quarta-feira, 25 de novembro de 2009

:: TOPs 10 2000-2009 ::

Década Danada
- Bernardo Santana -

(Esse post não reprenta a posição dos outros colaboradores-truta deste blog. Os deles vêm em seguida. Se tudo der certo... Para baixar, clique na capa do álbum.)

1º — STROKES/Is This It?
Barbada. Além de ser um puta disco roqueiro dançante legalzão cheio de hit combos, o Is This It? merece o topo porque fez a década. Fez no sentido de ser o som a ser copiado por todo mundo, tipo assim o… “novo Nirvana”! Yey! O mérito e a culpa do que veio depois não é dos caras da banda, claro, mas eles deveriam saber de que depois de colocar na praça sons do naipe de Last Nite, Hard To Explain, The Modern Age e Take It Or Leave It todo mundo ia procurar suas calças apertadas no brechó mais perto de casa.

2º — AT THE DRIVE-IN/Relationship of Command
Se o Strokes foi o que foi, o At The Drive-In foi o que deveria ter sido. Mas não, a banda preferiu “entrar em hiato” do que continuar lançando discos pesadaços e perfeitos como esse. Um som ao mesmo tempo original, acessível, intrincado, estranho, toneládico, lírico e intrigante. Eu até hoje não consigo nem traduzir as letras, quanto mais entendê-las por completo. E no palco o bicho também pegava feio, como qualquer consulta ao YouTube pode comprovar muito bem. Pattern against user, de fato, amiguinhos!

3º — LIBERTINES/Up The Bracket
Outra grande banda que se foi muito antes do que deveria, mas que entregou num disco só o suficiente pra uma carreira inteira de clássicos. A música caótica com ecos do Clash dos putinhas rendeu embaraçosas seções de air guitar a este que vos escreve (err… quando eu ainda tinha idade pra isso, claro…) nesta primeira década do milênio. Ao lado dos Strokes, banda mais influente da década na minha humilde opinião. O problema é que ninguém mais no mundo sabe tocar como eles… Ouça Time For Heroes pra entender.

4º — MEDESKI, MARTIN AND WOOD/Let's Go Everywhere
O trio danado do jazz/funk nova iorquino foi covarde com esse Let’s Go Everywhere. Além de estar em verdadeiro estado de graça instrumentalmente, ainda fizeram uma bolachinha pras crianças do mundo. Ah, mas que bunitinho… E o pior é que a iniciativa-Michael deu certo demais. É o disco de jazz mais palatável não só desta década, mas de toda a história da humanidade! Ok, forando a empolgação de fã novo dos caras, é clássico pra se ouvir por muito e muito tempo ainda. Do lado do bercinho e tal…

5º — PEARL JAM/Pearl Jam
Põe o dedo aqui quem não dava mais nem uma batata pelo Pearl Jam depois da virada do século… Mas toda a desconfiança e espera entediada vinda com os lançamentos menos inspirados acabou com essa bolachinha incrível de 2006. World Wide Suicide finalmente resolveu o que eles tentavam fazer com o som nos últimos cinco anos, Parachutes fez o mesmo no quesito baladas e Unemployable é coisa inédita no repertório pra surpreender macaco velho. O resto é só foda pra caralho.

6º — JACK JOHNSON/In Between Dreams
Pra fogueira com os malditos puristas. Pop para as massas pode ser música boa, sim! Sob o risco de ser deserdado por 97% dos camaradas, eu afirmo: Jack Johnson pra presidente. De ponta a ponta, um disco que baixa a rotação desse mundo neurótico e ainda tem as manhas de falar de amor bobo sem parecer… bobo. 14 perolinhas despretensiosas jogadas aos porcos com aquele vocal meio percussivo do surfista e por sua mão direita única no violão.

7º — RYAN ADAMS/Gold
Outro potencial destruidor de amizades rockers quase certeiro, mas que vale a pena o risco. Vindo de uma carreira já bem interessante naquele negócio que costumava se chamar Alt Country, Ryan Adams se equilibrou em sua carreira solo entre o som “já ouvi isso antes” e o breguinha fabuloso da música caipira dos EUA. E o melhor foi que ele conseguiu fazer bons discos com isso. Gold, pra mim, é o melhor de longe, com suas 478 baladas românticas de chorar e seus 1/5 rocks caipiras. Mas é bom demais. Juro!

8ª — MORRISSEY/You Are The Quarry
A carreira solo do ex-vocalista dos Smiths já teve seus providenciais altos e baixos, hits e malices, mas You Are The Quarry é o ponto mais alto do poeta vegan de Manchester nesta década. Com uma banda decente finalmente, e arranjos de cordas sem afetação, o som competente e ganchudo do disco quase faz a gente esquecer que as atormentadas letras do topetinho atormentado só melhoram com o tempo. Elas ainda fazem parecer que ele é um coitado miserável que o mundo esqueceu… Mas, por deus, que coitado talentoso.

9º — FIONA APPLE/Extraordinary Machine [bootleg]
A primeira versão do terceiro disco da cantora e pianista americana (a gravadora disse não e pediu reforma) é uma bagunça. Musical da Disney misturado com jazz, mas inteiro assoviável, Machine é uma obra de arte perfeita sendo pervertida por uma classe de crianças de dois anos esquecida num estúdio. E todas elas vivem na cabeça de uma menina perturbada que canta como um passarinho chamada Fiona Apple. Música lúdica maluca.

10º — LOS HERMANOS/Bloco do Eu Sozinho
Sem precisar forçar nem um pouco a amizade e o bom senso pra colocar um disco nacional no top 10, aqui estão eles. Mais que todas as músicas bacanas que conseguiram fazer aqui misturando weezer, outras alternativices, hardcore, ska e já bastante samba e MPB, o Los Hermanos ainda teve o peito e o talento pra ser a primeira (e até agora única) banda indie gigante do país, peitando gravadora e o caramba. Seria histórico mesmo sem o repertório original e já clássico dos caras em Bloco. E viria mais depois.

[Menção honrosa] – SILVERCHAIR/Young Modern
Se você não ouviu o Silverchair depois que eles deixaram de fazer sucesso (ou seja, nesta década), esqueça o conceito que tem da banda agora. Cada vez mais, Daniel Johns e companhia vão rumando pra esquisitice musical do bem, tentando criar melodias perfeitas que ninguém nunca fez antes e um instrumental de rock sem clichês. Trabalho ingrato depois de mais de 50 anos do gênero, mas que vem dando frutos como em Young Modern. Vale ouvir e fica como representante de todos os discos foda que não entraram na lista.

