sábado, 27 de março de 2010

:: Gil Scott-Heron ::


A REVOLUÇÃO NÃO VAI SER TELEVISIONADA
- por Eduardo Carli -

"Gil Scott-Heron, O artista afro-americano, é simplesmente uma das figuras mais cativantes e importantes do pop mundial. Se você não conhece Gil Scott-Heron, ou até conhece mas nunca ouviu isto posto com tanta convicção, não se acanhe. Nem você nem este escriba estarão errados.
O fato é que o exuberante talento do cantor, compositor, poeta, pianista, ficcionista veio embalado em um contexto histórico e político convulsionado e nunca completamente, digamos, 'dichavado'. Foi a passagem dos anos 60 para os 70, com a radicalização exponencial dos grupos negros, dos estudantes, dos ativistas antiguerra do Vietnã, das feministas..." ALEX ANTUNES, prefácio de Abutre.

A revolução não vai passar na televisão. Nem virá com intervalos comerciais e replays. A revolução, irmão, vai ser ao vivo.

Com estas palavras, declamadas no maior pique, Gil Scott-Heron marcou época com o hino de protesto setentista "The Revolution Will Not Be Televised", perfeita síntese de sua carreira e que demonstra bem sua importância histórica. Ele foi um MC antes de existir o rap; foi Malcolm X cantando um soul; foi o poeta da Revolução Negra no pós-Woodstock; e foi a encarnação do espírito Hip Hop, antes deste existir.

Gil é do Tennessee, terra do blues. Seu leitinho na mamadeira, aposto, foi turbinado com litros de B. B. King, John Lee Hooker, Lightnin' Hopkins e bourbon. Já crescido, mudou-se para New York. Mas não aquela dos cartões-postais ou dos filmes de Woody Allen. Aquela dos guetos e becos flagrados pela lente de Spike Lee, onde porto-riquenhos, dealers, cafetões, putas, tiras corruptos e brancos cuzões se bicam num cenário urbano caótico e tenso.

Era o fim dos anos 1960 e o Black Power não era somente um penteado afro classudo, mas todo um efervescente movimento social. Impulsionados pelo exemplo de Malcolm X e Martin Luther King, os negros americanos "se organizavam para desorganizar". Em protesto contra a segregação racial, o preconceito, o fascismo, o imperialismo, Nixon, a Guerra do Vietnã e outras pragas sociais, inventavam um novo som e uma nova poesia adequadas aos combates dos tempos.

Pouco tempo antes de Scott-Heron "decolar" com o lançamento de seus primeiros álbuns --- o spoken word "Small Talk at 125th and Lennox" e o soul-funk "Pieces of a Man" --- Jimi Hendrix havia blasfemado lindamente contra o Hino Nacional Americano em frente a 500 mil almas embasbacadas em Woodstock. Enfiando distorsão e discórdia no discurso oficial. Pintando de negro, ou afundando na psicodelia, a "Star Spangled Banner".

Gil Scott-Heron, junto com seu truta Brian Jackson, gravaram um punhado de discos brilhantes anos 70 e 80 afora. Ao mesmo tempo louvando seus heróis culturais do passado (John Coltrane, Aretha Franklin, Isaac Hayes, Billie Holliday, Al Green...) e com pés fincados nas problemáticas sócio-políticas da era (em que a "canção de protesto" tinha voltado aos holofotes pelos esforços de Bob Dylan nos anos 60 e a Geração Folk que seguiu seus passos), fizeram pérolas das mais preciosas daquilo que hoje chamamos black music.

Se a obra deste negobão é tão desconhecida entre nós, isto se deve um pouco à estupidez da "Indústria Cultural", que não se dava muito bem com o radicalismo ideológico e a riqueza sônica da arte de Scott-Heron. No meio dos anos 70, a black music de conteúdo político-crítico-lúdico-provocativo (que tinha ainda seus paladinos no Funkadelic e no Sly & The Family Stone) viu-se lançada nas sombras pela explosão da discow. "Gil viu sua carreira ser progressivamente eclipsada com a aproximação e a passagem dos anos 80, época em que a caretice yuppie grassou e desgraçou a cultura pop", escreve o Alex Antunes.

