terça-feira, 29 de abril de 2008

:: mais townes van zandt ::


Motivado pelo sucesso inconteste do post, adicionei o BOX de 4CDs Texas Troubador do Townes Van Zandt no post aí embaixo. Essa maravilha contêm 7 álbuns de estúdio e um disco ao vivo desse grande compositor, considerado por alguns como um letrista melhor que Bob Dylan. Essencialíssimo para quem deseja se aprofundar na obra de um dos grandes gênios do folk americano. Enjoy!

sábado, 26 de abril de 2008

:: o melhor disco de 2007 ::

WILCO
"Sky Blue Sky"
(LP + EP)



- THE COMFORT IN BEING SAD -
por Eduardo Carli de Moraes




“When the mysteries we believe in
Aren’t dreamed enough to be true
Some side with the leaves
Some side with the seeds”




“I miss the comfort in being sad!”, berrava um irado Kurt Cobain, alma inquieta e desesperada, parecendo estar com saudade do tempo em que a angústia e o desconforto não eram tão aflitivos e parecia existir até como repousar na tristeza... Não sei porquê, mas é essa expressão que mais me vêm à mente quando penso na obra que o Wilco vêm criado nesta década: the comfort in being sad. Jeff Tweedy parece ter realizado alguma magia suprema de alquimia que faz com que a melancolia possa ser vista como algo quase confortável, uma substância narcótica amena e agradável correndo nas veias, algo que acalma, anestesia e nos deixa poéticos e mansos...

O Wilco vem mudando de formação de disco a disco e Jeff Tweedy é o único fio condutor comum a tantos Wilcos que viveram através dos anos. Claro que a perda mais crucial para a banda foi a saída de Jay Bennett, que abandonou o barco após Summerteeth devido a desentendimentos sérios com Tweedy, muito bem retratados no excelente documentário de Sam Jones, “I Am Trying To Break Your Heart”. Com a debandada de Bennett, ocorreu uma certa “ruptura” na carreira do Wilco, que, com o lançamento de Yankee Hotel Foxtrot (2001), consumou a transformação de uma banda bastante palatável e classicista num grupo que os críticos, não sem razão, gostavam de chamar de “experimental” e “vanguardista”. Por isso só quem esperava do Wilco uma atitude de “Radiohead americano”, que traz na manga dúzias de experimentalismos novos a cada novo disco, poderia se decepcionar com Sky Blue Sky – um disco surpreendente por sua simplicidade, por ser tão direto ao ponto, por ser desencanado e super na dele.

Sky Blue Sky, ao contrário de aprofundar as tendências experimentais do álbum anterior, A Ghost Is Born, parece uma tentativa de retomar um pouco da simplicidade e espontaneidade que haviam sido deixadas um pouco de lado. O disco anterior, obra-de-arte instigante mas de digestão difícil, continha certos experimentos demasiado radicais para ouvidos não treinados - como os 10 minutos de kraut rock + poesia dadaísta de “Spiders Kidsmoke” ou as guitarrices atonais que dominavam grande parte de “At Least That's What You Said”.

Sky Blue Sky me parece o disco mais palatável do Wilco desde o Summerteeth: disco duma musicalidade fácil e fluida, de uma banda que parece atingir a genialidade sem precisar fazer muito esforço, deixando para trás as sonoridades um tanto mais arrastadas e esquizóides que imperavam em certas músicas do Yankee e do Ghost. Fazia tempo que o Wilco não fazia algo que dava tanto a sensação de estar à vontade no mundo, sendo quem se é, sem grilos, sem neuras, sem dramas.


Fazia tempo que Tweedy não parecia tão de bem com a vida e com sua banda (e ele vem declarando em entrevistas que considera esta, a atual, a melhor das formações do Wilco). Agora que seu estado de saúde parece ter se estabilizado e o cara não parece mais estar sendo torturado por enxaquecas duríssimas, o Wilco se beneficiou – eis uma banda que soa muito mais jovem do que soava no Yankee Hotel Foxtrot e no A Ghost Is Born, que continham certas músicas que vinham impregnadas de cansaço, da exaustão e da desistência comunicacional. Só lembrar que a voz de Tweedy ao declamar os versos de “I Am Trying To Break Your Heart” pareciam algo saído das cordas vocais de algum doente soterrado debaixo de uma apatia lotada de anestésicos. Ou que os lamentos arrastados de “Radio Cure” demonstravam muito, muito cansaço (“cheer up, honey I hope you can / there's something wrong with me”).

O trabalho de guitarras em Sky Blue Sky, que está entre as coisas mais lindas que se fez na música pop nessa década, parece a continuação natural do que vigorava no A Ghost Is Born: um certo sabor de Sonic Youth está presente, principalmente o trabalho mais recente, centrado em guitarras mais limpas e microfoniais menos selvagens e mais “ambient”. Com isso se misturam certos arroubos e transas entre duas guitas que lembram muito o Television fase-Marquee Moon (especialmente no finzinho de “Impossible Germany) e as jams do Neil Young com o Crazy Horse. Mas o Wilco continua sendo uma banda capaz de ser simplesmente rock and roll: no refrão de “Hate It Here”, o riffão vigoroso que soterra o ouvinte parece algo que Jimmy Page iria compor para a abertura de algum rockão do Led Zeppelin. Já o jeitão de “Walken” é puro Replacements, com Tweedy mais uma vez fazendo sua inimitável imitação do vocal de Paul Westerberg.

Jeff Tweedy nunca escondeu de ninguém o quanto estudou e foi influenciado por Bob Dylan e Neil Young, ambos fantasmas presentes aqui. A delicadeza das baladinhas folk “Sky Blue Sky”, “Patient With Me” e “Leave Me...” lembram a sutileza e a meiguice dos discos acústicos de Neil Young, especialmente o Harvest e o Harvest Moon. Já o tempero caipira no refrão de “What Light” é o mais perto que Tweedy já chegou de emular o Bob Dylan da fase Nashville Skyline.

Já “Had It Here” um poderoso blues-rock, um dos maiores hits potenciais que o Wilco compôs nessa década, é um alegre fábula bem-humorada sobre saudade e desamparo. À primeira vista pode até parecer uma historinha um tanto machista de um cara que, abandonado pela esposa ou namorada, não consegue se virar com as tarefas domésticas mais banais – como se ele só sentisse falta dos serviços de empregadinha da amada... Mas a é música mais profunda que isso, apesar da aparência de trivialidade. Quando o eu-lírico se narra a zanzar pela casa vazia, limpando todos os dormitórios, usando a máquina de lavar roupas, deixando a louça toda a brilhar, faz tudo só para descobrir que de nada adianta ter uma casa brilhando de limpa quando a amada está distante - “keeping things clean doesn't change anything”. É a velha fábula do homem que pode ter uma mansão arrumada, imperial, com os talheres de ouro brilhando e cheia de eletrodomésticos hi-fi, mas que odeia mortalmente o lugar por não estar junto de sua amada. “I hate it here when you're gone...”



A tentativa de exorcizar a morte ainda permanece. No disco passado, Tweedy contava causos sobre gente cujo objetivo na vida era se tornar um eco (“Hummingbird”); dizia que parir fantasmas (a ghost is born...) através da arte era um modo de trapacear contra o túmulo; descrevia com triste ironia a crença de que tudo que tinha sido adquirido em vida viveria após a morte (“Wishful Thinking”)... Suas preocupações espirituais não mudaram tanto de um disco para o outro.

A música mais explícita sobre a mortalidade é a que fecha o álbum, “On and On”, onde Tweedy faz promessas de eternidade à amada... Você pode até imaginar a angústia invadindo o coração dela ao olhar nos olhos da morte, enquanto ele suplica que ela contenha o pranto (“Please don't cry, we're designed to die...”) e rascunha um poético consolo: “On and on and on we'll be together, yeah... On and on and on we'll stay together , yeah... Till we disappear together in a dream...”

Se ele acredita ou não nesse consolo é o que menos importa; a beleza da música está nesse mantra que ele sussurra aos ouvidos da amada, como uma mãe cantando para o filho uma canção de ninar e garantindo que os monstros não existem e que tudo vai ficar bem – mesmo que seja mentira. Me pergunto o que Jeff diria se fosse perguntando se acredita mesmo num amor que sobreviva a morte, como parece sugerir os versos de “On and On”. E gosto de imaginar que ele diria: “não sei, mas era o que era preciso cantar para ajudar a curar a ferida...”

Já “Either Way” é uma das músicas mais cheias de ternura que eu já ouvi, fotografando uma alma num momento de indecisão, sem saber se ainda é amado ou não, nem se no futuro será ou não, mas se predispondo a ser compreensivo, para bem ou para o mal. É uma doce mensagem que ele manda: me ame ou não, vou tentar entender – e talvez (mas só talvez...) isso tudo tenha algum sentido no esquema das coisas. Aconteça o que acontecer, amor ou não, amor ou solidão, ele vai estar em paz.

