Soho"

Danny Elfman, compositor dos temas de
Os Simpsons e A Noiva Cadáver, dentre outros
Ultimamente, feito um cosmonauta do oceano de terabytes da Grande Rede, fui atrás de expandir meus conhecimentos sobre o ska e estilos semelhantes e andei ouvindo muito Toasters, Mad Caddies, Squirrel Nut Zippers, Big Bad Voodoo Daddy, Mighty Mighty Bosstones, Pietasters, Specials, Madness, Brian Setzer, Oingo Boingo e por aí vai... As trilhas sonoras do Danny Elfman também tem sido muito apreciadas (existirá algum compositor cinematográfico mais adorável para um fã de ska do que ele?)

A impressão que vai ficando é a de que ska é o equivalente do desenho-animado na história do rock: colorido, dinâmico, cheio de gags e micagens, chaplinesco e presleyano. É o estilo perfeito para quem cresceu adorando as trilhas de Tom & Jerry na TV e que, quando cresceu e deu aquela sadia apunkalhada da adolescência, conservou esta nostalgia infantil benigna.

O ska é Prozac distribuído gratuitamentes em eufóricas pílulas de som. Nos momentos de fossa, é aquilo que pode te içar para longe dos fundos-de-poço, do bico-do-corvo.

Tem certos saxofonistas que assopram o instrumento como se quisessem gerar uma ventania que nos arrancasse dos galhos todas as folhas de outono.

O ska é música de verão e de primavera, e ótima para que o inverno não seja tão gélido.

Só afunda-se mais aquele que houve, quando deprê, os desconsolos e labirintos do Joy Division. (ou alguma banda aflitiva e macumbúzia do mesmo naipe).. É música que prepara a corda lá na lavanderia e te solicita: "vem também, vêm pôr aqui o pescocinho..." Se fosse um amigo nosso, o Ian Curtis seria daquele tipo de amigo que te oferece as navalhas afiadas quando você diz que está cansado deste mundo e planejando deixá-lo. Duvidoso amigo!

Não será amigo melhor aquele que traz na gema e no peito o intento de nos deixar contentes? E é aí que entra o ska. Amigo mais confiável e jovial do que o pós-punk, por exemplo. Pois o ska é um amigo desses que nunca ouviu falar de "problemas existenciais". Não tem traumas de infância, complexos nem neuroses. Com ele não tem um pingo de "bipolaridade", de gangorra emocional, de choraminguice de emo ou de niilismo de grunge. O ska é um amigo que não tem dificuldade alguma para escancar um sorrisão na cara, sem medo de que lhe zoem de "garoto-propaganda da Colgate". Não à toa, os adjetivos dos gringos que mais me parecem fazer justiça ao ska são up-lifting e life-affirming.

Em breve pretendo soltar aqui umas mixtapes caprichadas com skazeiras finas que andei descobrindo e selecionando para o set no Metrópolis... Enquanto isso, deixo aí um punhado de bons discos que vale a pena conhecer.

Cheers!

SAVE FERRIS It Means Everything (1997)

STREETLIGHT MANIFESTO Everything Goes Numb

MAD CADDIES Just One More (2003)


TOASTERS Don't Let the Bastards Grind You Down



MIGHTY MIGHTY BOSSTONES Let's Face It (1997)


THE PIETASTERS Willis (1997)

:: Consciência Cafeínada ::


A mescla de mídias que o TV On The Radio carrega no nome já é um bom indício do que este quinteto do Brooklyn-NY pretende: sinestesia pesada, que faça o ouvinte enxergar as cores dos sons e contemplar  "pinturas" mentais sugeridas pela "atmosfera sônica", numa viaaaaagem que só mesmo uma banda de artistas plásticos e cineastas experimentais poderia bolar.

O vocalista Tunde Adepimbe, formado em cinema pela New York Film School, trampa paralelamente à banda com curta-metragem stop-motion (foi ele o responsável pelo clipe dos Yeah Yeah Yeahs "Pin") e mandou muito bem em sua atuação no Rachel Getting Married, de Jonathan Demme (um dos filmes mais finos do diretor no pós-Silêncio dos Inocentes e Filadélfia). 

Já o multi-instrumentista e produtor David Andrew Sitek (que já colaborou com Liars e Foals e remixou Beck e Nine Inch Nails) é também artista plástico e fotógrafo, o que colabora ainda mais para o aspecto altamente "Artes Integradas" que se manifesta no TV On The Radio.




Difícil de ser rotulada e compreendida num nível racional, o TV On The Radio é uma dessas bandas com "aura de mistério" e que vai revelando cada vez mais seus feitiços com o aumento da familiaridade e da entrega do ouvinte (em especial quando em estados expandidos de consciência...), à esta densa trip. Após dois celebradíssimos álbuns, Return to the Cookie Mountain (2006) e Dear Science (2008),  a trupe retorna com um dos mais aguardados experimentos sônicos de 2011: Nine Types of Light (que o Depredas já disponibiliza pra você degustar em 320kps).

Eis um tipo de banda que é rebelde à qualquer tipificação. Paradoxo: é arte de um "tipo único". Tanto que, quando alguém pede uma definição concisa sobre o TV On The Radio, cabível num tweet, o jornalista vê-se em apuros frente à tarefa ingrata, como a Ana Alice bem disse quando explorou o universo da banda por aqui. Mas ela se saiu bem:

"O Tv On The Radio é um uma mistura bem das boas entre lirismo e experimentalismo. Mas como pra amaciar o bife a gente tem que bater nos rótulos, vamo lá: seria algo como o Talking Heads dos anos 2000. Uma suruba entre Arcade Fire e Kraftwerk."

