quarta-feira, 27 de março de 2013

"...quando o discurso dos fundamentalistas sai dos subterrâneos e vem à tona, provoca o repúdio público...” - Jean Wyllys (PSOL-RJ)


Que país bizarro é este nosso que põe uma figura grotesca - um sujeito racista, homofóbico, machista e fanático! - para presidir justamente a comissão que deve cuidar de lutar contra o racismo, a homofobia, o machismo e o fanatismo? É o equivalente a eleger Hitler para a Comissão do Anti-Semitismo ou Gobineau para a Comissão da Igualdade Racial.

Em seu texto da Carta Capital desta semana, a Cynara Menezes (@Socialista Morena) explora o tema e soa os alarmes: o pastor Feliciano é só um dentre muitos outros políticos da bancada evangélica, esta que despreza a laicidade do Estado, que deseja trazer de volta ao cenário público uma carolice conservadora preconceituosa e uma medievalidade teológica altamente cruel contra as minorias. 

Enquanto isso, no Uruguai, o Mujica dá um show de bola com suas campanhas pela legalização da cannabis, pelo desarmamento e pela secularização… A solução me parece clara: mujiquemo-nos!

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O EXÉRCITO DE FELICIANOS
por Cynara Menezes (@ Socialista Morena
na Carta Capital#741, 27 de Março de 2013

Os mais de 450 mil cidadãos indignados que assinaram uma petição na internet a favor da destituição do deputado e pastor Marco Feliciano da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara terminaram a semana esperançosos. (…) Tudo caminha para a renúncia do obtuso parlamentar. Será, porém, um pequeno revés na crescente influência evangélica no Congresso Nacional.

Um livro lançado recentemente faz uma retrospectiva das relações entre a religião e a política e aponta um recrudescimento do poder evangélico no Parlamento nos últimos dois anos. “Religião e Política: Uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e LGBTs no Brasil”, dos pesquisadores Christina Vital e Paulo Victor Leite Lopes, relata como os evangélicos se tornaram, no âmbito dos costumes, os porta-vozes do discurso conservador, a partir da análise de dois acontecimentos emblemáticos: a utilização do aborto na campanha eleitoral de 2010 e a polêmica sobre o “kit anti-homofobia” que o MEC pretendia lançar nas escolas no início do governo Dilma Rousseff e descartado diante das pressões.

Segundo os autores, embora cresça paulatinamente, a influência dos evangélicos no Congresso oscilou nos últimos anos. Em 2006, quando se organizaram em uma frente parlamentar, os evangélicos somavam 90 parlamentares. Com o escândalo dos sanguessugas, esquema de fraudes nas licitações para a compra de ambulâncias durante a gestão de José Serra no Ministério da Saúde, a bancada religiosa emagreceu. Na legislatura seguinte, era composta de 30 congressistas, pois a maioria não se reelegeu. No fim de 2010, a Frente Parlamentar Evangélica havia aumentado novamente e somava mais de 50 integrantes.

A campanha presidencial parece ter fortalecido a bancada. Relembremos os fatos: em 2010, em sua primeira eleição, a presidenta Dilma Rousseff foi vítima de ataques religiosos, evangélicos e católicos. Era chamada de “a candidata do aborto”. O tucano José Serra surfou na onda conservadora, assumiu um discurso moralista e carola. Sua mulher, Mônica, chegou a dizer a eleitores que a petista era “a favor de matar criancinhas”. No horário gratuito de TV, o PSDB exibia imagens de mulheres grávidas para atingir a adversária. Para evitar a sangria de eleitores, Dilma assinou um acordo com os evangélicos no qual se comprometia a não defender projetos pró-aborto. A hipocrisia de Mônica seria mais tarde desmascarada. Como se soube, a mulher de Serra havia praticada um aborto quando mais jovem. O assunto rendeu, no entanto, uma plataforma eleitoral conveniente para os religiosos.

Atualmente, 68 deputados e 3 senadores integram a frente. É a segunda maior, atrás apenas daquela dos ruralistas, com quem os evangélicos, aliás, ocasionalmente se juntam. Estão representados em várias comissões de seu amplo leque de interesses, que não se restringe à dos Direitos Humanos e Minorias. (…) Se confirmada, apesar de simbolicamente importante por ser um deputado acusado de racismo e homofobia, a saída de Feliciano não vai significar grandes mudanças na estrutura da comissão, pois o novo indicado terá de ser do PSC. Partido ligado à Assembleia de Deus, igreja com maior poder na Casa, o PSC possui outros 5 integrantes na comissão. Há 14 evangélicos entre 18 deputados.