E por hoje é só.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

:: Them Crooked Vultures ::



DREAM TEAM

- Josh Homme, Dave Grohl e John Paul Jones somam
suas forças num coletivo matador que já nasce clássico
-

por Eduardo Carli de Moraes



“Make your favorite music or go fuck yourself.”
(JOSH HOMME)


A tentação de chamá-los de “supergrupo” é quase irresistível – por mais que o rótulo soe um tanto idiótico. O Them Crooked Vultures possui um line-up tão espetacular que não há como evitar que nossas expectativas atravessem o teto e adjetivos hiperbólicos se amontoem na descrição deste fodástico power-trio. Afinal, o “dream team” formado pelo ex-batera do Nirvana (e líder do Foo Fighters), o ex-baixista do Led Zeppelin e o guitarrista do Queens Of The Stone Age (e do Kyuss) é de deixar qualquer roqueiro salivando. Mas e o resultado? Está à altura da reputação destes mito vivos que são Grohl, Jones e Homme?

Os céticos tinham sua parcela de razão se previam que este álbum seria um embuste ou uma decepção: estivemos testemunhando, nestes últimos anos, uma carrada de “superbandas” atingindo resultados duvidosos e nos fazendo suspeitar que gananciosas intrigas corporativas, muito mais do que projetos artísticos consistentes, eram os verdadeiros móveis por trás dessas uniões. Chris Cornell, p. ex., juntou-se a Tom Morello e sua cozinha, mas o Audioslave não se tornou exatamente um monstro mítico que juntasse o poder de fogo do Soundgarden e do Rage Against the Machine. O grupo se desfez depois de 3 bons álbuns (num caso em que ser “bom” é quase uma vergonha: esperava-se deles nada menos que “de-excelente-pra-cima”!), e a “ressaca” pós-fim-de-banda pareceu deixar Cornell desnorteado, sem-noção e na pior fase de sua carreira (a julgar por seu medonho álbum solo mais recente... que saudades de Euphoria Morning e de Superunkown!).

Já Scott Weiland uniu esforços ao Slash, mas o Velvet Revolver ficou longe de ser tão explosivo quanto o Guns N Roses ou o Stone Temple Pilots na história do rock moderno. Jack White, por sua vez, também meteu-se em “projetos” grandiosos – o Racounteurs e o Dead Weather – sem conseguir algo que se assemelhasse ao que conquistou com a genial simplicidade do White Stripes. O que impediria, pois, o Them Crooked Vultures de se tornar mais um tiro no escuro, e um tanto fora do alvo, destinado a se tornar um “item menor” na discografia de seus membros?

É que superbandas e superbandas... Algumas são montadas pelas grandes gravadoras e produtores, interessados num grande estouro comercial que lhes encha o rabo de verdinhas - e nada parece mais promissor que juntar no mesmo time músicos de bandas famosas, “raptando” para o novo grupo os fãs somados das bandas-de-origem dos membros... Mas há “superbandas” que se juntam de modo muito mais genuíno e espontâneo: pois os artistas se admiram, apreciam os trabalhos uns dos outros e sentem um baita tesão com a idéia de tocarem e criarem algo juntos.


Este segundo caso é claramente o que se aplica aos Crooked Vultures. O importante a frisar é aqui não estão caras jovens, deslumbrados com a fama e querendo fazer sucesso a qualquer preço. Todos os três já possuem pançudas contas bancárias, milhares de fãs devotos e reconhecimento artístico de sobra: já estão muito além das mesquinharias do pop.

Os que são (justificamente) céticos em relação às superbandas – que por vezes soam mesmo como o equivalente dos arrasa-quarteirão hollywoodianos: muita pirotecnia e efeito especial, mas conteúdo pífio e história tosca – podem ir sem medo ao Crooked Vultures. This is the real thing! A sonzeira matadora que este debut magistral carrega em seus dez mil decibéis de potência é um advogado de defesa perfeito, nos provando que química, entusiasmo, criatividade e pegada não faltam a estes três músicos no topo de seu jogo.

Desmorona logo às primeiras músicas qualquer suspeita de que isto pudesse se tratar de um “projeto paralelo” (“cada uma que inventam!”, ralhou Josh Homme numa entrevista ao deparar com este rótulo indigesto!). Nenhuma banda com 3 músicos deste naipe, que são ouro maciço do mais puro quilate, merece ser rotulada como “projeto paralelo” (no sentido de algo secundário e periférico em relação às “bandas centrais”). E certamente o Crooked Vultures não está sendo vista assim (como um mero “projetinho de lazer”) por nenhum de seus integrantes.

Dave Grohl e Josh Homme já são amigos de longa data – tanto que já tocaram juntos em Songs For The Deaf, álbum de 2002 do Queens. Os dois já tinham combinado faz tempo que trampariam juntos “assim que os calendários batessem” e parecem muito empolgados com a chegada deste momento. Mas não parecem ser camaradas daqueles que se zoam por serem uns cuzões, mas muito mais do estilo “lendas vivas que se respeitam”.

E talvez seja preciso ser músico para entender o tesão quase sexual que Josh e Dave devem sentir ao pensar: “bloody hell, 'tamos tocando com o cara do Led Zeppelin!” Mas o imenso prazer de estarem juntos, que transparece claramente no álbum, certamente não apaga a “responsa” que uma união destas carrega. E eles não fugiram dela, nem deixaram de honrá-la: este é certamente um dos discos de estréia mais responsa da década. E já nos faz começar a torcer para que não seja o único.

A sensação que fica, logo às primeiras ouvidas, é que eles quiseram fazer algo clássico, o que é irrealizável sem que se tome certos riscos e sem que se negue a trilhar as estradas mais fáceis. E é bem provável que o tenham realizado: não temos ainda o veredito da história, que só as décadas futuras darão, mas este é o tipo de álbum que causa um terremoto tamanho quando o ouvimos as primeira vezes que soltamos expressões exageradas (“clássico instantâneo!”) achando que são as únicas “mots justes” que fazem juz a nosso entusiasmo...


