segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

"Eu Sou Parte de Nós" (Diego de Moraes & o Sindicato)


#1

DIEGO E O SINDICATO
Parte de Nós



A normalidade... de ponta-cabeça.
Está mais do que na hora de dar um pé-na-bunda do "complexo de vira-lata", termo que Nelson Rodrigues cunhou para se referir ao complexo de inferioridade brasileiro, este "narciso às avessas que cospe na própria imagem"

"Coitado de quem pensa que me faço de coitado!", garante Diego de Moraes em "Sobrevivo", negando-se a baixar a cabeça só por ser brasileiro --- no caso, um "cuiabano de Goiás" (e muito mais).

Com a cabeça muito erguida e o canto muito solto, o cantor e compositor estréia em álbum com um grau de auto-confiança, versatilidade e transbordante criatividade que não encontrei em nenhum outro canto do mundo neste 2010. Por essas e outras, Parte De Nós, debut do Diego e o Sindicato, me parece ser um sopro de vida que o Terceiro Mundo Festivo, para usar o termo do Wado, lança sobre a cultura de hoje, tão marcada lá fora pelas melancolias desanimadoras de Radiohead e Arcade Fire.

Se esta é a nova cara da música brasileira, fico muito feliz pelo presente (e pelo futuro) da música brasileira. Pois o rosto que vejo é risonho, criativo, ousado. É como que um redespertar do espírito lúdico que um dia deu o tom na vanguarda da música brasileira com o tropicalismo,  Raul Seixas, Tom Zé, Os Mutantes, Rita Lee e Arnaldo Baptista ("o lóki surreal")...

Mas “neo-tropicalismo” não cola, como rótulo, pelo menos pra mim: soa redutor para um artista que, apesar da influência da Tropicália, também gosta de Raul Seixas e dos Stooges, de música sertaneja de raiz e dos ruídos rock'n'roll de Goiânia Rock City. Outros dos compositores em quem Diego se inspira são "marginais" da MPB: Sérgio Sampaio, Itamar Assumpção, Luiz Tatit, artistas em que o jogo lúdico com palavras e sons dá o tom. É nesta senda que Diego se aventura, quase sempre com resultados muito positivos. 

O álbum, concebido como um livro ou um álbum de fotografias (alegre às vezes como um Monteiro Lobato), e dotado de um dos mais belos encartes que já vi (ilustras de Thiago Xavier), é um carrossel poético de um cara atravessando tudo sem jamais “se estrupicar”: “sem medo de falar e errar, sem medo de andar e tropeçar” (“Quase Nada”).

Diego de Moraes não é exatamente um sujeito normal. Em primeiro lugar, pois o grau de inventividade e amor-pelo-ofício necessários para levar 3 bandas simultâneas encontra-se em poucos cantores-compositores brasileiros. Além do Sindicato, Diego dedica-se ao tropicalismo experimental do Pó de Ser e à dupla indie-sertaneja Waldi e Rédson (onde faz par com o Chelo do Porcas Borboletas). Como se não bastasse, ainda tem ânimo para escrever uma coluna semanal no Diário da Manhã, dar aulas no ensino médio em sua cidade (Senador Canedo-GO), fazer Mestrado em História e deixar sua marca na blogosfera em seu diegodemoraes.blogspot.com.


O leque de referências contidas no álbum é vasto: de Stooges a Chacrinha, de John Lennon a Tonico e Tinoco, de Nietzsche a Jesus. "Pelas Barbas do Profeta", que conclama o ouvinte a "acordar agora pois o tempo está indo embora", mapeia um pouco da constelação que influi sobre a arte de Diego. Nela, ele cita os olhos de Chico Buarque, as veias de Jimi Hendrix, os traços de Robert Crumb, os versos de Camões e o Grande Sertão: Veredas... Diego saúda ainda “quem quer que fume”, e o verso tem muito mais aroma de cannabis que de tabaco, ainda que a referência seja bem mais sutil do que os escancarados maconheirismos de D2 e Cia. O ecletismo desta miscelânea pop-cult demonstra a versatilidade da formação cultural de Diego e o quanto ele é capaz de aprender de várias fontes. O resultado é um álbum de alguém bem mais sábio do que seus vinte e poucos anos sugerem.

O moog do Astronauta Pinguim deslancha o álbum em ritmo de new-wave, algo entre Blondie e Elvis Costello. Diego começa sua viagem poética sublinhando a inerente irracionalidade do coração: "Eu queria pensar em quem me quer / Querer quem pensa em mim". Seria o mais racional. Mas, como um dia perguntou Renato Russo, "quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?" Diego assina em baixo e termina por problematizar a noção aristotélica de que o homem seria um ser racional. "Sou só um homem: um animal irracional".

"Amigo" já declara em seu título suas intenções benévolas. É uma música que chega estendendo a mão com simpatia, aberta à amizade, mas que sabe que a verdadeira amizade não se dá entre seres idênticos, mas entre criaturas capazes de se amar na diferença. "Amigo, eu sempre tento ser um pouco diferente", já sai dizendo Diego, como quem confessa um traço de caráter: um desejo de não ser um clichê ambulante conjugado a uma certa antipatia pela diferença extrema, aquela que isola e desamiga. "Só um pouquinho diferente já me é suficiente".

Quando Diego entoa "eu me sinto tão igual / Um sujeito tão normal / Não sou nada genial", não é no tom reclamão ou ranzinza de quem se deprimisse com isso. O disco celebra a capacidade do afeto ultrapassar as pontes erguidas pela diferença, pelo preconceito, pela rotulação. A alegria de que, ainda que sejamos diferentes uns dos outros, cada um possa se tornar não um eu-ilhado, mas uma parte-de-nós. Ponha Tom Zé e John Donne no liquidificador, e eis "Amigo": um semi-hino neo-tropicalista que já transcendeu as fronteiras do Brasil e andou sendo citado até na Inglaterra pelo jornal Guardian UK como representante notável da nova MPB.

"Anormalidade" volta a pôr em lúdica questão um dos eixos temáticos principais do álbum, a oposição normal/anormal, sadio/patológico. Diego está a todo momento querendo borrar os limites desta dicotomia e mostrar o quanto de loucura cavalar há em nossa normalidade, e o quanto de sopro de vida sadio há no que chamam de loucura. Na colorida jornada de "busca de si" narrada pelo álbum, a identidade pessoal nunca é idêntica à persona social que cada um assume, às vezes por pura "normopatia" (termo de Gaiarsa para descrever aqueles obcecados com as normas, obedecedores neuróticos dos clichês).


