sábado, 29 de junho de 2013

#POESIAS GRATUITAS - 6ª EDIÇÃO: Charles Bukowski, Lawrence Ferlinghetti, Roque Dalton...


SAUDAÇÃO
(Lawrence Ferlinghetti)


A cada animal que abate ou come sua própria
espécie
E cada caçador com rifles montados em
camionetas
E cada miliciano ou atirador particular
com mira telescópica
E cada capataz sulista de botas com seus cães
& espingardas de cano serrado
E cada policial guardião da paz com seus cães
treinados para rastrear & matar
E cada tira à paisana ou agente secreto
com seu coldre oculto cheio de morte
E cada funcionário público que dispara contra o
público ou que alveja-para-matar
criminosos em fuga
E cada Guardia Civil em qualquer pais que
guarda os civis com algemas & carabinas
E cada guarda-fronteiras em tanto faz qual
posto da barreira em tanto faz qual lado de
qual Muro de Berlim cortina de Bambu ou
de Tortilha
E cada soldado de elite patrulheiro rodoviário
em calças de equitação sob medida &
capacete protetor de plástico &
revólver em coldre ornado de prata
E cada radiopatrulha com armas antimotim &
sirenes e cada tanque antimotim com
cassetetes & gás lacrimogênio
E cada piloto de avião com foguetes & napalm
sob as asas
E cada capelão que abençoa bombardeiros que
decolam
E qualquer Departamento de Estado de qualquer
superestado que vende armas aos dois lados
E cada Nacionalista em tanto faz que Nação em
tanto faz qual mundo Preto Pardo ou Branco
que mata por sua Nação
E cada profeta com arma de fogo ou branca e
quem quer que reforce as luzes do espírito
à força ou reforce o poder de qualquer
estado com mais Poder
E a qualquer um e a todos que matam & matam & matam & matam pela Paz
Eu ergo meu dedo médio na única saudação apropriada

(
Prisão de Santa Rita, 1968)
[Tradução: Nelson Ascher]
Compartilhe
Foto: manifestação em São Paulo, Av. Paulista, junho de 2013

LEI DA VIDA
(Roque Dalton, poeta-guerrilheiro de El Salvador, 1935-1975)

A árvore poderosa começa na semente
e ainda que o amor seja profundo e alto
é também mínima a semente do homem.
O nascimento do arroio do pólen
do ovinho da branca pomba
da pedra que rolou pelo monte nevado
desde sua pequenez chegam ao mar
ao girassol ao vôo interminável
ao planeta de neve que nada deterá.

Na luta social também os grandes rios
nascem dos pequenos olhos d'água
caminham muito mais e crescem
até chegar ao mar.

Na luta social também pela semente
se chega ao fruto
à árvore
ao infinito bosque que o vento fará cantar.

(Tradução de Jeff Vasques | mais poesias de Dalton traduzidas aqui )




 UM SORRISO PARA RELEMBRAR
(Charles Bukowski, EUA, 1920-1994)

Nós tínhamos peixes dourados e eles davam voltas e voltas
no aquário sobre a mesa perto da cortina pesada
que cobria a janela panorâmica e
minha mãe, sempre sorrindo, querendo que a gente
ficasse feliz, me dizia: “Alegria, Henry!”
e ela estava certa: é melhor ser feliz se você
pode.
Mas meu pai continuava batendo nela e em mim várias vezes na semana enquanto
se enfurecia em seus 1m e 80, porque não conseguia
entender o que estava atacando ele por dentro.

Minha mãe, pobre peixe,
querendo ser feliz, apanhando duas ou três vezes por
semana, me dizendo para ser feliz: “Henry, sorria!
Por que você nunca sorri?”

E então ela sorria, para me mostrar como, e era o
o sorriso mais triste que eu já vi.

Um dia os dourados morreram, todos os cinco,
eles boiaram na água, assim de lado, seus
olhos abertos ainda,
e quando meu pai chegou em casa ele os jogou pro gato
ali no chão da cozinha e nós assistíamos enquanto minha mãe
sorria.

(tradução de Jeff Vasques | mais poesias de Buk traduzidas aqui)

Todas as poesias foram publicadas pelo Eupassarin: gratidão!


"Uma cidade muda não muda!" - Reflexões de Vladimir Safatle...

Cartum suíço sobre as manifestações no Brasil;
o soldado que lança a bola de futebol na direção da massa de revoltados diz:
“Isso não funciona mais!"

“A POLÍTICA OXIGENADA"
Análise de Vladimir Safatle @CartaCapital (26/06/2013)

“Os acontecimentos das últimas semanas são a verdadeira face da política daqui para a frente. Longe de reclamações genéricas ou palavras vazias de ordem, ela se foca em um problema preciso e concreto, mas com força para abalar o edifício do discurso oficial. Aconteceu em Santiago do Chile, quando os estudantes saíram para denunciar que atrás do milagre chileno havia uma população espoliada pelos custos exorbitantes das escolas. No Brasil, ao escolher lutar contra o preço vergonhoso de um transporte público miserável e montado principalmente para alimentar máfias de empresários, os manifestantes mostraram quão pouco as cidades brasileiras melhoraram nas últimas décadas, quão pouco os serviços públicos foram realmente reconstruídos. Ao fazê-lo, desvelaram a verdadeira face do “milagre brasileiro". Como bons psicanalistas, focaram em um sintoma para mostrar como este, na verdade, expunha os impasses da totalidade.

(…) O povo dispôs-se ainda a acreditar que os grandes eventos, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, trariam benefícios concretos para as cidades e melhorariam nossa vida cotidiana. Os brasileiros se deram conta, no entanto, de que os beneficiados formam uma casta de empresários e empreiteiras acostumados a lucrar muito com os contratos públicos.