Que Josh Homme é um mago-das-guitarras dum punch fenomenal já sabemos faz tempo. Desde sua puberdade no Kyuss, quando mal tinha pêlos no saco mas já era dono do ampli mais diabólico do deserto, Homme vêm reinventando o instrumento como poucos músicos vivos. Mas neste álbum ele se supera: passeia por riffs, licks, hooks e solos com tamanha verve e feeling que mereceria o apelido de Capitão Gancho – como bem sabe quem foi “enganchado” por “New Fang”, o excelente primeiro single.

“Elephants” é mais mastodôntica que qualquer coisa que Jack White já tenha feito – e pesa, sozinha, toneladas mais do que o clássico álbum dos White Stripes. Quem curte o tal do “heavy metal inteligente” (andam dizendo que isso existe...), certamente irá se esbaldar com esta sonzeira que remete ao stoner-rock das antigas ao mesmo tempo que pisca os olhos para o Mastodon ou para o Converge, celebradas bandas do novo metal.

Já “Scumbag Blues” nos leva para um chapado rolê pelo lado mais noisy dos anos 60, evocando o Cream e o Blue Cheer, com a tecladeira de Jones e a cantoria à la Jack Bruce de Homme tornando-a uma pepita digna de figurar no Disraeli Gears.

Inúmeras provas se encontram neste álbum matador de que Josh Homme não está interessado em desfilar seu virtuosismo como fazem os estranguladores-de-peru profissionais, à maneira de Steve Vai e Malmsteen. Homme é um músico econômico, conciso e preciso. O que não impede seu som de ser luxurioso e sofisticado, ao mesmo tempo robótico e dançante, pesado mas cheio de groove, e que vai transando com perfeita química com as linhas de Jones e a batera de Grohl. Por todo canto do álbum estão “ganchos” irresistíveis que certamente seriam aprovados por Jimmy Page, Angus Young ou Keith Richards – e que nós, reles mortais, também ouvimos com a plena empolgação de nossos pescoços head-bangantes e nossas air-guitars esporradas.


Ouçam o solo matador de “Warsaw”, que mais parece uma gaita harmônica que atravessa um pedal wah-wah, e tentem não pirar com a molecagem esperta de Homme. Eis um guitarrista que brilha ao apostar na simplicidade memorável muito mais do que na complexidade dispersiva. Ele costuma centra foco em sequências breves de notas, que entram numa espécie de loop, tão cativantes e memoráveis que voltam para assombrar nossas insônias ou nossas filas-de-espera. O efeito é chapante, sublime, mortífero!

Até suspeito que daqui a algumas décadas, quando os historiadores da guitarra olharem para trás tentando encontrar, nesta década que se acaba, os grandes inovadores e subversores das 6 cordas, talvez os encontrem principalmente em Homme e Frusciante.

Como vocalista, Josh também mostra-se cada dia melhor e mais confiante: sua voz soa expressiva, agradável e cool. Ele nada têm das frescurites e exibições-de-culhão de muitos “cantores de rock pesado” (não está tentando ser Dio ou Dickinson, e nem tem potência de voz pra isso); mas criou um estilo vocal próprio e que mostra-se a cada dia mais versátil. Quando o esporro se acalma, pode-se ouvir mais claramente toda a beleza do seu canto - como acontece em vários momentos da power-balada “Bandoliers”, onde ouvem-se claramente as lições que aprendeu com seu camarada Mark Lanegan. Decerto que falta a Josh o vozeirão rouco e sujo-de-uísque que o vocalista do Screaming Trees emprestou a algumas sublimes músicas do Queens, mas a imitação/homenagem que ele faz a Lanegan é digníssima. Até seu “ataque” vocal mostra-se capaz de ferocidades quase juvenis: como quando canta “Reptiles” ou declama, no maior gás, o refrão in-bloomesco de “Mind Eraser, No Chaser”.

As letras, também, estão excelentes – ainda que grande parte dos ouvintes “passe batido” por elas, sem entendê-las, por serem altamente crípticas e misteriosas. Josh parece estar escrevendo uma poesia suja e contracultural que nos faz suspeitar de uma certa influência de Brody Dalle, a líder dos Distillers com quem Josh é casado e têm uma filha. "I know how to burn with passion / Hold nothing back for future raction!”, canta Josh logo na primeira canção do Crooked Vultures, “No One Loves Me & Neither Do I”. E o ouvinte acredita plenamente que está, sim, frente a um homem que sabe arder de paixão e que não poupa nada para usar no futuro. “Use me up! Use me up!”

“I know how to get lost in lust / Not because you should, but because you must”, canta ainda Josh, soando deliciosamente herético nesta celebração da luxúria como um “must” (o que já ficava claro no magnífico videoclipe de “Go With The Flow”, do Queens, uma das mais acachapantes experiências sensoriais em clip da década!). Provando que hedonismo não é futilidade nem ignorância, Josh canta a beleza da entrega ao oceano de sensações da vida. Não acho que seria exagero dizer que é uma inversão de valores a que ele vem proclamando, quase nieztschianamente: um apelo para que Dionísio, com guitarras em punho, levante-se contra o Apolo e seu séquito de almofadinhas, coroinhas e salta-pocinhas!

“Innocence has no resistance / Against a wicked counselor / Such as I am”, canta em “Scumbag Blues”, brincando de ser uma “tentação encarnada” à qual “inocente” algum saberá resistir. Mais à frente, na música em que cria o brilhante neologismo com o cruzamento entre “amor” e “Calígula”, canta: “Darling, there are no taboos in lust!” Já na música dedicada a seus amigos-rua-sem-saída (ótima expressão, aliás!), garante: “Law is just a myth to herd us off the cliff”.

É como se a “luxúria”, que o mundo careta sempre insistiu em considerar pecaminosa, e que o cristianismo transformou em crime e os padres nos proibiram através de mitos (“law is just a myth...”), é celebrada e transformada em musa por esta luxuriosa entidade artística que são os Crooked Vultures. Este estilo-de-vida que entrega-se às “misérias da carne” e aos sujíssimos “prazeres dos sentidos”, como dizem os chatos-de-galocha de todos-os-tempos, é retirada do opróbrio e alçada a um trono. Para o Crooked Vultures, viver de verdade é abrir as portas da percepção, vastamente, ao tumultuoso e luxuriante universo das sensações. Não para se perder “futilmente” nelas, é claro, já que por trás de tudo há um profundo “sentimento de missão” que Josh canta faz tempo – como naquele seu verso clássico do Queens, em “Go With the Flow”: “I want something good to die for / To make it beautiful to live”.