Como boa parte dos 42,3 milhões de evangélicos, segundo o IBGE, se concentra na classe C, sua influência se estende ao consumo. Recentemente, os evangélicos promoveram um boicote à novela “Salva Jorge”, de Glória Perez, cujo título foi associado ao orixá Ogum, no candomblé.Para agradar o público, a Globo planeja uma personagem evangélica para sua próxima novela das 9… a personagem Valdirene será uma “periguete” convertida que se torna cantora gospel. “Não é de hoje que a Globo se rende à força e à influência dos evangélicos. A emissora patrocina vários eventos relacionados à música gospel”, explica o administrador Pedro Paulo Burgarim, autor de um estudo sobre a influência das igrejas evangélicas no comportamento de consumo de seus fiéis.

“O que torna o evangélico um membro bem-sucedido, respeitado na igreja, é a conquista material. A igreja orienta, interfere e estimula a exteriorização do sucesso”, afirma Bugarim. (…) Segundo o pesquisador, existe uma troca entre entre as empresas e as igrejas. A empresa procura a igreja e oferece um produto diferenciado para o evangélico, e o pastor e as lideranças promovem o produto aos fiéis, que costumam buscar orientação na hora de comprar. Isso aconteceu com um fabricante de computadores de Santa Catarina que tinha como atrativo uma Bíblia digital que passou a ser recomendada pela igreja. Ou com o fabricante de celulares que vinha com um pacote de músicas gospel. “Eles trabalham juntos. A Igreja Universal, por exemplo, faz reuniões semestrais com empresários em que decidem o que será lançado.”

Há uma frase do sociólogo Ricardo Mariano que desanima quem acredita em um Estado laico de fato na terra do Cristo Redentor: “A laicidade não constitui propriamente um valor ou um princípio nuclear da República Brasileira nem a sociedade brasileira é secularizada como a francesa e a inglesa, por exemplo, o que por si só constitui séria limitação às pretensões mais ambiciosas de laicistas de todos os quadrantes.” O que parece ilusório é acreditar que o Brasil conseguirá, algum dia, chegar à separação entre Igreja e Estado no Uruguai, onde o presidente Mujica explicou que não foi a Roma ver a posse do papa Francisco por ser ateu.

A virtual saída de Feliciano da presidência da Comissão de Direitos Humanos é comemorada pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). “Mesmo que ele seja substituído por outro religioso na presidência da Comissão, os fundamentalistas entram socialmente derrotados. Eles se deram conta de que, quando o discurso deles sai dos subterrâneos e vem à tona, provoca um repúdio público”, disse Wyllys.

Texto: Cynara Menezes
Ilustrações: Eric Drooker e Laerte


"Por que não viver neste mundo... Se não há outro mundo?" (Novos Baianos)


Coletânea fresquinha saindo, só com as brasileiragens! A viagem começa eufórica mas deságua na melancolia. No cardápio… 01) Novos Baianos, “Besta é Tu”; 02) Wado, “Uma Raiz e uma Flor”; 03) Ellen Oléria, “Testando…”; 04) Gal Costa canta Chico Buarque, “A História de Lily Brown”; 05) Los Hermanos, “O Vento”; 06) Mundo Livre S.A., “Super Homem Plus”; 07) Diego e o Sindicato, “Quase Nada”; 08) Vinicius de Moraes e Baden Powell, “Tempo de Amor”; 09) Baden Powell, “Sorongaio”; 10) Céu, “10 Contados”; 11) Transmissor, “Aquática”; 12) Lenine, “O Silêncio das Estrelas”.


Outras “fitinhas” de boa música? Chega mais: http://8tracks.com/depredando

"...a fanática missão contra a heresia dos nativos se confundia com a febre que, nas hostes da conquista, era causada pelo brilho dos tesouros do Novo Mundo.” (Galeano)


EDUARDO GALEANO
“As Veias Abertas da América Latina”
 (392 pgs., RS44)

Compre na Livraria Cultura: http://migre.me/dO8Pi


O SIGNO DA CRUZ NAS EMPUNHADURAS DAS ESPADAS: O ano de 1492 não foi apenas o do descobrimento da América, o novo mundo nascido daquele equívoco de grandiosas consequências (Colombo morreu convencido de que havia alcançado a Ásia pelas costas). Foi também o ano da recuperação de Granada… o último reduto da religião muçulmana em solo espanhol. Esta era uma guerra santa, a guerra cristã contra o Islã, e não é casual, de resto, que no mesmo ano de 1492, 150 mil judeus declarados tenham sido expulsos do país. A Espanha adquiria realidade como nação, erguendo espadas cujas empunhaduras traziam o signo da cruz.

