domingo, 22 de setembro de 2013

"Dormimos sobre um Vulcão!" - Tocqueville, às beiras da revolução de 1848 em Paris



DORMIMOS SOBRE UM VULCÃO
Por Alexis de Tocqueville (1805-1859)

"A Revolução Francesa, que aboliu todos os privilégios e destruiu todos os direitos exclusivos, deixou contudo subsistir um: o da propriedade. É necessário que os proprietários não se iludam sobre a força de sua situação e que não imaginem que o direito de propriedade seja uma muralha intransponível, pelo fato de que, até agora, em nenhum lugar tenha sido transposta - pois nosso tempo não se assemelha a qualquer outro.

Hoje, quando o direito de propriedade se torna o último remanescente de um mundo aristocrático destruído, o único a se manter de pé, privilégio isolado em meio a uma sociedade nivelada, (...) corre um perigo maior, pois só a ele cabe sustentar a cada dia o choque direto e incessante das opiniões democráticas.

Logo, a luta política travar-se-á entre os que possuem e os que não possuem; o grande campo de batalha será a propriedade... Vamos acreditar que seja por acaso, por efeito de um capricho passageiro do espírito humano, que vemos aparecer de todos os lados essas doutrinas singulares, que levam nomes diversos, mas que têm todas por principal característica a negação do direito de propriedade e que tendem pelo menos a limitar, a reduzir, a enfraquecer seu exercício?"

De um Manifesto escrito por Tocqueville em 1847

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Discurso à Câmara dos Deputados da República da França em 29 de janeiro de 1848:

"Olhai o que se passa no seio dessas classes operárias, que hoje, reconheço, estão tranquilas. É verdade que não são atormentadas pelas paixões políticas propriamente ditas, no mesmo grau em que foram por elas atormentadas outrora; mas não vedes que pouco a pouco propagam-se em seu seio opiniões, ideias que de modo nenhum irão somente derrubar tal lei, tal ministério, mesmo tal governo, mas a sociedade, abalando as bases nas quais ela hoje repousa? Não ouvis que entre as classes operárias repete-se constantemente que tudo o que se acha acima é incapaz e indigno de governá-las? Que a divisão dos bens ocorrida no mundo até o presente é injusta? Que a propriedade repousa em bases que não são igualitárias? E não credes que, quando tais opiniões adquirem raízes, quando se propagam de maneira quase geral, quando penetram profundamente nas massas, devem acarretar, cedo ou tarde - não sei quando, não sei como -, as mais terríveis revoluções?

Tal é, senhores, minha convicção profunda: no momento em que estamos, creio que dormimos sobre um vulcão... Pois quando passo a procurar em diferentes tempos, em diferentes épocas, entre diferente povos qual foi a causa eficaz que provocou a ruína das classes que governavam, vejo claramente que a causa real e eficaz que faz com que os homens percam o poder é que se tornaram indignos de mantê-lo..."

ALEXIS DE TOCQUEVILLE
"Lembranças de 1848 - As jornadas revolucionárias de Paris"
Clássicos Penguin & Companhia, Pgs. 50-52

Compre por R$28,50 (novo):

"A caracterização genérica de “vândalos” visa a esquematizar a situação, fomentando uma suposta e clara divisão imaginária entre o bem e o mal..." (Wisnik)


"A Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas, criada pelo governo do estado, no Rio, autorizou mandados de busca e apreensão nas casas de administradores da página do Black Bloc no Facebook. Essas ações resultaram na prisão de jovens estudantes indiciados por formação de quadrilha armada, incitação ao crime, corrupção de menores e pedofilia. Leio que, segundo a OAB, os poderes de que a Comissão foi investida só estariam constitucionalmente respaldados se partissem da esfera federal, e não da esfera estadual. 

O coletivo formado para a defesa dos direitos fundamentais, por sua vez, mobilizado perante a arbitrariedade dos atos e dos fatos, aponta a precariedade das provas produzidas para a acusação: a “quadrilha” só se encontrou basicamente pela internet, exercendo o direito legítimo de manifestação de ideias; a prova mais substancial de que é “armada” estaria na localização de um canivete na casa de um dos jovens presos; a “corrupção de menores” se baseia no fato de que as idades oscilam entre um pouco mais e um pouco menos de 18 anos, razão pela qual os maiores são apontados como corruptores dos menores; e a “pedofilia” se baseia na presença de vídeos pornográficos na casa de um, sem ser possível caracterizar a participação de menores nesses vídeos.

A cadeia indutiva que trabalha no afã da produção de evidências acaba por arrolar como peças incriminatórias o livro clássico de Henry David Thoreau, “Desobediência civil” (com cujas ideias costumam ser identificados Gandhi, Martin Luther King e o Solidariedade polonês), junto com o volume acadêmico “Anarquismo — A liberdade prática”, da “Revista de História da Biblioteca Nacional”. É um absurdo que se soma ao outro, que faz com que os supostos membros de uma “quadrilha armada” não possam, por essa mesma caracterização, ter suas prisões relaxadas.

Não sou um partidário das depredações, nem quero cobri-las de um véu de inocência. Elas fazem parte da complexidade do teatro público que se instaurou no Brasil, do qual os Black Blocs são atores, e cuja negatividade teve ou tem o papel, entre outros, de dificultar a domesticação das manifestações pela mídia. Já se falou do fato de que a polícia teve interesse em insuflá-los, em certos momentos, enquanto reprimia manifestantes pacíficos. Francisco Bosco mostrou, aqui, que no 7 de Setembro o batalhão de fotógrafos já contracenava visivelmente com os Black Blocs, num mecanismo conhecido pelo qual a cobertura dos fatos precisava e dependia, antes de mais nada, deles, como seus personagens, e eles já se viam capturados, em alguma medida, pela impossibilidade de fugir ao fato de estarem fazendo cena para as câmeras.

