por Ana Alice Vercesi
Conhecido por transformar trechos de sua própria vida em ficções deliciosas, como “Quase Famosos” e “Singles”, Cameron Crowe foi na contramão dos outros grandes diretores que se aventuraram em documentários musicais em 2011 e decidiu registrar em vídeo a história dos próprios amigos. Esse toque pessoal, longe de comprometer o resultado, trouxe a “Pearl Jam 20” um frescor que garantiu o primeiro lugar ao filme aqui no blog.
Para quem espera uma história baseada na banda que tem em Eddie Vedder um ícone, mais do que um líder, a surpresa será grande. Primeiro porque o Pearl Jam nasceu dos restos mortais do Mother Love Bone, grupo que também era feito de um líder carismático e inesquecível: Andy Wood, que morreu de overdose em 1990. O resgate da breve trajetória e das raras imagens do MLB, cujas raízes explicam o som “grunge” que tanto caracterizou uma geração de músicos, já vale o documentário. Para se ter uma ideia, o próprio Vedder só ousou cantar uma música do Love Bone no palco na comemoração de dez anos do Pearl Jam.
A partir daí, o eixo narrativo se concentra no baixista Jeff Ament e nos guitarristas Stone Gossard e Mike McCready, que encontraram em Vedder a voz, a lírica e a intensidade que procuravam para seu som. Viram esse mesmo baixinho muito tímido, importado dos mares da Califórnia, se ambientar à cinzenta Seattle e à cena local formada por amigos de infância. Presenciaram o vocalista se agigantar nos palcos aos poucos e dominar o escopo criativo do Pearl Jam. E por fim, narra o fortalecimento da banda em meio às intempéries da linha do tempo, como as farpas trocadas com o Nirvana, a briga judicial com a Ticketmaster e a morte dos fãs no festival Roskilde.
Dos três filmes lembrados aqui, “PJ 20” é o que mais lembra uma narrativa tradicional de documentário e, ao mesmo tempo, tem aquele toque de filme caseiro, de família sentada na sala relembrando imagens que nem sabia que ainda possuía guardadas. E essa humanização só mesmo quem já passou muitas noites na sala de jantar é capaz de traduzir.
Top 3 Docs 2011, segundo lugar: “Foo Fighters: Back and Forth”, de James Moll
Espécie de flor de lótus gerada no meio do esterco que foi o fim do Nirvana, o Foo Fighters esperou álbuns e álbuns por sua redenção perante a comunidade musical. E exatamente um ano antes de sua apresentação em solo brazuca no Lollapalooza, a banda de Dave Grohl, – o até então considerado “cara mais legal do rock” – disponibilizou nos cinemas o documentário que, a reboque do aclamado recém-lançado álbum “Wasting Light”, traria o resgate de sua nada calma história.
Vamos muito, muito por partes. “Back and Forth” presta, a princípio, um serviço aos fãs mais recentes, que estão acostumados a ver as caras sorridentes do grupo e todo o sucesso atual que ele alcança, e nem imagina os sacos de sal que o povo já comeu, como as idas e vindas de Pat Smear na guitarra; a overdose do batera Taylor Hawkins; e as demissões nada amigáveis do guitarrista Franz Stahl e do baterista Willian Goldsmith. Também narra uma trajetória incrível de uma banda que surgiu de uma demo tape que Grohl gravou sozinho, ainda em meio à letargia que se seguiu ao suicídio de Cobain, e que aqueles moleques do clipe de “Big Me”, uma paródia impagável dos comerciais de Menthos, jamais imaginariam onde iria parar.
Por outro lado, é uma biografia mais que autorizada e, por isso mesmo, mantém os dentes do ex-baterista do Nirvana brilhantes na tela. Uma outra narrativa lançada em livro também em 2011, “This is a Call – The Life and Times of Dave Grohl”, do jornalista Paul Branningan, esclarece alguns desses episódios que o filme abranda um certo tanto. Apesar de fã declarado de Grohl, o autor consegue esmiuçar um pouco mais, entre outras coisas, como o baterista Willian descobriu que a banda toda estava refazendo “The Colour and The Shape” sem ele. Como Franz Stahl sacou, em 1997, o que Dave Grohl decidiu deixar em panos limpos só lá na frente, em One by One (2002): que aquela era banda dele, e ele decidiria no fim das contas como ela seria, por mais que adorasse que todos dessem ideias. E, entre todos os contratempos do mundo, os muitos e muitos “brancos” de criatividade que aplacaram o grupo em toda sua história.