A doçura pacífica de “Either Way” é uma espécie de mudança de clima e de temática para Tweedy, já que a violência entre os amados sempre esteve presente como tema em várias canções do Wilco, e isso faz tempo. Só lembrar de “Via Chicago”, música do Summerteeth (1999), em que Jeff Tweedy descreve, através duma sangrenta narrativa folk, um “causo” de assassinato parecido com aquele que Neil Young narra em sua clássica “Down By The River” (“down by the river i shot my baby”...). Os primeiros versos da longa canção já vem afundados em sangue e hostilidade: “I dreamed about killing you again last night – and it felt allright with me / Sitting on the banks of Embarcadero skies – I sat and watched you bleed”.

Nenhuma outra música do Wilco chegou a esse nível de ultraviolência, descrevendo o cara sonhando em matar seu “bebê” e depois assisti-la a sangrar até a morte, mas há algo parecido no “estou tentando quebrar o seu coração”, título e refrão da primeira música de Yankee Hotel Foxtrot, e no “você achou uma gracinha vir beijar meu olho roxo, apesar de eu o ter ganho de você”, em “At Least That's What You Said”. Esta última, aliás, apesar da placidez tranquila em que se desenrolam seus primeiros minutos, é uma melancólica canção que fotografa a dificuldade de comunicação e o afastamento gradual de um casal em crise. É como se o eu lírico estivesse perdido, sem saber ao certo se o que a amada diz é da boca pra fora ou realmente vem das profundezas de seu ser. Dá até pra imaginar os dois dentro de um quarto, brigando amargamente, e ela dizendo: “Leave me alone!” Mas aí o eu lírico se pergunta: “Talvez se eu for embora, você vai querer que eu volte pra casa...” Fica aquela indecisão de descobrir se há algo por detrás do falado, se algo se omite, se esconde, se mascara – e o relacionamento parece estar caindo aos pedaços justamente pela falta de sinceridade entre os dois, por essa eterna suspeita do “pelo menos foi o que você falou”, sem que se saiba o que de verdade se sentia, por trás do falado...

Em Sky Blue Sky, Tweedy parece mais pacífico, mais doce, mais iluminado, apesar de ainda ter a alma polvilhada por farelos de tristeza (que, no fundo, incomodam bem pouco...). Ele mostra-se tentando ficar feliz só pelo fato de estar vivo (“oh, I didn't die, I should be satisfied / I survived... That's good enough for now...”) e evocando esperanças das mais simples e singelas para adoçar a própria alma desconsolada (“maybe the sun will shine today, the clouds roll away... maybe i won't feel so afraid...”). Na linda “You Are My Face”, ele confessa, em meio a versos enigmáticos, o quanto está perdido (“i have no idea how this happens / all my maps have been overthrown...”) e nem sabe mais quem é (“when everybody's feeling all alone can't tell you who i am...”). Mas o maravilhoso no Wilco é que nada disso deságua em desespero ou em paralisia choramingante. A vida é afirmada, abraçada, beijada, amada, aceita com tudo o que ela contêm dentro. A confusão, a melancolia, o desconsolo, são todos abraçados com aceitação, quase ternura, como se fossem velhos amigos, que vêm com o sabor tranquilizante da familiaridade...

Com esse belíssimo disco, o Wilco se consolida como a melhor banda americana da atualidade, de longe, sem rivais no retrovisor. E Jeff Tweedy, ao mesmo tempo que prossegue sendo um cantor dos mais adoráveis, vai adentrando um ambiente lírico totalmente próprio. Não há banda que soe nem remotamente parecida com o Wilco, nem musical nem poeticamente, sinal da originalidade dessa que é, se perguntarem ao meu coração, uma das melhores bandas que já existiu... I love it to death.


DOWNLOAD (mp3 de 160kps, 17 faixas, 1h11min, 86MB):
http://www.mediafire.com/?yxzgv1jbwx2

obs: esse é o Sky Blue Sky versão de luxo, que vem com o EP de brinde - contendo três músicas inéditas, todas maravilhosas ("The Thanks I Get", "Let's Not Get Carried Away" e "One True Vine") e versões ao vivo de "Impossible Germany" e "Hate It Here".

....atendendo a pedidos, disponilizamos também somente o EP:
http://www.mediafire.com/?yc1y9udt0mm (28 MB)

LEIA MAIS: POP MATTERS --- A.V. CLUB --- PREFIX --- NO RIPCORD --- SLANT ---TINY MIX TAPES --- LOST AT SEA --- STYLUS.

terça-feira, 22 de abril de 2008

:: Arcade Fire ::

ARCADE FIRE
"Funeral"


"The pain of Win Butler and Regine Chassagne, the enigmatic husband-and-wife songwriting force behind the band, is not merely metaphorical, nor is it defeatist. (...) They have known real, blinding pain, and they have overcome it in a way that is both tangible and accessible. Their search for salvation in the midst of real chaos is ours; their eventual catharsis is part of our continual enlightenment." DAVID MOORE, na Pitchfork

"The underlying melancholy is never unbearable because another life-affirming moment is always around the corner. And strangely, like a funeral itself, this is a life-affirming album. A reminder that time is short and transient. That each second is precious." ADAM WEBB, no Yahoo Music.






AS CRIANÇAS NO FUNERAL
- por Eduardo Carli de Moraes -



Foi através de um ritual artístico bem parecido com um funeral que o Arcade Fire apresentou-se ao mundo, em 2004, com um álbum de estréia que fascinou meio mundo e entrou no topo de quase todas as listas de melhores do ano. Poucos álbuns foram batizados com um título tão adequado, tão evocativo e tão simbólico. Pois o cartão-de-visitas da banda canadense, surpreendentemente, era de fato um convite para um velório musicado. Alguns ouvintes podem até ter ficados com medo de embarcar em viagem tão sombria ("preferimos uma festa!"), mas quem aceitou ser guiado pela banda por essa jornada saiu dela enriquecido. O funeral do Arcade Fire representava, como todo ritual deste tipo, ao mesmo tempo o luto e o choro por uma perda recente, de um lado, e a resolução de seguir em frente vivendo, do outro. Em um dos debuts mais brilhantes da história do rock, a banda levou-nos por um adorável passeio pelo cemitério e suas redondezas, e quando dele voltamos (surpresa!) sentimos que a vida estava engrandecida.


Infinitamente melancólica, a vocalista Regine Chassagne cantava, numa das músicas mais tristes do álbum, um dos versos mais emblemáticos de Funeral: "My family tree is losing all its leaves". Quem fosse checar os detalhes biográficos sobre os membros-chave da banda aprenderia que 3 das principais forças criativas por trás do grupo canadense tinham perdido parentes no passado recente. Era esse clima de luto que dava o tom para o álbum e que servia como pano de fundo para todas as temáticas exploradas nas letras (aliás misteriosas, líricas, densas, evocativas, fantasiosas, dilaceradas...) Não há símbolo mais poderoso pra sintetizar o espírito de Funeral do que esse: as árvores genealógicas que vão perdendo suas folhas, ficando cada vez mais outonais, fazendo com que as folhas jovens, que ainda não foram varridas para o solo, tremam com o desamparo da solidão e o temor de futuras ventanias...


O que fez de Funeral uma obra-de-arte quase universalmente elogiada pela crítica e um dos álbuns mais brilhantes da música pop nesta década, porém, foi que o Arcade Fire não se rendia a qualquer tipo de apatia ou de morbidez causada pelos golpes recém-recebidos da morte. Como bem disse o crítico da Pitchfork (numa das resenhas mais bacanas que eu já li), o casal Butler e Chassagne parece ter conhecido uma dor terrível e dilacerante, de fato, mas Funeral era a demonstração de que eles tinham-na superado de um modo ao mesmo tempo compreensível e acessível a todos nós - e pra lá de comovente. Tratava-se de continuar vivendo, mesmo que estivessem mutilados. De seguir em frente, mesmo sem saber direito como. Tateando, na escuridão, sem saber pra onde ir, em direção a um mundo selvagem, mas ir. Sem desistência. Sem paralisia. Sem rendição.




Talvez por isso os versos sobre o Tempo, em Funeral, sejam tão emblemáticos. Quando Win Butler descreve o tempo como se ele fosse um vilão de filme de terror, assombrando nossas vidas ao matar os velhotes e acordar as crianças (em "7 Kettles (Neighboorhood #4)"), ele sintetiza numa imagem poética poderosíssima todo o espírito dessa obra-de-arte esplêndida cometida pelo Arcade Fire. Pois ao mesmo tempo que o disco é todo impregnado pela tristeza e pela desolação causada pelo luto (e não só pela morte de pessoas, mas também pela morte do amor, tema da lindíssima balada "The Crown Of Love"), é também uma obra intensamente afirmativa da vida - e que retrata as dores e as dificuldades de crescer, amadurecer e perseverar.


