sexta-feira, 31 de agosto de 2012

"A Educação Proibida" - Documentário Completo


EDUCAÇÃO PROIBIDA [documentário completo]
Site oficial (inclui links para download): http://bit.ly/dxGRbI

"La escuela ha cumplido ya más de 200 años de existencia y es aun considerada la principal forma de acceso a la educación. Hoy en día, la escuela y la educación son conceptos ampliamente discutidos en foros académicos, políticas públicas, instituciones educativas, medios de comunicación y espacios de la sociedad civil. Desde su origen, la institución escolar ha estado caracterizada por estructuras y prácticas que hoy se consideran mayormente obsoletas y anacrónicas. Decimos que no acompañan las necesidades del Siglo XXI. Su principal falencia se encuentra en un diseño que no considera la naturaleza del aprendizaje, la libertad de elección o la importancia que tienen el amor y los vínculos humanos en el desarrollo individual y colectivo. 
A partir de estas reflexiones críticas han surgido, a lo largo de los años, propuestas y prácticas que pensaron y piensan la educación de una forma diferente. “La Educación Prohibida” es una película documental que propone recuperar muchas de ellas, explorar sus ideas y visibilizar aquellas experiencias que se han atrevido a cambiar las estructuras del modelo educativo de la escuela tradicional. 
Más de 90 entrevistas a educadores, académicos, profesionales, autores, madres y padres; un recorrido por 8 países de Iberoamérica pasando por 45 experiencias educativas no convencionales; más de 25.000 seguidores en las redes sociales antes de su estreno y un total de 704 coproductores que participaron en su financiación colectiva, convirtieron a “La Educación Prohibida” en un fenómeno único. Un proyecto totalmente independiente de una magnitud inédita, que da cuenta de la necesidad latente del crecimiento y surgimiento de nuevas formas de educación."
 

"A pax americana ameaça nos lançar a todos no limbo da criminalidade se nos opusermos aos ditames do Império..." (J. Birman)


A GRAMÁTICA CRUEL DA PAX AMERICANA
Por Joel Birman [http://bit.ly/aQdSdc]
Excerto do livro "Cadernos Sobre o Mal"

No início da invasão do Iraque o mercado reagiu de maneira eufórica, já que os dias de incerteza tinham finalmente terminado. Tempos melhores viriam, pareciam dizer gulosamente os investidores. As bolsas de valores de todas as praças estavam em festa, movimentando somas colossais. O preço do petróleo baixou para níveis inesperados, indicando que não haveria mais risco de desabastecimento energético no planeta. O Brasil acompanhou também essa orgia com a melhoria do risco-Brasil nas transações internacionais. Tudo isso apesar do discurso contundente do presidente Lula contra a guerra e contra o desrespeito da legalidade internacional. 

Por que tudo isso? O que levaria o mercado a reagir de maneira tão positivamente acintosa a uma guerra, com as perspectivas nefastas dos problemas humanitários apontados por todas as agências internacionais sérias? O mercado responderia que não era leviano, pois a tão ansiada guerra tinham enfim começado e com isso findado suas incertezas, assim como se prognosticava uma guerra rápida e a pronta restauração da paz. Isso porque o regime "tirano" de Saddam Hussein cairia logo sob o fogo implacável da superioridade militar e tecnológica dos "aliados".

Os "aliados" procuraram "decapitar" o regime com o "susto" inicial dos ataques aéreos. Como isso de nada adiantou foi então deflagrada a operação "choque e terror", com bombardeios maciços nunca antes vistos. Começava assim a exibição de crueldade do Império, na qual o poder de fogo dos aviões B-52, conjugado com os mísseis de longo alcance e as bombas inteligentes de alta precisão, pretendia intimidar os iraquianos. Esperava-se, com isso, uma rendição em massa das tropas leais à Saddam Hussein, assim como uma aclamação festiva dos invasores pelo povo do Iraque. Isso porque a política anglo-americana visava libertá-lo da tirania e instituir a democracia pela força militar, por mais paradoxal que isso fosse.

Entretanto, qual não foi a surpresa do mundo quando as coisas se mostraram paulatinamente de forma diferente. Não apenas os iraquianos não se intimidaram com o choque high tech, como passaram também a combater os invasores. A resistência iraquiana tinha uma face militar e outra civil. Os fedayeen se avolumaram no combate, desmentindo de maneira flagrante as previsões da CIA de que se associariam facilmente aos "aliados" em nome da liberdade...

Revelaram-se também os erros grosseiros da estratégica militar anglo-americana, que mostraram para quem quisesse ver que o rei estava nu, isto é, que a dita supremacia tecnológica não era razão suficiente para se conduzir uma guerra, como tinham pensado ingenuamente os falcões de Washington e Londres. Muitos dos soldados norte-americanos e ingleses se mostram francamente despreparados para uma guerra desse porte, dos pontos de vista psíquico, ético e político. Trata-se, sem dúvida alguma, de técnicos competentes no manuseio das armas, mas decididamente não de guerreiros que poderiam sustentar uma causa. 

A nudez do rei, no entanto, não se restringe a isso. Os militares iraquianos não usaram, até o momento, armas químicas e biológicas. Tampouco os invasores encontraram qualquer rastro delas. O que implica dizer que a razão fundamental alegada para a guerra, contra a decisão da ONU, não pode mais se sustentar. A verdade que se impõe agora para todo o mundo é a tentativa anglo-americana de manipular informações para legitimar a política do Império contra a maioria mundial, que se manifesta cotidianamente contra a guerra. O que está em pauta é a derrubada pura e simples do regime de Saddam Hussein, antigo aliado dos Estados Unidos, para que os norte-americanos possam traçar outra cartografia do poder no Oriente Médio e no mundo, além, é óbvio, de pretender se apoderar do petróleo do Iraque. 

Não quero dizer com tudo isso que os EUA e a Inglaterra vão perder a guerra, bem entendido. É evidente, ao contrário, que derrotarão o Iraque, tal a disparidade de forças em confronto, que evidencia até mesmo a possibilidade de um MASSACRE. Os invasores, porém, vão pagar muito caro por isso, com baixas incalculáveis e o risco de um atoleiro político de amplas dimensões e de consequências imprevisíveis. Em contrapartida, as manifestações pela paz por todo o mundo não são em defesa do regime de Hussein, mas CONTRA A POLÍTICA IMPERIAL. Com efeito, o que está em pauta é a manutenção da soberania das nações, no que isso significa em termos de liberdades inalienáveis e de autodeterminação dos povos diante do poder absoluto e unilateral do Império.

O que é evidente é a construção da política imperial, pois, como César, os EUA e a Inglaterra ruíram os fundamentos da República, atravessando o Rubicão com a invasão do Iraque. Esse é o prólogo de uma dramaturgia cruel que visa a combater o denominado Eixo do Mal, constituído por Iraque, Irã e Coreia do Norte. Contudo, qualquer outro Estado é candidato a se inscrever no campo dos Estados fora da lei caso contrarie os interesses unilaterais do Império. 

O Império não teve escrúpulo em ignorar a legalidade internacional, forjada no pós 2ª Guerra Mundial e materializada na Organização das Nações Unidas. (...) Pode-se depreender disso que o Império procura ter a mão livre para fazer o que quiser e bem entender, impondo sua vontade ao mundo sem ter que se defrontar com qualquer obstáculo político e militar.

Uma das resultantes disso é o antiamericanismo visceral que se desenvolve agora em todo o mundo, numa extensão e profundidade inéditas. Ao lado disso, o BOICOTE aos produtos norte-americanos começa a ganhar força em todo o mundo.

Contudo, a problemática crucial que se impõe agora para a devida interpretação dessa política é a maneira pela qual se constituiu a figura do TERRORISMO. Como se sabe, a construção do Eixo do Mal e de Estado fora-da-lei tem nessa figura o seu cavalo de batalha. Seria em nome do combate ao terrorismo que o militarismo norte-americano procura legitimar a nova estratégia de guerra preventiva. Mas o que quer dizer isso, afinal de contas? Eleger o terrorismo com inimigo principal implica dizer que o Império pretende CRIMINALIZAR A POLÍTICA como tal. 

