segunda-feira, 27 de setembro de 2010

<<< Skating with dinossaurs >>>


O Dinossaurinho vem aí! Depois de passarem por Salvador e pelo No Ar Coquetel Molotov em Recife, J. Mascis & Lou Barlow desembarcam o Dinosaur Jr em Sampa para dois shows sold-out no Comitê nos dias 28 e 29/09. A boa nova pra quem não pôde gastar as 80 pilas do ingresso, ou não teve tempo de faturar o seu antes deles esgotarem, é que vai rolar um show de graça e unplugged da banda nesta terça, 28/09, na Praça Marechal Cordeiro Faria (final da Avenida Paulista).

Fala a Folha: "Pioneiro do rock alternativo, o trio norte-americano engata um show acústico enquanto skatistas mostram suas manobras na escultura de concreto Vênus, cedida à Praça. O projeto faz parte da segunda etapa da exposição Destroy and Create, que começou na Matilha Cultural".

A banda está em tour de divulgação do ótimo Farm (2009), discão do redivivo dino (que "ficou de molho" entre 1997 e 2007) e que traz alguns dos guitarrismos mais cabulosos do ano passado. Testemunhar live este T Rex do guitar-rock americano nestas condições promete ser uma experiência imperdível, apesar do horário bem matinê do fervo: das 14h às 17h. Boa ocasião para fabricar em plena terça-feira um súbito mal-estar ou consulta médica fake pra dar aquele perdido no patrão e fugir lá pro... Jurassic Park.

E pro "esquenta" de hoje à noite, nada melhor do que reassistir Dogtown and the Z-Boys, bizoiar o clipe de "Over It" e relembrar os riffões desta Fazendinha Noisy aqui, ó:

2009 Farm [dwld]


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(Aproveita e baixa os véião! Tudo crássico.)

1987 You're Living All Over Me [dwld]



1988 Bug [dwld]


1991 Green Mind [dwld]


1993 Where You Been [dwld]

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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

<<< O Vaca e o Porão: aperitivos! >>>

É uma assembléia? Um levante? Um arrastão? Não!
É o Terra Celta invadindo o Sertão...

A gente teve lá, nos dois últimos ruidosos findis, arruinando com prazer tímpanos e fígado para checar de perto um pouco do que a música independente brasileira está gerando de melhor. O Porão do Rock, em Brasília, e o Vaca Amarela, em Goiânia, dois dos mais significativos festivais que rolam anualmente no país, fazem por merecer longas matérias gonzo à la Tony Parsons que já estão em incubação. Mas a cobertura completa, contando tim-tim por tim-tim e pogo-por-pogo o que rolou no Planalto Central nestes últimos tempos, vai ficar pra mais tarde: é uma das atrações que vai rechear o lançamento iminente do nosso novo lar: o http://depredando.com. Por enquanto, fica aí um tiragosto de como foram estes dois grandes festórios da cultura independente brazuca em momentos de plena efesvescência.

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entrevistamos a galera do Fusile um tempo atrás, empolgados com um dos EPs de estréia mais apetitosos do rock nacional nos últimos tempos. Agora tivemos a chance de ver ao vivo o ska-core maníaco dos mineiros e compravamos: é coisa fina. Apesar das comparações com o Móveis ou o primeiro Los Hermanos, estes fusiladores me soam mais como estas big-bands modernas tri-legais como o Squirrel Nut Zippers e o Big Bad Voodoo Daddy. Boom boom boom!



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Rivalidade futebolística às favas, frisemos que nuestros hermanos argentinos do Los Primitivos fizeram um dos shows mais dilícia do Porão deste ano --- e depois repetiram a dose tocando no Vá Tomar no Kuka de Goiânia. Foi talvez a mais grata atração internacional do festival brasiliense, que contou ainda com Supersuckers e The-Right-Ons. O power-trio doidão de Buenos Aires toca um psychobilly retrô com a safadeza e a naturalidade com que Maradona fazia gols com a mão. E o título do primeiro álbum mostra bem as intenções malévolas dos sacanas: querem rockear "hasta que caigas muerto"!