O Tempo, deus de duas faces como Jano, é ao mesmo um elemento de Destruição e de Renovação. Está sempre andando por aí, assombrando nossas redondezas, e ninguém está a salvo de sua vigilância, de seus tentáculos, de suas garras... Ele apaga a chama dos velhos ao mesmo tempo que acende a tocha dos recém-nascidos. Ele é o pai de todas as agonias, de todos os nascimentos, de todos os ritos de passagem, de todas as ascensões e todas as decadências. E é também a chave para todas as vitórias e todos os florescimentos ("like a seed, upon the soil, gotta give it time..."). O Arcade Fire demonstra muito bem que um funeral, mais do que uma ocasião em que choramos olhando a face destrutiva do Tempo, é também um ritual em que as pessoas procuram juntar forçar para continuar e descobrir, no meio da escuridão reinante, que o Tempo também possui uma face construtiva e renovadora.


* * * * *


Traçar influências para o som da banda é tarefa um tanto difícil, prova do frescor e da originalidade que o Arcade Fire trouxe à música da década 2000 (justo quando todos pensávamos que não havia muito mais a inventar!). Com um total de 15 músicos contribuindo para colorir e ornamentar as músicas do casal central, Win Butler e Regine Chassanes, o Arcade Fire expandiu a palheta sônica tradicional para muito além da guitarra-baixo-e-bateria, trazendo xilofones, harpas, acordeões, violinos e corais para a construção de seus castelos de som.


Traços de Godspeed You Black Emperor!, Neutral Milk Hotel, Echo & The Bunnymen, Talking Heads, Pixies, Joy Division, entre outros, podem ser encontrados aqui e acolá, claro. Mas o sabor de coisa nova e nunca antes experimentada está em todo canto de Funeral, um disco que prova que, em plena década de 2000, ainda é possível lançar um álbum de estréia tão pessoal, idiossincrático e fascinante quanto este.


E melhor: um disco parido por um grupo que sempre comprovou, em cima dos palcos, ter um talento que não ficava confinado no estúdio. Dotado de uma reputação de excelentes shows, extremamente catárticos e com uma sinergia incrível entre os 8 ou mais caras em cima do palco (o que o público brasileiro pôde conferir no Tim Festival de 2006), o Arcade Fire é uma banda completa, nascida já clássica, que cometeu já na primeira tentativa uma daquelas obras-de-arte atemporais que o Tempo terá muita dificuldade em destruir.


* * * * *


Mas falar tanto sobre morte e luto pode dar a falsa impressão de que o Arcade Fire é uma banda de gente envelhecida precocemente, que já fede a mofo ainda na aurora da vida, muito fixada em temas que preocupam muito mais os velhos do que a juventude. Dá a má impressão de que faltaria um certo frescor juvenil à essa banda, que parece escolher um clima espiritual mais próximo da desolação dos agonizantes do que da alegria despreocupada da era juvenil... Nada mais falso! Pois o Arcade Fire parece ser uma banda profundamente marcada pela infância, pelas memórias antigas, pelo gosto dos primeiros dias, pelas dores do crescimento, pelas dificuldades de compreensão do mundo adulto, com tudo o que ele contêm de sofrimentos e de absurdos. O próprio nome da banda, também muito emblemático, se refere a um incêndio (daí o Fire...) ocorrido numa casa de jogos de fliperama (daí o Arcade...), que acabou com a morte de muitas crianças. A música do Arcade Fire não deixa de dar essa impressão: a de crianças sendo queimadas no incêndio do mundo real, que estoura em suas vidas sem que elas tenham pedido ou possam lidar direito com ele - sendo que as chamas são as mortes súbitas, as angústias incompreensíveis, os desejos malucos, os sonhos insensatos... E a arte uma mangueira de bombeiro que tenta apagar esse fogo - sem nunca conseguir.


Gosto também de imaginar o Arcade Fire como um grupo de crianças órfãs, enclausuradas em algum sombrio e desolador orfanato nas sibéricas canadenses, em algum canto do mundo onde a neve não pára de cair por meses a fio e quase tudo se faz dentro de casa. Crianças que, ao mesmo tempo angustiadas pela morte dos parentes, entediadas com suas vidas em meio a um clima gélido e atraídas por um mundo adulto que mal conseguem entender, se decidem a expressar pela música os dilemas do amadurecimento, do tempo, do amor, do luto, do sonho...


"These songs demonstrate a collective subliminal recognition of the powerful but oddly distanced pain that follows the death of an aging loved one. Funeral evokes sickness and death, but also understanding and renewal; childlike mystification, but also the impending coldness of maturity." (PITCHFORK)

Memórias infantis não faltam no reino de Funeral, nem referências a uma vida familiar retratada meio irrealmente, como se vista através da névoa de uma memória afetiva distorcedora ("is it a dream, is it a lie? I think i'll let you decide..."). Na primeira música do álbum, o Arcade Fire já erguia em imagens misteriosas uma fantasia de fuga: enquanto os pais choram no dormitório ao lado, por razões incompreensíveis, o eu lírico sonhava em construir um túnel, da sua janela até a da namorada, e devaneava sobre a Vida Lá Fora, a Vida Selvagem, ao lado de sua amante, provavelmente mais sonhada que real...


"Tunnels" é brilhante ao retratar uma criança deslocada em sua própria casa, incapaz de entender os sofrimentos e dilemas dos adultos (vale notar que o ouvinte, por não saber a razão do pranto dos pais, fica na mesma escuridão que a criança que passa pela situação...), mas que sonha com um outro mundo, lá fora, inédito e longínquo. "Deixaríamos nosso cabelo crescer e esqueceríamos tudo o que costumávamos saber. E nossa pele se tornaria mais grossa, mais forte, de viver tanto tempo na neve", canta ele. São as tradições e o passado que caem, dando lugar ao novo, que é ao mesmo tempo onde reina a confusão ("tentamos batizar nossos bebês, mas esquecemos todos os nomes que costumávamos saber...").


Que 4 das 10 músicas tenham "Neighboorhood" no título é outro detalhe interessante que merece ser pensado. Que sentido teria dar tanto destaque e ênfase à essa palavra, "vizinhança"? Arrisco uma interpretação. Funeral parece radiografar uma fase da existência humana muito precisa - o salto da infância para a maturidade. O que muitas vezes se dá sob pressão de alguma tragédia, de algum luto, de alguma morte, que nos obriga, mesmo que não queiramos, a começar a aprender como nos virar sozinhos. Frequentemente é só depois da morte de nossos parentes mais próximos, de quem éramos mais dependentes, com quem estávamos mais conectados, que somos impelidos, forçados e empurrados para a vida lá fora.


O leme de nossa vida é posto, à força, em nossas mãos. Nesse sentido, a "vizinhança" é um símbolo desse mundo lá fora, exterior às grades da família, que já faz parte do mundo-vasto-mundo mas que possui ainda um certo caráter de familiaridade. Para quase todos nós, as redondezas de nossas casas e os nossos vizinhos são o primeiro gosto que sentimos de sair para o ar livre e sem grades, fora do ninho protegido do lar. A "neighboorhood", para uma criança que começa a se aventurar por aí, depois do funeral da família (visto como um rito de passagem para a vida adulta), é um bom símbolo de um limbo, de um lugar de ligação, que fica no meio do caminho entre o ninho familiar e o Mundão.


Em "Power Out", a metáfora é outra: um blecaute que entrega todo o bairro à escuridão é o pretexto para uma nova fuga de casa: "eu fui lá fora, para dentro da noite. Eu fui lá fora procurar alguma luz". Toda suposição de que a música pudesse estar literalmente falando sobre uma falha de energia, que faz as crianças saírem de suas casas e se dependurem, de brincadeira, pelos fios elétricos, se desfaz quando certos versos confirmam que tudo não passa de metáfora. "The power is out in the heart of man", canta Butler, e aí fica claro onde é que se deu o blecaute: no coração do Homem. Então as crianças quebram as grades de suas jaulas e correm para fora, já que ouvem de longe um chamado, uma boa nova, em coro, vinda dos vizinhos... "We Found The Light!"


Na poderosa "Wake Up", que soa como um levante revoltoso de crianças, intentando um insulto lírico contra o mundo adulto, os terrores e os prazeres de crescer são descritos em versos extremamente vívidos. "Algo preencheu o meu coração com nada. Alguém me mandou não chorar", canta Butler, como se relembrasse alguma desolação infantil que não pôde se manifestar pelas lágrimas. "Hoje que estou mais velho, e meu coração está mais frio, posso enxergar que é uma mentira". Essa bronca adulta contra uma criança que tenta expressar sua angústia ("não chora, moleque! isso é coisa de mariquinha!) parece permanecer como um trauma que só agora é exorcizado. A dor que antes foi reprimida agora recebe permissão para ser expressa, através da música. "Laika", por exemplo, que narra uma "grande aventura" vivida pelo irmão mais velho do eu-lírico, também faz referência a uma certa Ditadura dos Adultos, que fazem o garoto Alexander engolir todas as suas mágoas ("por um ano nós recolhemos as lágrimas dele numa caneca; agora vamos fazê-lo beber tudo.")