Digo isso porque o inimigo destacado pelo Império, delineado repetidamente como sem rosto, seria qualquer um que pudesse se contrapor à sua onipotência, na medida em que seria fatalmente considerado criminoso por antecipação. Vale a pena recordar que Rumsfeld já avisou que considerará os iraquianos que defenderam seu país criminosos de guerra. O que, venhamos e convenhamos, é a construção de uma retórica da força absoluta que nos coloca a todos em uma posição de delinquentes em potencial, caso nos opusermos ao poder imperial. Como se dizia no tempo da guerra contra o Afeganistão: quem não está conosco está contra nós. O governo norte-americano mostra que pode efetivamente fazer o pior, uma vez que mantém em Guantánamos centenas de presos da guerra do Afeganistão, sem nenhum suporte no Direito Internacional, submetidos às mais torpes torturas.

Isso significa que a política do Império vai na direção de pretender constituir um Estado penal em nível internacional, da mesma forma que os EUA já instauraram em seu território a política da tolerância zero, transformando os problemas sociais em penais. Querem se colocar como EXCEÇÃO À LEI no cenário internacional, o que é não apenas um ataque frontal a qualquer concepção democrática da política, como também revela que os Estados Unidos são o único Estado fora-da-lei hoje existente. Vale dizer, os EUA acusam frontalmente seus inimigos de ser aquilo que estão em vias de se transformar, isto é, o único Estado fora-da-lei propriamente dito.

É pela oposição a essa criminalização da política que somos decididamente contra a guerra, pois isso representa a retirada de nossa condição de cidadania, já que não se reconhece assim o direito inalienável que temos de resistir contra a violência do poder, nos lançando então na posição indigna de criminosos. A pax americana pretende inaugurar outra era, diferenciando-se decididamente da pax romana e da pax britânica, códigos imperiais que a antecederam no Ocidente. Embalada pela globalização, que fragilizou sensivelmente a soberania do Estado-nação e promoveu o esvaziamento do registro da politica em prol da economia, a pax americana ameaça nos lançar a todos no limbo da criminalidade se nos opusermos aos ditames do Império.

Nós que trabalhamos muito para forjar no Brasil uma real democracia contra a ditadura militar, lutando sempre contra o arbítrio dos anos de chumbo sustentados pelos EUA, não podemos aceitar passivamente a destituição de nossa cidadania. Somos contra a guerra em nome da democracia e nos opomos à criminalização da política, que são, aliás, as duas faces da mesma moeda, já que transformar perversamente a resistência ao poder em criminalidade e terrorismo é destruir os fundamentos da democracia."


Ed. Civilização Brasileira (2003)

Compre na Livraria Cultura








Dois documentários cruciais: Why We Fight (da BBC) e The Fog Of War (de Errol Morris). Ambos estão na íntegra e legendados em português.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Festival Vaca Amarela, 11ª edição, vem aí: 7 e 8 de Setembro, em Goiânia, 30 bandas!


O Vaca Amarela, entrando em sua 2ª década de vida, vem aí!

Depois de 10 edições anuais consecutivas que o consolidaram como um dos grandes festivais independentes brasileiros, enriquecendo a cena de Goiânia ao somar-se a Bananada, Goiânia Noise e Tatoo Rock Fest, o Vaca chega em 2012 a seu 11º fervo. O evento é organizado pela Fósforo Cultural - ponto Fora-do-Eixo em Goiânia - e eis os 30 shows que integram a programação musical (além dela, vão rolar conferências, mostras-de-cinema e muitos outros agitos):

Sexta-Feira — 07/09

00:30 Móveis Coloniais de Acaju (DF)
23:30 Chimpanzés de Gaveta
22:30 MC Rashid (SP)
21:30 Cambriana
21:00 Sapabonde (DF)
20:30 Barfly
20:00 Ultravespa
19:30 Brown-Há (DF)
19:00 Calango Nego (Part. Lulu Monamour)
18:30 Mortão + VMG
18:00 New Old Folks
17:30 Pó de Ser
17:00 Caramuru
16:30 Hazzi
16:00 Macacos me mordam, eles vão se matar! (Ap. de Goiânia)

Sábado — 08/09

00:30 Ratos de Porão (SP)
23:30 Black Drawing Chalks
22:30 Motosierra (URU)
21:30 Daniel Belleza e os Corações em Fúria (SP)
21:00 Mugo
20:30 Johnny Suxxx n' the Fucking Boys
20:00 Overfuzz
19:30 Aurora Rules
19:00 Kamura
18:30 Dry
18:00 Chacina
17:30 Cherry Devil
17:00 Slow Bleeding (DF)
16:30 Revolted (Anápolis)
16:00 Old Place

Confira abaixo as DUAS MIXTAPES e ouça o som de muitas das bandas que sobem ao palco do Vaca!


Enquanto isso, os coletivos, os produtores, os artistas e o público vão agilizando um cenário inédito para a música brasileira com a Rede Brasil de Festivais Independentes, que promete englobar 107 festivais, 88 cidades, 6 mil artistas. Confira o teaser!


A arte do Vaca Amarela deste ano ficou a cargo do artista goiano Oscar Fortunato [http://www.oscarfortunato.com/], autor de "campanhas" que colorem as ruas da capital de Goiás como o "Carnes Exóticas" e o "Pessoas Soltas". Segue o textaço do cara sobre sua criação:
"Quando os indios cansados dos banquetes de carnes de macacos, cobras, jacarés e portugueses avistaram aqueles "montes de carne", mal conseguiram dormir direito naquela noite. Chegavam de Cabo Verde os primeiros ruminantes que, em pouco tempo, tomariam conta da paisagem. Mas a fila dos fast-food anda, literalmente cronometrada e dependente das descendentes daquelas caboverdianas que fascinaram nossos silvícolas na aurora dessa tosca República.
E as vacas foram se multiplicando, obedecendo com rigor o preceito biblíco, a ponto de existirem mais delas do que nós, nessa terra varonil; embora a maioria delas terminará em uma mesa perto de você.
Caluniadas e difamadas, essas senhoras cornudas cansadas de seus trágicos finais invadiram nosso mundo lúdico com suas caras simpáticas e orelhas imensas. Existem ainda aqueles que se divertem com seus sofrimentos, mas como diria meu amigo maestro "você pode tirar o homem de Mozarlândia, mas não pode tirar Mozarlândia do homem".
Como vegetariano, tenho as vacas da mesma maneira que um elefante, pois não vejo neles o pão que sacia a minha fome. E sempre tive carinho com elas. Sempre as achei simpáticas, sejam pretas, brancas, azuis ou até mesmo a saltadora pasoliniana que dá nome a este festival.
Em todo o meu trabalho, tenho o dito do maestro como guia. Não quero fugir da minha Mozarlândia, pode ser que meus buritis tenham poucos sabiás e que as aves nem gorjeiem como as de lá, mas lhe entendo seus cantos e suas lamúrias e elas fazem sentido ao coração, pois o que vai pela cabeça nem o faz. Nessa lógica, me apropriei das máscaras de chifres ornados que colorem as Cavalhadas, evento de origem pagã que incrivelmente resistiu ao tempo nesse lugar em que as ruínas são mais velozes.
Juntei um pouco de rock e arte de rua para chegar na imagem que, na minha concepção iconográfica, somasse todo o meu discurso. E acredito ter alcançado o meu intento. Repetindo mais uma vez meu amigo regente: "Fugir de Mozarlândia é besteira..."
OSCAR FORTUNATO

Relembre como foi o Vaca Amarela do ano passado neste documentário [http://youtu.be/RRqbBuxib6M] e se prepare: Setembro tem mais!

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

"1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer" - Ouça TUDO on-line e di-grátis


Foram disponibilizados TODOS os "1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer" para audição on-line gratuita, saca só: http://bit.ly/NAM38D. Um brinde à rádio romena que realizou esta benfeitoria à humanidade! 

Esta fantástica compilação musical engloba gravações que marcaram época no período entre 1955 e mais ou menos 2005. Inclui clássicos do jazz (Davis, Coltrane, Mingus, Brubeck, Ella Fitzgerald...), do rock clássico (Led, Beatles, Clash, Stones, Floyd...), do punk (Pistols, Ramones, Damned, PiL, Dead Kennedys...), do grunge (Nirvana, Pearl Jam, Alice in Chains, Soundgarden, Screaming Trees...), chegando até discaços mais recentes (Strokes, Arcade Fire, Flaming Lips, White Stripes, Wilco...).