Se há uma certa influência da lírica sombria característica do grunge, tanto no Queens quanto no Crooked Vultures, isto é sempre transcendido e superado: eles jamais estacionam nas sombras. Vejam, por exemplo, que há escondida nos meios de “Elephants” um momento de trevas quase soundgardenianas, que remetem a “Black Hole Sun” ou mesmo a “Crown of Love”, do Arcade Fire. Mas o interlúdio sombrio está lá só para que no momento seguinte uma imensa onda afogue o desânimo com carradas de entusiasmo. Josh canta: “No, I can never stay melancholy for long / I've got the memory of your face” [ Não posso permanecer melancólico por muito tempo / Possuo a memória do teu rosto]. Ao fim desta música, Homme celebra sua própria mutabilidade eterna e sua imunidade contra a melancolia - e conclui com o genial verso/corruptela: “I can never stay anything for long”.

Nem tudo é perfeito neste álbum genial, porém. Muitos ouvintes acharão “Interlude With Ludes” de um experimentalismo meio mala e torcerão para que o esporro rocker retorne logo. Já “Caligulove”, com seu jeito canhastrão, é uma das poucas músicas onde a lírica joshiana, sempre tão criativa e afiada, soa um pouco afeita à clichês: “I don't need a reason, baby / Put your arms around me”, canta Josh, parecendo um Al Green sedento por um let's-stay-together (ao menos por esta noite!). O clima é quase de pornografia e perversão – bem ao estilo do filme de Tinto Brass que “celebra” a devassidão de Roma sob o império de Calígula...

É uma safadeza que remete a uma das músicas recentes mais charmosas do Queens: “I Wanna Make It Witchu” - na qual o “it” do “make it” não refere-se, certamente, a jogar xadrez ou dominó. Talvez sejam estas as piores música do disco, mas isto não as desqualifica – do mesmo modo que ser a pior música de Nevermind ou Back In Black é coisa digníssima, ser a pior música do Crooked Vultures é ainda ser uma bela coisa. Sem falar que músicas que se chamam “Interlude With Ludes” e “Caligulove” não tem a mínima necessidade de serem boas: títulos tão sensacionais dispensam as músicas de quaisquer outros deveres!



Pra Josh Homme, não há sentido em ter uma banda se não for para fazer a música que você sempre quis ouvir. A música que te dá tesão, que te causa uma ereção, que é vulcão em erupção! Ele mesmo descreve seus objetivos nestes termos: sempre tentou compor álbuns que ele mesmo gostaria de pôr no som ou na vitrola e curtir adoidado. Os discos do Kyuss? Ele garante que os ouve direto – e os adora. Resume seu evangelho numa fórmula magistral: “Make your favorite music or go fuck yourself”.

Concepção que Dave Grohl também deve ter abraçado em muitas fases de sua vida, e que talvez tenha perdido um pouco sendo um rock star do mainstream à frente dos Foo Fighters, mas que ele certamente recupera neste “retorno-ao-autêntico” que dá com o Crooked Vultures. A sensação que temos é que Grohl toca bateria, neste disco, como se estivesse redescobrindo o que é o verdadeiro rock and roll. Ele não somente é extremamente preciso; toca com entusiasmo, fazendo a bateria parecer algo vivo e pulsante, e não um ritmado mecânico que algum robô poderia imitar. Dave Grohl toca como nenhuma bateria eletrônica existente do mundo, ou que venha a ser inventada, é capaz de fazer: injetando vida no ritmo e expressão às pancadas.

E Jones? Ele, que nos últimos anos andou produzindo loucuras de Diamanda Galas e dos Butthole Surfers, parece aqui reencontrar... sim! os tempos de rock and roll em plena curtição que viveu com o Led Zeppelin! E estou longe de achar que ele encare este projeto como algo secundário em seu percurso como músico, como se o mais importante tivesse ficado para trás... Deve ser também pra ele um grande orgulho e prazer estar fazendo um som com estes dois “moleques” que estão entre as mentes mais brilhantes do rock dos anos 90 e 00.

Os três, juntos, soam como camaradas inspirados numa jam, sim, mas não exatamente “descompromissada”: uma jam dentro da qual todos os participantes sentem que estão prestes a criar algo seminal. Neste sentido, os Crooked Vultures podem até ser vistos como dotados de um certo espírito “jazzístico”, já que no jazz os “super grupos” existem de longa data: pensem no exemplo supremo e clássico absoluto, Kind Of Blue, que reuniu Miles Davis, John Coltrane, Cannonball Adderley e Bill Evans!

“Can't afford to lose my cool”, canta Josh em “Warsaw”. Mas o Crooked Vultures não conseguiria perder o cool nem se tentasse. Como ensinavam os Sonics, banda garageira dos anos 60, que Homme certamente curtiu muito, estes caras conseguem numa bowa conquistar a virtude do roqueiro veterano: ir maintaining his cool. O que ouve-se em todos estes 66 minutos do debut dos Crooked Vultures é uma banda que não têm ansiedades neuróticas nem exibicionismos narcísicos – e que por isso soa desencanada e poderosa, original e aventureira, cheia de entusiasmo e frescor, na curtição suprema de um rock and roll fodástico. O resultado é um discaço estupendo, que emerge dos lodaçais do pop como um monstro do pântano, contendo uma concentração rocker explosiva e intensa, coquetel perfeito para encerrar a década com um esporro impecável.


sexta-feira, 20 de novembro de 2009

:: The Evil Powers Of Rock'n'Roll ::



OS PODERES MALÉVOLOS
DO ROCK AND ROLL


- Celebradores das drogas, do barulho e de Satã, os punks-caipiras alucinados do Supersuckers desembarcam no Brasil como headliners do Goiânia Noise 2009 -

por Eduardo Carli de Moraes


Há bandas pra quem o rótulo "sex, drugs and rock'n'roll" não presta: é muito suave e comportadinho... Seria preciso dizer wild sex, heavy drugs and kick-ass rock'n'fucking'roll (agora sim!). No caso dos malucos do Supersuckers, bandinha selvagem e sacrílega como o capeta, a música não precisa ser nada além de uma festa de arromba. Pra eles, os excessos e a luxúria são lei - e a moderação, uma bobagem. Na Bíblia eles botam fogo; só seguem o que disseram os profetas de Mate-me Por Favor!.