Juntou-se ainda a indignação contra um poder incapaz de se defender a não ser pelo uso da força bruta. A Polícia Militar há muito tempo deveria ter sido extinta por cotidianamente se comportar como uma manada de porcos selvagens. Poder que, como sempre, tentou calar o descontentamento na base da bala de borracha e do gás lacrimogêneo vencido. E que expôs sua fraqueza…

Uma coisa é certa. Há décadas este país não tem uma geração de jovens tão politizada, corajosa e brilhante quanto esta que levou a cabo as manifestações. (…) Conseguiram parar os poderes da República e deixar a repressão policial completamente atordoada. Com precisão cirúrgica, obrigaram a suspensão dos aumentos no transporte público e mostraram à população mais pobre com quem ela pode contar para lutar por uma sociedade realmente igualitária e dotada de serviços públicos dignos e respeitosos em relação aos cidadãos… Cabe admirar a sensibilidade desses jovens em compreender o modo dos embates do futuro. Diante deles só cabe dizer: ‘Confiamos em vocês. Vocês demonstraram força e inteligência. Sigam em frente. A verdadeira democracia é barulho e luta.’



Na FOLHA DE S. PAULO de 24 de Julho de 2013
:

“Há de se admirar a ironia. Passamos décadas esperando por uma grande mobilização popular e, quando ela ocorre, alguns querem desqualificá-la por ver risco de guinada conservadora ou profusão de pautas genéricas.

Em vez de explorar as potencialidades das manifestações, alguns parecem mais preocupados em construir, o mais rápido possível, uma explicação para o fracasso que pretensamente virá. Mas política popular sempre foi conflito e embate em torno de significantes que circulam em gritos e gestos de recusa.

Há um exemplo ilustrativo nesse sentido. Um dos tópicos mais presentes nas manifestações é a rejeição aos partidos. Já faz anos que ouvimos manifestantes, em todas as partes do mundo, recusarem as mediações dos partidos em prol da invenção de mecanismos de democracia direta. São pessoas que adquiriram a consciência de sua força política e que não veem razão para transferir tal força para partidos profundamente hierárquicos e guiados pelo raciocínio tático. Elas têm razão.

Vimos, no entanto, uma profusão de análises insistindo em não haver democracia sem partidos e instituições fortes, que a recusa a partidos é necessariamente conservadora. Tais análises são simplesmente equivocadas.

Quem acredita nelas deve estar acometido de um “fetichismo da representação” que nos fixa na ideia da necessidade insuperável da representação política, isso em uma época na qual a participação popular pode ser feita, cada vez mais, por meio da pulverização de mecanismos de decisão.

De fato, democracia pede modelos de organização, mas nada exige que tais organizações políticas sejam necessariamente partidos.

Mesmo se aceitarmos a necessidade da estrutura parlamentar, por que, por exemplo, um eleitor não poderia votar em um candidato independente ou em candidatos de movimentos sociais? De onde saiu a ideia de que partidos de vem ter o monopólio da representação política? Nesse sentido, a rejeição aos partidos pode ser a base da reinvenção de uma política muito mais democrática.

Partidos tiveram sua importância em vários momentos da história brasileira e mundial. Por meio deles, demandas sociais ganharam força e pressão junto ao Estado. Esse tempo, porém, passou e não voltará mais.

O problema não é com a decadência dos principais partidos brasileiros e mundiais, mas com a forma-partido enquanto tal, que perde muito facilmente sua função de caixa de ressonância das insatisfações populares e de espaço de criatividade política. Se abandonarmos nossos medos, outras formas de organização virão." 



Trechos da obra "A Esquerda Que Não Teme Dizer Seu Nome":


"Talvez a posição atual mais decisiva do pensamento de esquerda seja a defesa radical do igualitarismo. Juntamente com a defesa da soberania popular, a defesa racial do igualitarismo fornece a pulsação fundamental do pensamento de esquerda. [...] A luta contra a desigualdade social e econômica é a principal luta política. Nossas sociedades capitalistas de mercado são 'paradoxais' por produzirem, ao mesmo tempo, aumento exponencial da riqueza e pauperização de largas camadas da população. Quebrar esse paradoxo é tarefa da política. Apenas um exemplo: enquanto o PIB dos EUA cresceu 36% entre 1973 e 1995, o salário-hora de não executivos (que são a maioria dos empregados) caiu 14%. No ano 2000, o salário real de não executivos nos Estados Unidos retornou ao que era há 50 anos. Dados como estes demonstram que, diante dos modelos liberais, ou seja, sem forte intervenção de políticas estatais de redistribuição, nossas sociedades tendem a entrar em situação de profunda fratura social por desenvolverem uma tendência radical de concentração de riquezas.

Um exemplo do tipo de ação que uma defesa radical do igualitarismo pode produzir foi sugerido pelo candidato de uma coligação francesa de partidos de esquerda à eleição presidencial de 2012, Jean-Luc Mélenchon. Consiste na proposição de um "SALÁRIO MÁXIMO", com um teto que impediria que a diferença entre o maior e o menor ganho fosse superior a 20 vezes. Em uma realidade social de generalização mundial das situações de desigualdade extrema, tais propostas trazem para o debate político a necessidade de institucionalização de políticas contra a desigualdade."

* * * * *

"A democracia depende de um aprofundamento da transferência de poder para instâncias de decisão popular que podem e devem ser convocadas de maneira contínua. (…) Com o desenvolvimento das novas mídias, é cada vez mais viável, do ponto de vista material, certa “democracia digital” que permita a implementação constante de mecanismos de consulta popular. (…) O verdadeiro desafio democrático consiste em criar uma dinâmica plebiscitária de participação popular.