É material de qualidade pra cacete!

Resta saber: isso se aguentará on-line ou o establishment da Indústria Fonográfica já está mexendo seus pauzinhos nos bastidores pra derrubar?

Veja a lista completa dos 1001 álbuns e ouça-os todos aqui.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

OCCUPY ALL STREETS! Uma coletânea de pensamentos sobre o Movimento Occupy por Zizek, Safatle, Harvey, Perchanski... e Julian Assange.


O C C U P Y 

MOVIMENTOS DE PROTESTO 
QUE TOMARAM AS RUAS



"O movimento global dos 'ocupas' - acampamentos de estudantes e trabalhadores em áreas públicas de centenas de cidades em todo o mundo - iniciado no 2º semestre de 2011, tem entre suas principais bandeiras a crítica à desigualdade econômica. De fato, a distribuição de renda e patrimônio em várias sociedades é estarrecedoramente desigual: nos Estados Unidos, de acordo com estudos do governo de 2008, 1% da população controla quase 25% da renda. (...) Os 'ocupas' põem na pauta política justamente a discussão de alternativas aos regimes econômicos desiguais e a experimentação do igualitarismo democrático radical." 

J. A. PERCHANSKI

* * * * *

"Os manifestantes são descartados como sonhadores, mas os verdadeiros sonhadores são os que pensam que as coisas podem continuar indefinidamente como estão. Todos nós conhecemos a cena clássica dos desenhos animados: o gato chega a um precipício e continua caminhando, ignorando o fato de não haver chão sob suas patas; ele só começa a cair quando olha para baixo e percebe o abismo. O que os manifestantes estão fazendo é apenas lembrar aos que estão no poder de olhar para baixo.

Não faltam anticapitalistas hoje, estamos até mesmo testemunhando uma abundância de críticas aos horrores do capitalismo: livros, investigações jornalísticas aprofundadas e reportagens de TV estão repletos de empresas que poluem cruelmente nosso meio ambiente, de banqueiros corruptos que continuam a receber recompensas gordas enquanto seus bancos têm de ser salvos com dinheiro público, de fábricas clandestinas nas quais crianças fazem hora extra etc. etc. etc.

A razão de os manifestantes saírem às ruas é que estão fartos de um mundo onde reciclar latinhas de Coca-Cola, dar alguns dólares para a caridade ou comprar cappucino da Starbucks com 1% da renda revertida para os problemas do Terceiro Mundo é o suficiente para se sentir bem.

O capitalismo claramente reaparece agora como o nome DO problema."

SLAVOJ ZIZEK

* * * * *

"No início do século XIX, Napoleão enviou tropas à colônia do Haiti. O objetivo era retomar o poder da mão de escravos rebelados comandados por Toussaint L'Ouverture e, com isso, reinstaurar a escravidão. Num estudo clássico, Os Jacobinos Negros (Editora Boitempo, 2000), Cyril James conta o momento em que os soldados franceses, imbuídos dos ideais da Revolução Francesa, ouvem a "Marselhesa" ser cantada por seus oponentes, os negros. Desnorteados, os franceses se perguntam como era possível ouvir sua própria voz vinda do outro lado do campo de batalha. Afinal, contra quem eles estavam lutando, a não ser contra seus próprios ideais?

Hoje vivemos numa sociedade em que o desencanto e o mal-estar são vistos imediatamente como sintomas de alguma doença que deve ser tratada o mais rápido possível, nem que seja preciso dopar todos com antidepressivos. Mas graças aos 'ocupas', novos laços sociais paulatinamente apareceram, levando em conta a força produtiva do desencanto... O desencanto necessário para explorar, sem medo, a plasticidade do novo. (...) Santiago do Chile colocou 400 mil pessoas nas ruas para pedir educação pública de qualidade e gratuita para todos. Esse é um belo exemplo.

VLADIMIR SAFATLE

Protestos Estudantis no Chile - 2011/2012















* * * * * 

"O Partido de Wall Street controlou os EUA sem dificuldades por tempo demais. Dominou completamente as políticas dos presidentes por pelo menos 4 décadas (pra não dizer mais). Corrompeu legalmente o Congresso por meio da dependência covarde dos políticos de ambos os partidos em relação ao poder do seu dinheiro e ao acesso à mídia comercial que controla. (...) O Partido de Wall Street tem um princípio universal de dominação: não pode haver nenhum adversário sério ao poder absoluto do dinheiro de dominar absolutamente. E esse poder tem de ser exercido com um único objetivo: seus detentores não devem apenas ter o privilégio de acumular riqueza sem fim e à vontade, mas também o direito de herdar o planeta, com domínio direto ou indireto da terra, de todos os seus recursos e das potencialidades produtivas que nela residem, (...) além da liberdade de saquear o meio ambiente para seus benefícios individuais ou de classe.

Que os 20% mais ricos detenham 85% da riqueza é inaceitável. Que a maior parte desse montante seja controlada pelo 1% mais rico é totalmente inaceitável. O que o movimento Occuppy Wall Street propõe é que nós, o povo dos Estados Unidos, nos comprometamos a reverter esse nível de desigualdade e, ainda mais importante, o poder político que essa disparidade gera. (...) O tempo de fazer outra Revolução Americana, como Jefferson sugeriu há muito tempo ser necessário, está se aproximando.

A luta que se criou - o Povo contra o Partido de Wall Street - é crucial para nosso futuro coletivo. A luta é global, mas também local em sua natureza. Reúne estudantes chilenos confinados numa luta de vida ou morte contra o poder político para criar um sistema de educação gratuito e de qualidade para todos e, então, começar a desmantelar o modelo neoliberal que Pinochet impôs tão brutalmente. Engloba os ativistas da praça Tahrir que reconhecem que a queda de Mubarak foi apenas o primeiro passo de uma luta pela emancipação do poder do dinheiro. Inclui os Indignados da Espanha, os trabalhadores em greve na Grécia, a oposição militante que surge em todo o mundo, de Londres a Durban, Buenos Aires, Shenzhen e Mumbai. 

O sistema não está só quebrado e exposto, mas também é incapaz de qualquer outra resposta que não a repressão. (...) O Partido de Wall Street teve sua chance e fracassou miseravelmente. Construir uma alternativa em suas ruínas é tanto uma oportunidade inescapável quanto uma obrigação que nenhum de nós pode ou vai querer evitar."

DAVID HARVEY

* * * * *

"...amplos contingentes de jovens órfãos de futuridade... individualidades pulsantes de indignação e rebeldia criativa... com seus sonhos e pequenas utopias pessoais capazes de dar um sentido à vida por meio da ressignificação do cotidiano como espaço de reivindicação coletiva de direitos usurpados. (...) Talvez eles representem o espectro indefinido e nebuloso do comunismo, que, como o fantasma do pai de Hamlet, anuncia que há algo de podre no Reino da Ordem Burguesa."

GIOVANNI ALVES





Todas as citações foram extraídas do livro "Occupy - Movimentos De Protesto Que Tomaram as Ruas", da Editora Boitempo/Carta Maior, vendido por 10 reais (preço de custo). Quem se interessar em adquirir, ei-lo na Livraria Cultura.


Mais informações / Leituras recomendadas:

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Video-clipagem da Nova Geração Musical Brazuca: assista a mais de 50 vídeos


A NOVA MÚSICA BRASILEIRA EM 50 CLIPES!
Assista já: http://bit.ly/RonBJg

Nasceu um novo canal lá na nossa goma no YouTube: ele será dedicado a divulgar os video-clipes da galera que está construindo a Nova Música Brasileira nestes últimos (efervescentes!) anos. Confira já os 50 primeiros selecionados!

Tem Wado, Macaco Bong, Criolo, Emicida, Cícero, Bluebell, Maglore, Vivendo do Ócio, Tulipa Ruiz, Céu, Jeneci, Nevilton, Apanhador Só, Plástico Lunar, Garotas Suecas, Pata de Elefante, Mariana Aydar, B Negão, Graveola, Alarde, Casuarina, Vanguart, Karina Buhr, Diego de Moraes, Black Drawing Chalks... e muito mais! 