A rainha Isabel fez-se madrinha da Santa Inquisição. A façanha do descobrimento da América não poderia se explicar sem a tradição militar da guerra das cruzadas que imperava na Castela medieval, e a Igreja não se fez de rogada para atribuir caráter sagrado à conquista de terras incógnitas do outro lado do mar. O papa Alexandre VI converteu a rainha Isabel em dona e senhora do Novo Mundo. A expansão do reino de Castela ampliava o reino de Deus sobre a Terra. Três anos após o descobrimento, Colombo, pessoalmente, comandou uma campanha militar contra os indígenas da Dominicana. Dizimaram os índios e mais de 500, enviados para a Espanha, foram vendidos como escravos… 

A América era um vasto império do Diabo, de redenção impossível ou duvidosa, mas a fanática missão contra a heresia dos nativos se confundia com a febre que, nas hostes da conquista, era causada pelo brilho dos tesouros do Novo Mundo.” (pgs. 30-31)

“Os europeus traziam, como pragas bíblicas, a varíola e o tétano, várias enfermidades pulmonares, intestinais e venéreas, o tracoma, o tifo, a lepra, a febre amarela, as cáries que apodreciam as bocas. (…) Os índios morriam como moscas; seus organismos não opunham resistência às novas enfermidades, e os que sobreviviam ficavam debilitados e inúteis. O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro estima que mais de metade da população aborígine da América, Austrália e ilhas oceânicas morreu contaminada logo ao primeiro contato com os homens brancos.” (pg. 38)

“Entre 1503 e 1660, desembarcaram no porto de Sevilha 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata. A prata levada para a Espanha em pouco mais de um século e meio excedia três vezes o total das reservas europeias. E essas cifras não incluem o contrabando. Com base em dados fornecidos por Alexander von Humboldt, estimou-se em 5 bilhões de dólares atuais a magnitude do excedente econômico evadido do México entre 1760 e 1809, apenas meio século, através das exportações de prata e ouro.

Os metais arrebatados aos novos domínios coloniais estimularam o desenvolvimento europeu e até se pode dizer que o tornaram possível… formidável contribuição da América para o progresso alheio. No primeiro tomo de O Capital, Karl Marx escreve: ‘o descobrimento das jazidas de ouro e prata da América, a cruzada de extermínio, a conversão do continente africano em campo de caça aos escravos negros: são todos fatos que assinalam a alvorada da era da produção capitalista.’ O saque foi o meio mais importante de acumulação primitiva de capitais. (…) Essa gigantesca massa de capitais deu um grande impulso à revolução industrial…” (pg. 51)

“A economia colonial americana atuava a serviço do capitalismo nascente em outras comarcas. Afinal, tampouco em nosso tempo a existência de centros ricos do capitalismo pode ser explicada sem a existência das periferias pobres e submetidas: uns e outros integram o mesmo sistema.” (p. 53)

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“A prata e o ouro da América, no dizer de Engels, penetraram como um ácido corrosivo em todos os poros da moribunda sociedade feudal na Europa, e ao serviço do nascente mercantilismo capitalista os empresários mineiros converteram indígenas e escravos negros num multitudinário ‘proletariado externo’ da economia europeia. A escravidão greco-romana ressuscitava num mundo distinto; ao infortúnio dos indígenas dos impérios aniquilados na América hispânica deve-se somar o terrível destino dos negros arrebatados às aldeias africanas para trabalhar no Brasil e nas Antilhas.

A violenta maré de cobiça, horror e bravura não se abateu sobre essas comarcas senão ao preço do GENOCÍDIO NATIVO: atribui-se ao México pré-colombiano uma população entre 25 e 30 milhões, e se calcula que havia uma número parecido de índios na região andina; na América Central e nas Antilhas, entre 10 e 13 milhões de habitantes. Os índios das Américas somavam não menos do que 70 milhões, ou talvez mais, quando os conquistadores estrangeiros apareceram no horizonte; um século e meio depois, estavam reduzidos tão só a 3,5 milhões.” (pg. 64)

“Os índios padeceram e padecem - síntese do drama de toda a América Latina - a maldição de sua própria riqueza. Quanto mais ricas são essas terras virgens, mais grave se torna a ameaça que pende sobre suas vidas; a generosidade da natureza os condena à espoliação e ao crime.” (pg. 78)

