Poliglotas do timbre Ana Alice Gallo
Sérgio Scliar (baixo) era o técnico de um estúdio de sonoplastia de uma escola de design. Convidou o aluno Shairon Lacerda (voz e guitarra) pra testar um microfone novo que a escola tinha comprado. Começaram a pirar na batatinha e, dessa viagem, anos depois, nasceu a Fusile.
Um ska nervoso? Um punk temperado de metais e timbres nervosos? Um ovo e uma galinha. O EP de estréia dessa turma, “The Coconut Revolution”, tem recheio pra todos os gostos, do cru de garagem ao quentinho bem-arranjado. E isso tudo em uma única música, como “Blue Blood” ou “Combat Samba”. Tem vocais berrados em harmonia (?) e teclados que pontuam um naipe de metais, como os que marcam “No Puedo Pagar”.
Metais esses que, inclusive dão um tempero parecido com o que ouvimos em bandas carnavalescas como Los Hermanos - caso de “Le Fou”. Culpa do Rio de Janeiro, onde foram gravados? A semelhança, no entanto, é uma coincidência que se dissipa antes do fim da música, exatamente pela orquestra de referências que é possível absorver da audição do EP. Sem contar, é claro, a estrondosa qualidade do material, gravado e masterizado em milhões de etapas e com a ajuda de amigos bacanas, como preza a boa cartilha das boas bandas que se aventuram no do-it-yourself.
O resto você fica sabendo nessa alegre entrevista que o Depredando fez com a trupe.
Vocês tão na estrada há quanto tempo? Vcs são de Minas ou a banda se formou em Minas?
As experimentações com a banda, algumas músicas e conceitos existem desde 2007, mas o projeto ficou todo engavetado durante a maior parte desse tempo. Foi só em 2009 que fechamos a formação atual e começamos a concretizar as coisas. O processo de achar um grupo conciso pode ser demorado e complicado, mas acabou que rolou pro Fusile da melhor forma possível. A banda se formou em Belo Horizonte, e tudo começou com algumas gravações clandestinas no estúdio de sonoplastia de uma escola de design. Foi quando Sérgio Scliar (baixo), que era o técnico do estúdio em questão convidou o aluno Shairon Lacerda (voz e guitarra) pra testar um microfone novo que a escola tinha comprado. Aí, deu no que deu.
Quem faz o que na banda?
Ao vivo o Fusile funciona assim: Shairon Lacerda faz os vocais e a guitarra, Sérgio Scliar faz os baixos, Rafael Cocão o baterista, Henrique Lemmox no saxofone, Ygor Rajão no trompete, teclados e “unas cositas más”. Todo mundo faz backing vocals e todo mundo dá “pitaco” no de todo mundo.
É o EP de estreia?
Sim. É o Coconut Revolution é nosso primeiro registro oficial dessa primeira etapa do Fusile.
A maior parte do EP foi gravado na casa do Cocão (batera) pelo Grilo (Rodrigo Aires), esvaziamos alguns quartos e montamos uma estação de trabalho provisória.
O Grilo fez um investimento no equipamento dele pra gravar o disco, comprou uns pré-amplificadores e microfones legais, isso foi muito bom, porque possibilitou uma série de experimentações até acharmos a sonoridade ideal pro disco. Montado o QG, a parte divertida foi incomodar alguns vizinhos com gritos e guitarras no talo. A ocupação da residência durou quase uns dois meses, e foi durante essa estadia na casa do Cocão que batizamos o disco com o mesmo nome de um documentário sugerido pelo Cocão como inspiração pra banda, "The Coconut Revoluiton" ou "A Revolução dos Côcos".
A gravação do disco sofreu alguns hiatos devido à saída de dois integrantes da banda, ficamos com receio disso esfriar a parada, mas as gravações foram retomadas com a entrada do Ygor Rajão (trumpete) e Henrique Lemmox (Saxofone) com todo calor que o Fusile demanda.
A bateria foi o primeiro instrumento a ser gravado "valendo", a gravação foi no studio Solo e foi a base pra todos os instrumentos. Na gravação dos metais, resolvemos fazer uma mistura de trabalho e férias e passamos uma semana no Rio de Janeiro, ensaiando e inspirando o clima de carnaval pro disco, as gravações foram feitas no studio Lontra.
Terminadas as gravações, o material foi mixado pelo Stanley Soares, um amigo de infância do Sérgio (baixo) que atualmente produz o Sepultura, o que é um orgulho pra gente, pois somos fãs da banda e porque é todo mundo de BH: o Sepultura, o Stanely, o Jean Dolabella que acabou de dar um gás novo no Sepultura... pô, o Shairon faz aula com o pai do Jean, o Max Dolabella. É muito legal sentir essa proximidade, é muito legal ter um material foda feito com a contribuição dos vizinhos. O Stanely faz um trabalho impecável e ficamos muitos satisfeitos com a parceria.