É bem por aí!

Let's go trippin'?




Vai a discografia ae?

<<< Dear Science (2008) >>>

<<< Return to Cookie Mountain (2006) >>>

<<< Desperate Youth and Blood Thirsty Babes (2004) >>>

<<< Nine Types of Light (2011) >>>

terça-feira, 29 de março de 2011

:: Buquês São Flores Mortas ::



"Não existe amor em SP
Um labirinto místico
Onde os grafites gritam
Não dá pra descrever
Numa linda frase
De um postal tão doce
(Cuidado com o doce)

São Paulo é um buquê.

Buquê são flores mortas
Num lindo arranjo
Arranjo lindo feito pra você

 Não existe amor em SP.
Os bares estão cheios
De almas tão vazias
A ganância vibra
A vaidade excita
Devolva minha vida e morra afogada
em seu próprio mar de fé
(de fel?)

Aqui ninguém vai pro céu.

Não precisa morrer pra ver Deus
Não precisa sofrer pra saber
O que é melhor pra você

Encontro duas nuvens
Em cada escombro, em cada esquina
Me dê um gole de vida

Não precisa morrer pra ver Deus..."

segunda-feira, 28 de março de 2011

Fuzilando o tédio com a Revolução Coconut

Poliglotas do timbre!

por Ana Alice Gallo

Sérgio Scliar (baixo) era o técnico de um estúdio de sonoplastia de uma escola de design. Convidou o aluno Shairon Lacerda (voz e guitarra) pra testar um microfone novo que a escola tinha comprado. Começaram a pirar na batatinha e, dessa viagem, anos depois, nasceu a Fusile [site oficial].

Um ska nervoso? Um punk temperado de metais e timbres nervosos? Um ovo e uma galinha. O EP de estréia dessa turma, The Coconut Revolution, tem recheio pra todos os gostos, do cru de garagem ao quentinho bem-arranjado. E isso tudo em uma única música, como “Blue Blood” ou “Combat Samba”. Tem vocais berrados em harmonia (?) e teclados que pontuam um naipe de metais, como os que marcam “No Puedo Pagar”.

Metais esses que, inclusive dão um tempero parecido com o que ouvimos em bandas carnavalescas como Los Hermanos - caso de “Le Fou”. Culpa do Rio de Janeiro, onde foram gravados? A semelhança, no entanto, é uma coincidência que se dissipa antes do fim da música, exatamente pela orquestra de referências que é possível absorver da audição do EP. Sem contar, é claro, a estrondosa qualidade do material, gravado e masterizado em milhões de etapas e com a ajuda de amigos bacanas, como preza a boa cartilha das boas bandas que se aventuram no do-it-yourself.

O resto você fica sabendo nessa alegre entrevista que fizemos com a trupe.


Vocês tão na estrada há quanto tempo? Vcs são de Minas ou a banda se formou em Minas?
As experimentações com a banda, algumas músicas e conceitos existem desde 2007, mas o projeto ficou todo engavetado durante a maior parte desse tempo. Foi só em 2009 que fechamos a formação atual e começamos a concretizar as coisas. O processo de achar um grupo conciso pode ser demorado e complicado, mas acabou que rolou pro Fusile da melhor forma possível. A banda se formou em Belo Horizonte, e tudo começou com algumas gravações clandestinas no estúdio de sonoplastia de uma escola de design. Foi quando Sérgio Scliar (baixo), que era o técnico do estúdio em questão convidou o aluno Shairon Lacerda (voz e guitarra) pra testar um microfone novo que a escola tinha comprado. Aí, deu no que deu.

Quem faz o que na banda?
Ao vivo o Fusile funciona assim: Shairon Lacerda faz os vocais e a guitarra, Sérgio Scliar faz os baixos, Rafael Cocão o baterista, Henrique Lemmox no saxofone, Ygor Rajão no trompete, teclados e “unas cositas más”. Todo mundo faz backing vocals e todo mundo dá “pitaco” no de todo mundo.


É o EP de estreia?
Sim. É o Coconut Revolution nosso primeiro registro oficial dessa primeira etapa do Fusile.

A maior parte do EP foi gravado na casa do Cocão (batera) pelo Grilo (Rodrigo Aires), esvaziamos alguns quartos e montamos uma estação de trabalho provisória.

O Grilo fez um investimento no equipamento dele pra gravar o disco, comprou uns pré-amplificadores e microfones legais, isso foi muito bom, porque possibilitou uma série de experimentações até acharmos a sonoridade ideal pro disco. Montado o QG, a parte divertida foi incomodar alguns vizinhos com gritos e guitarras no talo. A ocupação da residência durou quase uns dois meses, e foi durante essa estadia na casa do Cocão que batizamos o disco com o mesmo nome de um documentário sugerido pelo Cocão como inspiração pra banda, "The Coconut Revolution" ou "A Revolução dos Côcos".

A gravação do disco sofreu alguns hiatos devido à saída de dois integrantes da banda, ficamos com receio disso esfriar a parada, mas as gravações foram retomadas com a entrada do Ygor Rajão (trumpete) e Henrique Lemmox (Saxofone) com todo calor que o Fusile demanda.A bateria foi o primeiro instrumento a ser gravado "valendo", a gravação foi no studio Solo e foi a base pra todos os instrumentos. Na gravação dos metais, resolvemos fazer uma mistura de trabalho e férias e passamos uma semana no Rio de Janeiro, ensaiando e inspirando o clima de carnaval pro disco, as gravações foram feitas no studio Lontra.