Como o próprio Gil Scott-Heron diz, a galerinha da discow perdeu completamente a noção de que havia uma distinção entre a ferramenta e o objetivo --- "the tool and the goal", como ele diz. A "black music", cooptada pelas grandes gravadoras, cessou de ser uma tool nas mãos de artistas-ativistas lutando pelo goal da transformação social e comportamental, para se tornar hedonismo vazio e consumista. A balada foi sendo despolitizada e foi virando cada vez mais uma curtição frívola e sem consequências, quase um mecanismo de fuga. Demoraria alguns anos até que o Punk nascesse para chutar o rabo da Geração Discotèque e trazer de volta o inconformismo e a rebelião para o centro do quadro...

Gil Scott-Heron, apesar do ostracismo em que caiu por grande parte dos anos 90 e 00, principalmente por ter sido enjaulado pelos tiras duas vezes por posse de "substâncias controladas", continua ativo e operante: acaba de lançar, neste 2010, o álbum "I'm New Here". Suas palavras e discos ecoam dos anos 70 até hoje e "Gil sobreviveu nos samples - de Professor Griff, PM Dawn, Warren G, Chubb Rock, A Tribe Called Quest, KRS-One - para vir, finalmente, a ser entronizado como um dos pais do rap, apenas um passo atrás do coletivo nova-iorquino dos Last Poets", diz o Antunes.

Pois é: não é à toa que Gil Scott-Heron é reconhecido por grandes figuras do Movimento Hip Hop mundial -- como Chuck D ou Mos Def -- como um dos Pais da Matéria, "The Godfather of Rap". Sem ele, talvez não tivessem surgido o Public Enemy e o Outkast, a Lauryn Hill e o Ben Harper, o Rappa e o Planet Hemp. Sem falar que Gil, sendo um maconheirão prá-lá-de-gente-fina, continua sendo uma referência para todos os que curtem os efeitos de expansão da consciência, do senso-de-humor e da percepção estética gerados pela sagrada cannabis...

Pra quem curte literatura, vale frisar ainda que Gil Scott-Heron, poeta de mão cheia, escreveu ainda dois romances: The Nigger Factory e The Vulture. Este último, conhecido por cá como Abutre, saiu no Brasil via Conrad e vale cada centavo. Narra a via-crúcis de um traficante de drogas de New York que tréta com os porto-riquenhos e vê sua vida sempre ameaçada pelos becos escuros do Harlem, Chelsea e redondezas. Lê-se com o prazer que se tem vendo um bom filme de Spike Lee ou um clássico da blaxpoitation (tendência que Tarantino "homenageou" em Jackie Brown).

Devorem abaixo, pois, um bocado de discos deste grande Mestre do rhythm and poetry (R.A.P.!), Gil Scott-Heron, o Abutre!


1970 - Small Talk At 125th And Lenox
http://www.mediafire.com/?najjyyj4jlw



1971 - Pieces of a Man
http://www.mediafire.com/?kdmyzktetyd



1974 - The Revolution Will Not Be Televised
http://www.mediafire.com/?uwiwntuv4yn



1974 - Winter in America
http://www.mediafire.com/?dwjqmnzoc3e


1975 - First Minute of The New Day
http://www.mediafire.com/?zi1jdnmchre



1975 - From South Africa to South Carolina



1980 - 1980


sexta-feira, 26 de março de 2010

:: a única língua que o diabo respeita... ::

...é o húngaro.

No Depredando O Cinema, conheça mais sobre Budapeste, o romance de Chico Buarque que recentemente virou filme de Walter Carvalho, e aproveite para ler o primeiro capítulo deste livro magistral. Glue there!

quinta-feira, 25 de março de 2010

Mateus na onda da mutilação

Deus protege os bêbados, as criancinhas e aqueles que ousam escrever sobre velharias e coisas ultrapassadas. A coisa, no caso, vem de 2006. Pode parecer muito 2006 mesmo, justo pelas condições em que são encontradas – na época, ninguém tuitou, poucos bloguearam. Mas a semelhança mesmo fica mais para o lado daquela banda, aquela do careca gordinho que grita até cuspir as cordas vocais na parede.