A fase final da produção do disco se encerrou há poucas semanas, quando o disco foi finalmente masterizado pelo produtor Mad Zoo, que teve a manha de dar uma super pressão no disco e deixá-lo pegando fogo.
Nota: "The Coconut Revolution", o documentário relata a luta do povo de Bougainville (ilha do pacífico anteriormente pertencente a Papua Nova Guiné) contra a mineradora inglesa multinacional Rio Tinto Zinc, e depois por sua independência. Os moradores da ilha expulsaram, pelo uso da sabotagem, a mineradora, depois expulsaram o exército de Papua, e depois o exército da Austrália, depois mercenários contratados. Sofreram um cerco de 7 anos (a população é de aproximadamente 150 mil) e inventaram meios alternativos para sobreviverem (energia elétrica, combustível, comida, remédios...), tudo a partir de cocos.
Já tem mais músicas na manga prum próximo álbum?
Sim, várias. O show atual tem 11 músicas e ainda tem um monte “na fila de espera”, já estamos fazendo as pré-produções de algumas dessas músicas que devem sair no segundo semestre na forma de EP ou talvez um disco completo. Ainda não sabemos, vai depender do nosso capital disponível para as gravações e produções.
Como é o show da banda? Rolam só próprias ou tem covers também?
Nós nos concentramos nas nossas músicas e isso tem sido suficiente pra ganhar a atenção da galera. Em alguns shows nós já tocamos a “Tango do Covil” do Chico Buarque em uma versão adaptada pro Fusile. Mas até estamos à procura de uma música pra fazer uma versão, mas a gente sempre acaba se enrolando na hora de decidir o que vai ser e acaba deixando pra depois.
Quem vcs citariam como principais influências da banda? Eu ter ouvido Los Hermanos num ska cantando em francês foi puro truque da minha imaginação ou a banda reverencia Camelo, Amarante & Cia?
O som do Fusile, por ser bem híbrido, não facilita o trabalho de rotular, mas as pessoas sentem uma estranha necessidade de nomenclaturas. Nessas tentativas de definição somos comparados às mais diversas bandas e estilos musicais, do stoner rock do Queens Of The Stone Age ao Tropicalismo dos Mutantes, passando por Arctic Monkeys, Brian Setzer, Dead Kennedys, Specials, Clash e até Jorge Mautner. Enfim, encaramos as comparações como elogios, geralmente as pessoas comparam com coisas que elas gostam, é aí que elas buscam a “aprovação” ou a legitimação do som que fazemos.
Sobre a comparação com os queridos “Hermanos”, acho que em alguns momentos o Fusile compartilha das mesmas influências, o samba, o carnaval, o circo, o cabaret, mas em momento algum pretendemos compartilhar o mesmo rótulo ou até mesmo soar como eles. Algumas influências podem ser as mesmas, mas a abordagem e a interpretação é completamente diferente. O Fusile não tá aqui pra falar de amor, tá aqui pra azucrinar! Haha!
No final das contas, nós nos deixamos influenciar por tudo que escutamos, assistimos, vivemos. Se eu quiser ouvir a Fusile fora da internet, onde eu posso ir?
Nos últimos meses tocamos em vários eventos legais em Belo Horizonte, a maioria produzido pela 53HC Produções. Com isso tivemos oportunidade de dividir o palco com grandes bandas como Cachorro Grande, Black Drawing Chalks, Copacabana Club, B-Negão, Móveis Coloniais de Acaju, o que tem sido uma experiência bem legal. Nosso ultimo show foi no Circo Voador no Rio de Janeiro, onde também fomos muito bem recebidos.
Esse mês temos um show no dia 13, mais ainda é segredo, logo logo vamos divulgar os detalhes nas nossas redes sociais e dia 24 em São Paulo no Kitsch Club, onde dividiremos o palco com a banda Mamma Cadela.
O que é mais difícil: cantar em francês, compor em inglês ou fazer sucesso no Brasil?
Compor rock em inglês é fácil, é o caminho natural da coisa, o inglês é a língua “nativa” do rock, assim como o português é a língua do samba e da bossa nova. Mas nada impede de fazer um samba em inglês e um rock em português se o compositor sentir que essa é a melhor decisão pra música em questão, na real, o que importa é o feeling, a pegada. Se a coisa tá conceitualmente e esteticamente soando melhor em espanhol a gente canta em espanhol, se for francês, inglês ou português... e por aí vai, não é uma dificuldade, pelo contrário, é diversão, experimentação, interpretação. Até então temos nos dado bem com os idiomas e com o público que tem feito de nossos shows um legítimo sucesso! A cena independente do Brasil tem melhorado muito e nos recebido de braços abertos.