Os esparsos comentários sobre religião em Parte de Nós também são reveladores de uma atitude questionadora e brincalhona, heterodoxa e tolerante, de quem demole dogmas e clichês com a malandragem marota e desencanada típica do brasileiro. "Todo Dia" rascunha ironias pra cima daqueles que "todo dia carregam sua cruz e rezam pra Jesus". Em "Quase Nada", Diego faz uma crônica paródica de uma reza popular: "eu rezo pro meu padim Ciço e pra Nossa Senhora do Perpétuo Socorro pra abençoar esse povo trabaiadô do meu sertão, obrigado meu Jesus!". Em um dos poucos momentos que torna-se mais sentencioso do que lúdico, Diego arrisca uma tese teológica que não é sem ligação com aquela de Lennon ("God is a concept by which we measure our pain"):

"Você olha pro céu tentando achar aquilo que já está em você
Vamos vivendo à prestação: esperar o céu e viver no chão"


Laerte
Mas é em "Deus Seja Louvado", épico de 6 minutos que nada tem de um gospel tradiça, que Diego sintetiza seu irônico e complexo comentário religioso num idiossincrático papo musicado com a divindade. O ouvinte desavisado que pensa encontrar nesta canção uma louvação ao Bom Velhinho lá nas nuvens irá logo ser desiludido pelo sarcasmo benigno de Diego.

Este deus ele utiliza sem nenhuma fidelidade bíblica, prestando tributo mais às tirinhas do Laerte do que aos Evangelhos. É um deusinho fia-da-puta, capaz de, quando andando detrás da gente, nos dar um empurrão. Deusinho que está lá, como exortação à prece, na “nota de um real”, a cédula com que sonham os mendigos. Deusinho que os cachaceiros invocam nos botecos quando ficam sem um trocado e querem que chova dos céus a "pinga com limão (aleluia irmão!)"

Escancarando que os pedidos que os humanos dirigem aos céus são sempre impregnados de desejos mundanos, Diego faz uma mosaico de preces tão autênticas quanto cômicas. Põe lado a lado preces mais tradicionais (sobre libertar da culpa, tirar do fundo do poço, cicatrizar feridas, dar coragem para continuar neste "mundo imundo"...), com desejinhos bem mais simples: pão, mussarela e presunto.

A ironia fina (e pesada) perpassa os comentários sobre os pastores evangélicos pilantras ("vou virar pastor para faturar a próxima eleição", alfineta Diego), sobre a polêmica evolucionismo vs. criacionismo ("tantos séculos de evolução para acabar nesta situação...") ou a floresta de pensadores que se contradizem ("Marx, Buda, Nietzsche, Cristo, Freud, Alá, Sartre ou Tupã?"). Em suma, fica-se com a agradável impressão de que nenhuma ortodoxia ou crença é pregada pelo poeta, mas que ele é capaz de tirar aprendizado e alegria tanto da "mente do descrente" quanto do "amai-vos uns aos outros" dos Evangelhos.

Outra das obras-prima de Parte de Nós é "Todo Dia", canção também épica que tem pelo menos uma irmã ilustre na história da MPB: “Cotidiano”, de Chico Buarque (já regravada num remix electro-tropicalista por Seu Jorge), que também faz a crônica chacotística da vida perdida nas chaturas da monotonia.

“Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã

Todo dia ela diz que é pr'eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher.
Diz que está me esperando pr'o jantar
E me beija com a boca de café.”


Diego, porém, mostra-se mais impaciente e furioso do que Chico e ergue a voz em protesto contra a "monotonia, burocracia, desarmonia, correria" (que agonia!) de "todo dia". Todo dia é a mesma novela, a mesma fila, a mesma espera, a mesma cruz. Todo dia, "espremido no buzão"; e todo dia, "arroz com feijão". Esta repetitititividade irritante é o que a canção radiografa, mais uma vez pondo em questão a sanidade do que tomamos por normalidade mas não passa de tique, neura, compulsão à repetição...


É o mesmo espírito de Monteiro Lobato em Cidades Mortas, clássico livro a tirar um fino sarro dos "mesmeiros", aqueles que "todos os dias fazem as mesmas coisas, dormem o mesmo sono, sonham os mesmos sonhos, comem as mesmas comidas, comentam os mesmos assuntos, esperam o mesmo correio, gabam a passada prosperidade, lamuriam do presente e pitam - pitam longos cigarrões de palha, matadores do tempo..." (in: Cidades Mortas, p. 26, Ed. Brasiliense).

“Todo dia eu posso morrer. Todo dia você foge de você.” Diego canta sobre a consciência da certeza inelutável da morte e da fuga do auto-conhecimento com uma simplicidade, uma serenidade e um senso de humor altamente vivificantes! Diego traz a boa nova: a de que é possível cantar um “tudo bem, tudo bem, tudo além do bem e do mal...”. Quase como um nietzschiano dos sertões de Goiás, inconsciente talvez dos pressuspostos filosóficos que correm, como rios secretos, por detrás da correnteza de suas letras...

Não há dúvida que grande parte do charme do álbum está na descoberta quase inevitável que quase todo ouvinte atento fará: a de que está diante de um novo poeta. É a palavra que se impõe quase imediatamente quando penso em Diego de Moraes: poeta. Ele tem a vantagem prévia, que não é pouca, de ter o mesmo sobrenome de Vinícius. Não é negligenciável, especialmente junto ao público mais velho, fã de bossa nova e saudoso de Toquinhos e Toms. Só que Diego é bem pouco bossa-novístico. Seu tom-zézismo desencanado, sua sadia incapacidade de se levar muito a sério, o preservam da pretensão excessiva, da gravidade empolada. Diego, por exemplo, tem a manha de rimar "Romeu & Julieta" com "punheta" (!).

A arte e a brincadeira são parentes próximas, parece sugerir o artigo primeiro da Estética Dieguiana. Não é à toa que as mães costumam censurar as peraltices de seus filhos chamando-os de “arteiros”. Para Diego, a arte tem que ser cheia de piscares de olhos, zuadinhas marotas e chutes na bunda. A música do Sindicato (ótima banda, também!) é tão livre e solta que é como uma ventania fresca que derruba das árvores as folhas secas dos dogmas. Não há espaço algum para autoritarismo, aqui: tudo no álbum remete à criação alegre de uma brincadeira fecunda.

Álbum simpático e amigo, criativo e alegre, poético e lúdico, colorido e complexo, que há de ensinar ao ouvinte a maravilha da diferença, da amizade e da arte de, ao invés de se conjugar na primeira do singular, saber que "eu" não passa de "parte de nós".

DIEGO E O SINDICATO Parte De Nós (Fósforo Cultural, 2010)
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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

<<< MUGO: Go to The Next Floor... and Play It Louder! >>>

Design: Bicicleta Sem Freio
 

"A gente precisa destruir esse paradigma de que Goiânia é só sertanejo, ou  só rock alternativo e de garagem, e mostrar que aqui tem banda pra caralho fazendo metal de qualidade", afirma Pedro, vocalista do Mugo, frisando a considerável cena headbanger que fervilha, ainda que sorrateira, na capital goiana.

Se não faltam à Goiânia artistas de firmes raízes na cultura nacional, com um som impregnado de brasilidade (caso de Umbando, Cega Machado, Diego e o Sindicato, Grace Carvalho...), a capital goiana também têm se celebrizado, de uns anos para cá, pelo tremendo vigor de suas bandas do bom e velho "rock pauleira" e que já nasceram sob o signo da globalização.