A ilustração deste post é da galera do Bicicleta Sem Freio (vale a pena dar uma sacada no Flickr dos caras) e reproduz algumas imagens do estiloso clipe "The Stalker", do BDC (assista abaixo!).

Sugestões de novos clipes que merecem ser inseridos no canal, gritem nos comentários ou mandem mensagem pela nossa página no Face! Na sequência, uma pequena amostra em 6 clipes excepcionalmente supimpas:









quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Simone Weil (1909-1943)



"Parece-me impossível imaginar para a Europa um renascimento que não leve em conta as exigências que Simone Weil definiu."

Albert Camus



Simone de Beauvoir,
autora de "O Segundo Sexo"
Uma das mulheres mais notáveis do último século, Simone de Beavoir (também conhecida como Senhora Sartre), relembra outra figura inolvidável do pensamento francês: “Simone Weil me intrigava por causa de sua grande reputação de inteligência e seu modo extravagante de vestir-se. Uma grande fome acabara de devastar a China e me haviam contado que ao ouvir essa notícia ela tinha soluçado: essas lágrimas forçaram meu respeito ainda mais que seus dons filosóficos. Eu admirei um coração capaz de bater através do universo inteiro. Consegui um dia conversar com ela - e ela declarou num tom cortante que só uma coisa importava hoje sobre a terra: a Revolução que daria de comer a todo mundo.”

Além de Camus e Beavouir, muitos outros reconheceram em Simone Weil uma extraordinária aparição humana que, em tempos de cólera, surge para fazer desabrocharem de novo as generosas dádivas da doçura, da serenidade, da lucidez, da coragem. O José Paulo Paes, brilhante poeta e ensaísta, que chegou a escrever lindos versos de inspiração weiliana ("a posse é-me aventura sem sentido: só compreendo o pão se dividido"), também  pinta um retrato admirativo de Weil:
“Morta prematuramente aos 34, essa parisiense de físico frágil mas de inquebrável tenacidade de espírito foi uma figura humana fora do comum. Militante de esquerda, pensadora política, professora de filosofia, ela sempre se recusou ao institucionalizado e ao tacitamente aceito, fosse em que domínio fosse. Para poder analisar a condição operária e a opressão social, não se contentou em ler Marx, mas cuidou de fazer o que ele jamais fizera: trabalhar na linha de montagem de uma fábrica. Não se deixou obnubilar pela ortodoxia partidária: criticou abertamente o estalinismo e chegou a polemizar com Trotski.” José Paulo Paes

Desde a mais tenra infância, a pequenina Simone já apresentava os primeiros sintomas do que mais tarde se tornaria um entusiasmo político tão efervescente que ela estaria pronta a saltar de pára-quedas em Praga, para ajudar os revolucionários, ou unir-se na Espanha às tropas que batalhavam contra o fascismo de Franco durante a Guerra Civil de 1936-39. Como relata Ecléa Bosi, a pequenina Simone, “travessa e indomável”, desde muito cedo manifestava ceticismo e desagrado diante das burguesices: 

“Ao ganhar um anel de presente, com três anos, faz todos rirem com sua resposta: 'O luxo não me agrada!' […] Com vestidos novos fica encantadora mas desgostosa; queria que todos se vestissem iguais e com roupas baratas. […] Sua fotografia aos sete anos nos mostra uma fisionomia corajosa, paciente, o olhar de uma seriedade rara para a idade e de tão impressionante nobreza que, ainda que nada conhecêssemos dela senão esse retrato, nunca a esqueceríamos. Já são evidentes nesse rosto dois traços que vão permanecer: atenção ao mundo e vontade inquebrantável."


Breve lista de "aventuras"
de Simone Weil
Um episódio é exemplar da força, da audácia, do magnetismo desta figura feminina fora-de-série.  “Em 1933, o presidente da república, Albert Lebrun, vem inaugurar um monumento em Saint-Etienne. Os sindicatos resolvem protestar num comício. A polícia de Paris intervém, militantes são presos e espancados. No dia seguinte, durante as cerimônias oficiais, os trabalhadores protestam numa rua próxima. Simone é içada numa janela pelos seus camaradas, que a protegem enquanto cantam a Internacional Comunista. Ela discursa contra a situação da Indochina (colônia francesa) e chama o presidente de lacaio dos fabricantes de canhões. 

 Mal se ouvem suas palavras encobertas pela banda militar que saúda as autoridades. […] Em dezembro do mesmo ano de 1933, em protesto contra os baixos salários e o desemprego, os mineiros organizam uma grande marcha. Desde seus míseros casebres até a prefeitura, milhares de mineiros marcham ruflando tambores e soando clarins. Todos cantam. Simone conduz à frente do cortejo a grande bandeira vermelha.” (Ecléa Bosi).

* * * * *

Na sequência, compartilhamos uma coletânea de pensamentos e reflexões de Simone Weil, todos eles retirados da excelente obra A Condição Operária e Outros Estudos Sobre a Opressão, lançado pela Editora Paz e Terra e adquirível por 50 mangos reais na Livraria Cultura. É um convite para que mais gente sinta-se entusiasmado a conhecer mais da vida e da obra desta criatura humana extraordinária.


O DESENRAIZAMENTO

"Seria inútil desviar-se do passado para não pensar senão no futuro. O futuro não nos traz nada, não nos dá nada; somos nós que para o construir devemos dar-lhe tudo, dar-lhe nossa própria vida. Mas para dar é preciso possuir, e não possuímos outra vida, outra seiva, senão os tesouros herdados do passado e digeridos, assimilados, recriados por nós. De todas as necessidades da alma humana, não há nenhuma mais vital do que o passado..." (…) "A perda do passado, coletivo ou individual, é a grande tragédia humana, e nós jogamos fora o nosso como uma criança desfolha uma rosa. É antes de tudo para evitar essa perda que os povos resistem desesperadamente à conquista." 

"O pensamento da fraqueza pode inflamar o amor assim como o da força, mas é de uma chama muito mais pura. A compaixão pela fragilidade está sempre vinculada ao amor pela verdadeira beleza, porque sentimos vivamente que as coisas verdadeiramente belas deveriam ter assegurada sua existência eterna e não a têm."  (Ed. Edusc, pg. 111 e 158)

+ + + + +

A CONDIÇÃO OPERÁRIA 

"São raros os momentos do dia em que o coração não está um pouco comprimido por alguma angústia. De manhã, a angústia do dia a se viver. Quem saiu em cima da hora tem medo do relógio de ponto. No trabalho, o medo de não estar na velocidade boa. O medo das broncas. Muitos sofrimentos são aceitos só para evitar uma bronca.

É só queixar-se de um trabalho pesado demais ou de uma cadência impossível de acompanhar, que brutalmente vem lembrar-lhe que se está ocupando um lugar que centenas de desempregados aceitariam de boa vontade. Corre-se o risco de ser posto pra fora. É preciso serrar os dentes. Aguentar-se. Como um nadador na água. Só que com a perspectiva de nadar sempre, até a morte. E nenhuma barca que nos possa recolher. Se a gente afunda lentamente, se soçobra, ninguém no mundo dará por isso. O que é que a gente é? Uma unidade na força de trabalho. A gente não conta. Mal existe.