Em suma, não acho que ações de grupos anárquicos e anticapitalistas estejam efetivamente ameaçando o capitalismo, ao arranharem evidentemente seus símbolos — carros e bancos. (Discordo também de minha amiga Marilena Chauí de que ajam como fascistas). Eles estão injetando nas manifestações, que são ações simbólicas, um componente de real, de atrito direto, que lhes dá outra espessura. A caracterização genérica de “vândalos” visa a esquematizar a situação, fomentando uma suposta e clara divisão imaginária entre o bem e o mal. Mas as máscaras também são reais, são simbólicas e são imaginárias, têm múltiplos sentidos e não podem ser objeto de criminalização. Foi o que Caetano Veloso sinalizou, ao assumir o teatro público no sentido de fazê-lo avançar para a simbolização, e não para a violência.

Voltando: a prisão de jovens a partir da autorização de uma comissão de legitimidade duvidosa, incriminando-os com evidências forçadas e ridículas, não fossem graves, é mau teatro jurídico, busca produzir, na dificuldade de equacionar os reais problemas, uma cena imaginária de eleição de culpados, e atenta contra direitos fundamentais.”

"As Redes e as Ruas" - Análise de uma Imbricação Ascendente, por Manuel Castells, sociólogo espanhol



Sinopse: “Principal pensador das sociedades conectadas em rede, Manuel Castells examina os movimentos sociais que eclodiram em 2011 – como a Primavera Árabe, os Indignados na Espanha, os movimentos Occupy nos Estados Unidos – e oferece uma análise pioneira de suas características sociais inovadoras: conexão e comunicação horizontais; ocupação do espaço público urbano; criação de tempo e de espaço próprios; ausência de lideranças e de programas; aspecto ao mesmo tempo local e global. Tudo isso, observa o autor, propiciado pelo modelo da internet.

O sociólogo espanhol faz um relato dos eventos-chave dos movimentos e divulga informações importantes sobre o contexto específico das lutas. Mapeando as atividades e práticas das diversas rebeliões, Castells sugere duas questões fundamentais: o que detonou as mobilizações de massa de 2011 pelo mundo? Como compreender essas novas formas de ação e participação política? Para ele, a resposta é simples: os movimentos começaram na internet e se disseminaram por contágio, via comunicação sem fio, mídias móveis e troca viral de imagens e conteúdos. Segundo ele, a internet criou um “espaço de autonomia” para a troca de informações e para a partilha de sentimentos coletivos de indignação e esperança – um novo modelo de participação cidadã.”

Adquira o livro (R$49,90): http://bit.ly/162oe2Z.





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"BRASIL: ESCUTAR ÀS RUAS"
Artigo de Manuel Castells em La Vanguardia - 29/06/2013

“Estava andando por São Paulo e Porto Alegre, falando de meu livro sobre os indignados do mundo, quando surgiu o movimento que sacudiu o Brasil. Espontâneo como todos os demais, sem líderes como todos os demais, surpreendendo a políticos e analistas como todos os demais. Originado na internet e tomando as ruas em mais de 90 cidades para fazer-se valer. A faixa que abria a manifestação no Rio de Janeiro dizia “Somos a rede social”. Ao que acrescentava outro manifestante “Saímos do Facebook e agora estamos na rua”.

“Vem, vamos pra rua; Pode vir que a festa é sua”, cantavam as pessoas se apropriando de uma canção publicitária relativa à Copa das Confederações. Quem iria pensar que os brasileiros protestariam a organização da Copa do Mundo de Futebol porque, como dizia outra faixa em Belo Horizonte, “já temos estádios de primeiro mundo, agora nos falta um país”? No lugar deste desperdício, que consideram manchado de corrupção, querem investimento público em transporte, educação e saúde. O movimento, iniciado em São Paulo contra o aumento das tarifas de transporte, respondeu a um chamado criado no Facebook do Movimento Passe Livre.

Em seu manifesto se autodefinem como “um movimento social autônomo, horizontal e apartidário, que jamais pretendeu representar o conjunto de manifestantes que tomaram as ruas do país”. Após terem conseguido a revogação do aumento das tarifas, continuam reivindicando a “Tarifa Zero”, ou seja, a gratuidade do transporte público, porque “a mobilidade é um direito universal”. 

E de fato o caos urbano se deve a uma urbanização que segue as pautas da especulação imobiliária, a atividade mais destrutiva, característica de um modelo insustentável de crescimento econômico e territorial. Depois se somaram demandas diversas, dirigidas à gratuidade e qualidade de educação e saúde, assim como um clamor contra a corrupção nas administrações e uma crítica do modelo político que as ruas não reconhecem como democrático. 

75% dos brasileiros apoiam o movimento. O partido do Governo, o PT de Lula, defensor da esquerda latinoamericana, sofreu um choque emocional. Alguns de seus líderes, como o governador de Brasília ou o ministro do Interior, utilizaram de imediato mão duríssima contra os protestos, empregando fogo real em alguns casos, com o resultado de vários mortos (estatística em curso), centenas de feridos e milhares de detidos. 