Alguns vergam mais para o lado stoner (Black Drawing Chalks, Hellbenders), outros são mais garageiros (Bang Bang Babies, Space Monkeys, Ultravespa, Black Queen...), com espaço ainda pro hard-rock de inclinações glam (Johnny Suxxx & The Fucking Boys) e para a quebradeira sabbáthica dos veteranos da cena (Mechanics e MQN). O extremismo death-metal e congêneres também marca truculenta presença com Necropsy Room, Ressonância Mórfica e outras de nome tão meigo quanto.


O Mugo, representante ilustre das vertentes mais extremas do rock'n'roll em Goiânia, e que teve como precursores os insanos do Punch e do Desastre, sintetiza várias vertentes da música pesada, do thrash metal ao hardcore, do grind ao grunge. “Brutal” e “extremo” são os adjetivos mais precisos para descrever tanto o som quanto os intensos shows da banda, que já estremeceu os alicerces de grandes festivais brazucas (como Porão do Rock, Calango, Do Sol, Goiânia Noise, Vaca Amarela, dentre outros). Eles são o exato oposto das anoréxicas esqueléticas que obcecam com emagrecer: o Mugo quer sempre ganhar mais e mais peso.

Dentre as bandas brasileiras pesadas da nova geração, eles são uma das que apresenta maior potencial de exportação. O inglês sem sombra de sotaque caipira e a produção impecavelmente profissa tornam altamente plausível que a banda conquiste cada vez mais fãs no mercado gringo, em especial entre a molecada fã de Lamb Of God e Slipknot e entre os headbangers mais rodados, que já quebraram muito pescoço com o Pantera e o Slayer.

Go To The Next Floor (2009), álbum de estréia do Mugo, lançado pela Fósforo Cultural no Brasil e pelo selo Siksigma nos EUA, é um exemplar responsa do novo metal brasileiro. Deu repercussão considerável no exterior, a julgar por alguns reviews em revistas gringas e pelos mais de 73 mil amigos e 1 milhão de plays no MySpace.

Na sequência, compartilhamos os melhores momentos do papo que batemos com o vocalista Pedro nos headquarters da Fósforo, no Centro de Goiânia, no começo de 2011, ano que, com o lançamento do segundo álbum da banda, promete ser cheio de correrias e conquistas.

 * * * * *

O nome Mugo, lido de trás pra frente, dá "Ogum". O que representa pra vocês a mitologia em torno deste orixá que serviu para batizar a banda e é tido como intenso, violento, guerreiro...?
Pedro: Esta mitologia foi algo que nos chamou muito a atenção: Ogum é um orixá da guerra, com uma brutalidade que é de sua essência, e que tinha também uma musicalidade muito forte. Pensamos que isto tinha muito a ver com o que queremos fazer com nosso som, uma coisa bem explosiva mesmo. Mas aí ficamos meio encanados de ficar meio estereotipado, ou das pessoas se perguntarem “pô, mas será que essa galera é macumbeira?” (rs) Então preferimos manter este significado como uma coisa interna, que nos desse força, e preferimos adotar Ogum ao contrário --- e ficou Mugo, que não tem nenhum significado em si, mas quem se interessar pode pesquisar e descobrir esta história que está por trás.


Um dos fatores que mais impressiona o ouvinte de Go To The Next Floor é o fato da banda ter alto "potencial de exportação", ou seja, as gravações estão "tinindo" para estourar na gringa. O Mugo sempre teve essa ambição de que o som transcendesse as fronteiras do país?
Pedro: Cara, com certeza, desde o início tivemos essa vontade de chegar lá fora, especialmente nos EUA e Inglaterra, onde esse movimento de música pesada é tão forte. Até pelo fato das letras serem em inglês, o pessoal lá de fora tem boas chances de entender muito bem a nossa proposta e a nossa mensagem. O primeiro álbum já foi lançado nos EUA (pelo selo Siksigma) e com nosso segundo CD a gente pretende agilizar uma turnê e concretizar esta nossa ida para fora do país.

O bacana é que várias bandas de metal brasileiras já trilharam esse caminho lá fora, mostrando que é bastante viável, caso de Sepultura, Angra, Krisiun...
Pedro: Com certeza. O Krisiun é uma banda respeitadíssima fora, que toca em todos os festivais de metal destes gigantes, tipo Wachen (Alemanha), With Full Force (Alemanha) e Hellfest (França). E tem uma outra galera que já foi tocar lá fora: Claustrofobia (SP), Confronto (SP), Uganga (MG)... São todas bandas que a gente curte pra caralho e se espelha de alguma forma. Acreditamos no nosso potencial e queremos ter a nossa chance de mostrar nosso som lá fora também. Estamos batalhando pra isso, mas é preciso ter muitos contatos, descolar uns bookers (agentes confiáveis que agendem shows), para viabilizar a ida.

Design: Bicicleta sem Freio
Há aquela velha controvérsia sobre bandas brazucas que cantam em inglês: a vontade de ser reconhecido no exterior foi o que motivou, no caso do Mugo, esta escolha?
Pedro: Sempre que me questionam sobre o lance das letras serem em inglês eu falo que, porra, não é porque eu moro aqui que não posso mandar uma mensagem pra quem mora na Nova Zelândia, sacou? A escolha pelo inglês é pelo desejo de alcançar o maior público possível, afinal é a língua mais falada no mundo, só atrás do mandarim, né? (rs) A gente quer passar uma mensagem que seja mundial, globalizada. É a nossa vontade. Mas nem por isso a gente deixa de contar histórias do que acontece com a gente aqui em Goiânia, na terra do pé-rachado e do pequi. Faz parte da nossa cultura: todo mundo tem o “R” puxado... (rs)

Outra coisa que impressiona é o trampo altamente profissa que vocês realizam com divulgação na Internet. Qual o papel da WWW para a disseminação do som do Mugo?
Pedro: Sem a internet, nossa ferramenta principal, praticamente não teria repercussão lá fora. Prensar os discos é caro pra burro, o frete também é uma facada. Por isso, tem uns 3 ou 4 anos que o MySpace é levado super a sério pela banda. Conseguir 70 mil pessoas adicionadas foi o resultado de um trabalho árduo. A gente recebe muitas mensagens de uma galera bem diversificada, da Indonésia à Finlândia, de Los Angeles a Anápolis, de todo canto do mundo. E a gente faz questão de responder a todo mundo e sempre agradecer o apoio quando alguém nos diz “pô, muito foda o som de vocês!” A gente precisa que o nosso som seja ouvido lá longe até para que surja uma demanda, para que a galera que curte nosso som cobre o show e chame para tocar. 


O vídeo-clipe de "Screams" também bombou na net, com mais de 50.000 views no YouTube. Conta um pouco como foi a produção, gravação e divulgação deste vídeo.
Pedro: O "Screams" foi nosso primeiro clipe, dirigido pelo Antonio Guerino numa co-produção Sertão Filmes e 111. Conseguimos permissão para gravar lá no Centro Cultural Oscar Niemeyer, que na época ainda não tava embargado, e foram 24 horas de gravação, uma correria tremenda, muita aparelhagem, muita gente envolvida... A gente convidou todos os amigos e fãs, no dia de gravar tinha umas 300 pessoas lá e a galera se empenhou mesmo pra ficar um material bem legal. Foi um investimento da banda: a gente pôs uma grana nisso, só conseguiu pagar com cachê de show, venda de Cds e camisetas. É algo que vai estar sempre no nosso currículo e que a gente pode divulgar em qualquer lugar porque a qualidade ficou bem profissa.