Na mesma "Wake Up", um certo ambiente pós-apocalíptico é descrito num diagnóstico sombrio a respeito das crianças que formam toda a humanidade - pois, de verdade, não existem adultos: "we're just a million little gods causin' rainstorms and turning every good thing to rust". Mas a conclamação é para que as crianças que todos somos não se deixem calar, não escondam seus erros, que não calem seus prantos, que armem uma catarse poética nos moldes sugeridos pelas crianças em chamas do Arcade Fire - "kids, wake up! hold your mistakes up! before they turn the summer into dust!".


O sentimento de exílio e de estranheza está no caldo geral de Funeral, constituindo um pouco de seu climão sombrio e desolador, mas em nenhuma música é mais forte do que em "Haiti", canção autobiográfica de Regine sobre o país ("wounded mother i'll never see"...) do qual seus pais fugiram nos anos 1960, escapando da ditadura de Pap Doc Duvalier. Mas não só ela possui em sua vida uma mudança para um país estranho: o texano Win Butler e seu irmão Will também abandonaram os EUA, procurando refúgio em Montreal.


Outra poderosa metáfora sobre o desamparo e a necessidade de vencê-lo, entrando direto na maturidade, está na linda e agridoce balada "In The Backseat", que fecha o disco. Também nessa música muito do sentido da poesia se perde se a gente a tomar literalmente, como se ela versasse sobre um tema tão bobo quanto aprender a dirigir - nada mais trivial e nada menos lírico! Mas aqui está presente, mais uma vez, a contradição entre um desejo infantil de sossego e de proteção, por um lado, e a necessidade adulta de assumir o posto de motorista da própria vida, do outro.



Regine pinta o quadro contrastante entre duas situações existenciais simbólicas da infantilidade e da maturidade. Pinta primeiro o quadro da criança no banco de trás, sendo conduzida pelos pais através do mundo, sem precisar se preocupar com a rota e os perigos na estrada, podendo dormir ou observar a paisagem enquanto sua passividade é protegida pelas forças maiores e mais sábias... E depois pinta o quadro dela pegando nas mãos trêmulas o comando do carro, agora que precisa assumir o papel que antes era dos pais. "Toda a minha vida estive aprendendo a dirigir", canta ela, num verso que fica muito mais poderoso se mantivermos em mente que ela não está falando sobre dificuldades com a condução de um automóvel, claro, mas sim com a condução da própria vida. É uma confissão, feita por uma adulta, de que ela ainda se sente uma criança e uma aprendiz, não importa quantos anos tenha vivido.


* * * **

Por isso tudo é que eu arrisco a dizer: o Arcade Fire é como um grupo de crianças que, voltando ao orfanato depois do funeral da família, se juntam para dizer ao mundo de suas angústias: do medo de crescer (será que já sei dirigir?), da ansiedade da solidão (e agora, que minha árvore familiar perdeu muitas de suas folhas, faço o quê de mim?), da fragilidade do amor ("...há flores crescendo no túmulo do nosso antigo amor..."), da frieza e hostilidade dos homens ("...houve um blecaute no coração do homem..."), das clareiras salvadoras dos sonhos ("...come on, baby, in our dreams we can live our misbehaviour..."), das contradições do tempo ("...time keeps creepin' round the neighboorhood, killin' old folks, wakin' up babies, just like we knew it would...").

As memórias de uma infância perdida persistem (como os pais brigando e a vontade de fugir de casa, como a mãe entrando no quarto na madrugada...), mas ao mesmo tempo há um mundo-vasto-mundo lá fora, esperando para ser descoberto e explorado. E mesmo que ele esteja coberto de neve e pareça pouco convidativo, é preciso enfrentá-lo. Funeral é o emocionante relato artístico das dores de parto de um adulto, saindo do estado de crisálida de sua infância. O retrato de como, com quê dores, com quê alegrias, com quê crises de fraqueza e quê ataques de coragem, passamos todos por esse processo de pular do banco de trás para o volante.


DOWNLOAD
(92 MB - 10 músicas - 47min49s):
http://www.mediafire.com/?flt6lama9niatp5

LEIA MAIS (vários textos bacanas pra aprofundar no assunto): PITCHFORK - DYING DAYS - REVISTA PARADOXO - REVISTA O GRITO - POP MATTERS - YAHOO MUSIC - ALL MUSIC - SCREAM AND YELL - TINY MIX TAPES - DROWNED IN SOUND - STYLUS - RASCUNHO .

("So long as we're unable or unwilling to fully recognize the healing aspect of embracing honest emotion in popular music, we will always approach the sincerity of an album like Funeral from a clinical distance. Still, that it's so easy to embrace this album's operatic proclamation of love and redemption speaks to the scope of The Arcade Fire's vision. It's taken perhaps too long for us to reach this point where an album is at last capable of completely and successfully restoring the tainted phrase "emotional" to its true origin. Dissecting how we got here now seems unimportant. It's simply comforting to know that we finally have arrived." DAVID MOORE. Pitchfork Media.)

segunda-feira, 21 de abril de 2008

:: Distillers ::

THE DISTILLERS

Discografia Completa


PUNK ROCK NÃO É POLUIÇÃO SONORA!
por Eduardo Carli de Moraes

(Pra mim, que ouvi por anos, e com um tesão que nunca decaiu, essa maravilhosa confraria musical de Agressão Extrema e Insulto Poético, não há dúvida: os Distillers são sem dúvida alguma a melhor banda de punk rock e hardcore desta década de 2000, de longe. Esses 3 discos de Brody Dalle e companhia, todos fuderosamente empolgantes e irrestivelmente pogáveis, compõe uma discografia impecável. Aí embaixo, posto um velho texto, de 2004, sobre o Sing Sing Death House, escrito na fase em que eu tava mais fissurado que nunca na banda. Esse artigo foi riginalmente publicado no extinto e-zine Watchtower.)

Difícil de imaginar que Brody Dalle, a líder dos Distillers, tenha sido o tipo de garota que na infância brincava com ursinhos de pelúcia e vestia as roupinhas em sua Barbie, sonhando um dia ser um modelo da MARIE CLAIRE exibindo um belo penteado e tetas de silicone. Tudo nela é a negação do estereótipo do que uma garota "normal" deveria ser, de acordo com as lógicas machistas sempre vigorantes que pretendem fazer da mulher um animal doméstico bem-comportado e dócil, ou um item de vitrine para a babação dos machos.

As fotos de Brody exibem uma garota da sarjeta, com a pele marcada por tatuagens e piercings, e detentora de penteados excêntricos (um deles é um porco-espinho capilar, com espetos de cabelo que crescem uns dez centímetros acima do crânio). A maquiagem pesada e gótica, despejada sob a pele pálida, conjugada com o vestuário largadão, são outros sinais que deixam claro: eis uma garota durona que num tá tentando ser um charme. Preferiria ser vista como Johnny Rotten do que como Christina Aguilera, sem dúvida. Como tantas outras riot grrrls, abraçou o punk rock da mesma maneira que outros agarram seus crucifixos e fez disso o centro de sua existência. "Tocamos punk rock 'n roll, se não o fizéssemos não teríamos alma", berra ela na primeira faixa do segundo disco dos Distillers.

Recheado com a poesia suja das ruas, a música dos Distillers é um coquetel explosivo de música espetacularmente agressiva e excitante. Nada de realmente original: guitarras distorcidas socam os eternos power chords em músicas de dois minutos de duração num punk rock ortodoxo, sem solos de guitarra e sem firulas ornamentais. Extremamente ofensivo, com hardcores que deixariam Jello Biafra orgulhoso se alternando com hinos riot-punk, o som do trio não tem a pretensão de ser nada além de ser punk rock tradicional tocado com o maior tesão e velô possíveis. Quem estiver procurando por inventividade e revoluções sonoras é melhor procurar em outro lugar; mas quem quiser só um jorro brutal de punk rock no talo e tocado com energia flamejante, pouse nos Distillers sem medo.

Uma das coisas que faz com que a banda se distingua da multidão são as letras que Brody escreve (mesmo que seja difícil compreender de ouvido). A base musical estridente e cacofônica serve para que ela espalhe por cima versos dum lirismo sangrento, exalando palavras de ódio adolescente e poesia maldita. Com sua voz e seu gás incomparáveis, Brody chega como séria candidata ao posto supremo de voz feminina mais marcante do rock atual (competindo com a Courtney Love, a Sleater-Kinney Corin Tucker, a Kathleen Hanna e a moça dos Bellrays). É difícil pensar em alguém - inclusive entre os machos - que se compare a ela em matéria de uma vocalização emocionada, poderosa, que escapa dos pulmões com a força de um vulcão em erupção. Essa vocalista cospe sua voz sobre o mundo sob a forma de lava quente e corrosiva. E o melhor de tudo é que as palavras que ela berra fora - em um ritmo aceleradérrimo! - são excelente poesia subversiva e suburbana como poucas vezes antes se viu em artistas punk.

