terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Weapons of Mass Distribution! (...) Um Manifesto


A Internet é uma arma de distribuição em massa. Mas a elite econômica do planeta têm alergia e pavor diante do que representa esta "terrível" palavrinha: distribuição... O capitalismo sempre teve simpatias muito mais intensas por outra prática... a da concentração. Ainda que precise defender os privilégios dos que concentram capital através da... repressão e da destruição. Tudo aquilo que a Internet possui de mais revolucionário e mais libertário está hoje sob ameaça de perecer nas mãos homicidas dos que querem um mundo onde nada seja de graça, onde tudo seja pago e tudo tenha dono. Preferem reduzir a pó uma imensa biblioteca pública, com o pretexto de que ela não dá lucro aos que já possuim mais do que precisam, para instalar no lugar... um shopping center. 

Em Auto-de-Fé, magistral romance de Elias Cannetti, há uma cena memorável em que o protagonista, Peter Kien, em meio aos 25.000 volumes de sua majestosa biblioteca particular, exalta-se num monólogo shakespeareano diante dos livros mudos nas estantes. Sua imaginação quixotesca o faz imaginar gigantes onde há tão somente moinhos-de-vento: cada obra, transfigurada por sua fantasia delirante, aparece-lhe como que dotada de "espírito", receptáculo pulsante de uma vida condensada em palavras. Cada um daqueles volumes, parecendo-lhe ter um coração pulsando entre suas letras e frases, é uma fonte onde ele tenta encontrar a sabedoria, o diálogo, a companhia. Relembrando catástrofes há muito esquecidas pelo comum dos mortais, Kien entoa para os guardiões da "sabedoria de séculos":

"Na história de um país ao qual todos nós devotamos igual veneração... houve um acontecimento horroroso, um crime de dimensões míticas, cometido contra vós [livros] por um poderoso demônio, por sugestão de um conselheiro muito mais diabólico ainda. No ano 213 a.C., por ordem do imperador chinês Shi-Hoang-Ti, usurpador brutal que ousou arrogar-se os títulos de 'o Primeiro, o Sublime, o Divino', foram queimados todos os livros existentes na China. Esse celerado, cruel e supersticioso, era por demais inculto para compreender a importância dos livros que continham argumentos contra o seu regime despótico." (Ed. Cosac & Naify, pg, 124)

A China, em 213 a.C., não foi o único palco na História para um "assassínio de centenas de milhares de livros", como sabemos: a Biblioteca de Alexandria, ao ser incendiada pelos cristãos, também arrastou para o pó um inestimável e precioso tesouro "para sempre consumido pelo fogo". Alguém conseguiu chegar ao fim de Ágora, o filmaço de Alejandro Amenábar, sem a sensação de ter o peito transpassado por uma lança? "O horror! O horror!" O trabalho de gerações, os frutos da reflexão de centenas de poetas e sábios, trucidado para sempre e conduzido à noite infinda do esquecimento total!

Também foram reduzidos à cinza, história humana afora, muitos livros "heréticos" de livres-pensadores da Idade Média (Giordano Bruno foi até assado vivo pela Inquisição Católica...), muitos livros "libertinos" de iluministas, "avançadinhos" demais no questionamento das autoridades políticas e religiosas, e demasiado "atrevidos" em suas exaltações da desrepressão sexual... Até bem perto de nós chega este fenômeno histórico, que tanto merecia já estar ultrapassado e aposentado: o Salman Rushdie, escritor indiano, depois de publicar seu romance Os Versículos Satânicos, foi condenado à morte pelo aiatolá xiita do Irã, fulminado por uma fatwa muçulmana, perseguido por uma teocracia e seu séquito de fanáticos!... E continuamos ouvindo muita lenga-lenga sobre o tal do "progresso"...

Farenheit 451, a distopia sci-fi de Ray Bradbury, não me parece tão longe de nós: não é inteiramente implausível que se instaure em algum canto deste planeta um Estado totalitário que teria uma espécie de "Esquadrão de Bombeiros" destinado a varrer da face da Terra a informação "perigosa" retida nas bibliotecas, livrarias, revistarias... Ou um "ministério" do governo que investigaria e dizimaria todos os porões e sótãos de indivíduos muito fissurados em "cultura alternativa", e portanto suspeitos... Novas fogueiras alimentadas com zines, poemas, reportagens, manifestos... Hecatombes de servidores e sites que, na nossa realidade "cibercultural", equivalem a pequenas Bibliotecas de Alexandria. Ai! Lá vêm os vândalos incultos com seus lança-chamas! E seguram suas armas com a empáfia de quem possui um distintivo do FBI - ou do BOPE...