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Fazendo jus à sua posição vanguardista na ascendente cena instrumental brasileira, que conta ainda com o Macaco Bong e o Hurtmoldt (dentr'outros), os gaúchos do Pata de Elefante fizeram um dos shows musicalmente mais ricos do Vaca. Belíssimos solos de guitarra deitam-e-rolam sobre um cabuloso groove cozinhado pelo resto da manada. Este mamute, apesar de seu peso, mostra uma grande facilidade em alçar vôo. Chuuupa, Dumbo!



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O Sick Sick Sinners, que toca psychobilly tão pesado e tão urrado que mais parece o Motörhead do Paraná, fez um dos mais marcantes ataques psicóticos em formato de som do Porão. Foi tão insano que uma hora a roda de pogo virou pancadaria e deve ter tido neguinho mandado pro hospital. Com vocês, Curitiba psychos on the loose!



(Não, não é uma cover de "Ace Of Spades"!)

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Não dá pra não pagar pau mais uma vez pra catártica e insana festa pagã do Terra Celta. Ouso até dizer que o Móveis Coloniais de Acaju tá ameaçado de ficar comendo poeira frente a estes malucos no quesito "show mais empolgante do Brasil". Chega a ser inacreditável a recepção extremamente positiva do público que se entrega massivamente à mistureba de música celta, baião e atitude punk-rock que transformou o Estação Goiânia numa orgia hedonista de abrir sorrisos em Baco e Dionísio. Como tiragosto, traguem este lullaby bebum:



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Pra terminar este breve antepasto, degustem aí o Pato Fu num de seus momentos mais lúdicos no show de Brasília. É o momento em que o John assume o comando e a banda descamba pruma garageira de prima, mezzo Nuggets, mezzo Mutantes.Vale ressaltar que, num festival em que o pessoalzinho começou a ter os primeiros comas alcóolicos enquanto o Sol ainda estava caindo, com umas 12h de som ainda pela frente, quem demonstrou personalidade foi a Fernandinha Takai em sua escolha de goró. Porque beber Toddynho frente a 32 mil pessoas exige é muito culhão!




Logo mais tem mais!

(Fotos: Goiânia Rock City)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

:: Afugentando o famigerado demônio do silêncio ::


:: UMBANDO ::

O Umbando é uma das mais preciosas contribuições do Centro-Oeste brazuca à "nova-MPB". O grupo goiano, na ativa desde 2001 e dono de um disco de estréia primoroso, faz um som autenticamente popular, digno de "estouro", em que confluem muitos estilos da música brasileira filtrados e unidos por uma máquina de groove e lirismo que, em seus melhores momentos, é irresistível. 

Sim: nem tudo que é popular é pop. E pop o Umbando não é: as letras altamente literárias, que por vezes reverenciam Guimarães Rosa e Suassuna, são um dos elementos que deixa a banda com um sabor mais "cult". O ecletismo da instrumentação também enriquece o som dos caras a ponto deles soarem quase como uma orquestra de rua. Já o balanço funky e o magnetismo dos seus grooves convida qualquer um a remexer o esqueleto. 

Por isso a banda goiana me lembra um pouco outras bandonas atuais que têm se dedicado a procurar a batida perfeita e pôr o ouvinte a suingar com classe --- caso duma Orquestra Imperial ou dum Fino Coletivo.

E foi o que ocorreu no último show da banda em sua cidade matriz, onde são muito queridos e aplaudidos. Na véspera do Feriado da Independência, com o teatro do Goiânia Ouro entupidaço de gente e uma galera enorme dançando na frente do palco e nos corredores, o Umbando fez um dos mais belos shows que vi neste 2010.

Nota-se que o grosso e saboroso caldo sonoro que eles cozinham contêm inclusive especiarias importadas do Nordeste e do Rio de Janeiro: um baião aqui e ali, um sambão bem carioca acolá, mas tudo sem nunca perder o acento marcadamente “Planalto Central”. 

O solo de guitarra com distorção convive em paz com o adocicado solar da flauta transversal. Já a forte sessão percussiva (se bem que mais “na dela” que a da Nação Zumbi, por exemplo) não atrapalha o cantarolar de Kléber & Marquinho (que tão mais pra Amarante & Camelo que pra Zezé di Camargo & Luciano...).