Na verdade, o processo é um pouco mais complicado. É Pixies, mas parece Bee Gees. Não é Pixies – é um cara chamado Matthew, que emulou vários artistas homenageando Pixies. Parece Bob Marley, Prince e Frank Sinatra, mas na verdade, é Pixies. Esse Matthew parece ter gastado uma boa resma de tempo fazendo tudo isso. O que acabou saindo dessa empreitada corroborada pelo ócio (julgo equivocado?) tem a ver com uma máxima que me disseram em alguma festa da faculdade: “Arte é forma, e não conteúdo”.

A forma, então, é o estilo que tal artista, ou tal banda, ou tal desocupado, impõe sobre um conteúdo pífio: aprecio os Pixies, mas nunca tive interesse em saber pra quem diabos grita-se “HEY!”. Prince também não, e no fim das contas, a música ficou parecendo ser dele. Os arranjos sintéticos são muito caricatos, e a escolha das músicas – bandas ficou impecável. Pra mim, óbvio que “Wave of Mutilation” é dos Bee Gees, assim como os Beach Boys consagraram-se com “Levitate Me”. Sugestões, caro Matthew? “Velouria” com Jota Quest. Tudo o que eu queria.

quinta-feira, 18 de março de 2010

:: Ramones ::

HEY HO, LET'S GO!
- por Frederico DiGiacomo Rocha (*) -


Para a revista Rolling Stone ele é o 33º melhor disco da história. Para qualquer moleque de calça rasgada e all star ele é seu motivo de existir. Um dos pedaços de vinil mais influentes da música pop. Sua duração é de 29:04s. Seu custo total de produção foram míseros U$ 6400, numa época onde, segundo declaração do próprio Joey Ramone, no livro “Mate-me, por favor”, gastava-se meio milhão para produzir um álbum. E esse não era qualquer álbum; ele criou o punk, revolucionou o rock do final dos anos 70 e deu origem a centenas de bandas. Dos Sex Pistols aos Metallica, do Red Hot Chili Peppers aos Ratos de Porão, a influência do primeiro disco dos quatro magrelos de Nova York foi devastadora.

É difícil explicar hoje a importância desse amontoado de 3 acordes tocados com velocidade e paixão, sem riffs difíceis, solos de guitarra ou viradas de bateria. Aqui no Brasil, seria como se os Racionais Mc’s tivessem um som tão agressivo quanto os Ratos de Porão e criassem, em seu primeiro disco, a Bossa Nova ou a Tropicália.

Estávamos nos Estados Unidos, em 1974. O que existia de mais agressivo no rock era o som de MC5, Stooges e New York Dolls. As três bandas tinham um sucesso mediano, mais underground, e seu som era uma transição do hard rock para o que se chamou punk. O que mais lembrava o que o Ramones viria a fazer era o primeiro (e cru) disco dos Stooges. Mas nesse, você encontra uma música de mais de dez minutos (“We Will Fall”) e aqui a música mais comprida tem 2:39s(“I don’t Wanna Go Down to The Basement”).

E as rádios? Eram dominadas pelo progressivo de Yes e Genesis, pelo hard rock virtuoso de Led Zeppelin e pela discoteca do saltitante John Travolta. O sonho hippie tinha acabado, os Beatles também. A América Latina, o leste Europeu e grande parte da Ásia viviam sob ditaduras. O mundo em constante ameaça atômica era uma ressaca claustrofóbica.


A primeira coisa que chama a atenção no disco é a capa. Quatro cabeludos, com jaquetas de couro pretas – como as de Marlon Brando e James Dean – calças rasgadas, tênis surrados e caras desafiadoras estão encostados numa parede pichada. Eles parecem te provocar, loucos pra te dar uma porrada. A única coisa escrita lá é o nome da banda “Ramones” – uma referência ao nome que Paul Mccartney usava para se registrar em hotéis.