Ratos do deserto, como era o Kyuss, o Supersuckers começou a levantar poeira em Tucson (Arizona) com seu cruzamento de punk-rock com country e rockabilly ainda nos anos 80. Profetizando que algo quente estava para acontecer no Noroeste americano, mudaram-se para Seattle, onde lançaram via Sub Pop o debut The Smoke of Hell (1992), com capa desenhada pelo guru-das-HQs Daniel Clowes. Na sequência, lançaram seus grandes álbuns noventistas, La Mano Cornuda (1994) e The Sacrilicious Sounds (1995), injetando hedonismo e sacanagem em doses cavalares no choroso e lúgubre cenário do grunge.

A simplicidade furiosa do ataque rocker remete a Cramps, Ramones, Undertones, Butthole Surfers, Reverend Horton Heat ou Rocket From the Crypt. Já uma certa pitadinha de hard-rock os aproxima do som dum Hellacopters ou dum Sahara Hotnights. Além disso, uma certa paixão pela música de raiz americana os transforma nesta coisa bizarra: punks que são fãs de Willie Nelson! (E que já gravaram um álbum inteiro de "country" em Must've Been High). "O Supersuckers – cujos ecos hoje podem ser encontrados em algumas bandas brasileiras, como Matanza e Forgotten Boys – ensina com perfeição como assimilar influências interioranas (no caso, um pé no country e outro no billy) sem perder peso e viço", escreve o Abonico R. Smith.


Os Suckers meio que seguem o evangelho de Jagger e Richards : "I know it's only rock and roll - but I like it!" Têm nomes artísticos estúpidos e hilários, que parecem ter sido inventados por um adolescente chapado duns 11 ou 12 anos (que tal um vocalista que se chama Eddie Spaghetti?!?). Eles têm fama de serem uns machistas nojentos, que tratam as mulheres como bonecas infláveis ou vadias - tanto que fizeram por merecer o rótulo de "whitrash". Pra curar ressaca, continuam bebendo, e só param quando desmaiam. Eles falam grosso, arrotam alto, peidam em público e escarram no chão, à entrada do saloon. Já assistiram todos os filmes de John Wayne e adorariam que ele tivesse vivido para ser dirigido por Quentin Tarantino. Não tem a mínima misericórdia pela saúde de nossos pobres tímpanos e só querem saber de viver uma "kick-ass life".

Esses suckers, que se auto-celebram narcisicamente como a banda de rock and roll mais foda do planeta, querem mais é conduzir seus ouvintes a atos de devassidão e alcoolismo, enquanto garfam as groupies e fazem canções de apologia ao pó e à marijuana não-viciante - sempre tocando turbinados por all kinds of booze... Em suma: uns docinhos de meninos, orgulho da mamãe!

E o melhor: eles estão vindo nos visitar... Arrumemos a casa, brazilians! Ou melhor: nos preparemos para tê-la destruída!...

* * * * *

INFO: A banda é a grande atração internacional do 15º Goiânia Noise, que ocorre dos dias 25 a 29 de Novembro, contando ainda com a presença do Dirty Projectors, Hermeto Pascoal, Móveis Coloniais de Acaju, Mercenárias, Bang Bang Babies, Sapatos Bicolores, The Name, entre muitos outros. Depredando estará lá cobrindo! O Supersuckers toca no dia 27/11, no Centro Cultural Martin Cererê (Rua 94-A, Setor Sul), com abertura dos chilenos do Guiso, dos gaúchos do Walverdes e dos goianos do MQN. O ingresso antecipado sai por 20 pilas; já o passaporte para assistir o festival inteiro morre por 50 continhos. A banda ainda toca em Sampa, no Clash Club (Rua Barra Funda, 969), no dia 28/11, às 20h - R$70 na porta, R$ 50 antecipado.

Nóóóise!


1992 - Smoke Of Hell


1994 - La Mano Cornuda
1995 - The Sacrilicious Sounds...




1999 - The Evil Powers Of Rock'n'Roll

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

:: café & tv em marrocos ::

Ferramentas – Efeitos – Blur. Foi mais ou menos assim que conheci a banda de Damon Albarn, brincando de destruir jotapegues no Photoshop. Incrível como a onipresente Adobe – que hoje em dia é como a Bosch, faz de carros a ímãs de geladeira – não o processou por uso indevido do nome da ferramenta. “Embaçado”, ouvi dizer na rua um jovem rico em léxico e temerário em traduções livres. Pois bem: empolgado com a canção número dois, comecei a me jogar contra a parede, com toda a força, como se estivesse praticando alguma espécie de le parkour indoor. Melhor, inroom. A cama atrapalhou um pouco, principalmente antes de eu ter a idéia de pregá-la na parede, para amortecer as pancadas. Quase nenhum tempo passado disso, abri a geladeira e abri uma caixa de suco de laranja. Não tomo leite. Estampada atrás na caixa, havia a foto de um grande amigo meu, desaparecido e ao mesmo tempo funcionário do mês em uma grande loja de departamentos. Parece mentira, mas depois disso, aconteceu a coisa mais surreal da minha vida. Fui até a tal grande loja de departamentos, e lá havia uma piscina de lona, vários discos jogados, aleatórios, sortidos e redundantes, por apenas uma nota de dinheiro, das vermelhas. E lá jogado havia um Think Tank. Grande amigo? Que grande amigo?