Com uma discografia considerada pela crítica como bastante irregular, o Foo Fighters tem, no entanto, um mérito gigante na história da música das últimas duas décadas que “Back and Forth” ressalta com maestria: eles são pura celebração da festa que é o rock and roll, com propriedade técnica. Um moleque que cresce ouvindo a banda precisa se esforçar em um nível bem maior para tirar as músicas se comparado a outros grupos contemporâneos e, dado o seu alcance pop mundial, os integrantes indicam bandas um tanto decentes que a molecada deveria ouvir, antigas e novas. Sem contar a facilidade com que Grohl trafega pelos mais diversos gêneros, seja em colaboração com o Queens of the Stone Age, com seu projeto de heavy metal Probot ou em parcerias pelo mundo afora – sem a Roberto-Carlização que acomete Andreas Kisser, por exemplo.
Tio Martin Scorsese ganhou o terceiro lugar com sua tentativa de narrar a vida do beatle George Harrison em Living in the Material World
Em “Shine a Light”, registro ao vivo de um show dos Rolling Stones capturado por Scorsese, o diretor penou para descobrir o set list de Mick Jagger & Cia. O papel só lhe foi entregue momentos antes da apresentação começar. Uma espécie de segredo guardado longe do cineasta, um desafio para que ele rebolasse nos 30 e comandasse as câmeras sem ter muito tempo para poder preparar a equipe. E agora, nessa nova incursão do cineasta ao mundo da música, mesmo com toneladas de imagens e depoimentos, o desafio do segredo permanece.
O motivo, a princípio, é simples: uma banda de sucesso é e será sempre um segredo bem-guardado. Algo que apenas os que viveram toda a “mania” são capazes de entender e compartilhar. O próprio Ringo Starr declara isso. E Eric Clapton, uma das (tentativas de) linhas condutoras do filme, deixa bem claro que, apesar de se sentir muito amigo de George, não é capaz de dizer o quão próximos eles eram de fato.
“Living in the Material World” busca retratar os dois lados do beatle que, enquanto buscava a transcendência do corpo físico, era incapaz de resistir por muito tempo às tentações da carne. O problema é que, enquanto há centenas de imagens do rapaz na Índia, gravando mantras ou pregando a paz, pouco se revela a respeito do lado negro da força de Harrison. Paul McCartney se limita a dizer que, “como homem, ele gostava do que os homens gostavam”, e uma resignada Olivia Harrison é capaz de assumir o poder de sedução de seu falecido marido. Klaus Voorman, colega dos Beatles dos tempos de Hamburgo, assume o vício de George nas drogas e o quanto isso o consumia. Mas só.
Lágrimas de Ringo
Outro desafio enfrentado por Scorsese foi lidar com o material já existente em imagens. Nesse aspecto, o diretor mostra momentos brilhantes ao alinhar foto e vídeo em várias passagens; trabalhar com frames aparentemente banais capturados por George, seja em seu jardim, na praia ou na cozinha, e costurá-los na narrativa; e arrancar lágrimas de Ringo enquanto esse descreve seu último encontro com o guitarrista.
Apesar das inúmeras críticas em relação à falta de um narrador em off, que ajudaria a contextualizar muitos dos depoimentos (não há preocupação em saber se o espectador conhece de fato os entrevistados, e quem não tem familiaridade com a história da banda pode se perder bastante), Scorsese consegue com essa estratégia que todos tenham um peso equivalente, salvo os ex-integrantes da banda e as viúvas de Lennon e Harrison. Um peso que parece ser o mesmo que o guitarrista deu a todas essas pessoas enquanto vivia, como descreveu Clapton.
Uma das falas mais poéticas é do ex-piloto de F1 Jack Stwart, que enxergava em George a mesma capacidade de sentidos aguçados que um piloto vivencia nos momentos extremos de velocidade. Talvez a vida do autor de “Something” tenha sido isso mesmo: uma viagem supersônica com os sentidos a mil, da qual nós, sentados à beira da estrada, só tenhamos direito mesmo a ver um borrão.
DOWNLOADS (VIA THE PIRATE BAY):
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