Tal dinâmica é desacreditada pelo pensamento conservador, pois ele procura vender a ideia inacreditável de que o aumento da participação popular seria um risco à democracia - como se as formas atuais de representação fossem tudo o que podemos esperar da vida democrática. Contra essa política que tenta nos resignar às imperfeições da nossa democracia parlamentar, devemos dizer que a criatividade política em direção à realização da democracia apenas começou. Há muito ainda por vir.


O plebiscito é simplesmente a essência fundamental de toda vida democrática. (...) Vale a pena lembrar que a noção de soberania popular implica transferência de poderes em direção à democracia direta. Um exemplo valioso são as declarações de guerra. Na época da Guerra do Afeganistão, enquanto a maioria da população era contrária à iniciativa, o Parlamento espanhol aprovou o envio de tropas àquele país. Ou seja, naquele momento o Parlamento da Espanha não representava o povo - o mesmo povo que morreria devido às consequências da decisão do Parlamento. Em situações como esta, a decisão deveria passar para a democracia direta."

 
* * * * 


 "Mesmo a tradição política liberal admite, ao menos desde John Locke, o direito que todo cidadão tem de se contrapor ao tirano, de lutar de todas as formas contra aquele que usurpa o poder e impõe um estado de terror, de censura, de suspensão das garantias de integridade social. Nessas situações, a democracia reconhece o direito à violência, já que toda ação contra um governo ilegal é uma ação legal. (...) Um dos princípios maiores que constitui a a tradição de modernização política da qual fazemos parte afirma que o direito fundamental de todo cidadão é o direito à rebelião e à resistência."

* * * * *

"No fundo, essa é uma sociedade que tem medo da política e que gostaria de substituir a política pela polícia."

 

 
  
Assista acima a excelentes falas do filósofo Vladimir Safatle, professor da USP e grande estudioso de Hegel, Derrida, Lacan (dentre outros), em que ele analisa as manifestações populares, fala sobre a luta pela instauração de uma democracia real, defende os impostos sobre grandes fortunas e analisa o cenário global de crise do capitalismo após os colapsos financeiros de 2008... Vale muito a pena conferir!  

Leia também

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Mais de 15 discos dos Beatles pra orelhar on-line (Discografia Completaça de álbuns de estúdio entre 1963 e 1970)

5 tirinhas do Laerte


Depoimento do entusiasmado Eduardo Galeano em uma praça ocupada da Catalunha em 2011: "este mundo de merda está grávido de um outro mundo possível..."

"Vivemos num mundo ao revés, que recompensa seus arruinadores ao invés de os castigar: não há um único preso entre os BANQUEIROS que provocaram esta crise no planeta inteiro. Nem um único foi preso! No entanto, há milhares de presos por terem consumido marijuana, ou por terem roubado uma galinha! Milhares de presos! É um mundo ao contrário, um mundo de merda, mas não é o único mundo possível... E cada vez que me junto com estas concentrações lindíssimas, de gente jovem, penso: 'Há um outro mundo que nos espera... Esse mundo de merda está grávido de um outro..."

E. Galeano

domingo, 23 de junho de 2013

A Batalha de Seattle em 1999: dois filmes completos (um documentário, uma ficção...)





ESSA É A CARA DA DEMOCRACIA
(This Is What Democracy Looks Like)


Seattle, 1999: manifestantes pacíficos apanham pra caralho da polícia, mas a cada novo dia a massa engrossa. Nem mesmo as mais de 600 prisões conseguiram dispersar o movimento, que conquistou as simpatias de ativistas mundo afora, que em dúzias de cidades marcharam em solidariedade. Com os olhos do mundo voltados para Seattle, as multidões na rua, apesar da brutal repressão policial, acabaram triunfando no intento de gorar o encontro do antro de capetalistas da OMC (Organização Mundial de Comércio). No fim do século passado, os EUA escancarou para o mundo seu militarismo bronco em defesa do grande capital fazendo guerra contra seus próprios cidadãos… Este vibrante documentário, com imagens captadas por mais de 100 ativistas, põe o espectador como testemunha ocular no epicentro de um furacão que, na terra do grunge e do Hendrix, encerrou de modo emblemático o século passado…


* * * * *


A BATALHA DE SEATTLE 
(Battle in Seattle, 2007, Dir: Stuart Townsend)
Baixe já o filme completo (700 MB)
(no pirate bay, clique em “get this torrent”)
Trailer

No Caminho com Maiakósvki: 5 poemas de Eduardo Alves da Costa

#POESIAS GRATUITAS
[Acesse mais de 50 poemas: http://on.fb.me/1ajsvxN]


“A ROSA DE ASFALTO”

de Eduardo Alves da Costa (1936 – )

Somos a geração dos jovens iracundos,
a emergir como cactos de fúria
para mudar a face do tempo.

Antes de ferirmos a carne circundante,
comemos o pão amassado pelas botas
de muitos regimentos
e cozido ao fogo dos fornos crematórios.

Foram precisas inúmeras guerras,
para que trouxéssemos nos olhos
este anseio de feras acuadas.
Mordidos de obuses,
rasgados pelas cercas de arame farpado,
já não temos por escudo
a mentira e o medo.
Sem que os senhores do mundo suspeitassem,
cavamos galerias sob os escombros
e nos irmanamos nas catacumbas do ser.
Nossas mãos se uniram como pétalas
ao cerne da mesma angústia
e uma rosa de asfalto se ergueu
por sobre o horizonte.