Rolou de levar o clipe também para a TV ou as redes televisivas ainda são "caretas" demais para veicular um material mais brutal?
Pedro: Cara, quase não passou por aí, na MTV ou na Multishow. Mas se para conseguir o apoio das mídias convencionais a gente tiver que mudar uma vírgula do som, a gente tá fora. A gente não quer isso. Queremos ser extremos no nosso som, como sempre fomos, agradar a quem tem que agradar, nada de mudar para conseguir mais espaço. Mesmo que a gente tenha que focar mais fora do Brasil a divulgação, vamos continuar fazendo o lance do nosso jeito. Queremos continuar arrebentando com tudo, quanto mais pesado melhor!

Quem já viu o Mugo ao vivo sabe como é impressionante a reação do público, que "quebra tudo" numa sessão descarrego... A piração da galera na platéia é algo intensamente desejado e buscado pelo Mugo em cima do palco, não é?
Pedro: Num show de metal, neguinho ficar parado é meio brochante. Você tá lá em cima do palco que nem um louco, quase quebrando a coluna, e você olha e tem gente de braço cruzado olhando pra você, porra, é brochante! A gente respeita quem quer ficar assim, mas a gente convida quem quer quebrar tudo... a quebrar tudo! Fazer o teto cair. A nossa proposta é essa e a gente fica feliz pra caralho quando a galera compra a ideia e quebra tudo, literalmente.

Curtimos fazer o famoso Hall Of Death, ou Corredor da Morte, que se num foi o Pantera ou o Slayer quem inventou, eu não sei dizer que foi... Tem bandas como o Lamb of God que não existe show deles que não ocorra isso. É uma quebradeira muito louca, é uma forma de desperdiçar uma energia ruim, saca? Mas a gente sempre fala pra galera, “pô, se ver alguém caindo, ajuda a levantar, num faz questão de pisar em cima não...” Se alguém cai, logo tem 3 ou 4 ajudando a reerguer, rola muita camaradagem. 

E nunca dá merda, ninguém quebra osso?
Pedro: O (guitarrista) Augusto, no Vaca Amarela, quebrou o pé.  Também, ficou pulando igual um macaco lá! (rs) Aí ficou andando com bota ortopédica por dois meses (rs). A coisa mais brutal foi a gente em Cuiabá, no Calango. Neguinho subia no palco, pegava impulso lá da bateria e pulava de volta como se estivesse mergulhando no mar... Comecei a ficar com medo de alguém esborrachar a cabeça!

Quando você vai num show de música pesada, com certeza toda aquela vibração é a melhor forma de você conhecer o estilo. A maioria dos metaleiros que existem hoje se tornou metaleiro porque foi num show muito brutal, que neguinho entrou na roda de hardcore e se acabou, gritou pra caralho, soltou todos os demônios... E aí você acaba ficando dependente disso, saca? Sem falar que quem gosta de música vê que é uma coisa técnica, que não é fácil de tocar.... 'cê olha e tem um pedal duplo na bateria “comendo”, e você pira no quanto é difícil tocar aquilo...

O metal em Goiânia já tem uma certa história, com precursores importantes como o Punch, o Desastre ou o próprio Mechanics. Como é que você avalia o cenário atual, não só em termos de bandas, mas da articulação entre elas, dos festivais específicos para o segmento e da galera que é ativa no sentido de contribuir para o crescimento da cena?
Pedro: Eu já tô na música como vocalista tem mais de 10 anos. Quando eu comecei o Punch tava indo pros EUA, foi uma banda em que eu sempre me espelhei... e o vocalista Ícaro é um grande amigo meu. A gente precisa destruir esse paradigma de que Goiânia é só sertanejo, só rock alternativo e de garagem, e mostrar que aqui tem banda pra caralho fazendo metal de qualidade: Spiritual Carnage, Necropsy Room, Desastre, Ressonância Mórfica, Deadly Curse, Hypnotica, All Torment... 

O que tá faltando é unificação, começar a falar a mesma língua e correr atrás ao invés de ficar simplesmente falando. Ao invés de entrar na porra do Goiânia Rock City e reclamar que não tem show, junta com outra galera e faz o show! Tem gente fica reclamando que não tem show... ora, corre atrás de fazer o show! E quando tiver o show, motiva a galera a ir pro show! 


Tem galera que tá representando e é uma força que vale muito: o Adriano do UnderMetal, que tá sempre propondo pra galera se unir e discutir formas de viabilizar pra se começar a se viver de banda, o que é muito difícil, especialmente neste estilo. Tem o Pedro, que organiza eventos como o Go! Mosh e o Brutal Fest. Tem um pessoal montando o selo Sangre, que vai dar uma movimentada na cena. Tem o Rodolfo da One Voice também, que sempre lutou pelo hardcore e pelo metal. 

Tem muitas bandas que eu gostaria de trazer pra cá pra tocarmos junto, tipo o Confronto, o Forca (de São Paulo), o Uganga (de Uberlândia), na prerrogativa de depois ir também pra cidade deles, fazer disso um movimento, pra todo mundo poder circular legal. Os caras do Rinoceronte (RS) também são nossos brothers.

Pra arrematar, quais são as perspectivas do Mugo para este 2011?
Estamos extremamente focados na preparação das 11 músicas novas para o nosso próximo CD. Queremos que este material reflita a evolução da banda, que já está com 4 anos de estrada. Além disso, os novos sons trarão uma sonoridade ainda mais densa e pesada como um reflexo da nova formação: o Mugo agora está com duas guitarras. O Augusto e o Lucas (os dois novos guitarristas) se prepararam muito, tiraram todas as músicas e arranjos, a integração deles à banda foi muito fácil. O Augusto chegou dando um “tapa na cara” de todo mundo... o moleque tem só 18 anos e tá chegando com umas músicas brutais, fazendo todo mundo ficar parecendo um vovôzinho perto dele (rs). Um gás e uma energia brutal! A nova sonoridade trará também mais espaço para solos, uma sonoridade mais refinada. A gente pretende gravar em março e sair para tocar um monte, especialmente fora do nosso Estado, em lugares em que nunca tocamos. 

 
MUGO Go To The Next Floor (2009, Fósforo Cultural)
<<< download (autorizado e incentivado pela banda) >>>


p.s: as duas classudas ilustras da matéria, mais um trampo lindo do Bicicleta Sem Freio, vão ser oficialmente lançados no show do Mugo no Grito! Rock Goiânia 2011. O festival rola no Martim Cerêrê, no sábado de carnaval, dia 06 de Março. Mais info em breve!