O disco começa. A porrada vem em forma de grito de guerra. "Hey ho let’s go!" Um ataque relâmpago, fala da blitzgrieg, estratégia militar que fez os nazistas dominarem metade da Europa no começo da Segunda Guerra Mundial. Ah, vale lembrar, o alemãozinho Dee Dee Ramone tem fascinação pelo nazismo.

O desengonçado Joey Ramone – já internado em clínicas psiquiátricas - berra “espanque o moleque com um taco de beisebol”. De onde vem tanta raiva? Dee Dee foge de uma família problemática, Johnny ralava como pedreiro. O lirismo se esconde nos backing vocals que fazem referência a grupos vocais dos anos 60. “I Wanna Be Your Boyfriend” quebra o clima, uma balada romântica, já pavimenta o caminho que os Buzzcocks, e mais pra frente os emos, vão seguir. “Os punks também amam”.


“Now I Wanna Sniff Some Glue” repete milhares de vezes a mesma frase. Os moleques entediados lá de “1969” de Iggy Pop agora gastam o tempo cheirando cola, arrumando brigas e fazendo barulhos com suas guitarras toscas, ou serras elétricas, em “Chain Saw”. A contagem para todo mundo entrar junto – que se tornou marca registrada do grupo – aparece pela primeira vez em “Listen To My Heart”. “1,2,3,4!”, grita Dee Dee, baixista e principal compositor. Ele vai voltar a urrar em uma das partes de “53rd and 3rd”, uma das mais sérias e tristes do álbum. É sobre o tempo em que o músico ficava nas esquinas de Nova York fazendo michês. O disco ainda traz como destaque o cover “Let’s Dance”(e gravar clássicos do rock ‘n’ roll seria uma marca da banda) e “Today your Love, Tomorrow the World”.

Pronto: menos de meia-hora e a surra acabou. Aqueles punks saídos do filme “O Selvagem”(com Marlon Brando), que soavam como uma canção de Iggy Pop e queriam cantar como se fossem os Beach Boys, devem estar cheirando cola em outro lugar. Seu álbum não fez nenhum sucesso nos EUA. Só foi bem recebido quando o quarteto excursionou pela Europa e influenciou meio mundo – Clash e Sex Pistos incluídos, dando origem ao movimento punk e todo hype em cima da coisa. Dessa árvore cairiam os frutos podres do hardcore, trash, crossover, grunge, emo e outros estilos musicais.

Era isso. Letras diretas sobre o cotidiano do mundo white trash - os brancos pobres e desajustados dos EUA. Som distorcido, rápido e sem firulas. Refrões fortes. Backing vocals melodiosos. E o rock nunca mais seria o mesmo.



DOWNLOAD [192kps - 61 MB - 22 faixas]:
http://www.mediafire.com/?iowmzinylaz

obs: a versão do álbum que disponibilizamos é o relançamento de 2001 da Rhino / Warner Archives, que contêm o primeiro álbum remasterizado e mais 8 bonus tracks - as demos pra lá de tosqueira de "I Wanna Be Your Boyfriend", "Judy Is a Punk", "I Don't Care", "I Can't Be", "Now I Wanna Sniff Some Glue", "I Don't Wanna Be Learned", "You Should Never Have Opened That Door" e a versão single de "Blitzkrieg Bop".


