terça-feira, 23 de junho de 2009

:: The Black Crowes ::

BLACK CROWES
"By Your Side" (1998)

por Eduardo Carli de Moraes


By Your Side
, o disco dos Crowes que mais ouvi na vida, é uma fodástica aula de rock and roll ministrada por caras que são pHds no assunto. Ouvindo este álbum dos mestres - ou qualquer dos outros álbuns, na real! - não é absurdo concluir: eles merecem entrar na linhagem do Led, dos Stones, do Cream e dos Faces como mestres absolutos na história do "blues-rock" - ou simplesmente do rock fucking roll. Há quem prefira The Southern Harmony and Musical Companion, o clássico de 1992, que trazia o hit fantástico "Remedy", mas pra mim By Your Side é um disco ainda mais empolgante, flamejante, apaixonante! Foi o primeiro álbum deles que descobri, lá pelos 15 aninhos de idade, e ele me fez tocar air guitar até que me doessem as juntas e me esgoelar até ficar rouco no chuveiro. E me fez, desde então, colocá-los no topo do meu panteão musical, nos céus, agradecendo-os com ardor por serem desses que vivem para dizer: "rock and roll ain't noise pollution, rock and roll ain't gonna die!" (AC/DC).

Pra mim o Black Crowes é como o Led Zeppelin, se este se libertasse de todas as suas pretensões artísticas e se abandonasse, com todo o entusiasmo de que era capaz, ao mais puro hedonismo rocker. A vontade de “fazer boa arte” parece pra lá de secundária para esses Corvos Alucinados, capazes de deixar nossos tímpanos em estado de completa folia. A "missão", muito mais urgente e atraente do que criar "obras de arte", parece ser realizar um rock and roll que é pura exaltação da vida - como tanta boa arte, por vezes, consegue ser. E deve ser! Eles fazem pela via rocker o que a boa arte - especialmente quando é dionisíaca e embriagada! - por vezes é capaz de fazer: exaltar a vida e fazer-nos amá-la! Tanto que imagino que eles talvez concebam o rock and roll como uma religião sem transcendência, que trata de levar-nos a precários paraísos, aqui e agora, nas asas do som. Como as estrelas fazem com o céu, as roupas com os corpos, os perfumes e os sons musicais com o ar, estas músicas decoram a vida: deixando-a mais bela, mais bem-vestida, mais excitante e tão fodidamente cool que sentimos que jamais nos faltará tesão para vivê-la e devorá-la.

Quase todas as canções por aqui tem uma garota como interlocutora, o que não nos deve fazer saltar de imediato para a conclusão de que são simplesmente “canções de amor”. Há, por aqui, monumentais canções românticas, algumas que entram fácil para o rol das mais belas já compostas, mas o buraco é mais embaixo e o leque temático é mais aberto. “Stop Kicking My Heart Around” é um quase-irado anátema contra uma mulher sádica e sapeca, que não pára de chutar por aí o coração do nosso pobre eu-lírico. Tadinho! É um blues-rock fluido, líquido, empolgantérrimo, que lembra um cruzamento entre o Cream e o AC/DC, entre os Small Faces e o Aerosmith.

Nele parece que se consegue, através da terapêutica do cantar e do tocar, uma superação das forças corrosivas do ódio através de uma catarse ao mesmo tempo irada e bem-humorada. Chris Robinson, de modo algum, soa como um homem ferido, que lambe suas feridas no escuro ou que chora suas lamúrias como um emo ou um gótico. Não se deixa derrubar pelo tumultuado chutar-pra-cima-e-pra-baixo que realiza a diabinha, como uma futebolista pé-de-bagre no esporte dos corações, mas soa muito mais como um homem inabalável, selvagem, aos reclamos contra a crueldade feminina ao mesmo tempo que ruge sua força feito um leão plantiano! E como é que pode o animal cantar desse jeito?!? É como Robert Plant, Bon Scott, Mick Jagger, Steven Tyler e Rod Stewart liquidificados e anfetaminados! Bloody hell!


“I've been down, but never on my knees”, canta ele em “By Your Side”, e talvez seja, ao mesmo tempo, uma lembrança de suplícios enfrentados (“i've been down...”) e uma orgulhosa demonstração de força de superação (“but never on my knees”!). A sensação, ao ouvir essa belíssima balada, é a que o cantor está nos dizendo: a vida tenta me derrubar, mas não consegue. Que chovam sobre mim rasteiras e carrinhos, não importa: ao chão não me tacam!