Até que a presidente Dilma Rousseff, em um gesto sem precedente na curta história dos movimentos de indignados pelo mundo, declarou que “tinha a obrigação de ouvir a voz das ruas”. Fez gala de cintura política e também de um certo poço de convicção de quem foi torturada e encarcerada pela ditadura. É uma mulher de esquerda, que tem tentado controlar a corrupção que corroe seu partido e seu governo. Ofereceu diálogo, recebeu algumas pessoas do movimento e prometeu investir em melhorias no transporte, saúde e educação. Também reprimindo àqueles ministros e dirigentes que consideraram inicialmente o movimento como um tema de ordem pública e ordenaram vigiar as redes sociais. E aceitou a crise de representatividade dos partidos e a necessidade de sua reforma, propondo uma assembleia constituínte para mudar a Constituição e submeter a plebiscito popular uma reforma do sistema político, tentando assim superar as travas que os políticos têm colocado sempre no Congresso a qualquer tentativa de limitar seus privilégios. 

Como é lógico, políticos de todas as tendências, em particular do opositor PSDB, se pronunciaram contra o plebiscito. De modo que nem a anulação do aumento que provocou a indignação, nem as promessas da presidente, enfrentadas pela classe política, apaziguaram o movimento, senão que o reforçaram. E ampliaram suas demandas, que agora incluem a desmilitarização da polícia e os direitos dos povos indígenas, submetidos à pressão de grandes empresas depredadoras da Amazônia.

Ninguém o esperava no Brasil e ninguém entende esse movimento, o qual parece incrível depois de três anos em que movimentos similares têm surgido em todo o mundo. É que esse sistema político atual, nem no Brasil nem em nenhuma parte, têm a capacidade de assimilar o que de verdade está acontecendo: que os cidadãos se expressem politicamente de forma autônoma sem passar pelos partidos. E a esquerda o entende ainda menos que os outros. Inclusive órgãos de imprensa esquerdista na América Latina acusam o movimento de ser uma conspiração imperialista contra um governo de esquerda. 

Claro que existem manifestantes de direita nas ruas do Brasil, e inclusive alguns grupos violentos e extremistas. Mas é que os movimentos autônomos não são de esquerda ou direita, expressam ao conjunto da sociedade, em sua pluralidade ideológica, e cada qual trata de aproveitar a conjuntura. Apesar disso, a imensa maioria são jovens sem outra afiliação além de seu desejo de viver a vida, em lugar de lutar por cada gesto cotidiano. São jovens que não dividem o entusiasmo pelo crescimento econômico do Brasil porque não vivem de estatísticas. “Não são uns centavos, são nossos direitos”, diziam as ruas de São Paulo. O emaranhado de comentaristas e acadêmicos que interpretam o movimento segundo sua ideologia não conseguem aceitar a realidade do que não entra em suas categorias. Por isso a vontade de reforma política e de políticas sociais da presidente têm surpreendido e alarmado a classe política, a exceção de Marina Silva, a popular líder ecologista, ex-ministra de Lula, candidata presidencial, que se colocou a serviço do movimento com sua Rede Sustentável. Se abre assim uma luta interna pelo sistema político entre quem quer reconciliar-se com a sociedade e quem nem sabe o que contesta.

Desde o Brasil chegam duas mensagens. Para os indignados: a mudança é possível incrementando a pressão das ruas, em quantidade e em qualidade. Para os políticos: quanto antes aceitarem a obsolescência de uma democracia esclerótica, mais fácil será a transição a novas formas de representação que conectem os cidadãos com as instituições."

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Mixtape BR #18 - Chico Science, B Negão, J. Macalé, Luiz Tatit e Ná Ozzetti, Blubell...


01. WILSON DAS NEVES, “Essa Moça Tá Diferente” (Chico Buarque)
02. CHICO SCIENCE, “Banditismo por uma Questão de Classe”
03. R. RABELLO & DINO 7 CORDAS, “Conversa de Botequim” (Noel Rosa)
04. B NEGÃO & OS SELETORES DE FREQUÊNCIA, “Proceder/Caminhar”
05. JARDS MACALÉ, “Pano Pra Manga”
06. EDNARDO, “Varal”
07. LUIZ TATIT & NÁ OZZETTI, “Tanto Amor”
08. DUOFEL, “Reggae por Nós”
09. BLUBELL, “Who’s the Freak?”
10. BARRA FUNDA FIGHTERS, “Estágio Lunar”

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Manguebeat Revisitado: Mundo Livre S.A. interpreta Chico Science e Nação Zumbi (e Vice-Versa) [download e stream do álbum completo]



MUNDO LIVRE S.A.
VS NAÇÃO ZUMBI
(2013)

"Há 20 anos, quando a música popular brasileira vivia um daqueles seus momentos de impasse criativo, Recife acenou com uma luz no fim do túnel. Era o mangue beat, movimento cujos artistas costuravam samba, psicodelia, hip-hop, maracatu, funk e as novidades eletrônicas da época, embalados por um manifesto dos caranguejos com cérebro e suas parabólicas enfiadas na lama. Concluído o ciclo do mangue, os grupos que fizeram a revolução, Nação Zumbi (que continuou após a morte do líder Chico Science, em 1997) e Mundo Livre S/A, seguiram trajetórias paralelas, transformaram-se, evoluíram, mas não perderam a força criativa. O encontro no disco “Mundo Livre S/A vs Nação Zumbi”, em que um toca as músicas do outro, é mais do que uma celebração do movimento e das suas canções. É um exercício dos mais interessantes, feito por duas bandas bem diferentes, no topo de sua forma artística...." [Baixa Funda]

01. A Cidade (Mundo Livre S/A)
02. Praieira (Mundo Livre S/A)
03. Etnia (Mundo Livre S/A)
04. Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada (Mundo Livre S/A)
05. No Olimpo (Mundo Livre S/A)
06. Rios, Pontes e Overdrives (Mundo Livre S/A)
07. Samba Makossa (Mundo Livre S/A)
08. Livre Iniciativa (Nação Zumbi)
09. Musa da Ilha Grande (Nação Zumbi)
10. Bolo de Ameixa (Nação Zumbi)
11. Girando Em Torno Do Sol (Nação Zumbi)
12. Pastilhas Coloridas (Nação Zumbi)
13. Seu Suor É O Melhor De Você (Nação Zumbi)
14. O Velho James Brown Jah Dizia (Nação Zumbi)

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

"Velha Maria, Vais Morrer": um poema do médico-guerrilheiro Ernesto Che Guevara




VELHA MARIA, VAIS MORRER
(Che Guevara, 1928-1967)

Velha Maria, vais morrer:
Quero falar contigo seriamente.