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

<<< 7.000 pessoas prestigiam a fina nata do instrumental >>>

GOYAZ FESTIVAL 2011

- 5ª edição do Goyaz reúne 7,2 mil pessoas no Centro Cultural Oscar Niemeyer (GO) em 4 noites de finíssimo som instrumental latino-americano -


Antes, eu só conhecia o Centro Cultural Oscar Niemeyer de vista e reputação. O gigantismo do CCON, construído numa vasta esplanada de 27 mil metros quadrados, seduz o olhar de qualquer motorista que transite pela BR-153. Mas desde que conheci Goiânia, o Niemeyer estava infrequentável e chegava a meus ouvidos apenas como personagem de uma rocambolesca intriga política que fez com que o grande elefante branco passasse boa parte dos últimos  2 anos "às moscas", apesar dos R$65 milhões de reais investidos em sua construção.

Em ruidoso protesto contra esta sub-utilização ("o descaso com as instalações do centro cultural é de comover até mesmo um coração concretado", escreveu Pablo Kossa), ocorreu no ano passado o movimento Rock Pelo Niemeyer. Contando com a união de forças entre Monstro Discos, Fósforo Cultural e muitas das principais bandas da capital goiana, a "cena roqueira" de Goiânia, com notável estardalhaço, exigiu das autoridades a reabertura do CCON.


 
Tanta mobilização e protesto parece ter surtido efeito e foi comovente poder testemunhar a reabertura do CC Oscar Niemeyer neste Janeiro de 2011 --- e em tão grande estilo. No primeiro dia do V Goyaz Festival, uma Lua mesmerizante, baixinha no horizonte, parecia ter descido das alturas para fazer um dueto com o "iglu" de concreto de nosso mais célebre arquiteto. Com shows do trombonista Bocato e do DJ Múcio Guimarães, tinha sido dado o sopro inicial num belíssimo evento, que deveria servir como exemplo para outros semelhantes a pipocarem pelo grande Brasil.
Bocato

O ambiente estava tão agradável e cool que me senti na versão brazuca do Montreux (guardadas as devidas (des)proporções). Já o ingresso gratuito, benesse proporcionada pelo financiamento federal do Fundo Nacional de Cultura, é outra coisa que merece aplausos. São raríssimos os festivais na América Latina que proporcionam atrações culturais do primeiríssimo escalão e que levam a sério a questão da democratização do acesso. Ninguém pode acusar o Goyaz Festival de “elitismo”! Um festival nestes moldes, que em São Paulo ocorreria provavelmente num antro de grã-finos como o Bourbon Street, com um preço-facada duns 100 mangos a noite, para cerca de 200 endinheirados da elite cultural e financeira da mega-inegualitária megalópole, ocorreu em Goiânia como deveria ocorrer em todo canto: cultura para todos!

César Camargo Mariano
Claro que há uma pequena desvantagem para este imenso privilégio de poder assistir a todos estes artistas sem gastar um níquel: os inevitáveis ruídos de multidão, quase impossíveis de não surgirem quando se muvucam no mesmo ambiente 2.000 criaturas, muitas delas bastante alegres de tanto sax ou de tanta breja. Em quase todas as noites, a questão do silêncio (ou da falta dele) foi problemática. Por mais que a organização implorasse ao público, no início de todos os shows, que ficassem de bico calado, tanto em sinal de consideração e respeito pelos artistas, quanto para uma melhor apreciação da música, não se pode dizer que a sugestão tenha sido unanimente acatada. 

Uma parte minoritária mas considerável do público, especialmente a galera que ficou rodeando os dois bares, no arco superior do anfiteatro, pareciam mais a fim de trocar ideia, gargalhar, encher a cara e paquerar do que ouvir música em silêncio monástico. Não sou dos incomodados. Acho até um charme que exista aquele "coro" dissonante e farrista lá no fundo, frisando que a curtição deve prevalecer sobre a caretice. Mas um pulinho à comuna GRC no Orkut revela que muitas pessoas ficaram putas com os "bárbaros boçais" que não calavam a boca durante o Goyaz. É que o público de Goiânia, cme parece, tem impetuosas tendências para o hedonismo e costuma ir a shows não só com permissão para fazer barulho, mas sendo incentivado a fazer uma barulheira dos diabos, estando m tanto desacostumado com o mutismo que se exige dos "concertos de música séria". Quem mais sofreu com isso foi o show de César Camargo Mariano, que tocou pianíssimo, tendo como pano de fundo um burburinho um tanto aporrinhante. 

Marco Lobo

Quem roubou a cena na quinta foi o percussionista Marco Lobo que, no show de abertura, honrando a tradição de Hermeto Pascoal, tirou som das mais excêntricas fontes (como uma garrafa pet de 2 litros), desceu para o meio da galera e sagrou-se como um experimentador hippão de muita ousadia e um senso rítmico acachapante.

Na noite de sexta, a mais festiva do Goyaz, os argentinos do Tanghetto abriram a noite brindando o público com seu interessante “tango eletrônico”. Realizando uma peregrinação sonora em que a música tradicional da nação de Borges convive em harmonia com batidas eletrônicas, destilaram uma bem bolada mescla entre o tradicional e o moderníssimo, o primitivo e cibernético. Enquanto nuestros hermanos tocavam clássicos de Piazolla e outros, os telões passavam inebriantes imagens: de cenários urbanos argentinos a montagens psicodélicas, de versos em castelhano a vagas abstrações. Foi a única ocasião do festival em que o espetáculo tornou-se multi-mídia, com alto prazer não só sônico como cinematográfico.

Paraphernalia
Na sequência, o octeto carioca Paraphernalia, com um groove cabuloso e uma sessão de metais de esquentar qualquer bailão, fez o público se levantar e tomar a frente do palco. O fervilhamento não seria menor se quem estivesse ali fosse a Orquestra Imperial ou a Big Time Orchestra. O começo de madrugada de sexta-feira virou, de vez, balada. E das mais joviais. Transitando com ecletismo entre diversas sonoridades, inclusive uma música de inspiração indiana, com uma cítara tocada com um primor de fazer inveja à George Harrison, o Paraphernalia mostrou ser uma ótima promessa da nova música instrumental brasileira.

No sábado, Jacques Morelembaum e seu "Samba Cello Trio" fez um dos shows mais lindos do festival, ainda que eivado de melancolia. Mostrando que não há absurdo no intento de tocar samba no violoncelo, passeou por composições de João Gilberto, Tom Jobim, Jacob do Bandolim e Caetano Veloso com um bom-gosto e uma sensibilidade impecáveis. 



 Encerrando o festival, o prodigioso gaúcho Yamandu Costa fez o que sabe fazer melhor: deixar o público boquiaberto com tamanho virtuosismo técnico unido a uma "entrega" tão total e apaixonada ao instrumento. Com uma velocidade espantosa, digna de um Yngwie Malmsteen desplugado, Yamandu cavalgou e galopou em seu violão como um endemoniado. Acompanhado pelo acordeom de Alessandro Kramer, Yamandu esbanjou segurança e versatilidade cruzando o popular e o clássico, o choro e a música de fronteira, sempre recheando os intervalos entre as músicas com comentários  cômicos infames num gauchês desencanado. Eis um músico brasileiro que dá a impressão de que poderia tocar em qualquer canto do planeta causando a mesma impressão de assombro, admiração, inveja. Puta dum violeiro!