A banda também é curtível perfeitamente por “roqueiros” - que, acho eu, fazem muito bem ao curtirem a banda pois dão provas de ter horizontes vastos, mente aberta e sem preconceitos. Porque só um "roqueirinho" com cérebro de pomba ou de crocodilo iria rejeitar uma banda com algum argumentinho tosco do tipo “flauta é coisa de marica”. 

Diversidade sonora é também sintoma de diversidade humana, diversidade cultural, diversidade de tradições e heranças confluindo para formar um todo sônico harmônico. E é disso que precisamos! Fechar-se em estilos musicais ou pequenas tribos não tá com nada: o negócio é a mescla de gêneros, a confluência de estilos, a inspiração mútua, a lição viva (cantada e tocada) de que podem conviver sem neuras as diferenças! 

Convido vocês, pois, a baixarem o debut umbandístico (download autorizado pela banda!) e darem uma espiada em como são os caras ao vivo com os vídeos-tosqueira que gravei por lá. O primeiro é de "Olho Mágico", uma das minhas músicas prediletas da banda e que tem uma letrinha bem poética e bem instigante. Depois, vem uma música nova que começa com um violãozão slide cabuloso e que me lembrou algo saído do Led Zeppelin III. Por fim, "Boca de Urna", canção de Ari Ferreira (um dos membros da banda que não sobreviveu para ver os frutos do trabalhado do Umbando em CD...), que chacota com o sistema eleitoral. 

Enjoy! 


"Eu já fui cético, até ateu / Tentei ser ético mas não deu / Discípulo de São Tomé / Só mesmo vendo pra botar fé // Eu já fui cético, até ateu / Dei três pulinhos pra São Longuinho / Me ajudar no que eu procurava / Uma estrada, um caminho // Mas no meio da encruzilhada, foi Deus / Quem se mostrou pra mim / Sem placa, luz ou imagem / Só na flor e no espinho // Que sempre estiveram ali, ou num vaso de xaxim // No amor de um buquê mandado, / Nos cuidados de um jardim // Só vendo pra crer em disco voador / Quem acredita vê duende no retrovisor // O olho mágico enxerga o cosmos / No hospital, e na flor / O olho cético se fere / No espinho e no amor." (Luiz Clímaco)




 [dwld - 57 mb ]

domingo, 5 de setembro de 2010

:: Eu Sou Ozzy ::

:: O Forrest Gump do Metal ::
- Ana Alice Gallo -

Bons colegas de boteco são, por essência, ótimos contadores de história. Você sabe que não pode acreditar em tudo o que o cara tá dizendo, mas nem esse é o propósito: vale mais o sabor dos causos. Imagine, então, um desses sujeitos com mais de 40 anos de experiências em pubs, puteiros e muitas situações insólitas. Pois é isso que faz Ozzy em sua auto-biografia: conta causos e mais causos, como um bom Forrest Gump do heavy metal.

Dois fatores desarmam de cara o leitor: o fato de o livro ser narrado em primeira pessoa, o que já pressupõe que o sujeito vai contar tudo do jeito dele; e, no caso desse rockstar, a declaração na primeira página de uma lista de drogas gigantes que fizeram ele não se lembrar direito de tudo, e que era bem possível que outras pessoas contestassem a sua versão dos fatos. Resta-nos, então, pedir ao garçom mais uma breja e saborear tudo sem pudores ou ressalvas. São, sim, histórias do vovô Ozzy.

Entre a infância fodidamente pobre, uma passagem rápida pela prisão e um trabalho em um abatedouro, desenha-se o personagem Ozzy, que cresceu e conquistou o mundo portando dislexia, déficit de atenção e, mais tarde, uma rara doença chamada de síndrome parksoniana – sem nunca ter exatamente noção disso tudo. Descobre-se que a magia negra nada mais era que uma tosca jogada de marketing inventada quando os integrantes do Balck Sabnbath viam filas enormes na frente do cinema quando passavam filmes de terror e imaginavam que coisas aterrorizantes chamavam a atenção. E que eles detestavam, na verdade, os seguidores de Satã que passaram a fazer vigília nos hotéis da banda e a pintar crucifixos invertidos com sangue nas portas de seus quartos.