A cada momento estamos na contingência de receber uma ordem. A gente é uma coisa entregue à vontade de outro. Que vontade de poder largar a alma no cartão de entrada e só retomá-la à saída! Mas não é possível. A alma vai com a gente para a oficina. É preciso o tempo todo fazê-la calar-se. Na saída, mitas vezes não a temos mais, porque estamos cansados em excesso. Se a gente se sujeita é, como diz Homero falando dos escravos, 'bem a contragosto, sob a pressão de uma dura necessidade'." (em "A Condição Operária e outros Estudos sobre a Opressão", pg. 124-125)

+ + + + +

REFLEXÕES SOBRE A GUERRA E O COLONIALISMO (1933)

"A engrenagem monstruosa da sociedade atual parece-se com uma máquina imensa que está tragando continuamente os homens, e cujos comandos ninguém conhece; e os que se sacrificam pelo progresso social se parecem com pessoas que se agarram aos rolamentos e às correias de transmissão para tentar deter a máquina, fazendo-se moer por sua vez. (...) Em qualquer circunstância, a pior traição possível é sempre aceitar a subordinação a esse aparelho e pisar, para servi-lo, em si mesmo e nos outros, todos os valores humanos." (pg. 218)

"A tentação cristã: sendo a colonização um meio favorável para as missões, os cristãos se sentem tentados a amá-la por isso, mesmo reconhecendo-lhe as taras. Ora, mas uma questão que mereceria exame detido é: um hindu, um budista ou um muçulmano, ou qualquer um dos que são chamados de pagãos, não possuem em sua própria tradição um caminho para a espiritualidade, diferente do que as igrejas cristãs propõem? Em todo caso, Cristo nunca disse que os navios de guerra devessem acompanhar, mesmo de longe, os que anunciam a boa nova. (...) Só os sacerdotes podem medir o valor de uma idea pela quantidade de sangue que ela fez derramar. 

Com a colonização da África negra, os brancos causaram todos os danos possíveis durante 4 séculos com suas armas de fogo e seu comércio de escravos. (...) Privando os povos de sua tradição, de seu passado, a colonização os reduz ao estado de matéria humana." (pgs. 227-231) 

"Que idiotas espalharam o boato de que as idéias não podem ser mortas pela força bruta? (...) Nada mais cruel em relação ao passado do que o lugar-comum segundo o qual a força é impotente para destruir os valores espirituais; em nome dessa opinião nega-se que as civilizações apagadas pela violência das armas tenham um dia existido; isso é possível porque não se teme o desmentido dos mortos. Assim se mata pela segunda vez o que pereceu e nos associamos com a crueldade das armas. A piedade ordena que nos apeguemos aos traços, mesmo raros, das civilizações destruídas." (Pgs. 243 e 276)

+ + + + + 

OPRESSÃO E LIBERDADE

"Nada neste mundo pode impedir o homem de se sentir nascido para a liberdade. Nunca, aconteça o que acontecer, ele pode aceitar a servidão. Nunca deixou de sonhar com uma liberdade sem limites, seja como uma felicidade passada da qual um castigo o teria privado, seja como uma felicidade vindoura que lhe seria devida por uma espécie de pacto com uma providência misteriosa. O comunismo imaginado por Marx é a mais recente forma desse sonho. Já é tempo de renunciar a sonhar com a liberdade e de se decidir a concebê-la. 

Uma visão clara do possível e do impossível, do fácil e do difícil, das dificuldades que separam o projeto da realização, faz, sozinha, desaparecerem os desejos insaciáveis e os medos vãos; é daí, e não de nenhuma outra fonte, que procedem a temperança e a coragem, virtudes sem as quais a vida é apenas um vergonhoso delírio. Além disso, toda espécie de virtude tem a sua fonte no encontro que faz o pensamento em seu embate com uma matéria sem indulgência nem perfídia. Não se pode imaginar nada maior para o homem do que um destino que o coloque diretamente no embate com a necessidade nua, sem que tenha nada a esperar senão de si mesmo, e de tal forma que a sua vida seja uma perpétua criação de si mesmo por si mesmo. Vivemos num mundo no qual o homem deve esperar milagres apenas de si mesmo."

(Pgs. 326- 331)

terça-feira, 14 de agosto de 2012

POESIAS GRATUITAS [4a Edição] >>> José Paulo Paes

O PÃO DIVIDIDO
Uma análise da poesia de José Paulo Paes


por Eduardo Carli de Moraes


(Dedico este trabalho à mestra Viviana Bosi, filha de Ecléa e Alfredo,
pelo inesquecível curso de Poesia Brasileira Contemporânea
que acompanhei na FFLCH-USP. Foi um tesouro!)




POÉTICA

Não sei palavras dúbias. Meu sermão
Chama ao lobo verdugo e ao cordeiro irmão.

Com duas mãos fraternas, cumplicio
A ilha prometida à proa do navio.

A posse é-me aventura sem sentido.
Só compreendo o pão se dividido.

Não brinco de juiz, não me disfarço de réu.
Aceito meu inferno, mas falo do meu céu.


Epigramas, 1958



ESBOÇO DE RETRATO BIOGRÁFICO

José Paulo Paes (1926-1998)  era um homem avesso a ênfases – no escrever, no falar, no proceder. Detestava chamar atenção, e seu comportamento discreto era, em um homem constante, talvez a constância predominante. Em situações sociais parecia se ocupar sobretudo com sua bengala...”1

É o que escreve Rodrigo Naves nas primeiras linhas de seu prefácio ao Poesia Completa de José Paulo Paes, lançado em 2008 pela Companhia das Letras, dez anos após a morte do poeta. Este livro reúne todos os 13 volumes de poesia que Paes escreveu, desde O Aluno (de 1947) até o póstumo Socráticas (de 2002).

Uma certa “modéstia” e aversão à grandiloquência é frequentemente destacada por aqueles que escrevem sobre o poeta nascido em Taquaritinga, interior de São Paulo:

Na poesia como na vida, José Paulo Paes optou sempre pela discrição e o comedimento de quem desconfia das exaltações visionárias e das certezas inabaláveis. Ao seu primeiro livro, deu o título O Aluno. Seu último poema, escrito na véspera da morte, chama-se 'Dúvida'. Ser poeta para ele era um modo de continuar até o fim sua busca de aprendiz.”2

É como se Paes, por detrás de seus versos, nos aparecesse a assoviar os versos da canção de Gonzaguinha: “cantar e cantar e cantar / a beleza de ser um eterno aprendiz...”.

Com fina auto-ironia e perfeita compreensão de que o humor menos ofensivo é aquele em que o piadista se inclui na piada, José Paulo Paes dizia, por exemplo, ser o poeta mais importante de sua rua. Mas fazia a ressalva: “Mesmo porque a minha rua é curta”. E não ousava se comparar aos grandes mestres da poesia nacional: “quando penso que alguém da grandeza de Manuel Bandeira se considerava um poeta menor, que mais posso ser senão um mínimo poeta?”3 E nada simboliza melhor esta simplicidade e “estoicismo” que o caracterizam, leves e bem-humorados, que a inscrição que imaginou para sua lápide:

AUTO-EPITÁFIO Nº 2

“pra quem pediu sempre tão pouco
o nada é positivamente um exagero.”

[Socráticas, 2002. Pg 506 de Poesia Completa]

Este caráter “reservado”, semi-recluso, de homem que foge aos paparazzi por julgar-se pouco fotogênico e que se sente condenado a ser “outsider”, é apontada como uma das suas características mais marcantes pelos que o conheceram e escreveram sobre ele. Em seu artigo “O Livro do Alquimista”, Alfredo Bosi lembra que, com seu livro de estréia, de 1947,

“José Paulo Paes entrava na poesia contemporânea pela estrada real da angústia, do mal-estar que o escritor sensível e diferenciado sente e ressente ao tomar consciência da sua posição de excluído, de 'inútil', de esquerdo, a que restaria apenas exercer o dom de observador irônico. Mas de quem é aprendiz o nosso aluno de 1947? De magros marginais que fizeram da gaucherie a mola da sua mestria formal: de Carlitos, de Drummond.”4

A “humildade” e postura “low-key”, que muitos descrevem como características essenciais da persona de Paes, não devem nos fazer esquecer que o poeta também é reconhecido por suas “meninices” e fagueirices, onde é frequente um re-despertar da infância que beira um Quintana. Foi  célebre por seu desprendido senso-de-humor, por vezes de uma fina ironia machadiana, outras de um deboche mais popularesco. Compôs vários poemas-piada extremamente breves. Em seu Livro de Provérbios, dessacralizou um amontoado de ditos populares, tal como: “quem cala consente (e no cu logo o sente)”. Em seu “Cronologia”, arriscou uma “capetice” digna de Duchamp pondo um bigodinho na Monalisa: “A.C. / D.C. / W.C.” E seu brinde de Dia das Mães não é menos traquinas: “à tua!”