E é essa sensação interna de potência e de intensidade vital, que jorra do cantar de Chris Robinson, e que parece sintoma claro de sua personalidade, o que garante que ele possa fazer tantas promessas à amada: “If you feel your heart is breaking / And all your friends are faking / When it's giving and not taking / I will be by your side”, promete. E sentimos que, mais que açúcar, é força o que ele fornece. Esta não é uma canção de amor idiota, em que um paspalhão derrete-se em promessas impossíveis a uma mulher que chora por não poder ter, mas sim a emanação exaltante de uma alma tão confiante em si mesma que sente-se capaz de ser apoio sólido para outra alma.

Oferecer apoio e amparo à amada, através de uma música, com certeza não é idéia nova: já rendeu, além de cerca de um milhão e 400 mil péssimos pops românticos chicletudos que infestaram os tops-of-the-pops história afora, alguns lindos clássicos do soul, como “Lean On Me”, de Bill Withers, alguns hits irresistíveis de R&B, como “I'll Be There For You”, e alguns belos folks. Mas raras vezes esta promessa, na história da música pop, soou tão crível, e tão apaixonadamente expressa, quando na voz de Chris Robinson.

A primeira estrofe de “By Your Side” parece ironizar os antagonismos humanos, retratando sem dó como a miséria de alguns constrói a riqueza de outros e a dor testemunhada pode gerar em quem a vê secretas alegrias. “When you're lost, then I am found / When you slip, I hold my ground / When I fall, please take a bow / And when you're up, just remember I am down”. Na segunda estrofe, a ironia se transmuta em crítica, quase em lição de moral, quando Chris canta: “People looking for fortune and fame / They don't know that it's all the same / It's like any other game / You know there's a loser, but it's allright”. Quem busca fama e fortuna sabe muito bem que a conquistará ao preço da miséria e do anonimato dos que não as terão e ficarão pelas sarjetas, e que são sempre a imensa maioria. Como um vencedor da medalha de ouro que não sente nem uma lágrima de piedade e tristeza vir a seus olhos ao presenciar o decepcionado sofrimento do lanterninha ou do segundo no pódio.

“Heavy” é uma eufórica celebração de um amor que começa, repleto de encantamento e excitação, quando as incertezas quanto ao vínculo tornam-se uma confortável solidez e os pombinhos podem se dizer com absoluta convicção: “somos um do outro”. E às vezes um deles sai, enlouquecido de tão contente com o início de seu êxtase, com o desencadeamento do pacto que tantas flores e orgasmos lhe trará, e corre para fazer um rock and roll. Surgem assim pérolas como “Heavy”. Se esta "mina" é chamada de “pesada”, não é certamente por ser gorduchinha ou por ser um fardo nos ombros do cara. É "pesada" no sentido de pesar na vida e no coração, como só sabem pesar as coisas que são significativas e transformadoras, benignas e tonificantes. “You're so heavy, heavy, heavy...”, canta Chris, e é um elogio, uma palavra de amor , e não uma punhalada de escárnio ou de um reclamo de irritação. Você pesa para mim: para mim você conta muito, e não tem a leveza necessária para ser arrastada do meu galho como uma folha que qualquer brisa branda faz voar pelos ares. “For the first time, I know you're mine!”, diz o refrão, e é essa alegria extrema de descobrir que pela primeira vez a realidade fulgurante e inegável de um amor sólido o que faz esse foguete em forma de música decolar com tamanho estardalhaço.

Talvez digam que estou "forçando a barra" e transformando versos bestalhões em bela poesia. Pode até ser. Se pegarmos, por exemplo, uma canção tão clichêzenta e com gosto de comida requentada como “Diamond Ring”, vai ser difícil negar que a poesia é tosca e o lirismo pobríssimo: “You're the reason I want to sing / You make me feel like a king / I love the sunshine that you bring / I think I'll buy you a diamond ring!” Esse rompante de consumismo, no final, até nos deixa com medo de que se trate de um eu-lírico ricão tentando comprar o amor da moça com presentes deslumbrantes! Mas certamente não é o caso aqui: a sensação que nos passa a música é de uma embriaguez de alegria tão envolvente que nos faz sair pôr aí passarinhando e assobiando melodias solares, a cantar de felicidade quase sem razão (ora, Ela é a razão!), sentindo-nos como reis, deliciados debaixo das carícias que nos faz o sol - ou seja, todos esses rompantes de euforia que às vezes têm os amantes e os apaixonados e que soam tão abomináveis e irritantes aos solitários e aos deprimidos. Os Black Crowes nunca tiveram medo da felicidade, e é nada menos que felicidade que eles, por vezes, espalham pelo mundo como a peste. There's nowhere to run, nowhere to hide, their bliss is gonna get ya!