Não vou contar todos os “bombons” que Ozzy entrega aos leitores enquanto abre a caixa de chocolates (recheados de álcool e cocaína) que é sua vida. Mas algumas pérolas se destacam, como quando descreve como explodiu uma pomba em uma sala com executivos da gravadora, ou jura que morder a cabeça de um morcego foi um acidente inesperadíssimo. Em turnê com o Mötley Crue, um belo dia Ozzy acordou no canteiro central entre as pistas de uma rodovia, e não espere descobrir como ele foi parar lá, se nem o próprio se lembra.

O ex-vocalista do Black Sabbath foi um pai lastimável, um filho um tanto mesquinho e um marido quase homicida (se ele não lembra, ele não fez?). Mas brigas familiares, momentos desprezíveis e lutas de consciência passam sutilmente pelos capítulos, nada que realmente estrague a noite do leitor. Ozzy é tão complacente consigo mesmo que, quando se culpa por não estar presente na criação dos filhos ou de se arrepender de ter feito o seriado “Os Osbournes”, você o desculpa junto, só pra poder ouvir logo o próximo causo. E chamar o garçom de novo.

>>> Leia trechos do livro!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

:: Liszt-mania ::


"Gold Soundz", do Pavement, acaba de ser eleita pela Pitchfork a mais fina pepita da década de 90. Vale relembrar que a banda de Stephen Malkmus e companhia, recém renascida das cinzas, pousa no Brasil em breve para tocar no festival Planeta Terra. A revista selecionou 150 sons que considera os mais significativos e marcantes da era 1990-99 e o o Top 10 ficou assim:
1. Pavement - "Gold Soundz"
2. Pulp - "Common People"
3. Dr. Dre [ft. Snoop Doggy Dogg] - "Nuthin' But a 'G' Thang"
4. Radiohead - "Paranoid Android"
5. Wu-Tang Clan - "Protect Ya Neck"
6. My Bloody Valentine - "Only Shallow"
7. Neutral Milk Hotel - "Holland, 1945"
8. Aaliyah - "Are You That Somebody?"
9. Beck - "Loser"
10. Weezer - "Say It Ain't So"
E aí: protestos e objeções? ("Smells Like Teen Spirit" merece estar relegada ao 13º lugar?) Mande nos comments o teu top 10 e concorra a um CD de uma banda nacional independente!

:: les pains pour la faim des oreilles... ::

MANIC STREET PREACHERS
Postcards From a Young Man
[dwld]

LES SAVY FAV
Root To Ruin
[dwld]


HANS ZIMMER
Inception OST
[dwld]



BLACK MOUNTAIN
Wilderness Heart
[dwld]



WHITE HINTERLAND (CASEY DIENEL)
Kairos
[dwld]


ESPERANZA SPALDING
Chamber Music Society
[dwld]

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

:: Frusça! ::

 F R U S C I A N T E 

Há aqueles fãs que, de tão fanáticos, dão aprovação integral a tudo o que está relacionado ao ídolo cultuado: todos os discos, todas as fases, todas os projetos paralelos, todas as frases de todas as entrevistas, todas as fotos desfocadas e demos muito mau-gravadas, tudo é "lindo, divino, maravilhoso, impecável"... Se o ídolo lhe entregasse um saquinho plástico com seu vômito, este fã iria guardá-lo dentro de um santuário; a camiseta fedida a suor que o deus concedeu nunca mais será lavada; e, no dormitório, não há um único fragmento de parede sem um pôster do messias...

        Há algo desta devoção um tanto fanática na minha longa relação com a vida e a arte do Frusciante: é uma daquelas criaturas com quem a gente é capaz de se identificar tanto que ele mais parece um irmão que calhou de nascer de outra mãe. He is my brother from another mother.

        E pode até soar surpreendente que alguém que nunca ligou muito pros Chilli Peppers tenha acabado por cair de amores pela música de John Frusciante, e com um nível de devoção considerável. Mas o fato é que a música do Frusça me capturou, me tem acompanhado faz anos, e a persona artística magnética e enigmática do cara também. É como se ele fosse um amigo do peito que ainda não tive chance de conhecer. E hoje aperto os discos de John junto ao peito como jóias de raro valor e fico a me perguntar: como é possível que o mundo ainda não tenha reconhecido que o trabalho do cara está entre o que de melhor se fez na música deste jovem século 21?