DOWNLOAD (52 mb)
http://www.4shared.com/file/113183417/573395e4/Blur_-_Think_Tank.html?s=1

domingo, 15 de novembro de 2009

:: sôdade matadera ::

:: Ó PEDAÇO DE MIM ::
Canções Sobre a Saudade
por Eduardo Carli de Moraes

"Ó pedaço de mim, ó metade exilada de mim..."
(Chico Buarque)


O sentimento talvez seja universal; mas a palavra para dizê-lo é um dos privilégios e orgulhos maiores do idioma lusitano. Tradutores gringos suam sangue tentando vertê-la para outras línguas e acabam classificando-a entre os vocábulos mais intraduzíveis que já encararam. Quem já não ouviu algum falante do purtuguês se vangloriando de que não se encontra equivalente de "saudade" nas outras línguas, mesmo as mais chiques? Os ingleses dizem "i miss you", mas não há nisso nem um grão de poesia ou lirismo... E os frances, coitados, só têm um verbinho manco, quase perneta: "manquer". Como é que se viram, os gringos, não tendo palavra pra dizer duma paixão d'alma tão fundamental? É, Riobaldo, pra "muita coisa importante falta nome"!

A saudade é um galho da árvore da solidão: segundo tio Aurélio, vem do latim solitate (soledade, solidão...). É a "lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de tornar a vê-las ou possuí-las; nostalgia". Como aqui: “Saudade! és a ressonância / De uma cantiga sentida, / Que, embalando a nossa infância, / Nos segue por toda a vida!” (Da Costa e Silva, Pandora, p. 83).

É isto de estar no presente como se está no exílio, tendo o passado o sabor de pátria, de ninho, de mãe. Ou a poética alegria de quem espia, com o olho da mente, suas caixinhas de recordações e álbuns de fotografia, agradecido pelo vivido, fiel ao memorizado. Ou este desejo de retorno aos instantes tão doces e memoráveis que quer-se revivê-los num eterno replay. É possível até ter saudade de coisas que nunca se teve e de lugares que não existem (quanta Bandeira não tinha de Pasárgada!).

É este misterioso sentimento que faz com que se apague toda a imensidão cósmica que temos diante dos sentidos e faz com que a consciência e o desejo se lancem de cabeça, numa doida vontade de outro tempo e outro lugar, onde o coração tem seu sustento e seu alimento - far far away... O sábio jagunço Riobaldo já sabia: "tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data." (Grande Sertão: Veredas, pg. 78, José Olympio, 6a ed).

Há saudades alegres, nostalgias que deleitam, passados perdidos que trazem aos olhos lágrimas de felicidade... Num gingado cheio de malandragem, Chico Buarque chega relatando suas memórias da mocidade, cheia de "prazeres moleques", numa das mais hilárias canções da Ópera do Malandro. "Ai, que saudades que eu tenho dos meus 12 anos, que saudade ingrata! / Dar banda por aí, fazendo grandes planos e chutando lata. / Trocando figurinha, matando passarinho, colecionando minhoca. / Jogando muito botão, rodopiando pião, fazendo troca-troca. // Ai, que saudades que eu tenho duma travessura, um futebol de rua. / Sair pulando muro, olhando fechadura e vendo mulher nua. / Comendo fruta no pé, chupando picolé, pé-de-moleque, paçoca. / E disputando troféu, guerra de pipa no céu, concurso de pipoca...". É Chico brincando de Amélie Poulain!

Sobre "Chega de Saudade" nem é preciso falar muito: o marco-zero da bossa-nova, primeiro hit do jovem João Gilberto, já foi mil vezes regravada (inclusive pelos bã-bã-bãs Tom Jobim e Vinícius de Moraes) e está entre as mais conhecidas pérolas do cancioneiro popular brazuca. Quem é que não sabe cantar? "Pra acabar com esse negócio de você viver longe de mim...". Este clássico é tão clássico que o trazemos aqui em duplinha: primeiro, a versão tropicalista-carnavalesta de Rogério Duprat; depois, a de João.

O trompete choroso, cálido e acarinhante de Chet Baker destila saudosas notas também no lindo cool-jazz "There Will Never Be Another You". Aqui, a mulher amada e perdida é vista como insubstituível e inesquecível (como naquela outra: "unforgetable, in every way..."): "There may be other lips that I may kiss / But they won't thrill me like yours used to do / I may dream a million dreams / But how can they come true / When there will never ever be another you?" Canção de apaixonado, que sente a falta de sua preciosidade maior, na falta e na ausência do que é, para si, o melhor. Comovente na sussidão como só Chet calha de conseguir...


Músicas em tributo aos mortos também saem, por vezes, saudosíssimas. É o caso da homenagem prestada por Chris Cornell ao finado Jeff Buckley em "Wave Goodbye", um dos destaques do excelente álbum solo de estréia do gogó fenomenal que berrava no Soundgarden e no Audioslave, Euphoria Morning. Feita como se fosse para descer, como uma borboleta no escafandro, Mississipi abaixo, para encontrar o cadáver de Jeff ali, no fundo do rio do blues. A poesia de Cornell poucas vezes esteve tão afiada, e poucas de suas canções soam mais comoventes e sinceras. Tanto que jamais ouvi de ninguém qualquer tipo de ironia sugerindo um "crush" homossexual entre estes dois. Rilke dizia: "Desça até bem fundo: a ironia não chega até lá...". É o que Chris fez nesta matadora canção-de-amor e adeus à Jeff Buckley:


Every hurtful thing you ever said
Is ringing in your ears
(When you miss somebody)

And every thing of beauty that you see
Only brings a tear
(When you miss somebody)

You tell yourself everything will be allright
Try to stand up strong and brave,
when all you wanna do
Is lay down and die.


Pra não dizer que não falamos em blues... Quer material mais propício para uma dolorenta blueseira do que estar "homesick" ou "missing someone"? É ela, a saudade, o combustível da sensacional "It Hurt So Bad", de Susan Tedeschi, que entrega-se a uma performance vocal tão apaixonada e catártica que é difícil não compará-la à ferocidade de Janis Joplin. Aqui o aspecto sexual se intensifica, já que Susan descreve em seguidos versos todas as sensações corporais deleitosas de que sente falta: "I miss the arms that used to hold me / The tender way we used to kiss / I miss the way that you touch me / I miss the sweet taste of your lips...". Tudo isto entregue com tamanha catarse, num jorro de emoção tão autêntica, que trará lágrimas de excitação aos que abrirem seus tímpanos. E, no finalzinho, putzgrila... que gemidos! Que urros! Que fenômeno não deve ser essa mulher na cama!...

A melancolia chega perto de transbordar o cálice, e afogar o pobre ouvinte, na melodramática e carregada "Lonesome Tears", canção da fase mais "down" de Beck. Pelos idos de 2002, o menino Hansen terminou um relacionamento amoroso de mais de 10 anos; na tentativa de curar suas feridas, exorcizar seus demônios, transformar em canto suas memórias, compôs um dos álbuns mais sublimes e tristes de sua carreira: Sea Change.