Tua vida foi um rosário completo de agonias,
não houve homem amado nem saúde nem dinheiro,
apenas a fome para ser compartilhada.
Mas quero falar-te da tua esperança,
das três diversas esperanças
que tua filha fabricou sem saber como.

Toma esta mão de homem que parece de menino
nas tuas mãos, polidas pelo sabão amarelo.
Abriga teus calos duros e teus nós puros dos dedos
na suave vergonha de minhas mãos de médico.

Escuta, avó proletária:
crê no homem que chega,
crê no futuro que nunca verás.

Não rezes ao deus inclemente
que toda uma vida desmentiu tua esperança;
não peças clemência à morte
para ver crescer tuas pardas carícias;
os céus são surdos e o escuro manda em ti.
Mas terás uma vermelha vingança sobre tudo,
juro pela exata dimensão de meus ideais:
todos os teus netos viverão a aurora.
Morre em paz, velha lutadora.

Vais morrer, velha Maria:
trinta projetos de mortalha
dirão adeus com o olhar
num destes dias em que te vais.

Vais morrer, velha Maria:
ficarão mudas as paredes da sala
quando a morte conjugar-te com a asma
e copularem seu amor na tua garganta.

Essas três carícias construídas de bronze
(a única luz que alivia a tua noite),
esses três netos vestidos de fome
chorarão os nós destes dedos velhos
onde sempre encontravam um sorriso.
E isso será tudo, velha Maria.

Tua vida foi um rosário de magras agonias,
não houve homem amado, saúde, alegria
apenas a fome para ser compartilhada.
Tua vida foi triste, velha Maria.

Quando o anúncio do descanso eterno
suaviza a dor de tuas pupilas
e quando a tua mão de perpétua borralheira
absorve a última e ingênua carícia,
pensas neles… e choras,
pobre velha Maria!

Não, não o faças!
Não rezes ao deus indolente
que toda uma vida desmentiu a tua esperança,
nem peças clemência à morte,
que tua vida foi horrivelmente vestida de fome
e acaba vestida de asma.

Mas quero anunciar-te,
na voz baixa e viril das esperanças,
a mais vermelha e viril das vinganças.
Quero jurá-lo pela exata
dimensão de meus ideais.

Toma esta mão de homem que parece de menino
nas tuas mãos, polidas pelo sabão amarelo.
Abriga teus calos duros e teus nós puros dos dedos
na suave vergonha de minhas mãos de médico.

Descansa em paz, velha Maria,
descansa em paz, velha lutadora:
todos os teus netos viverão a aurora.
EU JURO!


(tradução de Jeff Vasques do Eupassarin | Mais poesias de Che)


Black Sabbath com Ozzy na vox: baixe a discografia completa! [9 álbuns entre 1970 e 2013]



BLACK SABBATH
Download de todos os álbuns com Ozzy na voz:


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Black Sabbath have been so influential in the development of heavy metal rock music as to be a defining force in the style. The group took the blues-rock sound of late-’60s acts like Cream, Blue Cheer, and Vanilla Fudge to its logical conclusion, slowing the tempo, accentuating the bass, and emphasizing screaming guitar solos and howled vocals full of lyrics expressing mental anguish and macabre fantasies. If their predecessors clearly came out of an electrified blues tradition, Black Sabbath took that tradition in a new direction, and in so doing helped give birth to a musical style that continued to attract millions of fans decades later…
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Valeu, Laranja Discográfica!

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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

"Mas agora chegou nossa vez: vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês!" ou "A verdade é dura: a Rede Globo apoiou a Ditadura!"

"Em 1964, quando João Goulart foi deposto pelos militares, a Globo noticiou o golpe que lançou o Brasil nas trevas como a restauração da democracia; quase 50 anos depois, os Marinho pedem desculpas, como se aquele tivesse sido um erro meramente editorial; na verdade, foi uma aposta comercial, que permitiu à Globo se transformar num dos maiores grupos de mídia do mundo, mesmo passando por cima da lei, como no acordo Time-Life; hoje, cada um dos irmãos Marinho possui uma fortuna estimada em mais de US$ 7 bilhões; o arrependimento pode até fazer bem à alma, mas o certo seria devolver à sociedade todos os benefícios gerados pela relação promíscua com os militares…” - BRASIL 247

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MORAL E CÍVICA II

(De Alex Polari, 
preso e torturado
durante a ditadura brasileira.)

Eu me lembro
usava calças curtas e ia ver as paradas
radiante de alegria.
Depois o tempo passou
eu caí em maio
mas em setembro tava por aí
por esses quartéis
onde sempre havia solenidades cívicas
e o cara que me tinha torturado
horas antes,
o cara que me tinha dependurado
no pau-de-arara
injetado éter no meu saco
me enchido de porrada
e rodado prazeirosamente
a manivela do choque
tava lá – o filho da puta
segurando uma bandeira
e um monte de crianças,
emocionado feito o diabo
com o hino nacional.