        Conta a história que o garoto John Frusciante, nascido em New York, 1970, se mudou com a família para a Califórnia ainda cedo. Ali (batata!) se tornou fã de skate, punk rock e guitarra como tantos outros adolescentes californianos. Começou a "tirar" músicas dos Germs já aos 9 anos de idade. Lá por 1989, um jovem de 17 anos era conhecido nas redondezas por ser o maior fã dos Red Hot Chilli Peppers do mundo. Ia a quase todos os shows como quem segue um culto, feliz por estar cara a cara com sua banda local predileta. E olha que os Peppers eram naqueles tempos apenas um pequeno combo de funk-rock regional, de baixa vendagem, ainda longe de explodir no mainstream. Quando Hillel Slova (o guitarrista original do Red Hot) bateu as botas após uma overdose de heroína, foi Frusça quem assumiu o comando das seis cordas. Tinha 18 anos de idade e já tocava lindamente, feito um Jimi Hendrix branquelo que tinha o funk e o blues no sangue e os turbinava com punk rock, Lou Reed, psicodelia e o caralho a quatro... Com esta formação, os Red Hot Chilli Peppers, com o lançamento de Blood Sugar Sex Magik, iriam se tornar uma das maiores bandas do planeta.


Alcançando o sucesso mundial em idade prematura, Frusça, por razões até hoje obscuras, abdicou da fama e do posto como guitarrista principal naquela que era uma das mais bem sucedidas bandas da Terra. Na turnê de Blood Sugar, decide abandonar a banda que lhe estava enchendo a poupança com milhares de dólares e lhe rendendo enxurradas de fãs e groupies. Sabe-se que, apesar da forte amizade que tinha (e tem) com o baixista Flea (com quem montou uma banda paralela, o 3 Amebas), certas animosidades entre Frusciante e o vocalista Anthony Kiedis tornavam o relacionamento interno um tanto intragável. Mas o mais provável é que John não estivesse se sentindo bem com a fama, desejando abandonar, desiludido, a celebridade conquistada: antes tão desejado, o sucesso agora se mostrava desalentador e insatisfatório (situação que merece ser batizada como "Dilema Kurt Cobain"...).
    
  Abandonando os shows em estádios lotados e a paparicação (e perseguição) da mídia, deixou para Dave Navarro o comando das seis cordas dos Chilli Peppers (John, anos depois, voltaria a assumir as guitarras para gravar Californication, By The Way e Stadium Arcadium). Tendo chegado àquele status com que todo jovem fã de rock sonha chegar em seus delírios adolescentes (guitarrista de uma banda enorme que fascina as multidões, ganha rios de dinheiro e deixa as garotas enlouquecidas de tesão...), John Frusciante, muito estranhamente, jogou tudo fora. E foi passar uma temporada no inferno.


     STONED AND DETHRONED

      Conta a lenda que, deprimido e com a sanidade psíquica em frangalhos, John se trancou em uma bela mansão californiana que o sucesso com os Chilli Pepers lhe permitiu comprar e entrou numa fase crítica de consumo desenfreado de junk. Entre 1993 e 1996, consumindo quantidades altamente desaconselháveis de heroína, injetando gradativamente toda a sua fortuna veias adentro, John flertou perigosamente com a morte. Sua chapação, entremeada com períodos de loucura e depressão, gerou algumas obras de arte sombrias. Imaginem a cena: acompanhado por guitarras e violões, gravadores de 4 canais e vinis antigos, pincéis e tubos de tinta, seringas ensanguentadas e pílulas de Prozac, camisetas do Velvet Underground e pôsters de Frank Zappa, John Frusciante, artista recluso e esquizofrênico, desiludido com a fama e desencantado com a vida, põe-se a vomitar pinturas basquiatianas e fragmentos de música demencial... O jovem guitarrista parecia cair definitivamente no abismo do vício e da demência, descendo no barranco da mais completa auto-destruição, enquanto deixava atrás de si uma arte perturbadora e acabrunhante...