Aqui as "lágrimas solitárias" já secaram, já foram reconhecidas como inúteis e ruinosas, e agora sobrou o desejo de "apagar" certos dias - talvez por terem sido bons demais e, por isso, insuportáveis demais quando não se tem ao lado a pessoa com que foram vividos. "I'll try to leave behind some days / These tears just can't erase / I don't need them anymore". Ao mesmo tempo sofrida e estóica, aflita e resignada, a canção traz Beck falando sobre a mutabilidade eterna dos assuntos do coração: "How could this world, ever-turning, never turn its eye on me? // How could this love, ever-changing, never change the way I feel?"

Mas a melancolia beckiana ainda encontra uma certa redenção no crescendo musical que ergue tão tristes sensações a um nível sublime... Já a melancolia de "Pedaço de Mim", uma das mais dilacerantes baladas da música brasileira, é de um pesadume quase insustentável: Chico nos recusa qualquer consolo. Aqui, o clima é mais de luto, de perda irreparável, de coração mutilado, do que de uma falta remediável. A saudade, aqui, é o "pior tormento" - "é pior que o esquecimento...". É uma saudade que lateja tanto, que sangra tanto por dentro, que quer-se, de qualquer modo, desfazer-se dela: "não quero levar comigo a mortalha do amor...". O clima é mais de "Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças": uma memória purulenta que, se se pudesse, ter-se-ia cirurgicamente removida...

Aqui estão em foco as saudades impossíveis: a falta de alguém que já morreu, ou daquilo que já se perdeu e sabe-se que não se reencontrará. "A saudade é o revés de um parto... / A saudade é arrumar o quarto / Do filho que já morreu". Triste sentimento da espera inútil, do desejo vão, daqueles que ficam no porto, de olhos molhados, a fitar o horizonte, sempre em vão: "A saudade dói como um barco / Que aos poucos descreve um arco / E evita atracar no cais...".

Marcelo Camelo, um dos mais ilustres discípulos buarquistas, também arriscou-se num território onde Chico foi mestre. Disfarçadamente, o ex-Los Hermano começa "Veja Bem, Meu Bem" fingindo que se trata de uma música de traição e de abandono: diz pra moça que sente muito por informar, mas que arranjou outro alguém pra lhe confortar, uma ajuda pra passar pelos dias ruins... "Pois a solidão deixa o coração neste leva-e-traz...". Na brilhância dessa narrativa, cabe espaço para uma "reviravolta", uma espécie de "final surpresa", bem ao modo de filmes fodásticos como Os Suspeitos ou Seven. "Se eu te troquei, não foi por maldade / Amor veja bem, arranjei alguém / Chamado saudade..." O efeito é maior quando se ouve pela primeira vez, decerto, mas continua presente nas outras ouvidas.

Ecoando as metáforas de Chico em "Pedaço de Mim", Camelo novamente evoca situações náuticas para descrever seu desalento na espera: "Enquanto isso, navegando eu vou sem paz / Sem ter um porto, quase morto, sem um cais...". Não é surpresa que tantos barcos e navegações apareçam como fantasmagorias poéticas nas canções nacionais sobre a saudade: suspeita-se que o vocábulo "pegou" mesmo quando os portugas pós-Cabral começaram a cruzar os oceanos, aportando inclusive na terra do pau-brasil, e começaram a sentir aquele "sôdade matadera" de que fala Caymmi. A saudade é um estar-a-navegar longe de casa, sem terra à vista, numa canoa embalada pelas tristonhas ondas da esperança...

E pra não acusarem a saudade de ser um sentimento pequeno burguês, de gente que só sabe levar em conta a esfera privada, ouçamos um das mais lindas baladas do Grandaddy, a banda mais saudosa do mundo hi-tech. Jason Lytle e seus comparsas do Vôvozinho, em toda sua obra, manifestaram a falta que faz o idílico mundo anterior à Era da Informática - antes dos ares-condicionados nas matas e dos aviões comandados por robôs. "Crystal Lake", talvez a mais bela música da banda, é nostalgia bruta, embalada por um desejo místico de retornar ao "lago de cristal", para longe desta frenética zona criada pelo homem moderno e sua sinfonia de celulares, PCs e ciborgues: "Should never have left the crystal lake / For areas where trees are fake / And dogs are dead with broken hearts / Collapsing by the coffee carts...".



Pra que não falem que francês não manja nada desta doença do coração manco (un coeur que manque...) ouçam a primeira-dama da terra de Napoleão, a esposa de Sarkozy, a musa Carla Bruni. Em "Tout le Monde", de seu disco de estréia, ela alça vôo para uma generalização sobre a humanidade: "todo mundo tem uma infância que ressoa no fundo de um bolso esquecido", canta ela, além de "restos de sonhos e cantos de vida devastados". E ela pede que reclamemos junto às autoridades uma lei que impeça que pessoa alguma possa ser esquecida: "...que personne ne soit oublié!"

E já que a saudade não é somente musical, mas altamente cinematográfica, ouçam "As Time Goes By", pra lembrar de Casablanca e do dueto mágico de Bogart e Bergman: o modo com uma memória que é ferida e mágoa, ao passar por uma cirurgia a dois, torna-se gratidão e doçura. "We'll always have Paris..."

Haveriam dúzias de outras que poderiam figurar aqui, nesta humilde coletinha. Mas ela não pretende ser nada mais que uma seleção subjetiva, eclética e viajante, centrada nas que mais tocam aqui nos meus tímpanos, que mais me tocam o coração, sem outra razão para serem gostadas fora o serem ótimas descrições da vida, em tantos de seus momentos... Pra terminar, passo a palavra a um que muito bem soube sofrer e cantar as amargas doçuras da sôdade matadera:


Meus caros, volta-se porque se tem saudade
Porque se foi feliz intimamente
Volta-se porque se tocou num inocente
E porque se encontrou tranquilidade

A despeito da vida que acorrente
Volta-se, volta-se para a sinceridade
Volta-se sempre, tarde ou de repente
Na alegria ou na infelicidade.