(Mais poesias de Alex Polari no Eupassarin)

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"Não se sabe ainda se há relação de causalidade entre uma coisa e outra. O fato é que manifestantes do Levante Popular guarneceram a sede da Globo em SP, neste sábado (31/08/13), com fezes. A retribuição, em espécie, dizem os integrantes do protesto, remete ao conteúdo despejado diuturnamente pela emissora nos corações e mentes da cidadania brasileira.

Apenas algumas horas depois, uma nota postada no site do jornal ‘O Globo’ manifestava o arrependimento da corporação pelo editorial de 2 de abril de 1964, de apoio ao golpe que derrubou Jango e instalou, por 21 anos, uma ditadura militar no país. (…) A nota faz malabarismo, tergiversa e mente para justificar o golpe que apoiou ostensivamente. No fundo, apenas lamenta ter sido tão desabrida, como se não houvesse amanhã.

O amanhã chegou. 

Seja na forma de matéria fecal, protestos massivos, redes alternativas de informação, desqualificação ética, queda de audiência e desprestígio editorial. O fato é que há na sociedade um discernimento crescente em relação aos verdadeiros propósitos e interesses que movem o noticiário, as campanhas e perseguições movidas pelas Organizações Globo contra projetos, direitos, governos, lideranças e partidos.

A Globo foi e é parte diretamente interessada no assalto ao poder que interrompeu a democracia brasileira em março de 1964… Em 1964, negou à sociedade a competência para decidir o seu destino. Em 2002 fez terrorismo contra Lula. Em 2005 tentou derrubá-lo e impedir a sua reeleição em 2006. E assim sucede desde 2010, contra Dilma. 

Veiculado pela família Marinho dois dias depois do golpe, o editorial do Globo não foi um ponto fora da curva. Ele consagra um método. Que a experiência recente não pode dizer que caiu em desuso. Mas que vive um ponto de saturação. Ilustra-o a necessidade de mostrar arrependimento. Bem como o sugestivo odor exalado das paredes da sede da Globo em São Paulo.” - CARTA MAIOR

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"A partir de um superfuro do jornalista Miguel do Rosário, do site O Cafezinho, estabeleceu-se na blogosfera uma correia de transmissão informal, mas visceralmente interconectada, sobre o megaesquema de sonegação fiscal montado pelas Organizações Globo que resultou, em 2006, numa cobrança superior a 600 milhões de reais (saiba mais).

Talvez, de tanto viver na dimensão onírica de suas telenovelas, ou na falsa percepção que alguns dos seus sorridentes jornalistas têm do mundo real, a Rede Globo ache, de fato, que é possível fazer o contribuinte acreditar de que ela nada tem a ver com o roubo do processo de sonegação de impostos da Receita Federal. Afinal, somos todos uma nação de idiotas plugados no Caldeirão do Huck, certos de que, ao morrermos, teremos nossas almas levadas ao céu pela nave espacial da Xuxa.

Ou seja, os de lá não aprenderam nada com o debate Lula x Collor, em 1989, nem com a bolinha de papel de José Serra, em 2010, duas farsas desmascaradas, cada qual a seu tempo, pela História. Não perceberam que a internet acabou com a era das fraudes de comunicação no Brasil e no mundo.

Apostam as últimas fichas na manada que reuniram em cinco décadas de monopólio de um império movido a entretenimento e alienação. Mas esse gado que foi alegremente tangido por vinhetas e macacas de auditório ganhou, com o fenômeno da rede mundial de computadores, novas porteiras e, com elas, uma perspectiva real de liberdade." - Leandro Fortes na Carta Capital

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"Jango" de Silvio Tendler (1984) [documentário completo]

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"DOSSIÊ JANGO" (2013)
Download do filme completo (em RMVB)

Black Crowes ao vivo: show completo [1h 20 min]!





TODO O SHOW:

THE BLACK CROWES
Azkena Rock Festival - 2009 [1h 42 min]

01 - Sting Me
02 - Twice As Hard
03 - Goodbye Daughters Of The Revolution
04 - Hotel Illness
05 - Soul Singing
06 - Oh Josephine
07 - Wiser Time
08 - Wiser Time p.2
09 - Thorn In My Pride
10 - Thorn In My Pride p.2
11 - Poor Elijah - Tribute To Johnson
12 - Sister Luck
13 - Jealous Again
14 - Hard To Handle
15 - She Talks To Angels
16 - Remedy
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Reflexões sobre os choques entre o Imperialismo Colonizador e o Direito à Auto-Determinação dos Povos [Uma crítica de "A Batalha de Argel", de G. Pontecorvo]


"A BATALHA DE ARGEL" 
 de Gillo Pontecorvo
(Itália, 1966, 122 min)


SINOPSE: A Batalha de Argel, um dos filmes políticos mais importantes da história do cinema, descreve eventos decisivos da guerra pela independência da Argélia, marco do processo histórico de libertação das colônicas européias na África. A ação concentra-se entre 1954 e 1960, mostrando como agiam os dois lados do conflito: enquanto o exército francês recorria à política de eliminação e à tortura, a Frente de Libertação Nacional (FLN) desenvolvia técnicas não convencionais de combate baseadas na guerrilha e no terrorismo. Neste filme de imensa atualidade, com trilha sonora original de Ennio Morricone, o mestre italiano Gillo Pontecorvo mudou a história do cinema político ao construir uma narrativa de tirar o fôlego, em que mistura técnicas de documentário e ficção.  DOWNLOAD DO FILME: http://goo.gl/gwXLBR (inclui legendas em português). Links alternativos: Cinema Cultura ou Making Off.