Terminadas as gravações, o material foi mixado pelo Stanley Soares, um amigo de infância do Sérgio (baixo) que atualmente produz o Sepultura, o que é um orgulho pra gente, pois somos fãs da banda e porque é todo mundo de BH: o Sepultura, o Stanely, o Jean Dolabella que acabou de dar um gás novo no Sepultura... pô, o Shairon faz aula com o pai do Jean, o Max Dolabella. É muito legal sentir essa proximidade, é muito legal ter um material foda feito com a contribuição dos vizinhos. O Stanley faz um trabalho impecável e ficamos muitos satisfeitos com a parceria.

A fase final da produção do disco se encerrou há poucas semanas, quando o disco foi finalmente masterizado pelo produtor Mad Zoo, que teve a manha de dar uma super pressão no disco e deixá-lo pegando fogo.

Já tem mais músicas na manga prum próximo álbum?
Sim, várias. O show atual tem 11 músicas e ainda tem um monte “na fila de espera”, já estamos fazendo as pré-produções de algumas dessas músicas que devem sair no segundo semestre na forma de EP ou talvez um disco completo. Ainda não sabemos, vai depender do nosso capital disponível para as gravações e produções.


Como é o show da banda? Rolam só próprias ou tem covers também?
Nós nos concentramos nas nossas músicas e isso tem sido suficiente pra ganhar a atenção da galera. Em alguns shows nós já tocamos a “Tango do Covil” do Chico Buarque em uma versão adaptada pro Fusile. Mas até estamos à procura de uma música pra fazer uma versão, mas a gente sempre acaba se enrolando na hora de decidir o que vai ser e acaba deixando pra depois.


Quem vcs citariam como principais influências da banda? Eu ter ouvido Los Hermanos num ska cantando em francês foi puro truque da minha imaginação ou a banda reverencia Camelo, Amarante & Cia?
O som do Fusile, por ser bem híbrido, não facilita o trabalho de rotular, mas as pessoas sentem uma estranha necessidade de nomenclaturas. Nessas tentativas de definição somos comparados às mais diversas bandas e estilos musicais, do stoner rock do Queens Of The Stone Age ao Tropicalismo dos Mutantes, passando por Arctic Monkeys, Brian Setzer, Dead Kennedys, Specials, Clash e até Jorge Mautner. Enfim, encaramos as comparações como elogios, geralmente as pessoas comparam com coisas que elas gostam, é aí que elas buscam a “aprovação” ou a legitimação do som que fazemos.

Sobre a comparação com os queridos “Hermanos”, acho que em alguns momentos o Fusile compartilha das mesmas influências, o samba, o carnaval, o circo, o cabaret, mas em momento algum pretendemos compartilhar o mesmo rótulo ou até mesmo soar como eles. Algumas influências podem ser as mesmas, mas a abordagem e a interpretação é completamente diferente. O Fusile não tá aqui pra falar de amor, tá aqui pra azucrinar! Haha!


No final das contas, nós nos deixamos influenciar por tudo que escutamos, assistimos, vivemos. Se eu quiser ouvir a Fusile fora da internet, onde eu posso ir?
Nos últimos meses tocamos em vários eventos legais em Belo Horizonte, a maioria produzido pela 53HC Produções. Com isso tivemos oportunidade de dividir o palco com grandes bandas como Cachorro Grande, Black Drawing Chalks, Copacabana Club, B-Negão, Móveis Coloniais de Acaju, o que tem sido uma experiência bem legal. Também já tocamos no Circo Voador no Rio de Janeiro, onde também fomos muito bem recebidos.

O que é mais difícil: cantar em francês, compor em inglês ou fazer sucesso no Brasil?
Compor rock em inglês é fácil, é o caminho natural da coisa, o inglês é a língua “nativa” do rock, assim como o português é a língua do samba e da bossa nova. Mas nada impede de fazer um samba em inglês e um rock em português se o compositor sentir que essa é a melhor decisão pra música em questão, na real, o que importa é o feeling, a pegada. Se a coisa tá conceitualmente e esteticamente soando melhor em espanhol a gente canta em espanhol, se for francês, inglês ou português... e por aí vai, não é uma dificuldade, pelo contrário, é diversão, experimentação, interpretação. Até então temos nos dado bem com os idiomas e com o público que tem feito de nossos shows um legítimo sucesso! A cena independente do Brasil tem melhorado muito e nos recebido de braços abertos.
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Nota: "The Coconut Revolution", o documentário, relata a luta do povo de Bougainville (ilha do pacífico anteriormente pertencente a Papua Nova Guiné) contra a mineradora inglesa multinacional Rio Tinto Zinc, e depois por sua independência. Os moradores da ilha expulsaram, pelo uso da sabotagem, a mineradora, depois expulsaram o exército de Papua, e depois o exército da Austrália, depois mercenários contratados. Sofreram um cerco de 7 anos (a população é de aproximadamente 150 mil) e inventaram meios alternativos para sobreviverem (energia elétrica, combustível, comida, remédios...), tudo a partir de cocos.