PARA SABER MAIS:
- “Mate-me, por favor”, de Legs McNeil e Gilliam McCain
- “Coração envenenado” – Dee Dee Ramne e Veronica Kofman

(*) Fred é jornalista, blogueiro, escrevedor de linhas tortas e baixista das bandas paulistas Milhouse e Cuecas Rosas. Você pode ler mais textos dele no Punk Brega!

domingo, 14 de março de 2010

:: Doors ::

"Standing there on freedom's shore..."
- Bernardo Santana -

Quatro camisetas dominavam o mundo da moda roque Ex-São Paulo no meu tempo de moleque: Iron Maiden, Led Zeppelin, Nirvana... e Doors. Todas naquele preto suicida pra um país tropical, menos as da banda de Jim Morrison. Então eu fiquei curioso e comprei aquela coletânea safada (aquela lá, saca? Mesmo set, foto de Morrison diferente na capa, lançada a cada plano quinquenal da gravadora) e então... E então nada. Conheci as mesmas músicas clássicas dos caras que todo mundo conhece e ficou por isso mesmo. "Banda boa, mas enchi o saco."

Até o dia que eu trombei com um moleque na rua, em plena Emo Age, com uma camiseta igualzinha a que eu tive um dia e decidi usar o Files Tube pra comemorar. Vamos lá, discografia baixada e má-vontade de ouvir todas as 376 músicas dos caras.

"Primeiro disco, tem mais hits, vamolá (...) puta merda, isso é muito mais foda do que eu achei que era! Deixa eu ver esse segundo..." E foi lindo! Uma bolacha atrás da outra, pagando pau intenso pra tecladêra inimitável de Ray Manzarek; prum guitarrista que eu não dava um kibe, mas que é um mestre; prum baterista muito do criativo e, claro, pro fita mais talentoso, de colhão e engraçado que já existiu no roque, o lagartão gigolô Jim Morrison.

Como a postagem de discografias é meio complicada em tempos de tempo escasso, resolvi então escrever somente sobre um dos discos deles. O que mais me surpreendeu, tanto pela tonelada de psicodelia, quanto pela ausência de músicas conhecidas (relativamente, claro, afinal a banda tinha 4, 5 hits por disco, muitas vezes): Morrison Hotel.

Lançado em 1970, Hotel veio como resposta da banda às críticas à bolacha anterior, The Soft Parade, bem-sucedida, mas criticada pela postura mais "pop" — besteira, pra mim — das músicas. Bom, os caras voltaram a fazer o que estavam acostumados, mas acrescentaram ao climão psicodélico muito mais blues do que antes. O estilo ia saturar muito mais o trabalho seguinte dos caras, L.A. Woman, mas neste Morrison Hotel estava na medida, acrescentando à doideira lisérgica uma alma um pouco mais (ou ainda mais) agressiva, ao som principalmente.

Comentar Roadhouse Blues e Waiting For the Sun talvez seja perda de tempo, visto que as duas são cantadas por todos tiozões rockers de boteco azul na esquina da América Latina. De qualquer forma, são um bom exemplo das duas faces do Doors no disco: Roadhouse um blues sem tirar nem por, e Waiting a típica viagem climática dos primeiros anos.

You Make Me Real inaugura, então, o começo dos trabalhos propriamente ditos, com seu tecladão de bordel se entrelaçando na guitarra de Robby Krieger e sua letra bem longe da poesia etérea-xamânica-alcóolatra pela qual Jim Morrison ficou conhecido. Peace Frog chuta bundas em seguida. O maior sub-hit do Doors de toda sua carreira, a música é tão contagiante (“vamos lá, garotos e garotas, chacoalhando o quadril!”), que é mesmo uma surpresa ela não ser tão ou mais famosa que coisas como Unknown Soldier e Spanish Caravan, por exemplo, bem mais difíceis de digerir (mas ainda assim, fodas). Sim, essa é a música pra ouvir como testdrive…

Depois Blue Sunday, quase um interlúdio lírico no meio do barulho. Climão ideal pra Morrison assumir seu lado crooner com seu vocal grave e um tipo de melodia extinta pela covardia e “vontade de inovar” dos dias de hoje. Ship of Fools na sequência… outra que não dá pra entender não ser um baita hino do tamanho de Break on Through. Riffizão certeiro e tudo no lugar pra fazer você sair cantando por aí sem perceber. E no mesmo patamar lá em cima entra Land Ho!, logo a seguir.