      Não faltaram resenhas que atentavam raivosamente contra os primeiros álbuns-solo de Frusciante, Niandra Lades (And Usually Just a T-Shirt) [1995] e Smile From The Streets You Hold [1997]. Muitos os acusaram (até com uma certa justiça) de serem insuportáveis amontoados de barulho desconexo, vocais desafinados e gravações tosquérrimas. Mas a maior parte das críticas negativas centravam mesmo seu ataque em outro alvo: no fato de que o disco mostrava um artista que permitia que sua desordem mental se explicitasse com uma falta de pudor extremamente desconcertante. Um crítico duma renomada revista eletrônica, após dar nota ZERO para o álbum Smile..., disse que ouvir o álbum constituía uma experiência desagradável pois era como "olhar direto para o interior de uma alma sem óculos de escuro" ("Looking into someone's soul without sunglasses"). A revista Kerrang, por sua vez, disse que Smile From The Streets You Hold "serviu apenas para exibir a mente cheia de angústia de um junkie".

      Que seja: esses discos são tão "terríveis" pois neles não há lugar para nenhuma maquiagem, nenhum disfarce, nenhuma auto-idealização. Frusciante se revela nu, dilacerado, espalhado pelo chão, só cacos, berrando de agonia como um interno de hospício. Não disfarça nada de sua dor, não maquia ou esconde seus tormentos, o que leva àqueles acostumados ao kitsch a se sentirem incomodados por sua excessiva sinceridade. Creio mesmo que poucos discos na história conhecida da música pop fotografam com tanta nudez um artista cujo estado mental está se estilhaçando: nem Syd Barrett, nem Arnaldo Baptista, nem Skip Spence, nem Peter Hammill chegaram a gravar um álbum tão esquizofrênico e tão demencial quanto Smile From The Street You Hold ou Niandra Lades.

      John, posteriormente, chegou até mesmo a renegar sua obra inicial e proibir a reedição desses dois discos, confessando que na época da gravação, estando ainda em meio ao redemoinho de um imperioso vício à heroína, permitiu tais lançamentos principalmente pra descolar uma graninha pra comprar droga. Mesmo assim, esses obscuros documentos de música lo-fi (mais depressiva que o mais deprê dos funerais) é um fascinante retrato de uma alma perdida nos recantos mais sombrios da vida. Mas, por outro lado, também mostra uma alma num processo de purgação, de purificação, de catarse, que faz suspeitar que o que poderia sair dali, do outro lado dessa experiência, poderia ser uma pessoa diferente, completamente purificada...

      De qualquer modo, os dois primeiros discos-solo de John Frusciante não venderam quase nada, não receberam muita atenção de imprensa e público e passaram um tanto desapercebidos. Ganharam fama de serem apenas dois tolos e excêntricos amontoados de loucuras que o guitarrista dos Chilli Peppers, biruta como é, resolveu lançar "para ninguém"... Era muito fácil concluir com precipitação que não havia ali nenhum talento. O que só faz a obra posterior de Frusciante parecer ainda mais estonteante. Pois ninguém em sã consciência julgaria que um cara que conseguiu cometer dois discos tão abomináveis, mau gravados, heterogêneos e incoerentes pudesse ter um dose suficiente de talento para criar algo meramente AUDÍVEL. Muito menos que pudesse criar algumas da músicas mais profundas e emocionalmente poderosas que já conheci.


 ESTIVE NO INFERNO E RETORNEI. TRAGO BOAS NOTÍCIAS.       
     
Tudo indica que o abandono da vida junkie fez um bem imenso à vida e à arte de John. O esforço para sair do pântano do vício o impeliu para uma outra paisagem existencial e começou a fazer jorrarem com exuberância suas fontes artísticas. "Foi somente nas últimas semanas de 1996 que J Frusciante pôde finalmente chutar pra longe o seu vício de três anos, que contribuiu para a perda de sua casa em Hollywood e para a gradual deterioração de seu corpo", contava a reportagem da Guitar Player, em Novembro de 1997. Só pra ter uma idéia de quão baixo ele chegou no buraco, note-se esse pormenor grotesco: "No começo daquele ano [1997], os dentes remanescentes de John foram removidos e substituídos por dentaduras com o fim de evitar uma infecção que lhe ameaçava a vida". Eis um que não tomou drogas just for fun, isso é certo.

