:: BLUEBELL ::
Slow Motion Ballet (2005)
A pequena Bel Garcia, mescla de endiabrada Betty Boop e afinada Fada Sininho, ao cantarolar seus encantadores blues, me faz pensar que estou diante duma dessas musas raras que surgem tão raramente na música brasileira. Com seu primeiro álbum, o magnífico Slow Motion Ballet (de 2005), cometeu já em seu debut um dos grandes discos nacionais da década, arrancando elogios entusiasmados de gente importante, de Marisa Monte a Fernando Meirelles.
Certos pop-rocks bastante radiáveis, como "Ordinary Life", renderam a ela o apelido, entre nós depredadores, de
Natalie Imbruglia paulistana, mas uma que não se tornou -
pobrecita! - uma
one hit wonder. Mas o álbum traz muito mais do que popices cantadas em inglês por uma
indie-chick adorável em seus all-stars e roupas pretas: Bel prova aqui ser a única mina brasileira que consegue soar como a cópia fidedigna da
Regina Spektor ("The Fight In The Cafe"), da
Aimee Mann ("Pack and Go" ou "Translation") e da
Fiona Apple. E tudo isso sem soar nem um pouco como um plágio ou como um item de segunda categoria, mas sim como um genuíno talento em seus primeiros florescimentos.
O disco tem até uns grunges de menininha ("Who's The Freak?" e "It's Out There"), cantados com uma sensibilidade e uma finesse que deixam Pitty parecendo uma caminhoneira truculenta. Sem falar de algumas bonitezas folk, como "I Could Have Been", "Bolas de Sabão" e o semi-hit "Dull Routine", que nos fazem questionar se Mallu Magalhães é realmente a princesinha folk do Brasil ou se isso é só exagero da hype machine, que esqueceu de nos avisar do quanto Bel é material mais fino, apesar de não ter tchubarubado seu caminho rumo à fama.
E, para não dizer que não falamos de
covers, Bel (que já tem anos e anos de estrada cantando róque em bandinhas de garagem - saca só ela mandando
"Remedy" dos Crowes em 2001) também manda bem em suas escolhas para
Slow Motion Ballet. Ela se apossa de modo adorável de "Junk", musiqueta solo do velho Macca, que não soará mal aos ouvidos de nenhum beatlemaníaco. Insere ainda o refrão de "La Vie En Rose", um dos mais célebres itens do cancioneiro popular francês, em sua genial "La Vie en Close", cantando-o três vezes em três inflexões completamente diferentes: primeiro serena, depois histérica e aos prantos, e finalmente libidinosa e sedutora. Esta música, aliás, talvez seja o ponto alto do lirismo de Bel, que descreve alguns "prazeres Amélie Poulain", brinca sacana e sexymente com a pronúncia do francês e cria um hino luxurioso e irresistível sobre fossas, porres e hedonismo que vale citar na íntegra:
Me deixa quieta no meu canto que eu sei me virar
As mágoas da vida serviram pra me vacinar
Eu aprendi que não importa o mal é possível curar
Dançando tango, comendo pastel ou no banho a cantar
Às vezes um porre de vodka pode ajudar
A vida pode ser melhor pra lá de Badgá
Outras vertentes holísticas recomendam meditar
Ou aceitar que você está na fossa e nela mergulhar.
E se depois disso tudo nada adiantar
Se lembre: o que não tem remédio remediado está.
Erga a cabeça, mude de estação e vá se aprumar.
Tome alguns goles e saia de casa disposto a flertar.
Je vois la vie en rose, mon amour!
Quatro anos depois do lançamento de seu Balé em Câmera Lenta, a sumida Bluebell está prestes a reaparecer com um novo EP, fruto de anos e anos tocando em pubs do underground paulistano acompanhada por uma jazz-band fabulosa. A julgar pelo show recente que Bel deu no Studio SP, em que o público foi docemente judiado por um trompete matador, o futuro do Bluebell será repleto de frutos doces.
Cada vez mais longe do pop-rock, Bel agora aderiu à pira de ser a nossa mini-Ella Fitzgerald, a Edith Piaf sul-americana, a Nina Simone do nosso indie. Vestida como se quisesse homenagear Betty Boop, a ninfeta do desenho animado que cantava como uma russa embriagada de vodka, Bel Garcia surgiu quase como uma criaturinha do Noiva Cadáver, de Tim Burton, se ele se passasse na Jazz Age.
Bel, sobre o palco, está cada dia mais confiante. O domínio espantoso que possui sobre sua voz, que pode até ser magra e fininha, mas tem um timbre adorável e autêntico, faz com que perdoemos com facilidade a relativa timidez de seu corpo. Afinal, não estamos frente a uma cheerleader nem uma pretendente a pop-star, mas a uma mocinha sensível, serena e que parece ter imensos mananciais de talento que só estão começando a desabrochar...
Hoje em dia, a destemida Bel não teme atacar
standards do jazz de modo dilacerante. E canta como se estivesse tentando realmente
quebrar nosso coração - e mais à maneira de Chet Baker do que de Jeff Tweedy. E consegue fácil, como provam as lagriminhas que derrubei na caipirinha ao ouvi-la cantar uma sequência mortífera de uns 3 ou 4 blues sobre corações estraçalhados, madrugadas solitárias e mágoas afogadas no álcool.
Pra continuar com confissões constrangedoras, revelo que depois do show, com o meu CDzinho original em mãos, fiquei ali, zanzando pelos bastidores, querendo chegar perto da criatura, querendo beliscá-la para conferir se ela é mesmo de verdade e não uma criatura de fábula... E, pela primeira vez em anos, me vi recorrendo a essa bestice de tiete que é ir atrás de um autógrafo, com as mãos trêmulas e o coração palpitando... Taí: quer elogio melhor à música de Bel do que dizer que testemunhá-la, ao vivo e com
surround sound, me deixou feito um menininho trepidando em admiração frente à visão da musa?...