E porque há entre nós
um mudo entendimento;
e porque nossos corações
transbordam como taças
nos festins da imaginação;
e porque nossa vontade de gritar é tamanha
que se nos amordaçassem a boca
nosso crânio se fenderia,
não nos deterão!
Ainda que nos ameacem com suas armas sutis,
nós os enfrentaremos,
num derradeiro esplendor.

Em breve, a nota mais aguda
quebrará o instante.
Bateremos com violência contra as portas,
até que a cidade desperte;
e com o riso mais puro,
anunciaremos o advento do Homem.
Porque nossas mãos se uniram como pétalas
ao cerne da mesma angústia,
para que uma rosa de asfalto se erguesse
por sobre o horizonte.

* * * * *

“No Caminho Com Maiakóvski”
http://on.fb.me/125qI7A
Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas manhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita – MENTIRA!

* * * * *

"Não Te Rendas Jamais"

Procura acrescentar um côvado
à tua altura. Que o mundo está
à míngua de valores
e um homem de estatura justifica
a existência de um milhão de pigmeus
a navegar na rota previsível
entre a impostura e a mesquinhez
dos filisteus. Ergue-te desse oceano
que dócil se derrama sobre a areia
e busca as profundezas, o tumulto
do sangue a irromper na veia
contra os diques do cinismo
e os rochedos de torpezas
que as nações antepõem a seus rebeldes.
Não te rendas jamais, nunca te entregues,
foge das redes, expande teu destino.
E caso fiques tão só que nem mesmo um cão
venha te lamber a mão,
atira-te contra as escarpas
de tua angústia e explode
em grito, em raiva, em pranto.
Porque desse teu gesto
há de nascer o Espanto.

* * * * *

 "A Cama de Pregos"

Tenho o corpo varado de angústias
e não encontro posição de repouso.
Porque aos de minha geração
foi dado existir numa cama de pregos,
entre o espasmo e o grito,
antes da primeira frase se fazer orvalho
contra as paredes da cela.
Não há possibilidade de fuga
para nosso instinto.
Querem que o sexo floresça e murche
em nossas próprias mãos;
ou que o orgasmo seja catalogado
e obedeça aos trâmites legais.
Não há caminho que nos leve à amada.
Todos os corredores conduzem ao vestíbulo,
onde uma enfermeira nos agarra
e nos faz preencher um questionário.
Esconderam as fêmeas em arcas de veludo
e nos iludem o apetite
com mulheres da vida,
com cineminhas mambembes
e filmes de sacanagem.
Mas isto não nos basta,
é preciso um espaço infinito
para nos fazermos ao largo,
como jovens leões que se lançam à planície.
Ah, visões de antigos dias,
farândolas de faunos,
virgens consumidas,
olhos de cíclopes aguardando as madrugadas!

Não haverá nesta cidade uma única mulher
verdadeiramente no cio?
Quero agitá-la como uma bandeira
entre as estrelas
e vê-la tombar,
com a face tranquila.

Sim, deliro,
estamos todos loucos,
nossa energia se dissipa
à beira do caos e do copo.
E contudo é preciso utilizar de alguma forma
esta convulsão incontida.
Mesmo que tudo termine
na cama de pregos,
seguros pela enfermeira
e cheirando clorofórmio.

Não, por Deus,
não me façam uma incisão no crânio.
Eu sei que estou preso num pálacio de espelhos
e é preciso quebrar tudo!

* * * * *

“Salamargo”

Salamargo é o pão de cada dia;
pão de suor, amargonia.
Amargura por viver nesta agonia,
salamargando a tirania.

Salamargo é o tirano, segundo a segundo
amargo sal que salga o mundo.
Assassino das manhãs, carrasco das tardes,
ladrão de todas as noites
e de seu mistério profundo;
carcereiro de seu irmão, a transmudar
a fantasia em noite de alcatrão.

Amargo é fado de nascer escravo,
amargonauta em mar de sal,
nesta salsa-ardente irreal em que cravo
unhas e dentes, buscando viver
como um bravo entre decadentes.

Salamargo, tão amargo quanto
o mais amargo sal, é comer
o pão de cada dia sob o tacão
da tirania. Um pão amargo,
sem sal, pobre de amor e fantasia.
Salamargo existir sem poesia.

 
EDUARDO ALVES DA COSTA
In: “No Caminho Com Maiakóvski – Poesia Reunida” 
(Ed. Geração Editorial, 1 ed., 2003)
Imagem: Banksy

sexta-feira, 21 de junho de 2013

UM MILHÃO NAS RUAS - Reflexões e Palpites sobre as Manifestações no Brasil em Junho de 2013


"As gotas só contam quando não se pode mais contá-las."
ELIAS CANETTI em Massa e Poder

1 MILHÃO NAS RUAS

- Vomitado sobre o papel, no calor da hora,
em um só jorro, em 21/06/13... -

"A violência estrutural não se reduz a uma inadequada distribuição dos recursos disponíveis que impede a satisfação das necessidades básicas das maiorias; a violência estrutural supõe, além disso, um ordenamento dessa desigualdade opressiva, mediante uma legislação que ampara os mecanismos de distribuição social da riqueza e estabelece uma força coercitiva para fazê-los respeit
ar. O sistema fecha assim o ciclo de violência justificando e protegendo aquelas estruturas que privilegiam as minorias à custa dos demais." - MARTIN BARÓ (apud OLIVEIRA ; MARTINS, 2007, p. 92)

VIOLÊNCIA ESTRUTURAL ou VANDALISMO SISTÊMICO  - Uma das declarações mais interessantes de Notícias de Uma Guerra Particular, o excelente documentário de J.M. Salles e Kátia Lund, é do policial do BOPE Rodrigo Pimentel (o “protótipo” do Capitão Nascimento de Tropa de Elite e co-autor de Elite da Tropa): ele diz que a única parte do Estado que sobe o morro é a polícia. No Rio, por exemplo, são cerca 2 milhões de cariocas vivendo nas favelas, com péssimas condições de moradia, sem acesso a saúde decente nem educação de qualidade, que só conhecem uma face do aparelho estatal: a repressora. 