E nada como esse apelo da lembrança
Pra se transfigurar numa esperança
Essa desolação que uma alma teve

Assim é que, partindo, eu vou levando
Toda a desolação de um até quando
Num ardente desejo de até breve.

(Vinícius de Moraes)




TRACKLIST:

01. ROGÉRIO DUPRAT, Chega de Saudade
02. JOÃO GILBERTO, Chega de Saudade
03. CHICO BUARQUE, Doze Anos
04. CHET BAKER, There Will Never Be Another You
05. SUSAN TEDESCHI, It Hurt So Bad
06. CHRIS CORNELL, Wave Goodbye
07. LOS HERMANOS, Veja Bem Meu Bem
08. BECK, Lonesome Tears
09. GRANDADDY, The Crystal Lake
10. CARLA BRUNI, Tout Le Monde
11. CASABLANCA SOUNDTRACK, As Time Goes By
12. CHICO BUARQUE, Pedaço de Mim

terça-feira, 10 de novembro de 2009

:: Yael Naïm ::


:: UNE VOIX TRÈS JOLIE! ::

A talentosa francesa Yael Naim desembarca
em Sampa para 3 imperdíveis shows



"I'm a new soul, I came to this strange world
Hoping I could learn a bit bout how to give and take
But since I came here, felt the joy and the fear
Finding myself making every possible mistake..."



Nascida em Paris uns 30 anos atrás, de pais tunisianos, ela foi criada em Israel, numa cidadezinha perto de Tel Aviv, onde fez 10 anos de aula de piano clássico, cantou em bandas militares e furou seus LPs dos Beatles, da Aretha Franklin e da Joni Mitchell de tanto ouvi-los. Em 2000, visitando sua Paris natal, chamou a atenção de produtores e, instantes depois, tinha um contrato assinado com a EMI para o lançamento de seu álbum de estréia, In a Man's Womb (de 2001). Ela mesma considera seu debut um começo de carreira desapontador e que gerou anos de silêncio - até que ela tomasse coragem para sua nova aventura musical. Retornando em 2007, neste disco gravado com a ajuda do multi-instrumentista David Donatien, Yael Naim finalmente encontrou sua voz e um grande sucesso: na França, por exemplo, chegou no topo da paradas de discos vendidos, façanha enorme para um álbum cheio de canções em hebraico! O grande hit do álbum, a irresistível e linda baladinha feliz "New Soul", foi usada num comercial da Apple; e a publicidade, nesse caso, serviu para bombar uma artista que bem merecia ser mais conhecida. Outro destaque do álbum é a corajosa cover de "Toxic", de Britney Spears, que, sem brincadeira, ficou um primor! Neste adorável álbum, essa guria franco-israelita cometeu uma pequena obra-prima, uma bolachinha que leva a sussidade e a suavidade a graus de beleza que não víamos desde In Between Dreams, do Jack Johnson. Certas semelhanças podem ser apontadas com o som da Feist, da Tori Amos ou da Joni Mitchell, mas Yael Naïm tem um sabor todo próprio e viaja num universo bem pessoal; isso é world music de crásse!

"It was when I was really young that I sincerely believed to be an old soul reincarnated and I could even say it gave me a sense of superiority over others. But then as I subsequently did everything the wrong way round I concluded that it was actually my first time on earth and that I should learn to be a more humble..." - YAEL NAÏM

DOWNLOAD (192 kps, 70MB):


A moça faz shows em São Paulo nesta semana, no Bourbon Street (Terça, 10/11, R$ 55) e no SESC Pinheiros (Quinta, 12/11, e Sexta, 13/11, sempre às 21h, R$20) como parte dos eventos do Ano da França no Brasil. Corram que os ingressos estão se esgotando! Depredando recomenda também, a quem for vê-la no SESC, que cole um pouco mais cedo e confira a exposição de fotos de Henri Cartier-Bresson, um dos mais geniais fotógrafos franceses.


segunda-feira, 9 de novembro de 2009

::THE 13TH FLOOR ELEVATORS::


The Psychedelic Sounds of the 13th Floor Elevators (1966)

Do livro “1001 Discos para Ouvir Antes de Morrer”


Aclamados em Austin, no Texas, os Elevators já tinham feito shows em São Francisco antes de o movimento psicodélico ganhar importância. Depois, foi preciso ameaça-los com a suspensão do contrato para que voltassem a Austin e gravassem o que seria o primeiro disco de acid rock. O álbum vendeu surpreendentemente bem, graças, em parte, ao sucesso do single lançado um pouco antes, o sarcástico clássico do garage “You´re Gonna Miss Me”, que chegou ao 55º lugar na parada da Billdoard.


Ao promover abertamente os benefícios dos alucinógenos na capa do disco, a banda nunca se tornaria querida pelas autoridades; a polícia do Texas chegou a desmantelar o equipamento do grupo à procura de drogas. “A busca da sanidade em seu estado puro... forma a base das músicas deste álbum”, diz a contracapa, mas a mistura de rock de garagem com R&B nele contida é tudo, menos saudável. “Reverberation (Doubt)” e “Tried to Hide” são de um rock intenso, enquanto “Roller Coaster” e “Fire Engine” têm um tom sombrio e lúgubre. O líder Roky Erickson uiva como se estivesse possuído e os sons alienígenas do jug elétrico de Tommy Hall se somam à distorção geral característica da banda.


Os Elevators não duraram e Erickson tentou uma carreira solo (brilhante, mas irregular). Mas a lenda da banda continua viva, através de versões de grupos como o Spacemen 3 e, mais especificamente, o Primal Scream, que fez uma memorável releitura de “Slip Inside This House” (do segundo disco do Elevators, “Easter Everywhere”) em Screamadelica.

DOWNLOAD:

http://www.mediafire.com/?yyylyjddn30

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

:: warm tiny breads ::

THE SWELL SEASON - Strict Joy
[novo álbum do casal do filme 'Once - Apenas Uma Vez']


DEVENDRA BANHART - What Will Be Will Be



WOLFMOTHER - Cosmic Egg



JULIAN CASABLANCAS - Phrazes For The Young
[1o solo do vocal do Strokes]


TOM RUSSELL - Blood and Candle Smoke



BAD LIEUTENANT - Never Cry Another Tear
[novo projeto de Bernard Summer, do New Order/Joy Division]


WEEZER - Raditude

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