        E foi então que, limpinho das drogas, entrando em sua faze zen, que incluía até sessões de ioga e dieta exclusivamente baseada em healthy food, John entrou no estúdio para gravar somente água por dez dias. E a partir daí sua carreira entrou em outro nível e escalou velozmente um Everest inteiro. To Record Only Water For Ten Days, de 2001, representou um ponto de virada na carreira do jovem guitarrista: um discão vigoroso, bem cantado, repleto de poesias sombrias, que revelaram um Frusciante capaz de compor lindamente e cantar de modo apaixonado, tortuoso, confiante, viajado, comovente. Em entrevista daquele ano, ele diz: "Eu não preciso mais tomar drogas. Eu me sinto muito mais 'alto' ["high"] o tempo todo, agora, por causa do tipo de 'momentum' que uma pessoa pode conseguir quando simplesmente se dedica a algo que realmente ama. (entrevista à Rock Sound Magazine, Fevereiro de 2001).

        Cansado de ter seus discos xingados por serem mal-gravados, amadorísticos e toscos - e de fato eram... - se pôs a gravar Shadows Collide With People (2004), seu único álbum a protagonizar técnicas avançadas de produção e gravação. Este épico de 70 minutos de duração é, na minha opinião, um dos melhores álbum da década passada. E, atingindo uma fase de sua vida de criatividade borbulhante, lançou nada menos que SEIS ÁLBUNS em 2004, numa epopéia de lançamentos das mais prolíficas de que se tem notícia na história da música pop. A façanha seria menos chocante se os discos fossem ruins - afinal, que adiantaria lançar meia dúzia de discos porcos por ano, ao invés de lançar um disco fodão a cada três? O incrível é a qualidade desses álbuns. Investindo em rock minimalista e guitarroso (em The Will To Death e Inside Of Emptyness), dilacerantes e sombrias canções semi-acústicas (em Curtains) e experimentalismo kraut-punk-velvetiano (em Automatic Writing e A Sphere in The Heart of Silence), Frusciante provou ser um artista plural no ápice de sua vida criativa, emanando boa música como se fosse uma emanação natural de seu corpo, uma florescência selvagem de seu cérebro...



 "Um voraz ouvinte musical, pintor talentoso e devoto de trágicos anjos caídos como Syd Barrett, Marc Bolan, Kurt Cobain e Sid Vicious, Frusciante é uma mistura de paixão, auto-didatismo na erudição cultural e ingenuidade, particularmente a respeito da mitologia do rock and roll", diz a Guitar Player. De fato, John Frusciante consumiu altas quantidades de música estranha, maníaca e aventureira, o que faz com que suas influências, muito diversas das do Red Hot Chilli Peppers, sejam em sua maioria obscuros artistas progressivos, alternativos ou proto-punk do passado.

    John ouviu todas as cultuadas e estranhas estrelas do prog e kraut anos 70 (Van Der Graaf Generator, Robert Fripp, Peter Hammill, Neu!, Can, Faust...), estudou profundamente a obra dos dois malucos experimentalistas mais marcantes dos anos 60 e 70 (Frank Zappa e Captain Beefheart), juntou a isso seu amor ao punk antigo de Germs, Velvet Underground, Gang Of Four e Stooges, pegou emprestado um pouco do climão sombrio do Joy Division e um pouco da psicodelia do mal de um Syd Barrett, e se saiu com um som que tem muito pouco a ver com o funk-rock ensolarado que tornou os Chilli Peppers mundialmente conhecidos.