Para estas populações ditas “periféricas” (apesar de serem uma multidão que ultrapassa em número a população de países inteiros...), a cara do Estado é o Caveirão do BOPE, que sobe o morro para seguir os ditames dos dirigentes da Guerra às Drogas. Sob o pretexto de ir à caça de traficantes, que muitas vezes vendem substâncias erroneamente rotuladas de "entorpecentes' ("ei, polícia, maconha é uma delícia!"), o Estado arreganha os dentes e diz: pra vocês, só oferecemos a morte; nossos agentes estatais estão autorizados a metralhar geral aqueles que são demonizados como se fossem gente da pior laia, quando é óbvio que o Estado manda soldados armados até os dentes para coibir o comércio de substâncias cuja demanda provêm de todos os cantos da sociedade. Também se cheira pó e se fumam baseados a rodo em Copabacana e Ipanema... Trata-se de substâncias que milhões querem consumir: um mercado gigantesco desse tipo não se extingue pela coerção e a Guerra às Drogas é cada vez mais uma escancarado fracasso.

No processo de tentar liquidar o tráfico destas substâncias, instaura-se uma guerra civil nas periferias: o Estado militarizado contra seus cidadãos mais “humilhados e ofendidos”, que às vezes não acham emprego melhor do que o altamente rentável mundo das substâncias ilícitas. O cinema brasileiro, com os clássicos de Fernando Meirelles e José Padilha (Cidade de Deus, Ônibus 174, os dois Tropas de Elite), levou ao mainstream o conhecimento do vandalismo sistêmico que as forças policiais operam nas periferias, recebendo em troca um contra-ataque violento. Quem planta sangue colhe sangue. E dá-lhe balas perdidas, os “efeitos colaterais” necessários desta política, em que morrem crianças, velhos, mulheres, jovens, homens – que muitas vezes não tinham nada com isso. 

Para estas populações humilhadas e ofendidas, a quem não se fornecem serviços públicos dignos em tempos neoliberais de privatização generalizada, o Estado é essencialmente isso: polícia + cadeia. A isso chamam "Ordem"; esta é a Lei que pedem que seja respeitada. Claro que milhões, vivendo em tais condições, jamais aprenderam a “amar sua cidade” ou “honrar a cidadania”, já que do Estado só conhecem o complexo policial-carcerário - para eles não há nada de “respeitável” numa prefeitura ou numa assembleia legislativa. Aqueles que ali trabalham são privilegiados que criam leis e políticas públicas que favorecem seus interesses privados; preferem investir bilhões em estádios de futebol, "pra inglês ver", ao invés de dar vida digna aos brasileiros que estão largados na sarjeta e vitimados dia-a-dia pela depredação que o sistema capitalista impõe aos milhões que ele segrega para as margens. Dá pra se surpreender, portanto, com as múltiplas cenas de combate entre civis e policiais que temos visto explodindo neste Junho de 2013 no Brasil? 

O aparato policial representa uma violência sistêmica e cotidiana que o Estado faz estas populações padecerem. Como se surpreender quando estes que são cotidianamente esculachados pela polícia no morro descem para o asfalto e começam a vandalizar os edifícios públicos? Estes edifícios não são nada para eles senão símbolo de opressão. Mais que símbolo, talvez: são as fortalezas onde se escondem alguns ricaços que não querem resolver a questão da miséria, mas mandam seus soldadinhos, armados até os dentes, para oprimirem e reprimirem os levantes ditados pela miséria, pela insatisfação existencial, pela fúria daqueles que têm recusados seus direitos mais básicos e vivem desprovidos do necessário, ao mesmo tempo que testemunham outros se esbaldando com o supérfluo e acumulando tesouros bilionários...

A violência não nasce com os "vândalos": como diz o Martin Baró, na frase da epígrafe, há uma violência estrutural, do próprio sistema capitalista, que desperta a fúria e a vendeta de suas vítimas. O capitalismo, que Florestan Fernandes dizia ser um sistema "intrinsecamente perverso", não sobrevive a não ser a partir da exploração daqueles que, pisoteados, acumulam a fúria que um dia acaba por se levantar - muitas vezes sem eficácia - contra as fortalezas e bunkers do capital encastelado...

A PEQUENEZ MESQUINHA DA “GRANDE” MÍDIA – A imprensa tem tomado boas cacetadas durante os últimos protestos. Os sete repórteres da Folha de São Paulo que foram feridos com balas de borracha durante a ação da P.M. de Alckmin, na repressão à manifestação do dia 13, foram um caso surpreendente de “virada” na cobertura. Quando tiveram profissionais feridos na frente de batalha, Folha e Estadão começaram a criticar a truculência policial, sendo que na véspera a elogiavam em prol da Ordem... Quanto às TVs, vimos arderem em chamas os carros de cobertura de grandes emissoras, como o SBT e a Record, que junto com a Globo e o resto da trupe são agentes da imbecilização e do torpor da consciência popular. Zapeando pela TV, nesta manhã do dia 21/06, vi um âncora de telejornal advogar, no SBT, a volta das Forças Armadas às ruas para acabar com a baderna.