Brody Dalle vem de Melbourne, Austrália, onde viveu um inferninho intra-familiar. Segundo a NME, "seu pai biológico, espancador de esposas, deixou seu lugar para um padrasto que fez com que ela se sentisse uma estranha em seu próprio lar". Como explica ela na tesudérrima "The Young Crazed Peeling", viu sua mãe chutando o pai de casa e tentando achar um saída da "penúria espiritual", "working single mother in an urban struggle / Blames herself now cause I grew up troubled". Após ter fugido de casa e ido morar nas ruas, acompanhada pelas seringas de heroína, conheceu Tim Armstrong, líder do Rancid, com quem viria a se casar, e se mandou pra Los Angeles. Mais ou menos por aí ela completou 18 anos.

Brody pinta um retrato sombrio de seu passado: era a garota esquisitona que perambulava pelas ruas "como um cachorro de três pernas", inadequada e inadaptada, com seu coração junkie fervendo numa piscina de ódio. Em "I Understand", canta: "When i was a teen girl i walked real awkward / Like a dog with three legs / I had fought my wars / I was a miss-shape mistake, misfit, untamed, mishap, with a junkie heart...". Olhou a morte nos olhos ("I've stared death down in its chambers, baby, eye to eye", em "Lordy Lordy") e pensou em suicídio ("Attempted suicide / Fucking convulsing and constantly denied / Subcountaing me somewhere inside / Scratching the walls of my glass coffin / Scraping, raping my nails on the glass, on the bottom / Is there an end? / Where does this end? / If i was you, i'd fucking hate me too..." em "Hate Me"). Não tem religião mas precisa suportar o peso de sua cruz: "I'm agnostic but hang in a cross". A seguinte estrofe - de "The Young Crazed Peeling" - é esplendorosa:


My poor heart felt too much from the start
I've seen people come and go,
Living large and living low.
You can build up your walls, sitting on death row
Let the curtain fall on your murdered soul
You can wash it all down, swallow your story
Get smacked off your head, go down in downroll glory
You won't solve it committing self inflicted crime
Go on, pull the trigger, this will be the last time


Em "Sick Of It All", Brody pinta uma retrato da juventude americana com uma descrição de um massacre colegial ao estilo de Columbine. Assume o narrador em primeira pessoa, incorpora a persona duma adolescente rebelada (talvez ela própria como representada por sua memória), vai pra escola com uma oozi em mãos e dispara contra o rosto de um colega. O refrão merece estar escrito junto ao de "Rise Above" do Black Flag, de "Black Generation" do Richard Hell, de "Search and Destroy" dos Stooges e de "Sonic Reducer" dos Dead Boys como um dos mais clássicos e fodões da história do estilo:

We are kiiiiiiiids, we think life is a scam
We come from wasted laaaaaaaand!
We are kiiiiiiiids, we play punk rock and roll!
If we didn't we got no soul!
We are different kids with the same heartbeat
We got one pulse running through the streets
They are our arteries, I am part of this...

É um retrato cruel, mas há uma sugestão de salvação. O quê? O punk rock. Brody faz o retrato de suas desgraças, de sua via-crúcis, da juventude americana caindo aos pedaços, pra surgir frente ao mundo exalando flamas de vida borbulhante. Em meio à porradaça que cria com sua banda, diz: o Punk - não Cristo, não Deus, não a Grana, não as Belas Tetas - salva. Libertada pela música e com suas dores expiadas pela expressão catártica, convoca o mundo a seguir seu caminho de libertação: "Are you ready to be liberated? / On this sad side city streets... / Well the birds have been freed from their cages / I got freedom in my youth..." Sua mensagem para a juventude - nada mais simples e mais punk - é uma conclamação à libertação urgente ("Hey, youth! Time flies by! There's a everlasting battle for eternal life").

Com refrões memoráveis (principalmente "I Am Revenant", "Sick Of It All", "Seneca Falls" e "City Of Angels"), construídos pelo talento gigantesco que Brody (como Kurt Cobain antes dela) possui para criar melodias vocais grudentas em meio à barulheira, os Distillers têm tudo pra estourar no mainstream. Eis uma banda que tem cheiro forte - o mais forte que já senti, acho - de Novo Nirvana. Será interessante ver como a indústria vai se resolver com a banda daqui pra frente e checar se Brody Dalle aceitará ser a versão feminina de Cobain, tacando de volta a sujeira pro ambiente higiênico do mainstream. Coral Fang (2004), o terceiro disco, de dinâmica bem nirvanesca, foi recentemente lançado via Sire. É o mais ambicioso dos álbuns da banda e irá provavelmente realizar a primeira tentativa de tomar de assalto o mundo pop. Mesmo com o selinho de censura - PARENTAL ADVISORY: EXPLICIT LYRICS - colado na capa.

No fim, os Distillers se resumem a isso: canções do coração (e das vísceras), e nada mais. Música que diz sim à vida, por mais horrível que ela seja. Música que exorciza os demônios interiores a partir da catarse sonora (quer coisa mais Cobain que isso?). O punk como o caminho de ascensão para longe da sarjeta.

"Você pode construir suas paredes, sentando no corredor da morte / Pode deixar a cortina cair sobre sua alma assassinada", canta ela, mas "não há decência em ser encaixotado vivo". Brody Dalle é uma fogueira explodindo chamas de vitalidade por todos os poros.

DOWNLOADS:
THE DISTILLERS (2000) - 35 MB
http://www.mediafire.com/?zn2zm2eozjz



SING SING DEATH HOUSE (2001) - 37 MB
http://www.mediafire.com/?2wy24yn4syn




CORAL FANG (2003) - 64 MB
http://www.mediafire.com/?yqjj5ejm26n

domingo, 20 de abril de 2008

THE DISTILLERS - DRAIN THE BLOOD

I'm living on shattered faith
The kind that likes to restrict your breath
never been a better time than this
suffocate on eternal bliss

In a city
that swells with so much hate
you seem to rise above
and take its place
the heart pumps until it dies
drain the blood, the heart is wise

All my friends are murder
All my bones no marrows in
All these fiends want teenage meat
All my friends are murderers

Away....

I never met a pearl quite like you
who could shimmer and rot at the same time through
there's never been a better time than this
To bite the hand of frost bitten emenence

Lyrics
All my friends are murder
All my bones are marrows in
All these fiends want teenage meat
All my friends are murderers

Away....away......away....

whoa whoa whoa whoa.....

I'm alive in uterine
a star in the dark a new day has dawned
open up and let it flow
I'll make it yours so here we go...


All my friends are murder
All my bones no marrows in
All these fiends want teenage meat
All my friends are murderers

Away hes gone away......[till the song ends]

The Distillers - The Hunger

Holy eyes, I never knew I'd beg down at your feet
Hold on tight, I never knew I'd know much more than this
Open sky, the wave of pain, the scent of you is bliss
Hungry eyes, they stare at me...
I know, I know--
Don't go...

Summertime, the taste of saint secretes a perfume missed
Console the mind, I take it in with lips of pink I kiss
Lonely sky, the more you take the more that I give in
Holy eyes, I never knew, I know, I know--
Don't go...

Hold onto the memory, it's all you've got
I know you'll be there to soak up blood lost, blood lost, blood....

Don't go...


Hold onto the memory, it's all you've got
I know you'll be there to soak up blood lost
Hold onto the memory, it's all you've got
I know you'll be there to soak up blood lost, blood lost, blood lost.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

:: Gone Jackals ::

Jogos de moto e suas músicas maravilhosas - parte 2
por Marco Souza

Espere um pouco, começamos mal, essa capa é horrível. Aliás, se ouvesse um prêmio para a banda com as piores capas da história do rock'n'roll, Gone Jackals venceria de longe. A capa oficial deveria ser essa:


É isso ai, outra banda conhecida por mim através do maravilhoso mundo dos jogos eletrônicos (vou sugerir uma categoria "nerd" nesse blog). Mas ao contrário de Hammerbox não me aprofundei na banda, apenas peguei a trilha sonora de um dos melhores adventures de todos os tempos. Gone Jackals é a banda, Bone to Pick (antes fosse Full Throttle) o nome do álbum. A mistura do som com o jogo é perfeita, achava que as músicas eram exclusivas dele, e talvez de tanto jogá-lo fui condicionado a gostar delas. Dane-se, as músicas são realmente boas e passam uma certa nostalgia dos anos 90, ainda mais para quem entrou para a gangue dos Polecats.