José Paulo Paes ousou molecagens à la Oswald de Andrade; fez poemas em homenagem a Maiakóvski, Rimbaud e Byron; aventurou-se em sintéticas parábolas políticas à la Brecht; e foi mestre da “concisão lapidar” própria de “epigramas, epígrafes e epitáfios”, como enfatiza Bosi.5 Esta sua predileção pela concisão e pelo minimalismo, aliás, fica bem expressa neste “poeminha” tão eloquente apesar de sua brevidade e que parece concentrar duas “fórmulas” do fazer poético de José Paulo Paes, justamente o poeta da concisão com ciso e da prolixidade atirada ao lixo:

POÉTICA

conciso?          com siso
prolixo?           pro lixo

[Olho no Umbigo, 1988. Pg. 289 de Poesia Completa.]


Certas similaridades são discerníveis em certas criações de Paes em relação à geração da Poesia Concreta. O célebre poema de Décio Pignatari em que o slogan “beba coca-cola” desfaz-se em “cloaca” parece ter um “irmão de espírito” no poema de Paes em que o banqueiro, que vive na base do “negócio”,  do “ego”, do “ócio” e do “cio”, acaba por gerar, na somatória sarcástica que o poeta lhe impõe, o resultado “zero”. Também o poema-fotografia em que Paes expõe uma placa de trânsito paulistana, onde se lê “Liberdade Interditada”, traz muito do espírito concretista.

“Augusto de Campos apontou essa proximidade [de J.J. Paes], sem ortodoxia, com os concretos, frisando a descendência de Oswald e do poema-piada modernista, levada ao extremo, e a afinidade com o 'salto participante' concretista, em vivo contraste com a seriedade estetizante do lirismo de 45.”6

Apesar de tão versátil e ousado, José Paulo Paes não é um poeta brasileiro tão conhecido e celebrado como os “maiorais do verso” em nosso século 20, panteão que costuma ser ocupado por nomes como João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Cecília Meirelles, Jorge de Lima. A razão de sua relativa “obscuridade” talvez se explique, segundo Carlos Felipe Moisés,

“por sua aversão à chamada 'vida literária', aquela aura mundana, feita de vaidades exacerbadas, golpes de oportunismo e tráfico de influências, que cerca o objeto propriamente literário que é o livro impresso. Parte por temperamento, parte por princípio, José Paulo sempre se manteve à distância das confrarias do elogio mútuo, responsáveis por tanta glória efêmera, preferindo arcar com o ônus de uma atividade rigorosamente ética. Para ele, a recepção da obra literária deve prescindir da promoção publicitária, sobretudo a autopromoção; o livro deve oferecer-se ao leitor tal como é e não como o estrelismo do autor e as injunções do momento o imponham ao imediatismo do consumo. ”7

Paes nunca foi um “acadêmico”, mas foi um genuíno “homem de letras”. Foi leitor e comentador cuidadoso de muitos outros autores.  “Traduzindo e comentando os maiores poetas do nosso e de outros tempos (Kafávis, Auden, William Carlos Williams, Seféris, gregos, dinamarqueses "e tutti quanti"), não excluía tampouco Aretino e os eróticos, representantes da vertente mais instintiva do homem e avesso do lirismo amoroso desencarnado”. 8

Trabalhou na editora Cultrix por cerca de 14 anos. Traduziu inúmeras obras de outros autores – como Lawrence Sterne, Lewis Carroll, Nikos Kazantzakis, Paul Éluard, Dino Buzzati, Hölderlin, Huysmans, Edgar Allan Poe, Rainer Maria Rilke, Gertrude Stein, Leopardi, Edmund Wilson, entre outros 9. “Sem ter nutrido pretensões professorais, José Paulo Paes mostrou que estética e ética não rimam à toa”, escreve sobre ele Francisco Quinteiro Pires10.

Apesar de ter gozado longa vida, sofreu por anos com um grave problema circulatório, chamado aterosclerose, que acabaria por causar uma gangrena em sua perna esquerda e sua subsequente amputação.

“A nobreza de sua personalidade”, sugere Naves, “encontrou expressão no sorriso amargo com que enfrentou o infortúnio, sardônico minimalismo anatômico proposto pelos cruéis imprevistos da vida: "Pernas para que vos quero? (…) Pernas? Basta uma." Ou o ritmo da marcha na pauta do humor negro: "esquerda direita / esquerda direita / direita / direita."11

Sua esposa Dora, a quem são dedicados grande parte de seus livros, e que o acompanhou até o fim da vida, dando-lhe força e alento, é sua musa de carne-o-osso, bem diferente das diáfanas Beatrizes e Dulcinéias de Dantes e Dons Quixotes... É sua “cúmplice na inocência”, como escreveu Paes na dedicatória a ela que precede A Poesia Está Morta Mas Juro Que Não Fui Eu, de 1988. A ela também é dirigida a “Canção Sensata”, um de seus mais belos poemas:

“Dora, que importa
O juiz que escreve
Exemplos na areia,
Se livres seguimos
O rastro dos faunos
A voz das sereias?

Dora, que importa
A herança do avô
Sob a pedra, nua
Se do ar colhemos
Moedas de sol,
guirlandas de lua?

Dora, que importa
Esse frágil muro
Que defende os cautos,
Se além do pequeno
Há horizontes loucos,
De que somos arautos?

De maior beleza
É, pois, nada prever
E à fina incerteza
De amor ou viagem
Abrir nossa porta
Dora, isso importa.”

[Cúmplices, 1951. Pg. 59 de Poesia Completa].



SÓCRATES EM TOM MENOR

Alfredo Bosi, no prefácio que escreve para o livro póstumo de seu amigo José Paulo Paes, Socráticas (de 2002), lembra de uma convivência de 35 anos marcada por “encontros amiudados, conversas sem fim, descobertas, leituras e paixões comuns, afinidades, convergências e, fazendo parte do ritual da amizade, tácitas distâncias”. E destaca uma “fé compartilhada”:

“Presente, sempre, a crença comum na necessidade cada vez mais premente da Poesia que, no entanto, o seu estóico ceticismo sabia ser a “voz clamante no deserto” no meio da opulência obscena de signos e coisas sem sentido que atulham a cidade pós-moderna. Desta cidade poenta e ruidosa José Paulo Paes quis e soube ser uma espécie de Sócrates em tom menor: a consciência vigilante que interroga e incomoda, ao encalço de uma verdade tão ácida e aguda que não poupa nada nem ninguém, nem mesmo o próprio eu que a busca como um Pascal sem esperança, en gémissant.12

Bosi destaca que as duas obras publicadas por Paes na década de 1950, as Novas Cartas Chilenas (1956) e os Epigramas (1958), “são poesia absolutamente política”.

“As Cartas foram ditadas sob o signo da História, ou melhor, de uma contra-História que não cessa de exercer os seus direitos de crítica ao passado à luz de uma esperança, mínima embora, no futuro.” (op cit, pg. 159).

Neste presente trabalho, é nossa intenção fazer uma incursão pelos poemas de Paes em que sua veia crítica e irônica se manifesta de modo mais ferino, especialmente no trato com episódios históricos brasileiros. Em seu Novas Cartas Chilenas, o poeta pousa imaginariamente na época dos alfarrábios e das cartas a el-Rei que demoravam meses para ser entregues. E faz a crônica cáustica do imperialismo português caindo na Terra do Pau-Brasil e trazendo, junto com a cruz cristã, a escravidão, a  exploração, a monocultura exploradora, dentre tantos outros males conhecidos do colonialismo.

Não surpreende que um “miasma de esgoto” apareça já na “Ode Prévia”, primeiro poema do livro, e logo ali na segunda estrofe. Pois não é a faceta “idílica” e nacionalista que protagonizará a jornada histórico-poética de Paes, mas muito mais um olhar cáustico e lúcido de quem parece ter aprendido todas as boas lições de Sérgio Buarque de Hollanda e  Florestan Fernandes. Paes passeia seu vasto conhecimento histórico e deslumbramento poético por vários episódios da História nacional, inclusive os mais pitorescos, tal qual o devoramento do bispo Dom Pedro Fernandes Sardinha (1496-1556) por índios caetés:


L'AFFAIRE SARDINHA

O bispo ensinou ao bugre
Que pão não é pão, mas Deus
presente em eucaristia.