"O dever da memória é essencial, porque o passado nos atormenta, porque ele ainda nos marca cruelmente com seus estigmas, e porque é importante virar, o mais rápido possível, estas páginas que infelizmente não podemos rasgar. A memória também é essencial para tornar mais firme nosso repúdio absoluto e definitivo às práticas abjetas e a todas as ideias que aviltam a humanidade. A memória, enfim, é essencial para desencorajar, daqui para frente, todas as tentativas de reanimação da besta imunda que poderia ainda dormitar no inconsciente dos homens. (...) Para exorcizar o passado e, no presente, fazer justiça, é preciso avaliar os danos imediatos e os efeitos duradouros do que foi sofrido por alguns e infligido por outros, sem ceder à tentação do rancor nem às simplificações..."  FRANTZ FANNONLes Damnés de La Terre (Os Condenados da Terra)

Assistir a este clássico do cinema é mais que uma experiência estética de alto impacto, é também uma aula magna de história e de política. Eis uma obra que nos transmite instrução e indignação em altas doses! Certos filmes nascem não da imaginação ou da fantasia, mas a partir de vivências concretas e viscerais - e é esse o caso de A Batalha de Argel, um dos mais impressionantes espécimens do chamado cinema verité, e cujo roteiro, escrito por Franco Solinas, foi baseado no livro de memórias de Saadi Yacef, um dos líderes da FNL. Rodado com atores não-profissionais e milhares de coadjuvantes argelinos, com táticas de  filmagem típicas de documentários ou tele-reportagens, a obra-prima de Pontecorvo imerge o espectador no conflito que opôs o império francês e sua colônia no Mediterrâneo após a 2ª Guerra Mundial. 

Estamos nos anos 1950 e os europeus, com teimosia canina, prosseguem fincando os dentes em suas colônias na África e na Ásia. Mas o vento dos tempos sopra cada vez mais forte em favor da libertação dos povos ocupados e oprimidos por potências estrangeiras, seja porque a recém-nascida ONU (Organização das Nações Unidas) procura favorecer o ideal de auto-determinação das nações, seja porque levantes, revoluções e guerras anti-imperialistas estouram e são vitoriosas em muitos recantos - como na Indochina (que, depois de expulsar o imperialismo francês, infelizmente ver-se-á cerceada pelo imperialismo yankee que, nos anos 1960, invade e devasta o Vietnã....). O filme de Gillo Pontecorvo - que havia sido um ativista anti-Mussolini na época do fascismo italiano e que chegou a filiar-se ao Partido Comunista - é mais que uma obra-prima artística; é um memorável e imorredouro manifesto de repúdio ao imperialismo agressivo, torturador e genocida. 

É chocante ver o modo como os franceses, que haviam acabado de vivenciar os horrores da 2ª Guerra, e que tinham vivido sob o jugo da ocupação de Paris pelo III Reich por alguns anos, praticarem na África alguns dos horrores que as SS e a Gestapo perpetraram pela Europa. Pois os muçulmanos de Argel, espremidos na Kasbah (80 mil pessoas em 2 km quadrados!), parecem constituir, para as autoridades francesas, um estado de exceção. Dentro dos limites da Kasbah, ao que parece, vale-tudo - as normas éticas param de valer, como ocorria no interior dos campos de concentração do regime hitlerista. Os muçulmanos estão sujeitos a terem suas casas invadidas pelo exército francês a qualquer momento; prisões em massa são realizadas na caça aos suspeitos de pertença à FNL; os interrogatórios são repletos de torturas brutais; muitas lideranças da sublevação argelina contra o poder imperial são exterminadas... As autoridades justificam todas as violações dos direitos humanos dizendo que é urgente cortar a cabeça desta "organização terrorista" que é a FNL e que, volta-e-meia, na Argel dos europeus, manda pelos ares, com suas bombas caseiras, cafés e danceterias, estropiando e matando civis às dezenas.

A violência é praticada dos dois lados, é evidente: caem mortos "inocentes" em ambos os campos da Argel segregada. O ciclo de violência parece não ter fim pois cada bomba gera um rancor e uma vontade de vendeta. E esta, me parece, é uma situação de uma atualidade impressionante, que possui muitas similaridades, por exemplo, com o que ocorre na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, onde uma imensa população palestina, espremida em um território minúsculo (como os argelinos na Kasbah), sofre com os desmandos e abusos do exército de Israel (devidamente apoiado pelos EUA). Não há dúvida que, na batalha de Argel, o poder bélico do exército francês dá de goleada nos recursos da FNL; tanto que esta tem que recorrer ao terrorismo, que costuma ser o último recurso dos desesperados, a voz sangrenta dos que não são ouvidos. Uma similar desproporção entre os poderes também é marca da Intifada dos palestinos, que lutam com pedradas, pauladas e molotvs contra o poderio bélico imensamente superior dos israelenses, dotados de mega-tanques e ultra-mísseis (e tendo, além disso, a bomba atômica como ás na manga). 



Ao ver as cenas em que o exército francês instaura check-points militares nas fronteiras entre a Kasbah e a Argel européia, também me lembrei do apartheid que existe no Estado de Israel, cujas fronteiras só podem ser transpostas depois de uma rigorosa triagem anti-terrorista. No filme de Pontecorvo, as mulheres desempenham um papel crucial na batalha pela independência dos argelinos - já que os franceses focavam suas suspeitas e revistas principalmente sobre a população masculina, as mulheres conseguiam atravessar com mais facilidade os check-points, levando as armas e bombas que seriam utilizadas nos atos terroristas e atentados contra militares franceses.