"Get Outta Town" abre o disco com estilo, mas só depois do riff marcante de "Legacy" a treta realmente começa (teria alguma coisa a ver com o jogo?). A ótima balada "Drop the Hammer" abranda o som para dar lugar ao clima de suspense criado pelo baixo de "Born Bad", que explode para se tornar a melhor desculpa para você arrumar uma bela briga na estrada. Um refrão grudento combinado com um riff hard-rock-pop formam a excelente "You Don´t Know a Thing About Me", que não aparece no jogo (com razão, muito água-com-açucar pra um mundo tão mau como dos motoqueiros). "Trapped" vale pela introdução e pelas partes sem vocais, agressivamente empolgantes, mas merecia melhores cuidados. Porém, uma das canções mais divertidas do jogo, não está no CD, o bluezinho que não parava de tocar no trailer de Todd (será que alguém se lembra?).

Som perfeito para botar o pé na estrada, principalmente de motocicleta. Caso você não tenha idade para ter carteira de habilitação, como um daqueles garotinhos-juvenis-sabe-tudo que não vivenciaram a época áurea dos adventures, esqueça esse álbum. Vá baixar o jogo e aprenda o que é ser parte dos Polecats.

DOWNLOAD (mp3 de 320kps ― qualidade burlesca! ― 95 MB):
http://www.mediafire.com/?yjm4jwzdcjb

DOWNLOAD (mp3 de 128kps ― qualidade ordinária ― 41 MB):
http://www.mediafire.com/?ycqhx21iwh6

quinta-feira, 17 de abril de 2008

:: Townes Van Zandt ::



:: TOWNES VAN ZANDT ::
"Texas Troubador" [BOX de 4CDS]



"We all got holes to fill
And them holes are all that's real
Some fall on you like a storm
Sometimes you dig your own
The choice is yours to make
Time is yours to take
Some dive into the sea
Some toil upon the stone
Well, to live's to fly awe low and high
So shake the dust off of your wings
And the sleep out of your eye"
TOWNES VAN ZANDT

"Townes Van Zandt is the best songwriter in the whole world and I'll stand on Bob Dylan's coffee table in my cowboy boots and say that."
STEVE EARLE.




Teve uma época em que fiquei tão boquiaberto e fascinado pelas letras do Bob Dylan, em todos aqueles maravilhosos álbuns dos anos 60 e 70 (pra mim é tudo ouro até o Desire...), que pensei comigo: não existe poeta da música popular em língua inglesa que chegue aos pés de Mr. Robert Zimmermann. Apesar de conseguir reconhecer muito valor nas palavras de Tom Waits, Leonard Cohen, Bruce Springsteen, Chico Buarque, Van Morrison, Nick Cave, Vinícius de Moraes, Patti Smith, entre muitos outros, nenhum deles chegava perto de questionar a liderança dylanesca no meu pódio entre os poetas da música. Bob Dylan era o maioral.

Descobrir Townes Van Zandt, trovador texano já falecido, me fez, pela primeira vez, questionar seriamente a supremacia de Bob no panteão. Esse obscuro cantor folk dos anos 60 não teve um centésimo da repercussão que Dylan conquistou, a ponto de se tornar a voz de uma geração e o cantor de protesto mais comentado e cultuado de sua década, mas a música de Townes é um dos segredos mais bem guardados da cultura americana. Hoje, apesar de ainda ser dylan-maníaco, falo com mais cuidado sobre ele ser tão imbatível quanto eu imaginava.

Extremamente tradicionalista e roots, a vasta coleção de canções zandtianas baseia-se nas formas mais consagradas do folk, do blues e do country, estilos executados aqui com extrema fidelidade aos cânones, mas com a adição de um elemento que faz o diferencial: Townes Van Zandt escrevia lindamente e suas letras estão entre as coisas mais esplêndidas que eu já ouvi em língua inglesa.

A música do cara é extremamente serena, tranquila, emanando confortavelmente de uma fonte que não parece fazer o mínimo esforço para produzi-la. Townes Van Zandt não tem um pingo de pirotecnia, de exibicionismo virtuosístico, de ostentação, de ornamento. Tudo é frugal, simples, reduzido ao elementar. Ele tem o despojamento dum Nick Drake, uma melancolia quase como a dele, mas um tanto mais sábia, e envolve tudo o que toca com a nuvem dnuma imaginação poética extremamente vívida e pessoal. A obra de Townes Van Zandt é uma em que dá pra se afundar, de cabeça, como nos afundamos às vezes em certos livros, autores, poetas, pensadores, místicos, gênios. É um ser humano que vale a pena conhecer. Um cantador cujas palavras merecem ser ouvidas com cuidado. E um poeta do primeiríssimo escalão.

Disponibilizo para vocês a caixinha de 4 CDs Texas Troubador, que coleta 7 álbuns de estúdio e um disco ao vivo desse injustiçado gênio escondido do folk americano. Enjoy!

Como pequeno exemplo do talento poético do sujeito, posto aí em embaixo a letra de "She Came and She Touched Me", que não ficaria nada mal numa Antologia de Poesia Americana do Século 20...

SHE CAME AND SHE TOUCHED ME
By townes van zandt

She came and she touched me
With hands made of heaven
Reflections sent spinnin
Through a face laced in mist
Now I stand where she left me
Buried deep neath her shadow
And the mirror plead sadly
Does it all come to this
And I wonder: will she call my name?

The wind careens madly
Through wide windows paneless
Fragrancies mingle
In a room full of shade
The peons pick partners
And waltz cross the ceilings
But the violins whisper
That Ive been betrayed
Tryin not to look ashamed

The drunkards drink deeply
From cups full of nothingness
Ghost lovers laugh
At the games that they play
The moments do somersaults
Into eternity
Cling to their coattails
And beg them to stay
Saying I got nothing to hide

Illusions projected
On walls made of tiffany
Mad men you adds to
A sad satin song
A harlequin mandolins
Harmonize helplessly
Hoping that endlessly
Wont last for long
Praying that their God aint dying

Then I turn and I see her
In a dress made of moonlight
Teardrops like diamonds
Run slow down her face
Her arms surround me
Like chains made of velvet
And the demons fall faithfully
Into their place
And the rivers run with jewels

Now the morning lies open
The night went quite quickly
Memory harmlessly
Fractures and fades
All the poets do push-ups
On carpets of rubber foam
Loudly they laugh
At some joke thats been made
And the wise men speak like fools



DOWNLOADS:

CD 01: http://www.mediafire.com/?ocnx1z5mxvv
"For The Sake Of The Song" (1968)
+ "Our Mother The Mountain" (1969)




CD 02: http://www.mediafire.com/?mxsg9dgmzjm
"Townes Van Zandt" (1969)
+ "Delta Momma Blues" (1971)



CD 03: http://www.mediafire.com/?rvdg8xmcv3e
"High, Low and In Between" (1972)
+ "The Late Great Townes Van Zandt" (1972)




CD 04: http://www.mediafire.com/?jiosvyl0xx2
"Flyin' Shoes" (1978)
+ "Live Songs From 1973"

segunda-feira, 14 de abril de 2008

:: criaturas da indielândia (pt 4) ::


:: CURUMIN, "Achados e Perdidos"

“Achados e Perdidos” é o primeiro álbum do cantor, compositor e multinstrumentista paulista Curumin. Produzido por Gustavo Lenza, o trabalho é mais uma afirmação da convicção da gravadora YB Music na liberdade criativa da novíssima geração de artistas da música brasileira. O CD investe na evolução da vitalidade do samba e de sua incrível capacidade de dialogar e deglutir influências diversas. Logo nos primeiros compassos da faixa “Guerreiro”, toda essa mecânica se evidencia: vem a pura batucada do samba e sobre elas são adicionadas frases e timbres, tecendo uma malha engenhosa de perguntas e respostas e nesse momento, mais uma vez, o nosso ritmo nacional é reinventado.

Curumin é baterista, e isso fica claro em todo o seu trabalho, pois a energia dessa obra nasce primeiramente na firmeza e musicalidade da concepção rítmica. A eletrônica soma-se aos instrumentos tradicionais de percussão e ao cavaquinho. Os sons graves conferem o peso e a agressividade que a música como um todo adquiriu após o surgimento do rock and roll nos anos 50, enquanto outros timbres agudos nos remetem a associações com barulhinhos alienígenas de disco voadores, e então estamos ao mesmo tempo no Brasil profundo e na ficção científica.

“Achados e Perdidos” é, portanto, uma sala caleidoscópica, repleta de objetos comuns e raros, onde o ouvinte deve perder-se e reencontrar-se. Curumin faz parte de uma geração de artistas de formação musical sólida que optou por construir a carreira sobre a densidade da música, pouco se importando com a chanchada.