E como um dia faltasse
Pão ao bugre, ele comeu
O bispo, eucaristicamente.

(Poesia Completa, pg. 81)

Este poema de Paes possui um tempero à la Oswald de Andrade, uma certa traquinagem juvenil característica de certos artistas Geração de 1922. Mais humorístico e irônico do que grave ou queixoso, o breve “poema-anedota” parece nos revelar um autor que vê mais graça do que tragédia no fato narrado.

Como se os indígenas, que o pobre bispo com sobrenome de peixe deve ter considerado pouquíssimo civilizados antes de ser devorado, tivessem praticado algo mais do que um ritual antropofágico: algo como uma sagaz jogada de xadrez na batalha cultural, invertendo momentaneamente a balança de poder entre as ideologias, uma delas então reinante (a católica) e a outra reprimida (a religiosidade nativa, endêmica).

É como se o poeta destacasse um dos episódios mais eloquentes da nossa história a simbolizar a dificuldade de aceitação do dogmatismo imposto de cima pelos portugueses, que chegaram à esta “Terra Virgem” na crença ingênua de que, frente a estes nativos, “qualquer cunho neles se há de imprimir” (como diz “A Carta”, poema em que Paes adota o tom de Pero Vaz de Caminha em sua missiva à metrópole [O.C., pg. 77]).

Lembremos uma das mais célebres “molecagens” oswaldianas e constatemos se não há uma espécie de “espírito” comum aos dois poemas!

Erro de português

Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

(OSWALD DE ANDRADE)

Este paralelo entre Paes e Oswald é frisado também por Wilson Martins, que nos lembra, porém, que seria indigno considerar Paes um mero imitador ou continuador da poesia do autor do Serafim Pontegrande:

"Admirador de Oswald de Andrade, em quem reconhecia um espírito afim, uma parte de sua obra denuncia o DNA oswaldiano, mas é muito mais do que isso, ocupando, como diz Davi Arrigucci Jr., 'um lugar ímpar no panorama da lírica brasileira desta segunda metade do século.' E até no serpentário da vida literária: não se conhecem, contra ele, os venenosos comentários dos caros colegas, assim como ele próprio foi indiferente, por temperamento, ao jogo das rivalidades e estratégias carreiristas”13.


IMPERIALISMO COLONIALISTA POSTO EM XEQUE

O imperialismo colonialista, severamente questionado, é um tema que tinha feito sua entrada no século vinte com uma obra de peso de Joseph Conrad, No Coração das Trevas, publicado pela primeira vez em forma de romance em 1902, apesar de ter sido folhetinado a partir de 1899. Retratando a ação dos belgas no Congo (em sua adaptação para o cinema, em Apocalypse Now, Francis Ford Coppola adaptaria o enredo para o Vietnã dos anos 1960), Conrad escreve:

Não eram colonizadores; a administração deles era apenas exploração, nada mais, eu desconfio. Eram conquistadores, e para tal basta a força bruta... nada do que se gabar, pois a força é um acidente que decorre da fraqueza dos outros. Agarravam o que podiam, pelo simples fato de estar ali para ser agarrado. Era apenas roubo somado à violência, agravado por assassinato em larga escala, homens avançando às cegas... como convém àqueles que enfrentam as trevas. A conquista da Terra, que no mais das vezes significa tomá-la daqueles que têm a tez diferente e narizes levemente mais achatados do que os nossos, não é coisa bonita, se a examinarmos de perto...”14

Paes, em seu olhar sobre o colonialismo, parece incumbido da missão poética de galhofar daqueles portugueses “incumbidos da missão celestial de civilizá-los” (para usar uma expressão de Conrad, op cit., pg 29). Outros personagens históricos portugueses entram como matérias-primas na composição poética das Novas Cartas Chilenas, mas sempre irrompem com um certo caráter patético, lunático, quase absurdo. É o caso da rainha portuguesa Maria I (1734-1816), aquela que havia sido apelidada pelos lusitanos de “A Pia”, mas que ganhou dos brasileiros o epíteto de “A Louca”, especialmente pela demência que a acometeu nos últimos 24 anos de sua vida, depois que seu primogênito faleceu após a régia mãe ter se recusado, por razões religiosas, a vacinar-lhe contra a varíola. Maria, “dita louca”, surge em “Os Inconfidentes” como aquela que “houve por bem

Esmagar a conjura que envenena
O generoso povo desta Vila,
Fazendo-o sonegar o justo quinto
Senhorial de cem arrobas de ouro,
Devidas à Coroa, em cuja Corte,
Terminada a pilhagem sobre as Índias,
Rareia arminho & vinho, triste fato
Que tocará decerto o coração
Dos súditos fiéis e, ao mesmo tempo,
Valendo-se do ensejo, oferecer
Aos maus exemplo e aos bons bom espetáculo
De circo, porque o pão sempre se adia,
Ordena assim a todos assistirem
Ao mais raro massacre deste século.”

(POESIA COMPLETA, pg. 95)

A Coroa Portuguesa, como fica claro somente por estes versos, é alfinetada com uma mordacidade raras vezes vista num poeta brasileiro. Tais diatribes irônicas soam semelhantes àquelas que José Saramago (1922-2010) reuniu em seu Memorial do Convento, em que o autor português, também muito crítico em relação aos atos passados do Império Português, faz uma crônica devastadora de toda a patetice e viciosidade de reis, bispos e outras autoridades lusitanas durante a exploração da colônia do além-mar.

Uma certa “ênfase” em episódios históricos como o Quilombo de Palmares e a Inconfidência Mineira apontam a predileção de Paes, não escancarada mas discernível como pano de fundo, pelos levantes de despossuídos e insatisfeitos da colônia contra a metrópole. Os inconfidentes mineiros, conjurados sob a chefia de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, recebem do poeta um tratamento mais condigno com seu status de heróis nacionais na luta pela independência. Entoa Paes:


“São poucos, mas loucos.
Pregam liberdade
Em plena praça ao povo,
Que dela se embriaga
Como se provara
Algum vinho novo.

Reúnem-se, furtivos,
Sob o manto das trevas
E, na causa que enleva,
Esquecem todo risco,
Tramando contra as leis
De Deus e do Fisco.”

(POESIA COMPLETA, pg. 93)

Quando trata dos revoltosos de Palmares, apela para uma

“Negra cidade
Da felicidade,
Onde a chaga se cura,
o grilhão se parte,
O pão se reparte
E o reino de Ogum,
Xangô, Olorum,
Instala-se na terra
E o negro sem dono,
o negro sem feitor,
Semeia seu milho,
Espreme sua cana,
Ensina seu filho
A olhar para o céu
Sem ódio ou temor.
Negra cidade
Dos negros, obstinada
Em sua força de tigre,
Em seu orgulho de puma,
Em sua paz de ovelha.”

(POESIA COMPLETA, pg. 89)

Não faltam na algibeira vocabular de Zé Paulo uma profusão de termos que remetem ao Brasil colonial, e que podem encantar o leitor moderno tanto quanto as gírias nordestinas ou sertanejas que colorem Morte e Vida Severina (Cabral), Grande Sertão: Veredas (Rosa) ou A Pedra do Reino (Suassuna). Voilà alguns espécimes recolhidos: “galeotas reais”, “ferrugem nos grilhões”, “cama de plumas”, “fidalgo de estirpe”...

Decerto que Paes passeia pelo passado colonial brasileiro um olhar crítico e ferino, caminhando pelas “vielas da paródia” e dando livre passagem à “malícia do parodista” e ao “veneno do sátiro”, para usar as expressões certeiras de Bosi (op cit, pg. 159). Não há nem sinal de descerebrada celebração patriótica; tanto que Paes cunhou, em um de seus mais sarcásticos poemas, todo tecido de neologismos cheios de sarcasmo, termos como “patriotários” e “suicidadãos”.

“Não há mais espírito 'pau-brasil' nessa releitura das fontes luso-coloniais, nem lugar para ilusões tropicalistas. As Novas Cartas reescreve a história dos colonizadores, mas com os olhos postos nas vexações sofridas pelos colonizados” (Bosi, op. Cit, pg. 160).