 Eis um triste retrato de boa parte de nossa mídia, que repete ad nauseam as cenas de vandalismo e depredação, mas é incapaz de dar voz às reivindicações múltiplas que estão na rua. Que este movimento não seja dotado de coerência, nem tenha uma causa única, não é razão para a mídia se demitir da tarefa de oferecer um quadro desta multiplicidade, ao invés de fazer o tosco elogio da brutalidade militar que re-estabelece a normalidade. A normalidade é um acinte: no estado normal das coisas, neste planeta, uma criança morre de fome a cada 5 segundos. E as florestas vão sendo devastadas na velô alucinante de vários campos de futebol por dia.

Esta mídia que se faz saudosa da ditadura quando um mísero carrinho pega fogo me dá náuseas: eis aí o chorôrô sentimentalóide de mega-corporações do ramo das comunicações, que faturam milhões de lucros todos os meses (lembremos de Chomsky: quem os paga é a propaganda de outras empresas!), e que agora reclamam soluções totalitárias e fascistas quando alguns manifestantes mandam seu recado em forma de fogo.

Se eu aprovo essa violência contra a mídia? Em primeiro lugar, acho que convêm distinguir entre vários modos de violência: nenhum manifestante assassinou ou pôs fogo em nenhum membro da imprensa, mas sim sobre um amontoado de matéria inorgânica. Violência contra um carro, este amontoado de aço incapaz de sentir dor, é bem diferente de violência contra pessoas da imprensa, seres sencientes e sofrentes. De resto, acho muito simbólico que a TV exiba para todos os seus telespectadores as ações da sua oposição... Agora o público todo sabe que há quem odeie a Globo, o SBT, a Band, a Record etc. a ponto de desejar ver estes carros reduzidos a cinzas. Tanta fúria não tem nada de “gratuita”, como alguns na mídia querem dizer, mas é uma resposta a uma violentação sistêmica e cotidiana que a mídia realiza com suas coberturas parciais, com suas defesas de um Estado policialesco, com seus louvores ao “rigor” da PM no trato com os “vândalos”... Torço mais é pros Datenas desse mundo seguirem levando nabos no rabo.



INSTINTO ANTI-CAPITALISTA ARDENDO
– São poucos aqueles capazes de ler Marx, decifrar um texto tão rico em análises econômicas e interpretações históricas, mas isso não impede muitos de serem instintivamente anti-capitalistas, não a partir de conclusões da razão, mas de emanações viscerais do sentimento. Em outros termos: vemos nas ruas muitos daqueles que são chamados de "vândalos" que não tem o mínimo respeito pela propriedade privada como o capitalismo quer ver sacralizada; muitos que, expulsos do mundo do consumo, além de cotidianamente instigados pelo marketing a desejar participar dele, e que não perdem a chance de poder, um dia na vida, "fazer a festa" dentro das Lojas Americanas...

Não vejo nenhum anti-capitalismo organizado, doutrinário, partidarizado; mas sim um anti-capitalismo que brota do instinto, que vem de uma repulsa meio impensada contra este mundinho-do-cão dos bancos e das mega-corporações. O "monumento" da Coca Cola arde na Avenida Paulista: isso não é só vandalismo, é expressão de insatisfação contra os rumos de nossa situação neo-colonizada!

Nas ruas, penso eu, estamos vendo uma repulsa que nasce das vísceras diante do capitalismo. Nos últimos protestos, vimos muitas agências bancárias sendo depredadas com selvageria. Outra coisa muito simbólica! Uma parcela dos manifestante compreende muito bem, ainda que de maneira confusa, que os bancos são um dos elementos fundamentais no Sistema que produz, no mundo todo, esta extrema desigualdade de renda. Não devemos nos deixar enganar pelas aparências: os milhões que ganham salário mínimo e os gatos-pingados que são bilionários podem até ter contas no mesmo banco, mas os bancos são instituições radicalmente e constitucionalmente anti-democráticas, anti-igualitárias, já que permitem que quantidades colossais de capital se concentrem em poucas mãos. 

Antigamente, podemos imaginar, antes de surgirem os bancos, que a solução para aqueles que juntavam riquezas eram esconder seu tesouro, do jeito que pudessem - cavando um buraco e pondo-o debaixo da terra, por exemplo. Depois, com a criação dos cofres privados, estes tesouros puderam ser trancados com mais segurança detrás de fortalezas de aço. Os bancos são o último estágio nesta evolução na lógica do entesouramento privado de capital. Que o Itaú e o Santander etc. tenham algumas de suas agências destruídas, seus vidros estilhaçados, representa danos muito pequenos para estas mega-corporações. É um arranhão. Mas ao menos é prova de que tem muita gente no Brasil que, similarmente a muitos manifestantes do Occupy Wall Street, já começou a perceber o vínculo entre os bancos, a especulação financeira, a concentração de renda, de um lado, e o estado de miséria em que está jogada boa parte da população. ..


O BRAÇO ARMADO DA BURGUESIA
– Assistir a cobertura das TVs chega a ser enojante após algumas horas, tão repetitivos os discursos: são sempre “confrontos” entre Polícia e Manifestantes, sendo que estes últimos são quase sempre apelidados de vândalos, depredadores e gentinha de mau-caráter. Falta à polícia uma consciência de classe mais lúcida: falta aos policiais perceberem que seu emprego consiste basicamente em ser o braço armado do capital, defendendo proprietários, milionários e latifúndios, de modo a conservar o status quo como ele é hoje – isto é, radicalmente desigual. Mas a pequenez da grande mídia é tamanha que eles só enxergam, em seu olhar estreito, o presente mais imediato: desejam que a Ordem retorne, que a normalidade se re-estabeleça, e para isso clamam por polícia “rigorosa” contra os vândalos.