O trabalho de Curumin é mais um motivo para que sejamos tranquilamente otimistas quando pensamos no andar da carruagem da música popular brasileira. - por Guga Stroeter

DOWNLOAD (70 MB): http://www.mediafire.com/?j1pzhgvymcm

quinta-feira, 10 de abril de 2008

:: Hammerbox ::


Jogos de moto e suas músicas maravilhosas - parte 1
por Marco Souza

Antes de mais nada, se você já foi pego pelo "longo braço da lei" e a tela abaixo não é novidade, não adianta negar, você já ouviu Hammerbox.


Numa época em que eu não gostava muito de música, de uma música eu gostava, "Trip", graças ao revolucionário jogo de 3do, Road Rash. Em meio a Soundgarden, Therapy?, Swervedriver, Paw e outras, existia uma pérola que poucos nerds notaram: Hammerbox. Nesse jogo duas músicas da banda marcaram presença: "Simple Passing" e, a já mencionada, "Trip".

Como naquele tempo a Internet ainda estava se formando (existia um porra de BBS, mas não me pergunte o que é), CD da banda somente gringo e ninguém a conhecia, só me restou ligar o videogame no aparelho de som e gravar as duas músicas numa fita cassete. Depois de anos escutando a fitinha, apareceu um tal de mp3 na tal ta Internet. Pesquisei incansavelmente pela banda lendária em sites, napsters e afins, e, no final dos anos 90, quando o grunge já estava bem enterrado, consegui formar uma outra fita cassete com todas (ou quase todas) músicas do álbum que vos apresento, Numb.

Até então o grunge havia passado despercebido por mim, não ligava para bandas como Pearl Jam, Alice in Chains e Nirvana (essa ainda não ligo). O que chamou minha atenção em Hammerbox é seu grunge menos dramático, mais sujo e agressivo, claramente influenciado pelo punk/hardcore. E Carrie Akre. Sua voz rasgava a música e a música rasgava o espaço.

Violento, pesado, consistente e feminino. Algo nos anos 90 não estava certo por deixar essa banda tão à margem. Com apenas dois álbuns lançados, o primeiro em 1991, eles não tiveram tempo para polir o próprio som. Talvez se tivesse existido um terceiro disco (desconsiderando o último, ao vivo... lançado em 2005!?), a banda poderia alcançar algum reconhecimento.

Após as fracas vendagens de Numb (1993) a gravadora A&M Records resolveu chutar o quarteto. Em 1994, James Atkins (baixo) saiu e os outros integrantes resolveram dissolver o grupo. Harris Thurmond (guitarra) formou Anodyne e Akre outra banda, chamada Goodness. Nenhum sinal do que aconteceu com o baterista, também vocalista, Dave Bosch. Outra banda de Seatlle chegou ao fim, no ano da morte de Kurt Cobain.

Eis que em 2007 entrei na onda do E-bay e, depois de mais de 10 anos da primeira busca por este CD, compro o álbum original. Há tempos não escutava à fita cassete. Agora ripo Numb pra vocês, espero que apreciem.
.
DOWNLOAD (mp3 de 192 kps - 57 MB):
http://www.mediafire.com/?n2o3xz7xk0w

terça-feira, 8 de abril de 2008

:: os 10 melhores dos anos 60...- #04 ::

[4º]

OS MUTANTES
(1968)



por Eduardo Carli de Moraes


"Eles eram loucos, e isso bastava”. É o que diz a fã Mathilda Kóvak no prefácio de A Divina Comédia dos Mutantes, de Carlos Calado, a mais completa biografia sobre a banda que, a golpes de irreverência e insanidade, reinventou a psicodelia em terra brasilis e acabou se tornando um dos acontecimentos mais geniosos da Tropicália e um dos capítulos mais interessantes da história da música nacional nos sixties.

Mas a loucura mutante não era loucura tradicional, daquelas de hospício, sem pé-nem-cabeça, pura anarquia-cerebral-e-sensível – era uma bagunça organizada, uma zorra muito bem feita, um circo musical repleto de geringonças e idéias tresloucadas que continua, ainda hoje, a fascinar, inspirar, alegrar e transpirar criatividade. Nunca houve e nunca haverá nada como os Mutantes. Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Rita Lee, esse “tresloucado trio dentuço” de moleques de talento precoce e nenhum medo do ridículo, fizeram no Brasil os únicos Sgt Peppers que temos – e Mathilda chega ao cúmulo da idolatria ao dizer que os Mutantes fizeram 5 (cinco!) Sargentos Pimentas, enquanto os Beatles e George Martin só tiveram fôlego para um!

A fã Mathilda continua, viajando mutantemente na descrição das Figuraças: “[Os Mutantes foram] a conjunção perfeita de som, imagem e movimento. Os Mutantes eram cinema, em terceira dimensão. Dois irmãos Baptistas aliados à Linda Evangelista da música, a Chanel do rock'n'roll. Arnaldo, uma fusão de Rimbaud com Liszt e Chacrinha. Sérgio, um híbrido de Paul McCartney com Jerry Lewis, com pitadas de Segovia e Pernalonga. Rita, Da Vinci sem sair de cima, a mulher dos mil instrumentos, truques de Fada Sininho e humor de Lucille Ball.” (...)

Sim, os Mutantes pareciam personagens de histórias em quadrinho ou de desenho animado, algo concebido por algum artista gráfico amalucado e tripping on acid, que teria dado à luz, com figurino bizarro e excentricidades mil, a essas figurinhas genialmente bagunceiras... Que, porém, não estavam nem aí pra salvar o mundo como fazem os Bons-Moços Heróicos por aí: só queriam tornar o mundo mais legal e mais divertido do que ele jamais foi. E como conseguiram!

* * * * *



Mas pra entender porque esse álbum foi tão crucial, é preciso pintar um quadro mais geral do Contexto Cultural Brazuca do final dos anos 60: é preciso falar sobre o surgimento, em meio ao escândalo e à atiração de tomates, d'um treco que aprendemos a chamar de Tropicália; é preciso voltar à Era dos Festivais, quando os artistas disputavam verdadeiros campeonatos de composição e execução de música popular frente aos olhos das multidões vidradas na telinha da TV; é preciso situar no mapa os coadjuvantes ilustres dessa história toda que, tanto quanto Arnaldo, Serginho e Rita, fizeram essa maravilha acontecer: Rogério Duprat, Gilberto Gil, Oswald De Andrade...

O movimento tropicalista, pra usar uma expressão de Capinan, tinha a intenção de ser “uma chuva de verão que alagasse infinita enquanto durasse”. Para Carlos Calado, “a intenção principal dos tropicalistas era desafinar o tom hegemônico das canções de protesto e da MPB politizada em meados dos anos 60. (...) Para combater o aristocratismo musical da época, o apoio à Jovem Guarda e a conexão com a música pop internacional foram estratégicas para a vitória da Tropicália.”

O Zé Miguel Wisnik, numa aula recente lá na USP, comentou também que a Tropicália pode ser vista também como uma repercussão tardia da revolução estética proposta por Oswald de Andrade, nos anos 20, com o seu Manifesto Antropofágico, que propunha a miscigenação da cultura nacional com a estrangeira num processo de engolir, digerir, misturar e vomitar a gororoba/mistureba na cara do mundo careta e tradicionalista. Mesmo que não tivessem consciência clara disso, os Mutantes e os tropicalistas foram soldados do exército antropófago de Oswald de Andrade em plena efervescência psicodélica dos anos 60!

Claro que, como tudo que é bom, a Tropicália durou pouco – “abatida em pleno vôo pelo AI-5”, como diz Tárik de Souza – mas fez uma diferença dos diabos no cenário artístico e cultural brasileiro da época. Entre outubro de 67 e dezembro de 68, o movimento tropicalista deixou uma marca indelével na música nacional, acabando por influenciar grande parte dos artistas que marcaram a MPB nos últimos 30 anos. Caetano, Gil, Gal, Bethânia, Tom Zé, Os Mutantes e o Maestro Rogério Duprat, entre outros, deixaram sua passagem muito bem marcada pela história e tiveram carreiras longas e fecundas nos anos após a efervescência da Tropicália.

* * * *

Gilberto Gil, lá pelos idos de 1967, estava fascinado tanto por música regional nordestina quanto pelo novíssimo som psicodélico inglês que os Beatles haviam popularizado universalmente: e então pensou - "por que não juntar a música da Banda de Pífaros de Caruaru, que o impressionara tanto, com o rock dos Beatles? Por que não injetar o universalismo e a modernidade da música pop na mais típica música popular brasileira?" O grande projeto era tornar a MPB "mais universal" e menos marcada pelo "nacionalismo defensivo das canções de protesto, que impregnava quase toda a produção da MPB daquela época". (pg. 98)

Quando compôs “Domingo no Parque”, por exemplo, Gil desejou criar uma canção cujo ritmo básico era um afoxé de capoeira (o que pedia um berimbau no arranjo), mas incluindo algo "na linha dos Beatles", com uma orquestra que trouxesse à música algo da sonoridade que George Martin trouxe aos Fab Four em Sgt. Peppers. Rogério Duprat, que "tinha bagagem musical e criatividade de sobra para desempenhar o papel de George Martin" (pg. 123), iria adorar a idéia e inclusive iria apresentar Gil a uns “moleques muito bons”: os Mutantes.