E por aí o disco vai por mais quatro músicas, surpreendendo e alimentando a cabeça, como diziam no Verão do Amor. Sim, porque ouvir os Doors sem lembrar o que eles eram no palco não pode ser. Produto e catalisador de uma época em que a bunda-molice dava um descanso aos bons cidadãos do lado ocidental do planeta e a música ia de carona, os Doors conseguiram ser uma banda profundamente ligada a esse contexto por seus shows caóticos, provocadores e libertários em essência. Ícones de uma época em que a música popular não era só música, mas vanguarda na mudança social em busca de um mundo preenchido menos por medo e regras e mais por coragem e liberdade.

Uma camiseta branca no meio das pretas.

(E a música era de primeiríssima também!)

DOWNLOAD: 72 Mb - 11 faixas


domingo, 7 de março de 2010

:: Nuggets ::


VAI UNS NUGGETS?


Depredando o Orelhão, neste domingão de tédio, resolveu dar uma de gourmet e preparar-vos um suntuoso banquete, nada junkie food, com nada menos que 118 apetitosos Nuggets --- que dão um pau nos da Sadia. Assados em centenas de fornos, através das garagens da América, estas pepitas formam o crááássico BOX de 4 CDs Nuggets - Original Artyfacts Of First Psychedelic Era, coleção obrigatória para quem quer conhecer mais a fundo os Loucos Anos 60 através do que rolou em seus porões e longe dos holofotes da grande mídia.

Selecionadas pelo crítico musical e guitarrista do Patti Smith Group Lenny Kaye (na foto acima), estas músicas, gravadas entre 1965 e 1968, em plena era da beatlemania e do LSD, e às vésperas de Woodstock, nos apresentam a toda uma cultura musical underground riquíssima que rolava paralelamente aos "grandes acontecimentos" musicais daquela era: Beatles, Stones, Dylan, Hendrix, Who, Kinks, Cream, Janis, Doors e muitos mais...

Algumas bandas que aqui marcam presença, como o Sonics e o The 13th Floor Elevators, adquiriram status cult e são tidas como precursoras do punk, subversoras da psicodelia ou simplesmente fodásticas bandas de rock and roll que, por acasos ou azares, acabaram por não estourar. Mas grande parte dos desconhecidos grupos que recheiam esta coleta nem chegaram a ter uma "carreira" ou gravar álbuns completos, sendo one-hit-wonders (em raros casos) ou simplesmentes singles bands --- ou seja, grupelhos que compuseram duas ou três canções, lançadas em compactos, depois de caírem no ostracismo ou encerrarem suas atividades. De qualquer modo, a influência deste santo barulho ecoa até hoje: se não tivessem bebido tanto nesta Exuberante Fonte Elétrica, grandes bandas como o Jon Spencer Blues Explosion, o Queens of The Stone Age e os White Stripes (para não falar dos brazucas do Thee Butchers Orchestra) não seriam o que hoje são.

Apesar do subtítulo "Artefatos da Primeira Era Psicodélica", as bandas aqui reunidas não se enquadram com facilidade sob o guarda-chuva limitado da "psicodelia", se entendermos pelo termo "música chapada composta sob efeito de LSD" e que deseja repetir os feitos de Sgt Peppers, Pet Sounds ou The Piper At The Gates of Dawn. Há por aqui manifestações das mais diversas tendências sessentistas: do folk-rock de protesto que vai na trilha de Bob Dylan ao blues-rock vigoroso que homenageia o Cream e prenuncia os Black Crowes; do proto-punk agressivo que emula o Who e anuncia os Stooges e o MC5 aos chicletudos power-pops que pagam-pau pros Beatles enquanto já soam como o Big Star ou o Teenage Fanclub...

Nuggets é todo um universo, a ser explorado em dúzias de horas de aprazível e colorida jornada através de alguns dos melhores frutos da Era da Psicodelia... Mas chega de papo: é hora de embarcar no noise e abocanhar sem dó esses franguinhos --- neste caso, a gula não é pecado capital... Nhác!