O saldo do V Goyaz, pois, foi imensamente positivo: foi o recorde de público nestes 5 anos de festival, contou com a reabertura histórica do Centro Cultural Niemeyer  (que poderá abrigar neste ano eventos ainda maiores, como o X Vaca Amarela e o XVII Goiânia Noise) e todos os shows valeram a pena. Deixo aqui meus votos de que os próximos janeiros em Goiânia possam ser presenteados com outros Goyazes tão bons quanto!

* * * * *

O Depredando, munido com um gravadorzinho portátil Sony, conseguiu registrar na moita alguns dos shows do V Goyaz, que agora disponibilizamos aí como Bootlegs Exclusivos do blog, bons como souvenir para quem esteve lá, mas também ótimos para que os ausentes se inteirem do que rolou. Curtam ae!

PARAPHERNALIA
<<< breve >>>

JACQUES MORELENBAUM
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YAMANDU COSTA
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sábado, 15 de janeiro de 2011

<<< 10 de 2010 >>>



















#2

BLITZEN TRAPPER
"Destroyer of the Void"

“Há um vínculo secreto entre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o esquecimento. (...) Na matemática existencial, essa experiência toma a forma de duas equações elementares: o grau de lentidão é diretamente proporcional à intensidade da memória; o grau de velocidade é diretamente proporcional à intensidade do esquecimento.” MILAN KUNDERA, A Lentidão

Se Kundera tem razão, a arte de escutar música também oscila entre estes pólos, a memória e o esquecimento, conforme a pressa ou o cuidado com que a ouvimos. Um tímpano afoito, que faz uma audição apressada e desatenta, faz com que a música logo vaze da lembrança (como se entrasse por um ouvido e saísse por outro). Para que a música se torne algo de denso, para que desça como uma âncora até as profundezas de nosso oceano de neurônios, seria preciso demorar-se nela. Deixar que ela faça seu trabalho sorrateiro, que se infiltre em nosso interior e ali ecoe, que as melodias nos deixem insones, que versos se imponham à consciência como uma charada que queremos desvendar a todo custo...

Se o Blitzen Trapper foi uma das bandas que mais marcou meu 2010 foi pois senti necessidade de me demorar neles, de fazer repetidas visitas ao universo particular dos caras...  Destroyer of the Void, quinto álbum do sexteto de Portland (o terceiro lançado via-Sub Pop), desde a 1ª audição revela-se como um desses raros álbuns que exigem várias audições para serem devidamente apreciados.

Banda sempre surpreendente e ousada, o Blitzen Trapper no começo foi comparado ao "ecletismo lo-fi de Beck" --- e de fato um álbum como Wild Mountain Nation (2007) é loucão, lírico e esquizofrênico o bastante para poder ser equiparado a um Mellow Gold ou Odelay, ainda que seja bem menos impactante.

Mas foi nos dois últimos álbuns que o Blitzen Trapper realmente se encontrou; ao limitar um pouco o leque vasto demais de sonoridades, centrando o foco na música americana roots em todas as suas vertentes, os caras encontraram sua identidade e fizeram em Furr (2008) e Destroyer Of The Void (2010) dois dos mais admiráveis álbuns folk dos últimos anos. E quem diz "folk" diz "música tradicional norte-americana", o  equivalente da nossa "M.P.B."...


"Black River Killer", de Furr, já revelava qual a "viagem" do Trapper nos últimos anos: um mergulho às raízes da música americana "maldita", de Johnny Cash cantando na penitenciária Folsom à Bruce Springsteen uivando na madrugada em Nebraska, do blues satânico de Robert Johnson e Leadbelly ao desconsolo empoeirado do Wilco fase-Being There

O "Assassino do Rio Negro": está aí um nome propício para um western spaghetti --- e também esta influência marca presença nas letras altamente narrativas de Eric Earley, compositor e vocalista do grupo. Mas é como se algo de gótico, de noir, viesse escurecer muitos dos "causos" que nos conta o Blitzen Trapper. Uma lírica à la Nick Cave misturada a historietas sanguinolentas, dignas dum thriller caipira ou de Sobre Ratos e Homens, de Steinbeck.

A primeira música de Destroyer of The Void já escancara o quão ambicioso se tornou o Blitzen Trapper. Com mais de 6 minutos de duração, a faixa-título é uma espantosa suíte  folk-prog-psicodélica que transita por 3 diferentes seções, num procedimento que remete às faixas finais do Abbey Road. Construindo um complexo labirinto folk, a banda criou sua canção mais arrojada, remetendo a "Deja Vu", do Crosby, Stills, Nash & Young, ou ao clássico American Beauty (1970), do Grateful Dead.



Se a ambição musical atinge seu ápice já no início da álbum, daí em diante é a ambição poética quem toma conta em canções recheadas com tanto lirismo e mistério que não esgotam seu sentido mesmo depois de uma dúzia de audições. A melhor poesia do álbum surge em "The Man Who Would Speak True", canção irmã de "Black River Killer".  Ambas as cançõesse assemelham a rubros clássicos do folk americano que cheiram a sangue fresco e pecado. Filiam-se a uma longa tradição de músicas que narram assassinatos passionais, cometidos por homens arrebatados como heróis de Dostoiévski, que degolam pobres mocinhas, a quem depois dedicam um pungente folk confessional... É o caso de "Down By The River" de Neil Young, "Via Chicago", do Wilco, ou "Where Did You Sleep Last Night?", do Leadbelly (mais conhecida na voz de Kurt Cobain...).

"I fed my tongue on the Devil’s rum
In a roadhouse run by a godless bum
On a drunken night, with a stolen gun
I shot my lover as she made to run."

Depois de confessar ter cometido o homicídio de sua amada Grace (teria sido uma homenagem à anti-heroína de Lars Von Trier em Dogville/Manderlay?), o eu-lírico descreve sua vida como fugitivo da justiça, até ser pego e forçado a falar. Com um talento para a construção de metáforas de deixar boquiaberto, Earley faz sua língua, ao dizer a verdade, soltar fogo pelas ventas como um dragão...

"So I opened my mouth like a dragon’s breath
I only spoke truth, but it only brought death
And I laid those boys to rest
For the truth, in truth, is a terrible jest.

For there ain’t no road but the road to home,
There ain’t no crops but the ones you’ve sown
And if you'll learn one thing from me:
You better guard your tongue like your enemy."

Esta canção foi o que bastou para que eu colocasse Eric Earley no seleto rol dos meus poetas-da-música prediletos. E há tempos eu não encontrava alguém digno de fazer companhia à Dylan, Cohen, Springsteen, Tweedy, Patti Smith, Conor Oberst, Jeff Mangum... Mas não é só nesta que o lirismo do cara maravilha o ouvinte atento: o álbum inteiro é um banquete para quem gosta de poesia, de rima, de jogos-de-palavra e de vôos-livre da imaginação...

O psicodelismo delirante de Syd Barrett ou Skip Spence é o que dá o tom em "Lover, Leave Me Drowning", pink-floydesca pepita folk-psicodélica na qual violinos bucólicos convivem com guitarrismos nuggetianos. O folkão com pegada rocker do Black Rebel Motorcycle Club  circa-Howl é a onda de "Dragon's Song". E o fantasma de Nick Drake também dá as caras para assombrar as melancólicas (e belíssimas...) "Bellow The Hurricane" e "Heaven and Earth".