Rogério Duprat tinha sido violoncelista do Teatro Municipal de São Paulo e tinha estudado na Alemanha com revolucionários compositores contemporâneos como Stockhausen e Pierre Boulez (numa das turmas estava o roqueiro debochado Frank Zappa). Em 65, criou, junto com o poeta concretista Décio Pignatari, o Marda (Movimento de Arregimentação Radical em Defesa da Arte). "Aos 34 anos de idade, depois de ter feito inúmeras experiências com música eletrônica, música serial ou mesmo aleatória, até chegar aos happenings idealizados pelo anarco-vanguardista norte-americano John Cage, não havia muito mais a fazer. Duprat só viu uma saída para fugir do tédio que já sentia em seus últimos trabalhos. O jeito era mudar de língua: trocar a música erudita pela música popular." (125)


É assim que entram em cena pela primeira vez os Mutantes, jovens iconoclastas fãs de Beatles e animados com a farra tropicalista, que gostaram da "idéia de invadir a praia dos emepebistas com guitarra e baixo elétrico” para acompanhar Gil: pois “farra e provocação era com eles mesmos." (129) A convivência de Gil com os Mutantes foi crucial - mas, como sugere Carlos Calado, foi ele, GG, quem aprendeu mais com aqueles garotos irreverentes e iconoclastas que estavam somente começando seu percurso na música mundial. "A começar pelo exemplo de Serginho, que aos 16 anos de idade não estava nem um pouco preocupado com o que poderiam pensar de sua música. O garoto tocava simplesmente tudo o que gostasse ou lhe viesse à cabeça: Beatles, Mozart, Rolling Stones, Bach ou The Mamas and the Papas, sem jamais pensar nas reações que sua atitude poderia provocar. Esse grau de descompromisso musical era quase impensável para Gil, que vivia preocupado com as opiniões negativas dos emepebistas a respeito de suas novas canções. O baiano sonhava poder espantar de vez o fantasma da aprovação dos colegas e, nesse aspecto, a convivência com os garotos foi bastante educativa. O humor adolescente e a alegria iconoclasta dos Mutantes, sempre prontos para fazer piadas em qualquer situação, acabavam provocando o 'padrinho'. Incitavam Gil a se soltar cada vez mais." (172)

Dando provas tão precoces de ousadia e iconoclastia, Rita Lee, Sérgio Dias e Arnaldo Baptista se puseram a criar seu disco de estréia, destinado a se transformar num dos maiores clássicos do rock brasileiro, reverenciado dentro e fora do Brasil. Alguns meses antes os Mutantes já haviam participado do disco conjunto da Tropicalia, o Panis Et Circenses, posando inclusive para a clássica capa do álbum (aquela em que Duprat utiliza um penico como xícara de chá, numa referência à Marcel Duchamp). Só isso já bastaria para que eles entrassem na história da música nacional. Mas eles fariam muuito, muito mais.

O álbum de estréia do grupo, apesar de intimamente relacionado com o movimento tropicalista, como provam as versões que contêm de “Baby” e “Panis Et Circenses” de Caetano Veloso, era muito mais variado que isso. Tinham espaço ali uma espécie de proto samba-rock de Jorge Ben (“Minha Menina”), um baião de Sivuca e Humberto Teixeira (“Adeus Maria Fulô”), experimentos com poesia concreta e quase dadaísmo (“Batmakumba”) e até mesmo uma linda versão de uma balada francesa que ficou famosa na voz de Françoise Hardy (“Le Premier Bonheur Du Jour”). Já a vertente mais beatle ficava clara em rocks adolescentes adoráveis e irresistíveis como "Senhor F" e "Trem Fantasma".

O primeiro álbum dos Mutantes, d'uma importância histórica fenomenal e d'um frescor ainda hoje vivo e forte, continua sendo uma linda flor psicodélica que não murchou nem nunca murchará. Por um lado, é sintoma de uma efervescência artística irreverente e lúdica que procura driblar a rabugice e a gravidade do Carrancudo Regime Militar brasileiro a golpes de alegria e originalidade. Os Mutantes provaram que o deboche e o riso podia ser o melhor remédio contra os descalabros dos militares e não tiveram medo de causar frisson e escândalo frente aos puristas da MPB e da bossa nova, que viam com horror a adição de “elementos estrangeiros” à música nacional. A História, é claro, deu a razão a eles e ao projeto antropófago, contra os tradicionalistas que tentaram, em vão, manter a música nacional “ariana” e “virginal”.

Mas não precisamos nem levar em conta o contexto sócio-político-cultural brasileiro para perceber o valor dos Mutantes, já que a música em si, como a vasta onda de louvor à banda no exterior prova (com fãs ilustres como David Byrne e Kurt Cobain), fazia um som universalmente curtível e que não ficava devendo em nada aos grandes discos de rock lançados no mundo na década de 60. Orgulhemo-nos dessa maravilha: o Brasil é um dos poucos países no mundo que possui uma banda capaz de rivalizar com os Beatles em matéria de criatividade musical nos anos 60. Ouvindo esse excêntrico e inimitável álbum de estréia, repleto da mais excitante loucura-genial e bagunça-organizada, fica fácil entender porquê os Mutantes são, sem sombra de dúvida, a maior contribuição brasileira à música pop mundial.

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(mp3 de 128 kps - 34 MB):
http://www.mediafire.com/?mxbh0ywj2k3

segunda-feira, 7 de abril de 2008

:: Medeski, Martin & Wood ::



"Hey, I found it"
por Marco Souza

O trio Jazzístico de New York volta com um novo trabalho, dessa vez eles buscam inspiração no universo infantil e gravam um álbum voltado para crianças. O resultado não pôde ser diferente, uma brincadeira genial que se musicaliza num disco para todas as idades.

Mesmo com essa temática os músicos não deixam de trançar texturas musicais complexas, muito groove, improvisações não virtuosas (evidenciando mais o ritmo e a música ao instrumento solo), ritmos quebrados e paradas pontuais misturados com letras simples e divertidas, além de gravações de vozes de crianças.

Como sempre eles não se prendem à própria cultura e continuam a viajar por diversos países dentro do universo sonoro. Com influências da música brasileira, como na percursão alimentícia de "All Around The Kitchen" e no samba-bossa de ninar "We're All Connected", buscando guloseimas na melodia oriental de "Far East Sweets" e revisitando velhos estilos norte-americanos em "Pirates Don't Take Baths" e "On An Airplane". Tudo no melhor estilo MMW de sempre, evidenciado em "Cat Creeps".

Não poderia deixar de mencionar uma das melhores músicas do disco, e uma de minhas preferidas da banda, groove transbordando numa interação perfeita entre bateria-baixo-teclado, pausas inesperadas, crianças gritando e John Medeski solando com sua marca registrada nos teclados. "Where's The Music?" Volte para o título. "Again!"

DOWNLOAD (mp3 - 67 MB - 15 músicas): 

:: Bambini Barulhenti Pra Diabi! ::

da série: Turismo Inter-Planetário da Depredando S/A.
trip de hoje: Itália!

:: MARLENE KUNTZ, Catartica (1994). Em busca de novos métodos de depredação timpânica afora os conhecidos sistemas americano e inglês, inauguramos hoje a série de viagens a rincões do mundo aos quais nós, fãs da Música Pop Imperial, acostumados a ouvir só aquilo made in USA or UK, não costumamos dar a devida atenção. Da Itália vem o Marlene Kuntz, que é o nome de uma banda e não de uma mulher - e esses bambini são uma ótima pedida para quem quer começar a explorar o rock and roll europeu de vanguarda com um dos discos mais importantes para o rock italiano na década de 90.

O disco de estréia desse interessantíssimo grupo (aliás recomendado e certificado pelo ISO-9000 de Fábio Massari), surgiu no ano em que Kurt Cobain, estourando os miolos, programou toda a cena grunge para se auto-destruir. Catartica é a ao mesmo tempo um dos primeiros grandes álbuns do chamado pós-grunge, que traz elementos sombrios tipicamente soundgardianos no seu som, mas deve também imensamente ao guitarrismo cataclísmico e angular do Sonic Youth e à poesia decadentista dum Nick Cave ou dum Tom Waits. É um álbum noturno, crepuscular, viajante e essencialmente catártico, como sugere o próprio título - adequadíssimo - desse discão. "Trasudamerica" e "Sonica" são hits-rocker que farão com que até quem nunca falou um á de italiano cante junto.

Muito mais legal que visitar a Torre de Pisa.


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(WMAs de 64/44 - 27 MB - 14 músicas):
http://www.mediafire.com/?2l0l5mrjjcp