Cada vez fica mais claro pra mim, porém, que o aumento do rigor repressivo só vai exacerbar o ímpeto depredativo daqueles que sofrem estas violências policiais. Por que a mídia não ousa sequer colocar a hipótese de que o gás lacrimogêneo e as bombas de borracha sejam uma das causas do comportamento de destruição por parte dos manifestantes? A polícia age com extrema violência e quer que os manifestantes sejam pacifistas? O Estado se arroga o “monopólio da violência legítima” e deseja que as vítimas de sua violência institucionalizada se calem, se submetam, se tornem Gandhianos? Isso é de um irrealismo crasso. Um Estado que lança-se contra seus cidadãos com a força militar dos batalhões de Choque, que comete muitas violências contra a liberdade de manifestação e expressão, prepara para si estas miríades de vendetas que estivemos assistindo pelas ruas.

A única solução que vejo para o fim da violência é lidar com um problema sistêmico que se arrasta por décadas no Brasil (e em tantos outros países do mundo): a desigualdade social, a concentração de renda e de terra. Sem reforma agrária e sem distribuição das riquezas, iremos em direção a uma barbárie cada vez mais obscena. Enquanto coexistirem na mesma sociedade os mega-ricos encastelados em seus bunkers e as multidões de favelados amontoados em seus barros, esperem guerra.

Por que a mídia dita “grande”, em sua pequenez, não ousa colocar a questão que um manifestante tão sagazmente fez em um cartaz: “Por que não existe salário máximo?” As pessoas que existem por trás das fardas policiais teriam que acordar para o fato de que elas são pagas pelos ricos para manterem os pobres sob controle e que a isto se dá o nome eufemístico de “Políticas de Segurança Pública”...

Quando os Estados estão a serviço do grande capital, quando os políticos governam para cumprir promessas de campanha que fizeram a empresários, quando grandes bancos e empreiteiras tem mais voz no Estado do que o próprio povo que deveria estar ali representado, quando as desigualdades extremadas na distribuição das riquezas fazem conviver, no interior do território nacional, uma Bélgica e uma Etiópia, só é possível sustentar esta iniquidade insustentável através da coerção. Vista sob esta perspectiva, a polícia é o braço armado dos detentores de capital, e não serve para nos proteger mas para perpetuar o capitalismo selvagem que suga lucros da miséria, segrega milhões para a insatisfação existencial e prepara, com isso, situações de convulsão social como essas que estamos vivenciando.

Se há razões para ter medo de que vozes se levantem a favor de uma militarização crescente para retornar a sociedade ao que chamam de Ordem, há também razões para crer que este sistema está exacerbando as contradições que o levarão a fraturas irremediáveis: talvez o capitalismo esteja engendrando processos globais que o transformarão em seu próprio coveiro.

PERPLEXIDADE E SUSPENSE – São estes os dois afetos que me dominam, no momento: perplexidade e assombro pela irrupção um tanto inesperada destas gigantescas manifestações populares, as maiores no país desde o Fora Collor; e suspense apreensivo pelos desdobramentos disso. Quem poderia imaginar que este Junho de 2013 se tornaria, no Brasil, uma espécie de Maio de 1968 (guardadas as devidas especificidades)? Vimos a estrondosa força das massas obrigarem governos a recuarem os aumentos das tarifas de ônibus em quase todas as cidades onde o movimento ganhou as ruas. Apesar de muita bomba de gás, bala de borracha e tropa de choque, o movimento não se intimidou: ao contrário, quanto mais repressão chegava por parte da polícia, era como se mais indignação fosse lançando lenha na fogueira do movimento popular. Os 10, 20 ou 30 centavos que foram conquistados na real representam uma demonstração empolgante do potencial de pressão que uma massa organizada e ousada pode forçar os governos a ouvir. 

O Brasil está aprendendo que, se o povo quiser, consegue tirar Renan Canalheiros da presidência do Senado; consegue arrancar Feliciânus da Comissão de Direitos Humanos; consegue varrer do mapa Marconi Perillo Cachoeira do governo de Goiás; consegue afastar as Motoserras ruralistas e as cusparadas sobre os direitos indígenas perpetrados pelo neo-desenvolvimentismo; consegue até mesmo tacar pedras na engrenagem que quer erguer, com ecocídios e etnocídios brutais, a hidrelétrica de Belo Monte no seio verde e devastado da Amazônia...

O Brasil se tornou, de repente, um país onde os olhares do mundo todo estão focados. Copa do Mundo e Olimpíadas são iminentes e, para surpresa dos políticos que esperavam um povo submisso e cabisbaixo, “o gigante acordou”. O país, enfim, saiu do marasmo, da letargia, da apatia. Muita gente que não se sente representada pelos políticos que estão aí, pelos gastos com eventos esportivos enquanto mais de 12 milhões de brasileiros passam fome, pela ascensão do fanatismo religioso e sua tentativa de atentado contra o Estado Laico, pela mesquinharia de políticos que usam seus cargos para enriquecimento privado e cagam em cima do bem público, multidões de insatisfeitos e indignados foram às ruas e tiveram a coragem de ter voz. Mesmo debaixo de bala de borracha e gás lacrimogêneo. 