Já "The Tree" traz um dueto vocal de Earley com Alela Diane que remete a algumas das mais belas colaborações entre Gram Parsons e Emmylou Harris ou Damien Rice e Lisa Hannigan. Trata-se de uma fábula adocicada, impregnada de magia e simbolismos de conto-de-fadas, sobre uma árvore gigantesca que cresce sem parar, enquanto o eu-lírico e sua musa a escalam, ascendendo sempre, através dos enroscos dos galhos e das folhagens...

Ótima metáfora para o próprio Blitzen Trapper: uma banda com raízes profundamente plantadas no solo da música americana e que vem se transformando numa frondosa árvore, digna de ser escalada infindamente por nós, ouvintes, que só tem a ganhar se, com insistência, chegarem lá em cima, onde suculentos frutos nos aguardam....


(Destroyer of the Void, Sub Pop, 2010)
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(Furr, Sub Pop, 2008)
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(Wild Mountain Nation, Sub Pop, 2007)
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quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

:: envileço na cidade ::


:: 3 ANOS DE DEPREDAÇÃO! ::


"Don't hate the media. Become the media."
JELLO BIAFRA

Maomêno 3 anitos atrás nascia esta joça aqui. Nunca imaginei, na época em que dei à luz  o monstrengo e batizei-o com a primeira punkice adolescente que acorreu à mente, que  o danado ia crescer tanto --- a ponto de estar hoje com 200 seguidores (somando Blogger e Networked Blogs) e mais de 180.000 visitas. Me sinto, não nego, como um paizão orgulhoso, daqueles que gosta  muito de investir sua energia e seu suor em prol de sua criaturinha, ainda que não ganhe um tostão por isso. Mas todo bom hippie sabe que que os trabalhos não-remunerados têm altas possibilidades de serem os mais recompensadores de todos, existencialmente falando, e posso garantir que esse é o caso. O jornalismo à la Depredando é o jornalismo como eu gosto de fazer: sem patrão mala  me dando ordens, sem grandes corporações me querendo fazer de pau-mandado e pena de aluguel, e com o foco sempre  fixo no conselho certeiro de Jello Biafra, a lésbica mais esperta do punk: "Não odeie a mídia. Torne-se a mídia."

Fui nos outros 'nívers um pai meio desleixado, de não comprar presente ou fazer festinha pro rebento. Mas eis-me aqui, com a consciência um pouco culpada, vindo tacar um pouco de confete sobre o aniversariante Depredas. Afinal, ele já vai chegando na idade de largar a chupeta, as fraldas e a mamadeira de leite-com-uísque que o paizão aqui, à la Daniel Plainview, lhe providenciava todas as noites para que dormisse o sono dos justos...

Não sou muito chegado a discursinhos de festa de aniversário, mas hoje me sinto a fim de compartilhar com quem tiver saco de me ouvir um pouco da história e do significado deste treco aqui. Mas quem não estiver com saco pra papo quase-furado pode saltar ao fim deste post para devorar o bolo... =)

Esta brincadeira de moleque que era o Depredando o Orelhão não poderia ter nascido, claro, sem a revolução em nossos costumes musicais trazida pelo MP3 e pelos programinhas de comunismo cibernético como Napster, Audiogalaxy, E-mule e tantos outros, hoje reconhecidos como agentes de uma renovação no zeitgeist que faz a indústria fonográfica tremer nas bases e mijar nas calças feito um pirralho frente ao bully. As coisas jamais serão as mesmas.  

Muita gente graúda chiou e se enfezou (Metallica e Madonna  até deram-se as mãos [bizarra aliança...] para lutar contra a putaria-anarquista do MP3...), mas a oposição deu com os burros n'água. O MP3 veio pra ficar. E a indústria que se vire (ou que se foda): porque matá-lo não dá mais. O lance é que a disseminação massiva e incontrolável da música encodada em bits, que já faz alguns suspeitarem que o CD e a loja de discos estão fadados à obsolescência e que logo vão virar  itens de museu feito a fita K7 e o bolachão de vinil, fez com que pipocassem por toda a rede este fenômeno social que ainda carece de um rótulo melhor: os blogs de mp3.

A molecadinha de menos de 20 anos, da Geração "Born Digital", que já pegou o bonde do MP3 andando, tende a esquecer como era torturante a vida destes jurássicos seres da era pré-MP3. Mesmo na época  em que o CD nacional custava "só" uns 20 mangos e a Trama estava nos fazendo o favor de pôr no mercado muitas pepitas da Matador, por exemplo, o acesso a isso era bem restrito e possuir uma vasta coleção de discos era privilégio dos bufunfados.

 Foi este elitismo que o mp3 chutou pra escanteio, instaurando uma era de acesso muito mais democrático à produção musical da raça humana. A arte, afinal, é de todos, ou deveria ser; que ela permaneça acessível a uma elite de endinheirados deveria sempre ser motivo de revolta, e tudo aquilo que vira a mesa em prol do acesso global aos bens da cultura merece ser celebrado! É o que acho, mas sem entrar, por hoje, na espinhosa questão da pirataria, dos direitos autorais, e da discussão sobre o caráter criminoso ou não de blogs como este...


Durante a minha adolescência (+ ou - de 1995 a 2002) não me sobravam mais que uns 40 conto no fim do mês pra queimar em disco. A coleção avançava a passos de tartaruga. Com o ardor que donas-de-casa mão-de-vaca põe em comparar preços entre hipermercados, eu passeava pelas lojas de disco do ABC Paulista, tentando escolher, em meio a martirizantes crises de indecisão, entre o Black Crowes e o Pearl Jam, entre o AC/DC e o Jimi Hendrix... Cheguei  até às beiras de virar um adolescente esquelético como um somaliano de tanto ficar em jejum na hora do recreio. Enquanto outros devoravam suas coxinhas, eu me segurava na dieta que me permitiria, depois de muito passar fome, estar um passinho mais perto de completar a discografia do Nirvana ou do Led Zeppelin... Como tudo mudou!

Pois a era do mp3 pôs à disposição de qualquer reles mortal, desde que munido de banda larga e ímpetos exploratórios, uma imensa biblioteca sonora. Se a loja de discos periga ficar obsoleta e desaparecer da face da Terra, é pois a Internet transformou-se na mais utópica e deliciosa das lojas de discos: uma que tem quase tudo o que você procura e em que cada "produto" tem um custo que beira um maravilhoso zero. Quando comecei a descobrir os blogs de mp3, tive a impressão de ter descoberto um apetitoso novo universo para melômanos: eram como milhares de "lojas de disco" virtuais, em que brilhavam nas vitrines suculentos álbuns, a um mísero clique de distância, e melhor que tudo... tudigrátis! Até hoje, ainda que o costume acabe amainando o fascínio, me maravilho com as possibilidades abertas por esta tecnologia.

