EDUARDO GALEANO
“As Veias Abertas da América Latina”
(392 pgs., RS44)
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O SIGNO DA CRUZ NAS EMPUNHADURAS DAS ESPADAS: O ano de 1492 não foi apenas o do descobrimento da América, o novo mundo nascido daquele equívoco de grandiosas consequências (Colombo morreu convencido de que havia alcançado a Ásia pelas costas). Foi também o ano da recuperação de Granada… o último reduto da religião muçulmana em solo espanhol. Esta era uma guerra santa, a guerra cristã contra o Islã, e não é casual, de resto, que no mesmo ano de 1492, 150 mil judeus declarados tenham sido expulsos do país. A Espanha adquiria realidade como nação, erguendo espadas cujas empunhaduras traziam o signo da cruz.
A rainha Isabel fez-se madrinha da Santa Inquisição. A façanha do descobrimento da América não poderia se explicar sem a tradição militar da guerra das cruzadas que imperava na Castela medieval, e a Igreja não se fez de rogada para atribuir caráter sagrado à conquista de terras incógnitas do outro lado do mar. O papa Alexandre VI converteu a rainha Isabel em dona e senhora do Novo Mundo. A expansão do reino de Castela ampliava o reino de Deus sobre a Terra. Três anos após o descobrimento, Colombo, pessoalmente, comandou uma campanha militar contra os indígenas da Dominicana. Dizimaram os índios e mais de 500, enviados para a Espanha, foram vendidos como escravos…
A América era um vasto império do Diabo, de redenção impossível ou duvidosa, mas a fanática missão contra a heresia dos nativos se confundia com a febre que, nas hostes da conquista, era causada pelo brilho dos tesouros do Novo Mundo.” (pgs. 30-31)
“Os europeus traziam, como pragas bíblicas, a varíola e o tétano, várias enfermidades pulmonares, intestinais e venéreas, o tracoma, o tifo, a lepra, a febre amarela, as cáries que apodreciam as bocas. (…) Os índios morriam como moscas; seus organismos não opunham resistência às novas enfermidades, e os que sobreviviam ficavam debilitados e inúteis. O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro estima que mais de metade da população aborígine da América, Austrália e ilhas oceânicas morreu contaminada logo ao primeiro contato com os homens brancos.” (pg. 38)
“Entre 1503 e 1660, desembarcaram no porto de Sevilha 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata. A prata levada para a Espanha em pouco mais de um século e meio excedia três vezes o total das reservas europeias. E essas cifras não incluem o contrabando. Com base em dados fornecidos por Alexander von Humboldt, estimou-se em 5 bilhões de dólares atuais a magnitude do excedente econômico evadido do México entre 1760 e 1809, apenas meio século, através das exportações de prata e ouro.
Os metais arrebatados aos novos domínios coloniais estimularam o desenvolvimento europeu e até se pode dizer que o tornaram possível… formidável contribuição da América para o progresso alheio. No primeiro tomo de O Capital, Karl Marx escreve: ‘o descobrimento das jazidas de ouro e prata da América, a cruzada de extermínio, a conversão do continente africano em campo de caça aos escravos negros: são todos fatos que assinalam a alvorada da era da produção capitalista.’ O saque foi o meio mais importante de acumulação primitiva de capitais. (…) Essa gigantesca massa de capitais deu um grande impulso à revolução industrial…” (pg. 51)
“A economia colonial americana atuava a serviço do capitalismo nascente em outras comarcas. Afinal, tampouco em nosso tempo a existência de centros ricos do capitalismo pode ser explicada sem a existência das periferias pobres e submetidas: uns e outros integram o mesmo sistema.” (p. 53)
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“A prata e o ouro da América, no dizer de Engels, penetraram como um ácido corrosivo em todos os poros da moribunda sociedade feudal na Europa, e ao serviço do nascente mercantilismo capitalista os empresários mineiros converteram indígenas e escravos negros num multitudinário ‘proletariado externo’ da economia europeia. A escravidão greco-romana ressuscitava num mundo distinto; ao infortúnio dos indígenas dos impérios aniquilados na América hispânica deve-se somar o terrível destino dos negros arrebatados às aldeias africanas para trabalhar no Brasil e nas Antilhas.
A violenta maré de cobiça, horror e bravura não se abateu sobre essas comarcas senão ao preço do GENOCÍDIO NATIVO: atribui-se ao México pré-colombiano uma população entre 25 e 30 milhões, e se calcula que havia uma número parecido de índios na região andina; na América Central e nas Antilhas, entre 10 e 13 milhões de habitantes. Os índios das Américas somavam não menos do que 70 milhões, ou talvez mais, quando os conquistadores estrangeiros apareceram no horizonte; um século e meio depois, estavam reduzidos tão só a 3,5 milhões.” (pg. 64)
“Os índios padeceram e padecem - síntese do drama de toda a América Latina - a maldição de sua própria riqueza. Quanto mais ricas são essas terras virgens, mais grave se torna a ameaça que pende sobre suas vidas; a generosidade da natureza os condena à espoliação e ao crime.” (pg. 78)
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VILA RICA E RIO DE JANEIRO: Ao longo do século XVIII, a produção brasileira de ouro superou volume total de ouro que a Espanha extraiu em suas colônias durante os dois séculos anteriores. Choviam aventureiros e caçadores de tesouros. O Brasil tinha 300 mil habitantes em 1700; um século depois, ao final dos anos do ouro, a população já se multiplicara 11 vezes. Não menos de 300 mil portugueses emigraram para o Brasil durante o século XVIII, ‘um contingente de população maior do que aquele que a Espanha transferiu para todas as suas colônias na América’, segundo Celso Furtado. Calcula-se em uns 10 milhões o total de negros escravos trazidos da África, desde a conquista do Brasil até a abolição da escravatura. Salvador da Bahia foi a capital brasileira do próspero ciclo do açúcar no Nordeste, mas a “idade do ouro” de Minas Gerais transferiu para o Sul o eixo econômico e político do país e, a partir de 1763, fez do Rio de Janeiro, o porto da região, a nova capital do Brasil…” (pg. 82)
CONTINUA...
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