        Mas não é somente pela síntese que faz de todas essas influências que a música de Frusciante é notável. A percepção de mundo de John Frusciante não parece ser nada parecida com a percepção das ditas "pessoas normais", o que faz com que o ouvinte de sua música seja conduzido a um universo perceptivo e poético particularíssimo. Talvez devido ao excessivo e duradouro uso de substâncias psicotrópicas, conjugadas com seu pendor para o misticismo e para as meditações búdicas, Frusciante parece agora habitar numa outra dimensão percepcional, engolindo e processando o mundo mais ou menos à maneira dos esquizofrênicos, dos místicos ou dos iluminados. Suas letras, por vezes mais crípticas que os mais rebuscados textos do misticismo oriental, deixam claro que a viagem espiritual de John atinge estranhos reinos. Poucos artistas utilizam tanto as palavras "life" e "death" em suas letras; a presença abundante dessas duas palavrinhas na poética de Frusciante demonstra que está aí seu principal interesse: a vida, a morte, a dor, a redenção, a culpa, o céu, o inferno, a condição humana naquilo que ela tem de mais dilacerante e de mais sublime...

        Imaginem um artista que fosse buscar inspiração lírica em "Tomorrow Never Knows" dos Beatles (a célebre canção de Lennon inspirada no Livro Tibetano dos Mortos), na poesia demencial dum Syd Barrett ou nos versos góticos e sombrios de um Ian Curtis... Junte-se a isso uma personalidade propensa ao misticismo, que crê ser um veículo para a expressão obscuras dimensões psíquicas, e se terá uma idéia do que significa ser John Frusciante. E não é justamente essa uma das principais funções da arte: permitir que tenhamos um vislumbre do que é a vida quando percebida por uma mente diversa da nossa? Não é fascinante poder olhar pelo buraco de fechadura destas músicas e penetrar no vasto oceano de uma outra consciência, registrada em todos os seus tormentos e alegrias, angústias e sonhos, feridas e ascensões?...

        E talvez o que mais me atraia na música de John Frusciante é essa estranha espécie de beleza que dali emana e que é uma conjunção improvável entre a tristeza e a elevação, a melancolia e as mais altas alturas estéticas. Aquilo que eu já pude sentir com o Radiohead, com o Joy Division, com a Clarice Lispector, com o Céline: uma arte que eleva a tristeza a um status sublime. Eis-nos frente a frente com um homem que olhou de cara para o abismo, que por muito pouco não despencou no nada, que encarou a morte e a auto-destruição de frente, que passou por mil delírios e mil sofrimentos, e que ainda conseguiu se erguer das cinzas. Voltou do inferno e trouxe boas notícias. E mais: ergueu-se não como alguém mutilado, mas como alguém fortalecido, como alguém que vive a vida indo sempre direto ao essencial, como alguém que faz sua arte jorrar das profundezas com uma sinceridade tão gigantesca que chega a desconcertar. Pois exibe com muita crueza como nossas vidas são rasas e pouco autênticas. Num mundo tão dominado pelo cinismo, pela futilidade, pelo consumismo, por ideologias prá-frentex e otimismos baratos, John Frusciante tem a coragem de ser quem é: um dilaceramento humano, uma contradição em carne-e-osso, que faz arte para se encontrar e que, no processo, ilumina e comove todos nós que estamos nesta mesma estranha viagem de vida...

       É muito fácil acusar sua música de ser "muito depressiva" ou "muito negativa" e virar o rosto, fechar o ouvido, como se faz tão costumeiramente frente às verdades mais cruéis da existência... Abrir-se a essa arte exige uma certa coragem pois o que nela se concentra é uma dose muito alta de autenticidade, de catarse, de purgação de feridas; é quase uma beleza dolorosa, que se choca contra nossas vidas que já se resignaram a suas feiúras miúdas... Frusciante canta e toca como se o mundo estivesse para acabar no próximo instante, como se estivesse numa corda bamba, suplicando: don't push me, i'm too close to the edge... Eis uma arte que vive, respira e se alimenta da presença da morte: uma arte feita por um discípulo do abismo e que injeta em nossos ouvidos e em nossas vidas, tão acostumadas à banalidade, alguns sentimentos de intensidade fortíssima. Uma arte que, para ser bem descrita, necessita que o crítico de músico se faça poeta. Ou que chame um em seu auxílio:

"...o que é o Belo senão o grau do Terrível que ainda suportamos e que admiramos porque, impassível, desdenha destruir-nos?" (Rilke)


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---- Eduardo Carli
educmoraes@hotmail.com