O agente complicador, a pedra na engrenagem dos novos totalitarismos que tentam surgir, é que, na era da Internet, se por um lado os holocaustos não necessitam de lança-chamas (faz-se tudo com o dedão descendo sobre o delete...), por outro lado o DELETE deles não consegue barrar a profusão descontrolada e anárquica do nosso COPY. Eles matam o Napster, assassinam o Megaupload, apagam contas de Rapidshare e Mediafire, ameaçam-nos com SOPAS, PIPAS e ACTAS, perseguem e criminalizam "downloadadores", mas o intercâmbio de arquivos prossegue firme e forte, abrindo vias novas quando as vias outrora transitadas são "tesouradas" pelas otôridades.

Um dos aspectos mais fascinantes da Internet é que... tornou-se impossível DESLIGÁ-LA. Não existe a possibilidade de nenhum tirano neste planeta trazer abaixo a rede mundial de computadores: não existe um "PC central", uma espécie de "Headquarters da Net", que servisse como uma espécie de Casa Branca ou Pentágono, e que bastaria destruir com um míssel teleguiado para que a conexão global caísse. Não!

Como explicam tão bem os dois documentários Steal This Film, a natureza descentralizada da tecnologia internética torna virtualmente impossível a repressão absoluta sonhada pelos tiranos totalitários: a Internet não tem centro. Cada PC é um centro. Cada PC é um replicador. Cada PC é um potencial pirata. Para matar a pirataria, eles precisariam "cortar" todos os fios desta imensa teia. Mas jamais o permitiríamos. Uma rebelião global explodiria se o tentassem. "No pasaran!" McLuhan ensina: uma vez inventada, uma tecnologia não pode ser "des-inventada"; ela incorpora-se à "condição humana", vêm somar-se às "extensões do homem", gera uma necessária reconfiguração das mídias que a precederam. A Internet veio para ficar. Cabe a nós defendê-la contra os que querem reduzi-la ao poder do dinheiro e à lei do trabuco.

Talvez os historiadores do futuro, lá em 2.250 ou 2.400, irão olhar para trás e perceber com muito mais clareza do que nós, que estamos no centro do turbilhão, que a Primavera Árabe, por exemplo, não teria podido acontecer sem a Internet. As tais das "redes sociais" mostraram ser exatamente isso que o nome sugere: não algo meramente "fantasmagórico" e "virtual", mas uma força concreta de organização social. A mídia tradicional foi chutada para escanteio diante desta nova mídia que permite que nos comuniquemos e nos organizemos sem a necessidade de um intermediário estatal ou corporativo.

Cairo, Egito - Comemoração do triunfo da Revolução de 2011

A guerra à pirataria fica mais truculenta do que nunca, mais até do que na época do "bombardeio" yankee ao Napster, justamente agora que a Internet mostra sua força de revolução social e política. Não deve ser mera coincidência... Também não me parece ser por mera coincidência que os coletivos culturais que compõe o Circuito Fora do Eixo tenham aparecido só com a popularização da Internet: o FDE e sua imensa rede, sempre em expansão, que possibilitou estes 200 GRITOS em 2012, é também um filho da net, um fruto da cibercultura, um empreendimento gigantesco que mostra o potencial imenso das redes-em-rede.

Querem parar essa força a qualquer preço. Uma nova "caça às bruxas" se inicia, e os "vermelhos comedores de criancinha" agora são... os "piratas", diabólicos e imorais ladrões da obra de sublimes e mau-pagos artistas! Reza a ladainha deles que a indústria do entretenimento passa por maus bocados, que têm tido prejuízos por causa da orgia desse troca-troca virtual. Tadinhos!

Como todo mundo sabe muito bem, os CEOs da Sony e da Warner agora mendigam pelas ruas de Bangladesh, vestidos em andrajos, fedendo a cachaça, implorando uma esmola... Os artistas na folha-de-pagamento dos grandes estúdios de Hollywood ou das grandes gravadoras multinacionais, estes também, coitados, hoje correm o risco de morrer de inanição, de tão desnutridos e esqueléticos que ficaram por culpa... da pirataria na Internet. É...

