sexta-feira, 19 de setembro de 2008

:: Fino Coletivo ::



FINO COLETIVO


"Não diga que as estrelas estão mortas / Só porque o céu está nublado." Os versos de Wado, além de uma pérola de sabedoria popular, pode bem se aplicar ao cenário musical brasileiro, que pode parecer aos mais exigentes um panorama sombriamente nublado. Os emos espalham pelas paradas seu histérico chorôrô enjoativo via NxZero, Fresno e parentes; os dinossauros dos anos 80, como o Capital Inicial e o Ira!, se arrastam como tristes sombras do passado glorioso. Alguns mais radicais, órfãos dos Los Hermanos e revoltados contra a falta de produtividade, nos últimos tempos, de Mundo Livre S/A e Planet Hemp (bandas atualmente num limbo), podem se perguntar: que existe de bom nessa desgrama de país?

Uma das muitas respostas possíveis é: o Fino Coletivo. A banda reúne, com uma unidade que parece passe de magia, 7 artistas independentes de Alagoas e do Rio. O alagoano Wado, um dos nomes mais magistrais da MPB nesta década, veio para integrar a trupe depois do lançamento de seu 3o álbum, A Farsa do Samba Nublado. Trouxe junto um dos membros de sua banda de apoio, o Realismo Fantástico: Alvinho Cabral. Juntaram-se ao MoMo (Marcelo Frota) para umas jams, em 2005, e depois decidiram unir as turmas numa super-banda repleta de loops, grooves, suíngues, batuques e poemas coloridos.

Um coletivo é "um núcleo criativo mais descontraído, entre amigos profissionais, sem fórmulas e sem líder, mas nem por isso dispersivo", comenta Lauro Garcia em crítica para no Estado de São Paulo. "Nada daquela chateação de baladinha tecno lounge, que virou clichê de certas cantoras novatas." À semelhança da Orquestra Imperial, o Fino Coletivo também é um ajuntamento amigável de músicos engajados na estrada do groove, que se revezam nos vocais e nas composições, cometendo algo que consegue a proeza de soar ao mesmo tempo coeso e eclético.



Algumas das músicas deste disco de estréia já apareceram em discos do Wado e que ressurgem auqi em regravações sempre instigantes e pertinentes. "Tarja Preta", uma das grandes músicas de Cinema Auditivo, é um samba-funk primoroso que só não virou hit porque o Brasil não presta. Já a linda e melancólica balada "Poema de Maria Rosa" possui um sabor tão grande de autenticidade, um tom tão sincero, que não é difícil se emocionar com versos tão simples como:

E se na vida tudo não valer
Eu vou procurar você
Pra dizer que não deu certo
Nem bonito e nem correto
Mas a vida é mesmo assim.

Já "Uma Raiz, Uma Flor", do disco de estréia de Wado (Manifesto da Arte Periférica), é uma poética exaltação da Natureza que conta com criativas metáforas ("uma raiz é uma flor que despreza a fama") e versos inesquecíveis. Eles, os versos memoráveis, aliás não faltam num álbum que, apesar de não vir saturado de pretensões literárias, sempre carrega palavras que instigam. Em "Dragão", por exemplo, é com muita classe que se descreve um beijo na boca: "minha língua é um copo d'água na tua boca de dragão". Já em "Partiu Partindo", um lúdico jogo de palavras com o verbo partir e as palavras "partida" e "parte" gera quase uma música composta na língua do Pê.

"Hortelã" é pura nostalgia transformada em canção. É mais que saudade - essa tristeza pelo que se foi, essa dor de querer reencontrar o distante. Nessa pérola está espalhada a melancólica alegria de relembrar os "detalhes tão pequenos de nós dois", como diria o Robertão, em versos que montam um painel concreto de lembranças (a barra de hortelã, o sabor do chocolate, o sorvete dividido no primeiro verão, o abraço exposto na cidade, o céu laranja e o adeus do sol...). No refrão, em coro, o Fino Coletivo incentiva o ouvinte a entrar na mesma onda ("Deixa a vida lhe trazer recordações!") - e não é difícil deixar-se arrastar pela mesma corrente em direção ao passado, rememorado através de uma névoa sentimental e outonal.


Já "Tempestade", nos mergulha ainda mais numa tristeza que nos relembra de solitários urbanos que vagueiam através das multidões, inutilmente buscando algum conforto para o coração. "Eu tenho procurado amor, mas a rua é covardia", lamenta-se o eu-lírico. Um pouco de luz, porém, entra numa canção que, sem ela, seria perto de sufocante: "Eu tenho pouco amor. Mas o pouco é alegria."

Mas é aí que está o elemento idiossincrático do Fino Coletivo: uma banda que consegue soar tão triste em algumas músicas, pula rapidinho para sonoridades festeiras e alegres. "Mão na Luva", por exemplo, é quase um pagodão, levada no cavaquinho e repleta dos clichêzaços "laiá-laiás". Essa música irresistível não faria feio tocando nas rádios do povão ou animando o sambão na favela. A diferença é que certos beats eletrônicos e uma finesse poética transformam o que poderia ser sonoridade vulgar em material fino. Até o mais radical e enfurecido odiador das pragas como Só Para Contrariar, Raça Negra, Molejo e Exaltasamba, que assombraram nossas infâncias, pode se pegar irrestivelmente curtindo, pasmem, um pagodão. A música é uma divertida descrição de um personagem briguento, zicado e que não sabe andar na linha: "Só bate o prego onde a madeira racha / Se mete pedra é pra quebrar vidraça / Erva daninha do jardim. / E fecha a mão / É de briga em briga, é de graça / E errado ou com razão / Não se importa com a questão / Se é mentira ou se é trapaça."

Um disco ao mesmo tempo balançante e sóbrio, melancólico e afirmativo, nublado aqui e ensolarado acolá - prova de este coletivo sabe passear finamente por todas as cores do arco-íris musical e sentimental. E, como diz um célebre verso de Wado, isso é música pra quem tira aprendizado e alegria do que também não é bom.


DOWNLOAD:

http://www.mediafire.com/?7v8zthdzrzt
(mp3 de 192kps,12 músicas, 38min, 52MB)

Um comentário:

Anônimo disse...

Opa, parabéns pelo blog. Tem muita coisa boa, e teu esforço é muito válido