sexta-feira, 25 de março de 2011

quinta-feira, 24 de março de 2011

:: Broken Toys, Black Needles, Bang Bang Babies... ::


Sexta-feira (25/03) cheia de ótimas opções rocker em Goiânia: o Martim Cererê recebe o "cocktail explosivo de rockabilly, swing e rabioso rock and roll" do The Broken Toys, mais uma banda argentina que visita a capital goiana (já vieram também o La Cartelera SKA, atração do Vaca Amarela 2010; o El Mató, que fez um belo show no Goiânia Noise 2010; e o Los Cocineros... dentre outros). Os Brinquedos Quebrados estão em mini-turnê pelo Brasil e, depois de passarem por São Carlos, têm datas confirmadas também em São Paulo (26 e 29/03) e no Rio de Janeiro (28/03). Dentre as três bandas de abertura, destaque para a zumbizada do Graboids, uma espécie de Misfits do cerrado/"punk-tosco de filme de terror trash", e para os Chimpanzés de Gaveta, o mais fino da mescla entre groove, fúria e lirismo. Já o Metrópolis recebe uma festa guitarreira do capeta: os paulistas do Black Needles tocam junto com o Bang Bang Babies, que está lançando seu novo 7 polegadas. Cardápio pra se esbaldar!

:: What's Your Take on Cassavetes? ::


Cassavetes é um dos cineastas que  eu mais curto e admiro.  Visceral, autêntico, turbulento, irrequieto, o cara ousou fazer um cinema autoral profundamente pessoal, na contra-corrente dos roliudianismos clichezentos. Seus trampos como ator também são bem responsa (o seu papel mais conhecido é como marido da Mia Farrow em O Bebê de Rosemary, do Roman Polanski), mas era no comando do leme que o Cassavetes deixava vir à tona todo o culhão e a catarse que o tornaram um dos grandes artistas da 7ª arte na 2ª metade do século passado. Capaz de arrancar de seus atores algumas das mais comoventes e perturbadoras representações de que me lembro, em especial de sua esposa (a deslumbrante Gena Rowlands), Cassavetes fez em 1974 um de seus mais adoráveis filmes, Uma Mulher Sob a Influência, já esmiuçado lá no Depredando o Cinema. Confiram!

"I've got a one-track-mind: all I'm interested in is Love."
(John Cassavetes)

quinta-feira, 17 de março de 2011

:: Bong e Emicida ::


O Macaco Bong, "a melhor banda independente brasileira" (segundo a Rolling Stone argentina), honra o próprio credo do artista = pedreiro e não pára de trampar duro pelo bem do cenário musical brasileiro e a expansão de seus já vastos horizontes. O power-trio cuiabano tem experimentado parcerias já faz um tempo (com o Vitor Araújo, o Siba, o naipe de metais do Móveis e até com o nosso ex-ministro da Cultura Gilberto Gil...) e agora parte para uma nova (e potencialmente explosiva) união-de-forças. O rapper paulista EMICIDA, na boca do povo após o lançamento recente de álbum Emicídio (que, segundo o Eu Ovo, "já pode ser considerado um dos discos de rap mais importantes da década, junto com grandes clássicos dos Racionais MCs, Kamau, MV Bill, entre outros"), junta-se ao Macaco Bong hoje (17/03), no Studio SP (Rua Augusta, sentido Centro, Sumpaulo).  Também participa o gaúcho moogueiro Astronauta Pinguim (aquele mesmo, que tão bem ornou com tecladeiras o discaço do Dieguito...). Vale colar e conferir um show que promete, como outros do Bong e convidados que já vi, ressuscitar um espírito jazzístico-anárquico de improvisação e descontrole que deixaria pasmo até o Ornette Coleman... Nos vemos lá?





segunda-feira, 14 de março de 2011

:: Strokin' back (uma banda sooo last nite?) ::

Vazou o Angles, nova bolacha dos Strokes.
Tá afim de degustar em 320kps?

:: Grito Rock Goiânia 2011: Um Carnaval do Barulho! ::



A matemática impressiona: em 2011, nada menos que 130 festivais Grito Rock acontecem em 9 países, um aumento significativo em relação aos 80 eventos realizados no ano passado. É uma genuína "obra faraônica" da cultura independente, possibilitada por coletivos fora-do-eixo, articulados e em intensa comunicação, que coordenam esforços para catalisar a efervescência artística de maneiras poucas vezes antes concretizada ao Sul do Equador.

Em sua grandiosa edição Goiânia, o maior festival integrado da América Latina estremeceu os alicerces do Centro Cultural Martim Cererê no fim-de-semana de Carnaval. Para todos aqueles que procuravam emoções mais intensas do que os tradicionais sambas-enredo e desfiles de escola, o evento forneceu uma alternativa do barulho para fugir do clichê. Com presença massiva e entusiasmada do público, a 5ª edição anual consecutiva do Grito que a Fósforo organiza na capital goiana contou com 29 shows e a presença de mais de 1.000 "foliões" em cada dia de festa.



TrivoltzNo sábado, 05/03, 14 bandas (*) mostraram seu som no Teatro Pyguá. Houve espaço de sobra na "matinê" para bandas novas "debutarem" num grande festival: caso de West Bullets, Bohemians, Overfuzz e Riverbreeze.