Uma das maiores qualidades do filme está em sua capacidade de nos mostrar um amplo cenário social, um quadro realmente coletivo, com algumas impressionantes cenas de multidão inspiradas no cinema de Einseinstein e Rosselini. É como se Pontecorvo e sua equipe quisessem sempre destacar que, apesar da importância de certos protagonistas (sejam eles lideranças da FLN ou do exército francês), quem decide de fato a História são as massas. Os militares do império francês que se lançaram a cortar a cabeça da "tênia" da FLN, e que de fato conseguiram exterminar quase todos os chefes da organização, logo descobrem que através das constantes torturas, prisões e assassinatos perpetrados contra os argelinos acabaram por lançar lenha num caldeirão de ódio coletivo. 

Como haviam previsto grandes personalidades da intelectualidade, como Jean-Paul Sartre e Albert Camus, os desmandos do colonialismo francês iriam gerar não um silenciamento das demandas da Argélia colonizada, mas um exacerbamento da solidariedade anti-imperialista. Tanto que as gigantescas manifestações que estouram em 1960, chamando a atenção da opinião pública mundial, são o ponto-final do filme de Pontecorvo - que termina não com a vitória efetiva dos argelinos (a Independência só viria em 1962), mas com uma espécie de prelúdio do triunfo futuro. São cenas das mais esplêndidas da história do cinema.


Retrato pungente e memorável da batalha de um povo pela auto-determinação, A Batalha de Argel é também uma obra que suscita reflexões várias sobre a violência, praticada, no caso, pelos dois antagonistas, mas com intenções diversas. Se a França, por um lado, utiliza sua violência com o fim de prosseguir seu controle imperial sobre a colônia africana, exterminando toda a resistência que nasce da Kasbah sublevada, os argelinos fazem uso da guerrilha e do terrorismo como um protesto desesperado contra a opressão e a ingerência do ocupante ocidental. É um filme, pois, que convida-nos a jamais confundir a violência imperial do agressor com a violência reativa dos oprimidos.

Este inesquecível monumento do cinema nos deixa marcado na memória alguns dos eventos mais importantes da luta da Argélia pela independência e, como ocorre com toda obra-prima, prossegue de uma atualidade impressionante. Pois vivemos ainda em tempos em que o mundo está cindido por batalhas colossais - e, apesar da situação bélica global ser considerada por muitos, de modo simplista, como a luta do Ocidente contra o Islã, o que está em pauta talvez seja a velha luta, já tão conhecida, entre o imperialismo (eurocêntrico ou yankee-cêntrico) e o direito de autonomia dos povos. 

Em  nossos tempos de Império Yankee, com intervenções militares de alto calibre, chefiadas pelos EUA, que levaram ampla devastação ao Afeganistão e ao Iraque (e agora com ameaça de seguir em frente rumo à Sìria!), é importante questionar os antecedentes trágicos desta posição de "xerife do mundo" que certos estados ocidentais costumam assumir. Esta soberba, esta arrogância, esta hýbris do estado que se auto-declara "bom e justo", e que decide-se a instalar pela força de suas bombas e seus drones um sistema político que lhe seja de conveniência em um país distante, é frequentemente punido pela história com catástrofes gigantescas. 

Também a França cometeu gravíssimas violações de direitos humanos contra o povo da Argélia sob o pretexto de lutar contra o terrorismo, e caminho muito parecido seguem hoje em dia os yankees e sua pavorosa máquina de guerra. Contra isso, a obra-prima de Gillo Pontecorvo é um excelente lembrete, um wake-up call urgente, a nos mostrar que a tirânica invasão imperialista quase nunca é acatada ou acolhida pela população invadida, e que quando um poder imperial não respeita os direitos de autonomia de um povo que quer sob seu jugo, este povo não tarda a se unir e se solidarizar na revolta ("eu me revolto, logo somos", escreve o argelino Albert Camus). Contra a violência da ingerência externa, contra a soberbia de xerifes imperiais, os povos não cessam de bradar por seu direito de auto-determinação - um direito que exigirão que seja respeitado, mesmo que tenham que opor pedradas à tanques e bombas terroristas a exércitos hi-tech.

Setembro 2013

domingo, 1 de setembro de 2013

Che: Uma Chama Que Continua a Arder [excertos do livro de Michael Löwy e Olivier Besancenot]


"Che faz de uma citação do poeta e revolucionário cubano José Martí seu estandarte: 'Todo homem verdadeiro deve sentir na face o golpe dado a qualquer homem'. Manter a revolta à flor da pele, indignar-se, é sentir-se parte de toda a humanidade, num destino solidário, e já é agir. 'Se você é capaz de estremecer de indignação cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos camaradas...', dizia o Che. Ele defendia essa idéia perante os jovens comunistas de Cuba: 'o dever de todo jovem comunista é ser essencialmente humano, tão humano que se aproxime do melhor do humano... desenvolver sua sensibilidade a ponto de sentir angústia quando se assassina um homem em algum lugar do mundo e exaltar-se quando se levanta em algum lugar uma nova bandeira de liberdade.'"
MICHAEL LÖWY e 
OLIVIER BESANCENOT

* * * * *

"A piada é famosa em Havana: durante uma reunião da direção cubana pouco depois da revolução de 1959, quando Fidel Castro perguntou à assembleia, 'Há um economista na sala?', Che (que era médico!) teria levantado o dedo. É imediatamente nomeado presidente do Banco Nacional. À saída da reunião, Fidel teria interrogado Che, estupefato: 'Não sabia que eras economista!' Resposta do interessado: 'Carajo, tinha entendido que a pergunta era: 'Há um comunista na sala?' Para além da anedota, é certo que Ernesto Guevara assumia publicamente a adesão às ideias comunistas muito antes da Revolução Cubana. 