Na real, a Indústria debulha-se em prantos, chora histericamente pelo leite derramado dos lucros, feito uma criancinha mimada que, acostumada a ganhar do paizão um presente de Natal de 1 bilhão de dólares todos os anos, fica dando faniquitos de playboyzinho frustrado diante da perspectiva de um presente... de "só" uns 500 milhões...

O capitalismo de modelo norte-americano, tão obcecado com especulação financeira e lucros provindos de juros, parece não enxergar mais um palmo diante do próprio nariz: não enxerga que a Internet não pode ser "possuída" no sentido "totalitário" que eles desejam, que não há possibilidade de controle do modo como eles gostariam, que há algo de profundamente anárquico em pleno desabrochar quando pessoas fazem brotar blogs, tumblrs, torrents... Cada vez mais as pessoas vão percebendo o potencial da Internet como uma tecnologia que, mais que qualquer outra já inventada pela humanidade, permite uma liberdade de expressão impensável não só nos totalitarismos do passado, mas também nas democracias de décadas atrás. É uma nova democracia que nasce junto com a Aldeia Global. Uma outra globalização possível, menos perversa que a globalização da Tirania do Capital.

Qualquer um de vocês, que está lendo isso agora, e qualquer um dos milhões que estão fazendo outras coisas na Internet neste instante, é um potencial criador de conteúdo. Feito um vasto coração de mãe, ou um salão de festas imenso, na Internet... sempre cabe mais um. Componha e grave uma canção e encontre na Internet um palco e uma platéia. Escreva um conto e um poema, e lance-os nos oceanos da rede, como outrora faziam aqueles que entregavam às águas de um rio uma mensagem numa garrafa, e tenha a convicção de que achará leitores. Crie um movimento social, uma "causa" para militância, uma revolta organizada, e com certeza a Internet te fará encontrar pessoas com afinidades às tuas, dispostas a entrar na tua luta, comprar tua briga, somar forças contigo.

A Internet é nossa. E cabe a nós transformar essa bagaça, de tão imenso potencial, em algo que nos faça avançar para além desta tirania-do-lucro que se traveste de democracia cristã e o caralho à quatro... Cada pessoa detrás de cada PC é um não só um potencial criador de conteúdo, contribuidor do grande projeto coletivo da construção de cultura, mas têm em mãos uma máquina de cópia e disseminação. Nunca antes na história da humanidade existiu a possibilidade de "condensar" em espaços minúsculos uma quantidade tão estonteante de informação. A Biblioteca de Alexandria, se fosse inteirinha convertida para zeros e uns, caberia num pen-drive. Em breve, será a coisa mais comum do mundo que as pessoas tenham em casa HDs de capacidade mensurável em terabytes. A minha HD externa, por exemplo, que apelidei de Funésia - A Memoriosa, em homenagem ao clássico conto do Borges, guarda em suas entranhas uma quantidade de filmes, séries e álbuns musicais que seria preciso umas 7 vidas para conhecer na íntegra.

Cada um de nós possui, tendo um PC conectado à Internet, a possibilidade de acesso a uma biblioteca multimídia que centenas de gerações, por milênios e milênios atrás de nós, não conheceram. A humanidade finalmente criou weapons of mass distribution - o que se esconde por trás de siglas como .mp3, .divx e .pdf é uma fantástica tecnologia que esqueceu de ser sonhada por H.G. Wells e que possibilita a compactação de gigantescos amontoados de informação em miudíssimos recantos do espaço físico. A distribuição em massa da produção cultural humana é essencial para que nos informemos, nos cultivemos, tomemos decisões mais conscientes e sejamos menos enganados pelas tramóias, lorotas e falcatruas de políticos, publicitários, padres, papas, programas de TV e outros tiranos e ideólogos.

O poder treme de pavor, é claro, diante de uma população bem-informada, ativa, organizada, que se expressa e se une, que combina passeatas por Twitter e discute revoluções no Facebook. Uma campanha, anos atrás, comparava a arte de baixar MP3 ao "download de comunismo". Nesse ponto, acho que acertaram na mosca: o que a Internet ajuda a criar, decerto, é uma mentalidade mais comunitária do que competitiva, em que a cultura é vista como patrimônio comum da humanidade e não como posse e privilégio de algumas empresas e alguns milionários. Cada PC é uma arma de distribuição em massa de informação, de cultura, de música, de cinema, de poesia, de filosofia, de arte, do que quer que seja. E "distribuição gratuita" é um termo que faz aqueles que se sentam no topo da pirâmide social temerosos, prontos prum xilique.


