terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

"A arte de realizar o impossível" (Grito Rock Goiânia 2013)



"Aqueles que não sabiam que era impossível, foram lá e fizeram!" – celebrou Pablo Capilé, uma das lideranças do Fora do Eixo, durante os encontros do último Canto da Primavera, em Pirenópolis (GO). A frase de Capilé, que parafraseou um verso do artista francês Jean Cocteau ("Ele não sabia que era impossível. Foi lá e fez." ), poderia ser o lema do Grito Rock. Há 10 anos atrás, alguém ousaria profetizar o surgimento, no Brasil do novo século, de um festival que se espalharia por 300 cidades de 30 países? Não seria este profeta ridicularizado como um otimista lunático e um sonhador de impossibilidades? Em 2013, porém, o impossível foi feito.

Nascido em 2003 como iniciativa do coletivo cultural Espaço Cubo (de Cuiabá-MT), o Grito Rock expandiu-se pelo mundo e hoje é um festival integrado pra lá de consolidado e grávido de um futuro promissor. "É uma honra imensurável estar tocando pela primeira vez no Grito Rock", comenta Leandro Sacs no backstage do Centro Cultural Oscar Niemeyer, após o show da banda da qual é vocalista, Os Viscondes, de Rio Verde (GO). "É muito bacana as pessoas estarem se juntando para realizar um festival colaborativo, algo que é muito raro e muito massa". Enfatizando um dos conceitos que estão mais na crista da onda, o de artes integradas, já posto em prática em alguns festivais brasileiros como o Vaca Amarela, Leandro frisa: "Acho muito importante incentivar a união das artes, fazer a junção dos músicos com o pessoal das artes cênicas, das artes plásticas, juntar todo a galera das artes num evento só".

Durante este Carnaval, 20 festivais Grito Rock aconteceram. Milhares de pessoas compareceram às "células" deste novo organismo vivo da cultura brasileira. O evento produzido em Goiânia pela produtora Fósforo Cultural (também responsável pelas 11 edições anuais consecutivas do já popular Festival Vaca Amarela), contou com a apresentação de 28 bandas, oferecendo ao público uma alternativa bem-vinda aos clichês do Carnaval Globeleza.

João Lucas e Naya de Souza, organizadores do evento, estimam um público de 6.000 pessoas e uma arrecadação de 6 toneladas de alimentos não-perecíveis. Estes serão encaminhados a entidades como OVG, Secretaria Municipal de Assistência Social, Casa da Acolhida e várias creches. Em sua 7ª edição anual consecutiva, o longevo Grito Rock Goiânia firmou-se como mais um festival de música vencedor da capital goiana (que também é a terra-natal do Bananada, do Goiânia Noise, da Tatoo Rock Fest...).

Apostando no conceito inovador de festival em rede, o Grito Rock conecta 300 células como um grande organismo, permitindo algo que uma banda independente brasileira não sonhava concretizar uma década atrás: realizar turnês regionais ou nacionais sem necessidade de grandes recursos. A prática da hospedagem solidária, potencializada pela comunicação via Internet, torna possível a realização do sonho de "cair na estrada" e tocar pelo país afora. É o caso de bandas como o The Neves, de Brasília, que ganhou através do portal Toque No Brasil o direito de mostrar seu trabalho em várias cidades goianas. A turnê, batizada de "Arroz-com-Pequi", atravessou Piracanjuba, Anápolis e Goiânia. "Para nós é sempre uma grande alegria participar do Grito Rock. Este é um ótimo momento de circulação de bandas no Brasil", disse Fernando Jatobá, guitarrista da banda, que fez questão de elogiar "a galera que vem prestigiar o rock autoral".


Bandas já consagradas no cenário, como Hellbenders e Violins, que já possuem muitas participações nos festivais da cidade, dividiram o espaço com talentos emergentes, como rock-brasa do Ultravespa, o grunge-punk do Orange Crush, o stoner-rock do Dry e do Cherry Devil, o heavy metal do A Última Theoria. Reações entusiásticas da platéia povoaram todo o festival, mas foram particularmente intensas nos shows de Overfuzz e Aurora Rules, bandas com um séquito de fãs em Goiânia.

Com uma tal quantidade de bandas, é de se esperar que a diversidade – de estilos e temáticas – tome conta do festival. Apesar do "Rock" que o Grito carrega no nome, outros gêneros também puderam se manifestar, como o hip hop e o funk, que marcaram presença com Calango Negro e Sapabonde. Alguns instrumentos pouco usuais em conjuntos de rock também deram o ar de sua graça: foi o caso do violino que se juntou ao indie-rock sofisticado do West Bullets. Até mesmo o glam rock setentista do "camaleão" David Bowie foi homenageado por Johnny Suxxx & The Fucking Boys, que encerraram seu show tocando o hit "Rebel Rebel".

Também houve espaço para mensagens de protesto "em defesa das prostitutas" e contra o "tráfico de mulheres" (caso, respectivamente, das bandas de hardcore Vero HC e Solicitude). Os Piratas do Cachimbo gritaram contra a grande mídia, com o refrão "Parem de ouvir a imprensa!". Já as brasilienses do Sapabonde, grupo 100% feminino composto por 4 MCs e uma DJ, incendiaram a platéia com um estilo musical que elas descrevem como "neo-funk-proibidão-lésbico-de-boteco". Um dos momentos mais memoráveis do show foi uma crítica contundente à homofobia, tendo como alvo principal o deputado Bolsonaro, célebre por comentários que despertaram a indignação de toda a comunidade GLBTT. Contra o discurso intolerante de Bolsonaro, assim cantaram as meninas: "O meu modo de vida não é nenhum pecado / Eu só quero ser feliz com quem tiver do meu lado / Não te dou o direito de me julgar assim! / Abaixa esse dedo que tu aponta pra mim! / Homofobia é crime, acorda, deputado!"

Cabe lembrar também que há poucos meses faleceu o maior arquiteto brasileiro, Oscar Niemeyer. Suas obras prosseguem vivas no coração do cerrado e o Centro Cultural que leva o seu nome foi o cenário desta edição do Grito Rock Goiânia. Este amplo espaço demonstrou ser mais belo quando ocupado, servindo como catalisador da interação e expressão cultural da juventude. Em meio aos papos regados a cerveja, música e hot dog, os novos agentes da Cultura brasileira arregaçaram as mangas e somaram forças para edificar sua própria construção. Inspirando-se no lema do movimento punk americano, o "faça-você-mesmo", a juventude Fora do Eixo re-inventa o mesmo espírito de autonomia com outro emblema: o "façamos-juntos".

Ao contrário do que sugere a revista Carta Capital, que em uma de suas edições mais recentes lamenta o "vazio da cultura" e a "imbecilização do Brasil", a realidade do Grito Rock é prova de que há algo de fervilhante e inédito ocorrendo na cultura independente brasileira. Cabe a nós cuidarmos para que o Grito sobreviva e se expanda, reconhecendo-o como essencial para a criação, expressão e interação coletivas. Nossa música só tem a ganhar com uma rede tão imensa de festivais, que, como o próprio Universo, não dá sinais de reduzir a velocidade de sua expansão. E àqueles que não compreendem como isso foi possível, vale lembrar o dito de Capilé: "aqueles que não sabiam que era impossível, foram lá e fizeram!“











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