O stoner rock nervoso e garageiro dos Hellbenders eletrizou o público com doses cavalares de distorção e empolgação. O Chimpanzés de Gaveta fez erguer-se no povo o coro "Que beleza!", de Tim Maia, durante seu denso groove samba-rock. A Radiocarbono, que acaba de lançar seu álbum de estréia, destilou sua fina versão da MPB que remete a Jorge Ben, Mundo Livre S/A e muito mais. O power-trio Trivoltz e os anapolinos do Evening mostraram outras vertentes do variado e heretogêno cenário rocker goiano.

Já o Space Monkeys, apelidado de "Foo Fighters do cerrado" pela sua mistura de guitarras densas e melodias memoráveis, mostrou estar em plena ascendente. O disco de estréia destes símios espaciais, que está em processo de gravação, promete. A garageira "stooge" do Black Queen também empolgou, apesar da banda ter sido prejudicada por dois rápidos apagões da energia elétrica. Consolo: o show ficou com cara de ópera-rock em 3 atos, algo à la The Who. Já o Ultravespa, com seu róque desencanado de pendores sessentistas fez bonito com seu som meio Kinks, meio Cascavelettes.




Principal convidado de outro estado neste dia, o Revoltz mostrou seu indie-rock em português com figurinos excêntricos: um charmoso cocar indígena decorava a cabeça da tecladista. Fechando a noite, o headliner Black Drawing Chalks, tinindo e trincando, com muita experiência sobre os palcos, mostrou toda a potência de seu rock'n'roll em lindas "fritações". O lançamento recente do 1º álbum ao vivo, Live in Goiânia, sedimenta os Chalks como uma das mais fortes do rock brasileiro atual.

EXTREMO E NO TALO

Mugo

No domingão, o festival ganhou em peso e violência: era o lançamento do Fora do Eixo ao Extremo, "sub-circuito criado com base na tecnologia do Circuito Fora do Eixo com o intuito de estruturar e dar vazão a bandas de estilos mais pesados como o Hardcore, Punk, Metal e suas vertentes". Tomado pelas camisetas-preta e pelas rodinhas-de-pogo, o Cererê foi palco de um intenso carnaval "do capeta".

Dentre as bandas locais que começam a fazer-se notar, destaque para o estrondoso Aurora Rules, que conquistou o vasto público com uma apresentação cativante, e para promessas goianienses como Antes do Fim, Critical Strike, Coerência, A Ultima Theoria, Tape, Trinitro e Monster Bus. O Sangue Seco, que honra o punk brazuca clássico à la Cólera e Olho Seco, mostrou ser uma das melhores bandas brasileiras do estilo. Já o Deadly Curse, respeitada no cenário heavy metal da cidade, fez a alegria dos headbangers.

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Galinha Preta



Duas visitas da capital federal rechearam o line-up: o Galinha Preta voltou à Goiânia (da última vez, haviam tocado no Goiânia Noise 2010) para mostrar seu hilário e serelepe hardcore revoltado em que expõem o lado podre de Brasília (e do Brasil). Um dos principais representantes da cena punk brasiliense, o Galinha é como a Candangolândia lançando pedrada no Plano Piloto.

Já os caras do Valdez, com raízes no grunge, no stoner e no garage-rock, voltaram para Brasília dizendo-se "muito satisfeitos com o show de Goiania". Como aponta Diego Mendes, "deu um público bacana que não conhecia a banda e agitaram no show! Valeu aos roqueiros goianos pelas rodas de pogo e principalmente a Fosforo Cultural pela atenção e paciência com a gente. Outra coisa que vale a pena ser dito foi a puta estrutura de som do festival. Foi com certeza a melhor aparelhagem em que já tocamos!"

Vindos de Uberlândia-MG e descendo a "highway to hell" desde 1993, o Uganga fez um show nervosíssimo, aquecendo os motores para a quebradeira final do Mugo, banda esta que prepara o sucessor de Go To The Next Floor e agitou a galera para muito headbangin', roda de hardcore e "corredor da morte". Durante todo o Grito Rock!, camisetas do Mugo foram vistas em profusão, e na hora de encerrar o festival o banda fez jus à sua crescente base de fãs e provou que, mesmo tocando às 3 da matina, após uma maratona de música, é capaz de levantar até defunto.

É bom frisar ainda que, em Goiânia, o público é um espetáculo à parte. As rodas de hardcore, o headbangin' e os stage divings foram intensos e empolgados durante o festival. Mas tudo na maior camaradagem e sem a mais remota sombra de treta ou contusão. A variedade das camisetas também é outro indício de que várias tribos de roqueiros souberam conviver e curtir sem se bicar: bandas como Tool, Metallica, Suicidal Tendencies, Misfits, Dead Kennedys, Transplants, Leptospirose, Katatonia, Dio, Rise Against, Avenged Sevenfold, Blind Guardian, dentre muitas outras, tiveram sua "representação". Alguns "ícones pop" também marcaram presença nas estampas: caso dos onipresentes Seu Madruga e Mussum. Até pais e filhos deram as mãos para curtir a energia bruta (raw power!) do festival, como prova o paizão que pogou com o filhinho duns 3 anos nos ombros.


O saldo final, para público e bandas, para a cultura independente goiana e latino-americana, foi imensamente positiva. O Grito se fortalece com as novas vozes que vão continuamente se unindo ao coro. E tudo indica que este grito coletivo ressoará cada vez mais alto.