"Diamong Ring", pois, pode ter uma letra que soa, lida no papel, como uma imensa bobagem; mas aquelas palavras, quando cantadas, nos contaminam de excitação e alegria até que essa coisa chamada "boa poesia" pareça uma imensa idiotice. E logo já estamos, como aquele eu-lírico, transbordantes de gratidão e querendo sair correndo para comprar o que de mais precioso há na terra para dizer, com ele, à mulher amada, do tamanho do nosso “obrigado”. Há também por ali momentos brilhantes, como “When you smile it should be a crime / And you do it to me everytime”, que lembra o lado extremamente sagaz e espirituoso dos românticos meio sacanas. Chico Buarque já escreveu algo parecido em seu hiário "Tango Do Covil" quando disse: "Sua beleza é quase um crime". E um pouco de sacanagem faz bem a todo bom romântico!

“Only a Fool”, por sua vez, é uma das mais lindas. Não se enganem: é assim que soa, que deveria soar, que não pode deixar de cantar, um homem que é feliz no amor! É essa a canção que cria uma alma masculina que achou seu complemento, seu fermento, sua alegria, seu apoio, numa alma feminina que abraça e por quem é abraçado. “You're my lover, my soul, my best friend / And I don't want this to ever end”, canta Chris. E, mais uma vez, lidas no papel, essas palavras podem parecer bestices e clichês, presentes como parecem estar em mil outras canções que no palco do pop já desfilaram seus 15 minutos de fama. Mas, ouvidas na voz de Chris Robinson, soam como testemunhos muito verdadeiros e acreditáveis de um sentimento interno de potência e força que só o toque do amor é capaz de desencadear.

Já “Go Tell The Congregation” concebe a comunidade religiosa como uma espécie de divã de psicanálise gratuito, onde as pessoas desabafam seus fantasmas e cospem fora seus demônios. Até a visão de religião do Black Crowes é catártica! Não surpreende, pois, que a visão de vida e de arte do Black Crowes seja, pois, pura catarse, e no bom sentido: purificadora, purgadora, higienizadora da alma. É uma música religiosa, no sentido estrito da palavra? Não: pois não é música de pregação, que tenta convencer os incréus a abraçar a fé, nem muito menos uma música em louvor do Criador e sua hoste de anjinhos. É, muito mais, um libelo em favor da solidariedade humana, como se a igreja pudesse gerar certos vínculos sociais úteis às pessoas presentes naquela agremiação. “When you want to lose your blues / When there's nothing left that you can do / When you want to tell the truth / When the devil's gotta a hold on you”, canta ele, e um insistente coral gospel adiciona, ao fim de cada verso, a conclamação imperativa: “Go tell the congregation!” Trata-se da religião como uma espécie de grupo de ajuda mútua , que cria uma rede de solidariedade onde uns possam ouvir os problemas dos outros, apoiando-se uns aos outros, mais ou menos como um encontro da Alcóolatras Anônimos ou das Estupradas Traumatizadas.


Tô um pouco de sacanagem, claro. Mas é só pra justificar pra mim mesmo o fato estranhíssimo de eu ser capaz de amar tanto uma música de temática profundamente religosa. É que o Black Crowes é uma banda tão fodida de boa que até fazendo certos róques altamente GOSPEL eles soam legal pra caralho (e legal-pra-caralho certamente não é o qualificativo que mais costumo usar para falar de música gospel!). Em vários momentos do álbum, um coro sensacional de negonas, cantando no background como se estivessem tomadas pelo Espírito Salto no altar da Capela Sistina, cantam de um modo tão fodástico que sou obrigado a admitir: não não não, os ateus não são capazes de cantar assim!

Das melhores bandas da história do rock, o Black Crowes foi aquela que parece ter se apropriado com mais espírito e entusiasmo da “elevação” da música gospel, quando grande parte das outras gigantes do estilo – o Led Zeppelin, os Rolling Stones, os Faces, o Lynyrd Skynyrd... – se enlamearam muito mais nos lodaçais do blues. O Black Crowes me soa como um bando de hippies cabeludos, fedorentos, cool as fuck e autenticamente apaixonados por rock and roll - e que invadem a Igreja para mostrar aos caretas como é que se celebra uma missa fodástica. São os profetas de uma religião que é, com absoluta certeza, tão melhor que todos os monoteísmos ocidentais e todas as místicas orientais: o rock and roll! Taí uma boa definição, talvez: o Black Crowes faz música como se o rock and roll fosse uma espécie de religião, e uma que nos dá acesso a tais êxtases e elevações que nunca mais precisaremos de um Cristo.

DOWNLOAD: http://www.mediafire.com/?qg2irzammyz
ouça com o volume no talo!

5 comentários:

Vernardo Santana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Giul, Discoteclando disse...

este álbum é mesmo um petardo na orelha!!! Um dos meus preferidos da minha banda preferida. (depois do led e dos stones claro, rs.)

gustavo disse...

black crowes é bom,,,,mas convenhamos q ñ serve nem pra engraxar sapato do LED ZEPPELIN a melhor banda de todos os tempos q esse planeta Terra já presenciou.

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