Um "causo" bem exemplar deste assombro tecnológico eu testemunhei estes dias em um dos meus passeios pela roça.  Eu estava num sítio em Lucianópolis,  cidadezinha digna de figurar no "Cidades Mortas" de Monteiro Lobato: roça braba do interior paulista, onde impera o marasmo e onde cada porrrta tem uns três Rs. Um senhor, que passou a vida no campo e parecia não ter o mínimo traquejo com as parafernálias da era da informática, manifestava o mais radical ceticismo diante da aparente lorota de que um aparelinho celular, que cabia no bolso, podia conter mais de 10.000 músicas. Parecia conversa de pescador. E o incrédulo só foi convencido da veracidade do que tinha tomado por conversa fiada ao ouvir, por cerca de 5 horas na sequência, crááássicos do cancioneiro sertanejo que não se repetiam nem que a vaca tussisse... Assombro: hoje em dia, uma HDzinha das mais furrecas é capaz de guardar o conteúdo de mega-stores inteiras. Em breve, um mísero pen-drive, que cabe no bolso junto do bocket-book e do chaveiro, poderá conter mais músicas do que todos os CDs  à venda em um gigantesco shopping center.


Que a indústria fonográfica se esfacele totalmente diante desta realidade acho até possível, mas improvável. O mais plausível é que a indústria se adapte à nova realidade, ao invés de se debater numa longa agonia de morte. Pois o capitalismo pode ser muita coisa --- perverso, injusto, maquiavélico... --- mas não é burro. E não devemos subestimar, como ensina o Slavoj Zizek, sua imensa plasticidade, ou seja, tudo aquilo que o "Sistema" é capaz de modificar em si mesmo para se adaptar a um ambiente cambiante e sobreviver nele...

E, quer saber? Quando a RIAA, que reúne as serpentes da Indústria Fonográfica Agonizante e seus Web Sherrifs escrotos, diz que "baixar MP3 é fazer download do comunismo", eu digo... ótimo! Continuemos, pois, levando adiante a bandeira do comunitarismo cibernético extremo, se isso ajuda a minar um pouco das fundações da indústria cultural cega pela ganância e obriga um nova cultura e uma nova consciência a emergir!

Sou destes que se assombra com a imensidão da mudança que isto está instaurando, não só na indústria mas em nossa percepção musical coletiva. Mas também nem tudo são rosas, sei bem. Um dos efeitos não tão bacanas desta revolução tecnológica, me parece, é que a imensidão dos itens no cardápio nos faz como desnorteadas crianças na loja de doces, que vão tirando lasquinhas de mil bolos e brigadeiros, quase nunca saboreando por inteiro e com vagar um deles. Querendo provar de tudo, provamos com uma pressa descuidada. Misturando farrapos de canções em nossa consciência, bem ao gosto pós-moderno, perigamos sofrer tanto de indigestão quanto de conhecimento superficial de tudo o que degustamos.

Eu mesmo sofro deste mal: baixo uma pá de discografias que ficam pegando pó no fundo de alguma gaveta do hard-disk, dou uma "ouvidinha" rápida em muita coisa que baixo, logo relegando ao ostracismo, enquanto só aumenta o desnorteio em relação à variedade imensa da informação disponível... Me tornei um ouvinte que conhece em mais quantidade, mas cuja escuta perdeu em qualidade. Muitas vezes, cometo com a música o crime que outros cometem com a literatura: a leitura dinâmica. Outras, julgo um álbum por algumas de suas faixas, uma injustiça infame: pois julgar parte pelo todo é justamente o que um crítico musical precisa se resguardar para não fazer!

Mesmo sob o risco de soar como um infame tiozão nostálgico, rememoro que, antes do Napster e seus sucessores surgirem para fazer todo o estrago que fizeram, minha relação com os álbuns era, necessariamente, mais demorada. Já que era mais complicado e custo$o comprar um CD do que é hoje baixá-lo em MP3 (quê tormentos de economia, que mão-de-vaquice cotidiana e que jejuns no recreio não eram necessários!), o apego sentimental acabava sendo maior. Cada nova adição à coleção era comemorada tanto quanto ganhar um novo amigo; e com cada um deles eu embarcava num longo relacionamento que, por vezes, reduzia o coitado à ficar arruinado de tantos riscos (o equivalente do "ouvir o vinil até furar" de nossos pais). Foi assim com Superunkown, Facelift, Back In Black, Electric Ladyland ou Dust, alguns dos meus companheiros mais recorrentes de aparelho de som.

Uma das principais funções de um blog como este, acho eu, é tentar "filtrar" toda a informação existente na net --- que existe numa quantidade tão monstruosa que um input de 5% dela seria o suficiente para fritar qualquer cérebro e gerar uma overdose mental letal... É um pouco a tarefa de separar o joio do trigo nesta colossal padoca cibernética. Pôr o senso crítico para funcionar e indicar aquilo que se julga digno de atenção e o que deve ser relegado ao status de besteirol. E sabemos bem que a Web têm doses de bullshit ainda mais cavalares do que a Televisão, até mesmo em virtude da extrema democratização da expressão: qualquer um pode ser um criador de conteúdo na internet ao criar um blog, um twitter, um facebook; ninguém precisa passar num teste de Q.I. ou descolar um alvará do governo federal para abrir a boca na Web (tais medidas totalitárias, aliás, seriam a ruína da Utopia Digital...).

Este blog nasceu com uma proposta modesta: ser o equivalente cibernético daquela  arte hoje um tanto esquecida, a do escambo de discos entre camaradas. "Cara, descobri um álbum foda, ouve isso aqui!"  Eis o impulso primário que fez nascer o Depredando o Orelhão: o desejo de compartilhar com os trutas no grande oceano blogosférico tudo aquilo que me maravilhado os ouvidos e injeta sangue novo nas veias... Com o tempo, claro, o jornalismo se misturou ao hobby, a paixão por escrever e pensar sobre música se mesclou com a vontade de disseminar bons discos, e o resultado é este rebento aqui, que já atravessou três camaleônicos anos e que pretende seguir adiante, enquanto durar a energia e o tesão.

E agora em novo domicílio: o Depredas, que nasceu em Sampa, agora é um goiano de coração, e contente de poder dar uma forcinha a mais para a constante efervescência não só da cultura independente em Goiânia, a Seattle brasileira deste começo de século, mas de tudo o está se produzindo na música brasileira atual - que, sem dúvida, tem tudo para estar entrando na melhor década de sua história. Nisto aposto, creio e trabalho!



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p.s.: Um "valeu!" especial pra "gangue" de contribuidores que, nestes três anos, ajudaram a manter a parada atulizada: Ana Alice, Bernie, Marco, Fran, Fabrício, Diogo, Alexandre, Mininão, Fred e Marcos. Portas sempre abertas para novas contribuições, galera!

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p.s. 2: E pra não dizerem que o festório num teve comes-e-bebes, largo aí 3 belos discos hedonistas, bons para tocar numa noite de farra: o Monkeywrench, garageira firmeza chefiada pelo Mark Arm do Mudhoney; Delta 72, mais uma garageira, mas com acentos soul e R&B, uma espécie de Afghan Whigs alto-astral; e o sempre sensacional Sly & The Family Stone, funk de primeiríssima...

Curtam ae!

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