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CONFIRA ALGUNS VÍDEOS:
Chimpanzes de Gaveta
Radiocarbono
Sangue Seco
Galinha Preta
Mugo
Space Monkeys
Black Queen
Black Drawing Chalks


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ÁLBUNS DE FOTOS:
- GOIÂNIA ROCK CITY
- FACEBOOK DE RENATO REIS
- FACEBOOK DE EDUARDO CARLI

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CONFIRA AINDA:
- MIXTAPES (DOWNLOAD E STREAMING)

quinta-feira, 10 de março de 2011

<<< Legado Hermanístico >>>

O CompactoREC, selo virtual vinculado ao circuito Fora Do Eixo, acaba de disponibilizar para download gratuito o álbum de estréia do Maglore, banda de Salvador-BA. O disco se chama Veroz e vem se somar a uma "vertente los-hermanística" do novo rock brazuca, fazendo coro ao Apanhador Só (Porto Alegre-RS) e ao Volver (Recife-PE), dentre outros. Vale conferir!


terça-feira, 8 de março de 2011

<<< consumo de carne e aquecimento global... >>>

Aparentemente, o consumo de carne e o aquecimento global não tem nada a ver. Crasso engano, como nos mostram os ativistas vegan holandeses neste interessante documentário Meat The Truth. O filme pretende expor uma "verdade mais que inconveniente" sobre os agronegócios, a pecuária intensiva, os matadouros... enfim, toda a geopolítica global que sustenta nossos hábitos carnívoros. O Brasil, aliás, está intensamente envolvido na problemática toda: somos o principal exportador mundial de soja, boa parte dela destinada a alimentar o gado europeu (enquanto milhões de brasileiros ainda sobrevivem na base da garapa...). Extensos trechos da Floresta Amazônica, com toda sua rica biodiversidade, foram desmatados para que a monocultura de soja pudesse se instalar. Em prol de interesses estrangeiros, uma área verde essencial para conter o aquecimento global vai sendo lentamente dizimada, enquanto a multiplicação de fazendas industriais bovinas faz com que sejam lançados na atmosfera (suspeito que os bois peidem e arrotem de raiva, tamanha a opressão desgraçada que lhes é imposta...) toneladas de gases muito mais tóxicos que o CO2... Vale assistir, refletir e se mobilizar!


Siga assistindo: Parte 4 --- Parte 5 --- Parte 6.

<<< ótimo texto da maria rita kehl >>>


CORPOS ESTREITAMENTE VIGIADOS


                Por Maria Rita Kehl

Uma das representações mais antigas da melancolia que se conhece, ao menos no Ocidente, remonta à Idade Média. Está associada ao rígido controle das pulsões imposto pela Igreja Católica aos monges recolhidos ao isolamento dos mosteiros. Na iconografia medieval da melancolia encontra-se com freqüência a figura de um pobre monge assolado por figuras diabólicas que representam toda a sorte de tentações a que ele deveria resistir. A acedia, prostração da vontade que acometia o cristão dedicado a sacrificar todos os prazeres mundanos para melhor servir a Deus, é uma forma melancólica de rendição diante das exigências imperiosas de um corpo que, como viria a proclamar Lacan sete ou oito séculos mais tarde, não tem condições de sublimar todas as demandas de satisfação pulsional.

A repressão auto imposta exige tanto esforço da consciência e tamanha disciplina do corpo que acaba por enfraquecer o próprio sentido do sacrifício. A acedia, “retração da alma diante do objeto de seu desejo” (Yves Hersant), apela ao Diabo, uma vez que o penitente sente-se esmagado pelo tamanho da renúncia que se obriga a fazer. A figura lendária de Santo Antonio atormentado pelas tentações foi objeto de uma novela escrita por Flaubert, já no século XIX. “No fundo, não amo a Deus...”, queixa-se o personagem, abatido pelo “demônio do meio-dia” da melancolia.

O princípio do prazer é o que dá sentido à vida, escreveu Freud, já bem perto da nossa era. A recusa radical a todos os prazeres destrói o sentido da nossa passagem por este mundo, ainda quando esta se orienta em direção aos mais altos ideais.

Tão longe, tão perto. O que sabemos nós sobre a acedia medieval, em pleno século XXI? Existe alguma afinidade entre os sacrifícios auto-impostos pelos antigos monges e a liberdade com que os filhos do terceiro milênio predispõem-se ao desfrute de todos os prazeres? Existe alguma semelhança entre a antiga condenação cristã contra o gozo e a convocação permanente que apela a que o sujeito contemporâneo se entregue sem reservas a todas as tentações?

Bem: nem todas. As tentações da gula, por exemplo, são hoje ainda mais malditas do que na idade das trevas. As da preguiça e da indolência, nem se fala. O prazer, em nossa era, está intimamente vinculado ao movimento e à atividade. Os corpos pós-modernos têm que dar provas contínuas de que estão vivos, saudáveis, gozantes. Ao trabalho, moçada! A quietude não tem nenhum prestígio na era da publicidade, das raves embaladas a ecstasy, dos filmes de ação. Estamos liberados para usufruir todas as sensações corporais, mas para isso o corpo deve trabalhar como um escravo, como um remador fenício, como um condenado a trabalhos forçados. Anorexias, bulimias, seqüelas causadas pelo abuso de anabolizantes e de moderadores de apetite sinalizam a permanente briga contra as tendências do corpo a que se entregam, sobretudo, os jovens, numa sanha disciplinar de fazer inveja ao pobre Santo Antonio.