A “fácil riqueza de poucos” e a “árdua pobreza de muitos”, à qual ele alude no poema “RESSALVA” [Epigramas, 1958], parecem não cessar de incomodá-lo e indigná-lo por onde quer que seu olhar de poeta passeie. E por trás de seus sarcasmos, sempre contra alvos deveras merecedores de tomates, sempre se pode sentir o murmúrio de um riacho onde canta um homem simples e lúcido, que só deseja

"Um mundo mais justo,
Onde o pão não custe
Essa cabeça baixa,
Esse rubor ao insulto,
Esse olhar melancólico
A todas as escadas.”

[DO MECENANATO, Poesia Completa, pg. 137]

Quando Paes foca seu olhar sobre a História Brasileira, pois, é sempre com um viés de fazer justiça, ainda que tardia, aos despossuídos e humilhados. Atravessa nosso passado a denunciar descalabros e testemunhar a favor do povo sofrido.

O itinerário começa no escrivão Caminha, nos senhores de engenho e seus feitores para chegar aos rebeldes esmagados nos Palmares e ao drama da Conjuração Mineira”, pontua Bosi. “Muito antes que vingasse a recente proposta acadêmica de fazer História 'pela ótica dos oprimidos', o poeta inconformado dos anos 50 relia os momentos de conflito do passado brasileiro e riscava com tinta rubra no seu 'Calendário' as datas em que a voz do povo se fizera ouvir mais forte. (…) A palavra escarninha liberta o leitor das mentiras oficiais para melhor trazer à luz a nobreza obscura dos derrotados.” (Bosi, op cit. p. 160-61).

Mas não imaginemos Paes como um poeta com o nariz afundado nos livros de história mofados, mumiógrafo que só lida com assunto morto e tretas milenares hoje já extintas, nem ligando para as malvadezas hoje presentes. “Vendo a máquina do mundo sob suspeita, o poeta não se entorpeceria nos sonhos dos anos 60, que envolveram de auras fetichistas a sociedade industrial de padrão norte americano e ergueram hosanas aos triunfos da nova comunicação de massa.” (Bosi, op cit, 163).

Veja-se, por exemplo, em poemas mais recentes, com que ironia mordaz Paes recobre certas “instituições” da nossa atual cultura de massas: a televisão, a música pop comercial e o shopping center:


Videodrome, de David Cronenberg

À TELEVISÃO

Teu boletim meteorológico
me diz aqui e agora
se chove ou se faz sol.
Para que ir lá fora?

A comida suculenta
que pões à minha frente
como-a toda com os olhos.
Aposentei os dentes.

Nos dramalhões que encenas
há tamanho poder
de vida que eu próprio
nem me canso em viver.

Guerra, sexo, esporte
me dás tudo, tudo.
Vou pregar minha porta:
já não preciso do mundo.

[Poesia Completa, pg. 402]

* * * * *

AO SHOPPING CENTER

Pelos teus círculos
vagamos sem rumo
nós almas penadas
do mundo do consumo.

De elevador ao céu
pela escada ao inferno:
os extremos se tocam
no castigo eterno.

Cada loja é um novo
prego em nossa cruz.
Por mais que compremos
estamos sempre nus

nós que por teus círculos
vagamos sem perdão
à espera (até quando?)
da Grande Liquidação.

[Poesia Completa, pg. 403]

* * * * *

DUAS REFÁBULAS

Cigarra, Formiga & Cia

Cansadas dos seus papéis fabulares, a cigarra e a formiga resolveram associar-se para reagir contra a estereotipia a que haviam sido condenadas.

Deixando de parte atividades mais lucrativas, a formiga empresou a cigarra. Gravou-lhe o canto em discos e saiu a vendê-los de porta em porta. A aura de mecenas a redimiu para sempre do antigo labéu de utilitarista sem entranhas.

Graças ao mecenato da formiga, a cigarra passou a ter comida e moradia no inverno. Já ninguém a poderia acusar de imprevidência boêmia.

O desfecho desta refábula não é róseo. A formiga foi expulsa do formigueiro por lhe haver traído as tradições de pragmatismo à outrance e a cigarra teve de suportar os olhares de desprezo com que o comum das cigarras costuma fulminar a comercialização da arte.

[Socráticas, BETA, pg. 490]


ESBOÇO DE CONCLUSÃO

Pode ser até verdade, como diz o início do poema “Palmares”, que “o tempo apaga a mancha de sangue no tapete” (P.C., pg. 87). Mas o poeta não parece afim de se calar frente a esta nódoa que enxerga, ao vislumbrar o passado, e escreve como se quisesse garantir aos algozes que não irá oferecer a eles o presente do esquecimento dos crimes cometidos, mas que irá relembrá-los com a ânsia de quem nunca quer vê-los repetidos.

Aí se explique, talvez, a epígrafe que Paes escolheu para seu Novas Cartas Chilenas: “Dois são os meios por que nos instruímos: um quando vemos ações gloriosas que nos despertam o desejo de imitação; outro, quando vemos ações indignas, que nos excitam o seu aborrecimento” (Critilo). Em suas poesias, José Paulo Paes reuniu de nossa história colonial muitas instrutivas ações que, por seu horror ou encanto, despertam no leitor a empatia ou a repulsa, o nojo ou o comovimento, mas jamais a apatia e a indiferença.

O Brasil da “feijoada, marmelada, goleada e quartelada” passa pelo crivo de um humor oswaldiano, uma ironia machadiana, uma concisão poundiana, um tropismo político esquerdista quase brechtiano, de modo que o país ressurge para o leitor destas férteis criações de José Paulo Paes com uma imagem recriada e rediviva.

Como aponta Davi Arriguci Jr., “pode-se ler a poesia de José Paulo Paes, breve e aguda a cada lance em sua tendência constante ao epigrama, como se formasse um só cancioneiro da vida toda de um homem que respondeu com poemas aos apelos do mundo e de sua existência interior. (…) Como se o poeta pela lucidez vigilante e a recusa do supérfluo e a todo sentimentalismo fosse capaz de aprender do modo de ser da pedra uma lição ao mesmo tempo de ética e poética”.15

Paes, que soube enxergar, tal como Ezra Pound, a poesia como “forma de condensação”, foi também um homem que sabia ser “a posse uma aventura sem sentido” e que “só compreendia o pão se dividido”.

...

REFERÊNCIAS
------------------
---

1 NAVES,     Rodrigo. Um Homem Como Outro Qualquer. Artigo para a Revista     Piauí, número 21, de junho de 2008, na sessão “Memórias     Literárias”, republicado como prefácio do Poesia Completa (Cia das Letras, 2008).

2 PAES,  José Paulo. Poesia Completa. “Orelha”.

3 ARRIGUCI  JR, Davi. Agora É Tudo História, epígrafe. In: Outros     Achados e Perdidos (Cia das Letras).

4 BOSI,  Alfredo. Céu, Inferno – Ensaios de crítica literária e     ideológica. Editora 34, 2003, 2a ed. Pg. 155-156.

5 BOSI. Op Cit. Pg. 163

6 ARRIGUCI,     Davi. Op cit. Pg. 189.

7 MOISÉS, Carlos Felipe. Literatura para quê? (Florianópolis, Letras Contemporâneas,     1996, págs. 125-140). Trecho acessível na internet aqui.

8 MARTINS, Wilson. Vertentes Poéticas. Artigo do jornal A Gazeta do     Povo, 19 de Abril de 1999.

9 Para     mais detalhes sobre o trabalho de Paes como tradutor e crítico,     recomendamos um “pulo” ao site do DITRA (Dicionário de Tradutores Literários no Brasil).

10 PIRES,     Francisco Quinteiro. O Homem Sem Vaidades. Artigo do Jornal O  Estado de S. Paulo, 09 de Outubro de 2008.

11 NAVES.     Op Cit.

12 BOSI.     Céu, Inferno. Op cit.

13MARTINS,     Wilson. Op cit.

14 CONRAD,     Joseph. No Coração das Trevas (Heart of Darkness). Editora     Hedra, São Paulo, 2008. Tradução de José Roberto O'Shea. Pg. 28.

15 ARRIGUCI     Jr, Davi. Op Cit.