As multidões subitamente perderam o medo de exigirem que sejam ouvidas. Subiram no teto do Congresso Nacional, como que para dizer que aquele prédio não deveria ser uma fortaleza inexpugnável, inacessível aos reles mortais, como os castelos medievais, mas um prédio a serviço do povo e suas demandas. Ademais, nem só de insatisfações e revoltas se fazem estas gigantescas marchas: as depredações e vandalizações são feitas por minorias; as maiorias, me parece, estão descobrindo as delícias cívicas de pertencer a uma massa que pode fazer a diferença. Cada indivíduo sente seu poder aumentado, seu conatus spinozista elevado em sua potência, quando soma-se a outros e de gota transforma-se em rio, e de muitos rios transforma-se em mar...

Alguns estão ridicularizando o fato de alguns protestos estarem virando “micaretas”, em que as pessoas parecem estar na balada, tirando fotinhas de si mesmas para postarem no Feice ou no Orkut... Tendência que era de se esperar da classe média imbecilizada pela mídia e seu jato contínuo de besteirol. Mas não sejamos muito carrancudos: política também é celebração, também é festa, também é o povo em deleite com sua própria capacidade de articulação, organização e mutação! Não é só com coquetel molotov e depredações que se faz uma revolução: como diz Emma Goldman, “se eu não puder dançar, não é minha revolução!” Diante destes mares de gente que fluem hoje Brasil afora, não consigo evitar uma comoção como poucas vezes senti diante dessas inesperadas irrupções de união. E, como diz Elias Cannetti num trecho de Massa e Poder que acho lindo, “as gotas só contam quando não se pode mais contá-las...”




Rage Against the Machine
"Killing in the Name"
Clipe com cenas do doc A Servidão Moderna

Ricardo Boechat exalta as manifestações populares

domingo, 9 de junho de 2013

Especial NIRVANA: discografia completa + clipes + 50 discos prediletos de K Cobain...


DISCOGRAFIA COMPLETA (OUÇA ON-LINE):
* * * * * *

VIDEO-CLIPES


* * * * * * 
SHOWS COMPLETOS




Lista de "pet sounds", encontrada nos Diários de Kurt Cobain, em que ele revela seus 50 discos prediletos. Confiram aí (com alguns links para ouvir os álbuns na íntegra):
  1. Stooges – Raw Power 
  2. Pixies – Surfer Rosa
  3. Breeders – POD 
  4. Vaselines – Pink EP
  5. Shaggs – Philosophy Of The World
  6. Fang – Land Shark
  7. M.D.C. – Millions Of Dead Cops
  8. Scratch Acid – Primeiro EP
  9. Saccharin Trust – Primeiro EP
  10. Butthole Surfers – Pee Pee The Sailor
  11. Black Flag – My War
  12. Bad Brains – Rock For Light 
  13. Gang Of Four – Entertainment 
  14. Sex Pistols – Nevermind The Bollocks
  15. Frogs – It’s Only Right And Natural
  16. P.J. Harvey – Dry
  17. Sonic Youth – Daydream Nation
  18. The Knack – Get The Knack
  19. The Saints – Know Your Product
  20. Kleenex – “Qualquer disco deles”
  21. Raincoats – Raincoats
  22. Young Marble Giants – Colossal Youth
  23. Aerosmith – Rocks
  24. What Is This? – Coletânea de punk da California
  25. R.E.M. – Green
  26. Shonen Knife – Burning Farm Cassette
  27. Slits – Typical Girls
  28. The Clash – Combat Rock
  29. Void / Faith – Void / Faith EP
  30. Rites Of Spring – Rites Of Spring
  31. Beat Happening – Jamboree
  32. Tales Of Terror – Tales Of Terror
  33. Leadbelly – Last Sessions Vol. 1
  34. Mudhoney – Superfuzz Bigmuff
  35. Daniel Johnston – Yip Jump Music
  36. Flipper – Generic Flipper
  37. The Beatles – Meet The Beatles
  38. Half Japanese – We Are Those Who Ache Amorous Love
  39. Butthole Surfers – Locust Abort Technician
  40. Black Flag – Damaged
  41. Fear – The Record
  42. PiL – Flowers Of Romance
  43. Public Enemy – Takes A Nation Of Millions To Hold Us Back
  44. Marine Girls – Beach Party
  45. David Bowie – The Man Who Sold The World
  46. Wipers – Is This Real?
  47. Wipers – Youth Of America
  48. Wipers – Over The Edge
  49. Mazzy Star – Mazzy Star
  50. Swans – Raping A Slave

quarta-feira, 5 de junho de 2013

“Art should comfort the disturbed and disturb the comfortable.” ― Banksy


Com a palavra… BANKSY:

“Graffiti is one of the few tools you have if you have almost nothing. And even if you don’t come up with a picture to cure world poverty you can make someone smile while they’re having a piss.”

* * * * *

“The greatest crimes in the world are not committed by people breaking the rules but by people following the rules. It’s people who follow orders that drop bombs and massacre villages…”

* * * * *

“The thing I hate the most about advertising is that it attracts all the bright, creative and ambitious young people, leaving us mainly with the slow and self-obsessed to become our artists.. Modern art is a disaster area. Never in the field of human history has so much been used by so many to say so little.”

* * * * *

“Imagine a city where graffiti wasn’t illegal, a city where everybody could draw whatever they liked. Where every street was awash with a million colours and little phrases. Where standing at a bus stop was never boring. A city that felt like a party where everyone was invited, not just the estate agents and barons of big business. Imagine a city like that and stop leaning against the wall - it’s wet.”

* * * * *

“Art should comfort the disturbed and disturb the comfortable.”

― Banksy

Curtiu? Então compartilhe este post no Facebook!


“Exit through the gift shop”


“…um dos mais fascinantes filmes sobre arte já realizados” - segundo o OMELETE

Outros documentários: Depredando - La Revolucion Es Ahora - Doc Verdade