Tão longe, tão perto. Temos a liberdade, ou melhor, temos a obrigação de nos permitir todos os prazeres sexuais. Seria ótimo, se não fosse obrigatório. Quem não conhece o caráter desmancha-prazeres até das práticas mais libertinas, quando impostas pelo superego? Seríamos livres se não nos sentíssemos obrigados a dar provas permanentes de nossa capacidade de gozar. Seríamos mestres do hedonismo se não estivéssemos tão vigilantes em relação às performances sexuais, tão preocupados com as menores imperfeições de um corpo que se oferece ao outro como pura imagem. Seria ótimo, enfim, se estes corpos estreitamente vigiados não tivessem perdido algumas de suas capacidades básicas, essenciais ao próprio prazer.


Como por exemplo, a capacidade do abandono contemplativo. Há muita atualidade em Aristóteles, que inspirou Freud a escrever que o prazer dá sentido à vida. A Ética de Aristóteles não prega contra os prazeres, como viria a fazer o cristianismo, mas propõe uma hierarquia entre eles. Aristóteles não condena os prazeres puramente corporais: considera-os inferiores. Para ele, o prazer superior é o da contemplação: esta capacidade de conectar-se com o mundo num certo estado de silêncio do corpo e de desligamento da consciência auto-vigilante. A contemplação exige que se esteja em paz com o corpo e que a consciência esteja aberta ao momento, livre da pressão das fantasias e das exigências do superego. Condições semelhantes às exigidas para o desfrute dos prazeres sexuais. Mas nunca estivemos tão submetidos à tirania das fantasias prêt-à-porter e aos imperativos superegóicos da moral do gozo.

A modernidade resulta de um longo processo de disciplina e de auto-observação dos corpos. O Processo Civilizador, do sociólogo alemão Norbert Elias, é uma minuciosa investigação sobre a gênese da formação do que é hoje, para nós, o corpo civilizado normal. A socialização das crianças pequenas, desde as primeiras formações das sociedades de corte, consistia (como ainda hoje) no aprendizado de uma série de controles corporais. Aprende-se desde cedo como é que se anda no meio dos outros, como é que se come em presença de estranhos, como se controlam os impulsos corporais em público.

A criação da moderna esfera privada nas sociedades liberais é indissociável da introjeção dos mecanismos de controle dos impulsos e dos afetos, na vida pública. Freud considerava o desenvolvimento de uma instância psíquica encarregada do auto-controle como um avanço da civilização. A auto-disciplina afetiva e corporal é condição do engajamento dos sujeitos na ordem social, diria Foucault, para quem a submissão voluntária é o braço subjetivo do poder. O auto-policiamento permanente é o preço a ser pago pela vida moderna, sobretudo nas cidades.

Mas houve uma transformação importante nos termos desse controle, acompanhando a mudança do capitalismo, desde a fase produtiva do início do século XX até a fase consumista dos nossos dias. Passamos de uma economia psíquica do adiamento do prazer para outra, do imperativo do gozo. A moral do self made man foi substituída pela moral do body-building. Isto não significa que em nossa era os corpos em exibição no mercado da imagem não estejam submetidos a formas de controle talvez tão rigorosas quanto as que torturavam os monges medievais. Fazer do corpo uma imagem oferecida ao olhar crítico do Outro exige muita disciplina, muito controle e, sim, muita repressão.

Body-building americanófilo:
o puritanismo pós-mê?
A quietude contemplativa, assim como a fruição sexual, só são possíveis se o corpo não estiver permanentemente vigiado pelo eu, auto consciente da imagem que pretende apresentar em público. Não devemos confundir a dimensão libertária do desejo com a dimensão superegóica da cultura do narcisismo corporal. Jean-Jaques Courtine detectou uma continuação do puritanismo na cultura norte-americana do body-building. Para Courtine, a sanha do fisioculturismo que data dos anos 1980 “não corresponde a um laisser-aller hedonista, mas a um reforço disciplinar, a uma intensificação dos controles. Ele não corresponde a uma dispersão da herança puritana, mas antes a uma repuritanização dos comportamentos cujos signos, de modo mais ou menos explícito, multiplicam-se hoje”.

Hoje, o chamado amor próprio depende da visibilidade. Não se trata apenas da beleza. Não basta ter um rosto harmonioso, um corpo bem proporcionado. É preciso aumentar a taxa de visibilidade, ocupar muito espaço no mundo. É preciso fazer a imagem crescer. Inflar os bíceps, as nádegas, os peitos, aumentar as bochechas, esticar o comprimento dos cabelos. A receita de beleza no terceiro milênio deve ser: muito tudo.

Não importa que com isso as mulheres fiquem mais ou menos parecidas com os standarts oferecidos pelos esteticistas. Um homem pode olhar as moças no bar ou na fila do cinema e classificá-las pelas características das intervenções que elas fizeram: seios de silicone, olhos arregalados por botox, cabelos alongados, lifting, dentes branqueados. Do ponto de vista delas o que importa é garantir um lugar de destaque nas vitrines do mercado das imagens.