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VILA RICA E RIO DE JANEIRO: Ao longo do século XVIII, a produção brasileira de ouro superou volume total de ouro que a Espanha extraiu em suas colônias durante os dois séculos anteriores. Choviam aventureiros e caçadores de tesouros. O Brasil tinha 300 mil habitantes em 1700; um século depois, ao final dos anos do ouro, a população já se multiplicara 11 vezes. Não menos de 300 mil portugueses emigraram para o Brasil durante o século XVIII, ‘um contingente de população maior do que aquele que a Espanha transferiu para todas as suas colônias na América’, segundo Celso Furtado. Calcula-se em uns 10 milhões o total de negros escravos trazidos da África, desde a conquista do Brasil até a abolição da escravatura. Salvador da Bahia foi a capital brasileira do próspero ciclo do açúcar no Nordeste, mas a “idade do ouro” de Minas Gerais transferiu para o Sul o eixo econômico e político do país e, a partir de 1763, fez do Rio de Janeiro, o porto da região, a nova capital do Brasil…” (pg. 82)

CONTINUA...

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"We did not weave the web of life, we are merely strands in it..."

“Isto nós sabemos: a Terra não nos pertence, nós pertencemos à Terra. Nós não tecemos a teia da vida - somos meramente fios nela. O que quer que façamos para a teia, fazemos a nós mesmos.”
Chief Seattle em carta ao presidente dos EUA.
Confira a declamação de Joseph Campbell (legendado):

Os Empanzinados do Hiperconsumo, por Serge Latouche (in: Tratado do Decrescimento Sereno, ed. Martins Fontes, 2012)


“O CRESCIMENTO INFINITO 
É INCOMPATÍVEL COM UM MUNDO FINITO”

 por Serge Latouche, filósofo e economista francês, 
em “Tratado do Decrescimento Sereno” (Editora Martins Fontes). 


“Há perguntas demais neste mundo aqui de baixo, nos diz Woody Allen: de onde viemos? Para onde vamos? E o que vamos comer hoje à noite? Se, para dois terços da humanidade, a terceira questão é a mais importante, para nós, do Norte, os empanzinados do hiperconsumo, ela não é uma preocupação. Consumimos carne demais, gordura demais, açúcar demais, sal demais. O que nos assombra é antes o sobrepeso. Corremos o risco de sofrer de diabetes, cirrose do fígado, colesterol e obesidade: esta atinge 60% da população dos EUA, 30% da Europa e 20% das crianças na França. Estaríamos melhor se fizéssemos dieta. Esquecemos as duas outras perguntas que, menos urgentes, são contudo mais importantes.

Para onde vamos? De cara contra o muro. Estamos a bordo de um bólido sem piloto, sem marcha a ré e sem freio, que vai se arrebentar contra os limites do planeta. (…) Mas, com a nossa refeição desta noite garantida, não queremos escutar nada. Ocultamos, em particular, a questão de saber de onde viemos: de uma sociedade de crescimento - ou seja, de uma sociedade fagocitada por uma economia cuja única finalidade é o crescimento pelo crescimento. É significativa a ausência de uma verdadeira crítica da sociedade de crescimento na maioria dos discursos ambientalistas, que só fazem enrolar nas suas colocações sinuosas sobre o desenvolvimento sustentável.

Dizer que um crescimento infinito é incompatível com um mundo finito e que tanto nossas produções como nossos consumos não podem ultrapassar as capacidades de regeneração da biosfera são evidências facilmente compartilháveis. Em compensação, são muito menos bem-aceitas as consequências incontestáveis de que essas mesmas produções e esses mesmos consumos devem ser reduzidos, e que a lógica do crescimento sistemático e irrestrito (cujo núcleo é a compulsão e a adição ao crescimento do capital financeiro) deve portanto ser questionada, bem como nosso modo de vida.”

SERGE LATOUCHE

Conferência completa sobre o decrescimento (em francês)

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sexta-feira, 8 de março de 2013

"Those who have suffered understand suffering and thereby extend their hand..." Patti Smith em "Rock and Roll Nigger"


ESPECIAL DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Textos que valem a pena conferir: Sakamoto, Averbuck, Aline Valek.

Trilha sonora com as gênias (só álbuns completos):
…to be continued!
(aceitamos sugestões!)

Só a mulherada cantando as blueseiras! Rememorando uma de nossas coletas mais ouvidas... 01) Janis Joplin, "Try (Just a Little Bit Harder); 02) Bessie Smith, "After You've Gone"; 03) Big Mama Thornton, "Willie Mae's Trouble"; 04) Nina Simone, "I Wish I Knew How It Felt to be Free"; 05) Susan Tedeschi, "It Hurt So Bad"; 06) Aretha Franklin, "The Thrill is Gone"; 07) Portishead, "Numb"; 08) Eleni Mandell, "Moonglow, Lamp Low"; 09) Lisa Germano, "Red Thread"; 10) Os Mutantes & Rita Lee, "Meu Refrigerador Não Funciona".