Afinal de contas, o capitalismo nunca gostou muito da idéia de distribuição equânime, justiça social ou acesso universal à educação e à cultura. Querem-nos consumidores submissos e incultos, manipuláveis por propagandas escrotas, sorrindo nos templos do consumo cego, "trampando em trabalhos que odiamos para comprar um monte de merda de que não precisamos" (como diz Tyler Durden). E é só a Internet mostrar seu potencial de transformação do sistema e sugestão de novas vias, que o capitalismo-em-crise (vejam o que virou a Grécia!), tendo que encarar o duro confronto com os Occupys Wall Street que pipocam e as revoluções árabes que triunfam, apela para o último expediente da impotência:  a truculência autoritária. Que está, aliás, tão perto de nós: vejam o que o tucanato paulista vêm fazendo para lidar com a "dissidência", seja dentro do câmpus da USP ou lá em Pinheirinho.

 É só a gente quer expandir o âmbito da distribuição, sugerir que este mundo precisa de uma distribuição mais igualitária de capital, de propriedade, de moradia, de acesso a bens culturais, que os CEOs e acionistas de Wall Street fazem cara feia e soltam seus cachorros. E alguns políticos escrotos, que são praticamente paus-mandados de multinacionais, que obedecem cegamente a quem pagar mais, dão seu aval aos concentradores de capital - os 1% que roubam os 99%. E são os 1% que pagam a polícia para protegê-los da classe que produziu a riqueza que eles roubaram. A propriedade que possuem os milionários, nem é preciso ser Proudhon pra saber, é de fato um roubo. 

Mais de 30.000 crianças morrem de fome ou em virtude de doenças evitáveis TODO SANTO DIA por causa deste roubo. Isso para falar só das crianças. Isso sem mencionar os danos ecológicos ao ecossistema do planeta causados por um sistema que premia a ganância e que é gerido por ladrões que se locomovem em limusines blindadas. E é só alguém mencionar a imensa disparidade entre os que vivem na opulência e os que vivem na mendicância, e é só alguém alegar que seria preciso expropriar os exploradores e distribuir a riqueza, para que eles corram a chamem a Tropa de Choque, que avança com seu séquito de sprays de pimenta, bombas de gás lacrimogêneo, escudos e escopetas.

Neruda sabe, porém, que "poderão cortar todas as flores, mas não hão de deter a primavera!"


Nota Fúnebre: todos os mais de 800 discos outrora compartilhados aqui no blog foram DELETADOS pelo Mediafire, provavelmente por pressão do FBI nestes tempos pós-Megaupload. Eram mais de 54 gigabytes de música que foram gradativamente postos na roda durante os últimos 4 anos de trampo e que, duma hora pra outra, desintegraram. 

"o de cima sobe e o de baixo desce"
(chico science)

2 comentários:

Sonoraletrante disse...

Muito mais do que o porta latinha, a camisinha, os antibióticos, o soro caseiro, nenhuma tecnologia foi mais generosa com o conhecimento do que a internet; e os EUA, num império posto em contagem regressiva a partir do tiro dado no próprio pé que é a S.O.P.A., mostram o quanto são ruins em história, não aprenderam que o cego de nascença quer sempre continuar enxergando quando lhe dão o que enxergar. Que venham novas tecnologias e novas conecções, novas formas de compartilhamento, novas visões; que venham sons, ritmos, sambas, e que não se proíba o conhecimento nem se deletem refrões.

@Ugenias disse...

Os EUA tem é de parar de querer tudo para si, porque os caras são imbatíveis no quesito desenvolvimento de tecnologias. Investem em pesquisa, incentivam institutos e pesquisadores.

Hehehe... a lição é simples, vão ter que aprender a dividir informação também, pois se dados vão, dados vêm......................... O mundo se conectou, se ligou literalmente............ e vai aprender numa velocidade nunca vista.... basta entrar na internet, TER ACESSO para obter informação e é isso que vem revolucionando o planeta.........