Foto: Silvio Ribeiro
Seria ingenuidade criticar a nova onda das formas siliconadas em nome de um ideal de corpo natural. O corpo humano nunca foi natural. As tribos mais primitivas se distinguem umas das outras pelas alterações estéticas, simbólicas e rituais nos corpos de seus membros. Do botox aos botocudos, do silicone às anquinhas, das escaras às tatuagens atuais, os corpos humanos são sempre desnaturados pelas práticas culturais. O que há de novo é o poder da tecnologia intervir cada vez mais na estrutura dos corpos, e o poder do marketing, que torna essas intervenções quase imprescindíveis. Não deixa de ser irônico que o padrão estético imposto pela tecnologia mais avançada se assemelhe ao dos corpos femininos do século XIX: as nádegas protuberantes, modeladas nas academias, substituem as anquinhas; as barrigas lisas imitam as cinturinhas de vespa obtidas com o uso de espartilhos. As filhas do pós-feminismo não medem sacrifícios para atrair os olhares masculinos. Ou a inveja das outras mulheres. Ou a aprovação do espelho, esta versão caseira da telinha.

E a prova dos nove do sucesso, qual será? O acesso aos mistérios do sexo e do desejo sexual? Não creio. O desejo não se dirige à perfeição, dirige-se ao enigma. Quanto ao erotismo, será que o sexo praticado entre os bombados e as siliconadas é mais interessante, mais inventivo, mais sacana do que o sexo entre pessoas fisicamente comuns? Conseguiremos ser, ao mesmo tempo, escravos da imagem e mestres da libertinagem?

Como o Santo Antonio de Flaubert, que já não é mais capaz de amar o Deus que lhe impõe tantas renúncias, os jovens escravizadores dos corpos do século XXI já perderam de vista a divindade à qual oferecem seus sacrifícios. A forma contemporânea da acedia medieval é o tédio que vitima jovens casais, apartados do saber inconsciente sobre o desejo sexual na medida em que obedecem cegamente à exigência superegóica de construir um corpo reduzido à dimensão de imagem sem interioridade, sem história, sem nenhum vestígio das imperfeições da vida.


in: A Fratria Órfã - Conversas Sobre a Juventude
Editora Olho D'Água, 2008.

domingo, 6 de março de 2011

<<< Noisy Carnival >>>

Black Drawing Chalks encerra o 1º dia do Grito Rock Goiânia 2011

O Carnaval do Barulho que estremeceu o Martim Cererê neste sábado e contou com a presença massiva de mais 1.000 "foliões" foi ducaralho! Confiram abaixo o Space Monkeys, o "Foo Fighters do Cerrado" (© Aline Mil), no primeiro de uma série de vídeos gravados no memorável Grito Rock Goiânia 2011. E hoje, domingão, tem muito mais: 15 bandas, das 16h às 3h30 da madruga. Goianienses... não percam! E em breve voltamos com a cobertura completa do festival. Cheers!

quarta-feira, 2 de março de 2011

:: vazou o novo r.e.m. ::

Michael Stipe por Anton Corbjin

Collapse Into Now já caiu na rede: tá afim?
Discaço: bem mais empolgante à 1ª ouvida que o Radiohead!

terça-feira, 1 de março de 2011

:: Miles Davis, Get Up With It (1974) ::


                    por Eduardo Giannetti (*)


A vida oprime, o som liberta. Se o homem selvagem é potencialmente um civilizado, o civilizado é potencialmente um selvagem (no melhor e no pior sentido do termo). Get Up With It escancara a jaula em que nos meteu o processo civilizatório e celebra o Caliban terrível e maravilhoso que nos habita em segredo. Dionísio rex. Tomo um trago e me entrego sem reservas ou falso pudor ao banquete orgiástico de faixas como "Calypso Frelimo", "Maysha", "Red China Blues" e "Rated X". Ao ouvi-las, é como se adentrasse numa selva luxuriante de sons lascivos, néctares dissonantes e ritmos dissolutos. Sou um tigre doméstico retornando à floresta.

O canibal-libertino, precariamente adestrado, de volta à ecopsicologia do ambiente ancestral. Miles Davis faz o animal humano pular fora do cárcere de si mesmo e o põe em contato com as forças primordiais do universo. Como um pajé antiiluminista, ele oficia o espocar do caos no cosmos - a irrupção de impulsos longamente negados e suspensos em meio ao minueto tépido do viver civilizado.



Que algum tipo de música seja capaz de corromper a moral ou subverter a ordem, não creio. Mas que o "perigo" tenha assombrado toda uma tradição de filósofos e teólogos, não há como duvidar. Platão, nas Leis, propôs a proibição de certas escalas e ritmos musicais devido a sua perturbadora sensualidade; Agostinho, nas Confissões, discorre sobre os "prazeres do ouvido" e se penitencia por sua irrefreável propensão ao "pecado da lascívia musical"; Calvino alerta os amantes da música contra os perigos do caos, da volúpia e da efeminação que ela suscita; Descartes temia que a música pudesse provocar uma sobreexcitação da imaginação; Adorno viu na ascensão do jazz americano no pós-guerra um sintoma de regressão psíquica e uma "capitulação diante da barbárie". O que me intriga e diverte nisso tudo é imaginar como teriam reagido esses veneráveis sábios, guardiões autoproclamados da razão e da virtude, diante da saturnália afro-dionisíaca da fusion de Miles. They hadn't seen nothing yet!


in: Ilha Deserta. Publifolha. Pg. 69-71.


MILES DAVIS Get Up With It [256kps+encarte]
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* Eduardo Giannetti, um dos pensadores brazucas que o Depredando mais curte e recomenda, é autor de ótimos livros como Vícios privados, benefícios públicos?, Auto-Engano, O Valor do Amanhã e Felicidade. Recentemente, lançou seu primeiro romance, A Ilusão da Alma. Todos publicados pela Companhia das Letras. Corram atrás que vale muito a pena!