VOLUME 1




VOLUME 4

:: Wendy, you gotta a big surprise comin' to you ::

Usamos uma machadinha afiada para estripar O Iluminado, de Stanley Kubrick, um dos crááássicos supremos do Terror. Os pedaços ensanguentados do filme estão por todo canto do Depredando o Cinema, The Overlook Blog. Lá você pode, além de ler o textão, assistir o making-of (via YouTube) e baixar a trilha sonora original (centrada em composições de Gyorgy Ligeti, Béla Bartok e Penderecki). Glue there and psycho out! =)

terça-feira, 2 de março de 2010

:: Medeski Martin & Wood ::

Três do trio
– Por Marco Souza –

A trilogia da evolução celular está completa e o resultado é essa pequena e bela monstruosidade musical compilada em 3 CDs, a qual alguns felizardos (eu logo, logo, assim espero) podem contemplar na sua forma completa: um magnífico box contendo 5 CDs, 2 LPs e 1 DVD, intutilado Radiolarians: The Evolutionary Set.

Todo o processo de composição desses álbuns já foi explicado tempos atrás, junto com um elogio desmedido a Radiolarians I. Então irei me ater apenas em fazer um breve comentário das partes II e III.


Dessa vez fui capturado pela música do trio da maneira que eles haviam planejado. Fui aos dois shows (totalmente diferentes) que eles realizaram no Sesc Vila Mariana (SP) em 2008 e a maioria das canções apresentadas eram totalmente inéditas para mim, mesmo eu sendo fã deles das antigas. Experimentações que faziam parte da série Radiolarians.

Ao escutar Radiolarians II tive uma sensação diferente em reconhecer grande parte dessas músicas, pois havia as escutado ao vivo. De certa forma a surpresa incial de conhecer o disco perdeu um pouco o vigor, mas ouvindo hoje percebo que a segunda parte é tão viceral quanto a primeira.

Pode se dizer que chega a ser mais experimental do que seu antecessor. Começa de maneira incomum com Chris Wood desgastando agressivamente as cordas de seu baixo elétrico, na rasgada Flat Tires, tem música que lembra uma época boa do DJ Shadow, Chasen Vs Suribachi, improvisos sobre a repetição minimalista em Dollar Pants e ápice da estranhesa em Ijiji. Isso sem esquecer a palavra que não canso em repetir ao falar de MMW, groove.


Para mim o ponto alto foi relembrar umas das mais bonitas melodias de John Medeski em Riffin' Ed, música que me emocionou no show. Esperava que essa canção se extinguisse gradualmente da minha mente, na incerteza de que ela seria gravada, mas pude ouvi-la novamente, tal qual voltasse a encontrar uma paquerinha de infância, que já estava fadada ao esquecimento.

Como se a ordem das músicas estivesse invertida o final é composto por um jazz mais standard, uma versão de Baby, Let Me Follow You Down, que ficou famosa na voz inconstante de Bob Dylan.

Assim passamos para o terceiro ato, que tão logo se tornou meu preferido. Dos três é o que mais remete ao começo da trio, com sua sonoridade clássica e característica, evidenciada pelos teclados Hammond de cara em Wonton. Lindo. Então Satan Your Kingdom Must Come Down, música gospel tradicional norte-americana que é transformada num épico vibrante de 4 minutos e meio através de um piano alucinado e baixo distorcido soando como guitarra.


Sempre que escuto Undone, acho que é a minha música perfeita a qual eu nunca fiz. Potência rock marcada pela bateria e uma linha de baixo simples e intrigante que explode num "refrão" inspirador. Música preferida do disco.

A série se encerra com elegância — Broken Mirror — e referência às sonoridades que fazem parte do repertório dos músicos desde a cítara indiana até funk agressivo dos anos 70 em Gwyra Mi. São trabalhos assim que fazem valer a pena nosso sistema auditivo.


Radiolarians I (10 músicas - 88 MB)

Radiolarians II (10 músicas - 113 MB)

Radiolarians III (9 músicas - 80 MB)