A epopéia política, subversiva e romântica de Che suscitou, na época, uma lufada mundial de oxigênio num movimento operário internacional paralisado pela Guerra Fria. Ela constitui hoje um viveiro de idéias e uma fonte de inspiração original. Efetivamente, no tempo do capitalismo universal, a sombra de Che continua a planar sobre o Chiapas mexicano, na região dos camponeses rebeldes zapatistas. Estende-se sobre a Venezuela de Chávez. Flutua acima das manifestações da geração altermundialista, que, nas escolas, empresas e bairros operários contesta a imposição da nova ordem mundial predadora sobre a economia, a sociedade, a paz e o meio ambiente.

Desde as primeiras viagens de adolescente na América Latina (a célebre viagem de motocicleta que Walter Salles filmou) até os combates revolucionários em Cuba, no Congo ou na Bolívia, sua matriz ideológica nunca se fixou. Pelo contrário, continuou sempre em movimento, em questionamentos perpétuos, em interrogações incessantes, movida por uma sede de descoberta... Che Guevara era uma cabeça ávida de compreensão e saber.

O período no qual ele evolui é marcado pelo colonialismo, com suas guerras, seu racismo, e pelo movimento de descolonização, gestado por inúmeras lutas de libertação contra o imperialismo na Ásia, na África e na América Latina. 

Seguindo seu próprio caminho, por vias diferentes, Malcolm X, nos Estados Unidos, que rompeu com os Black Muslims em 1964, chega a conclusões similares às de Che na véspera de seu assassinato em fevereiro de 1965: defende um marxismo aberto, humanista e internacionalista. Duas vidas. Dois assassinatos. Dois percursos ceifados em pleno vôo por uma morte decretada pelos defensores inquietos da ordem yankee..."

(Pg. 31)




"Em 1989, caiu o Muro de Berlim, fato que marcou o início de uma nova era. Longe de se traduzir pelo advento de um socialismo de feições humanas, a tão esperada derrubada da URSS e de seus ‘países irmãos’ desembocou, por fim, no estabelecimento de um capitalismo selvagem. A Guerra Fria cedeu lugar a guerras quentes e guerras pelo petróleo, à imagem dos dois conflitos conduzidos pelos Estados Unidos no Iraque durante quinze anos… sob o olhar aprovador do deus dólar. Outros muros se levantaram então: os Estados Unidos e a Europa se tornaram fortalezas imperiais pilhando no Terceiro Mundo riquezas das quais não se pensa compartilhar a menor migalha. Em suma, o planeta foi submetido ao domínio total da economia de mercado feroz e brutal.

Em seu cortejo de miséria, de fome, de exploração, de guerras e catástrofes ambientais, a globalização capitalista suscitou novas resistências e, de fato, novas esperanças. Foi no coração dessa outra América e na trilha balizada pelos combates de Che que voltou a brilhar a estrela da aventura humana.

Em 1º de janeiro de 1994, no Sudeste mexicano, em Chiapas, camponeses zapatistas pegaram em armas para dizer “Ya Basta!” à nova ordem mundial. Em dezembro de 1995, na França, a primeira grande revolta contra o neoliberalismo anunciava a renovação das lutas sociais.

Desde essa época, uma palavra de ordem não pára de ressoar: “Um outro mundo é possível!” Esse grito de urgência lançado pelos povos foi ouvido durante greves gerais na Europa e na Ásia, brotou dos movimentos insurrecionais da América Latina, na Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador. É levado pelos fóruns sociais do movimento altermundista.

O saldo das revoluções do século passado precisa ser avaliado mais uma vez: da Comuna de Paris de 1871 até as revoluções latino-americanas das décadas de 1960 e 1970, sem esquecer a Revolução Russa de outubro de 1917 ou a Espanhola de 1936, os revolucionários devem, com um olhar crítico, extrair desses episódios as soluções democráticas adequadas. Devem também aprender novamente que a multidão dos explorados e dos oprimidos, unida e solidária, é capaz de tomar seu destino nas mãos se assim o decidir. 

Relembremos que sem essas revoluções, sem essas rupturas, sem esses movimentos de contestação, nossas aquisições sociais seriam bem magras. Apenas o espectro de uma revolução na França em Maio de 68 parece ter sido mais eficaz do que os governos de esquerda para arrancar direitos sociais elementares: os serviços públicos, a seguridade social ou as férias pagas. Foram obtidas porque nossos antecessores paralisaram e bloquearam o país ocupando maciçamente as empresas… 

O grande canteiro de obras para elaborar o socialismo do século XXI está aberto…”


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Trechos extraídos do livro
(São Paulo: Ed. Unesp, 2009),
de Michael Löwy e Olivier Besancenot





Memórias Cubanas - documentários completos!

Soy Cuba! [dossiê sobre os médicos cubanos no Brasil]



Para contribuir com uma discussão mais bem-informada e sensata sobre a vinda dos médicos cubanos ao Brasil, que boa parte da imprensa burguesa está tratando com paranóica histeria anti-comunista (que tanto lembra o ideário das ditaduras militares latino-americanas ou dos yankees durante a Guerra Fria…), compartilhamos algumas reportagens e artigos relevantes:


Ricardo Noblat: “Desembarcaram por aqui no fim de agosto de 2013 os primeiros médicos cubanos que aceitaram trabalhar durante três anos nos 701 municípios rejeitados por brasileiros e estrangeiros em geral inscritos no programa “Mais Médicos”. São municípios que exibem os piores índices de desenvolvimento humano do país, 84% deles situados no Norte e no Nordeste. Os nossos médicos brancos e de olhos azuis não topam servir onde mais precisam deles…” (http://bit.ly/1cdqW4q)


Pragmatismo Político: “Os números da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que Cuba, país submetido a um asfixiante bloqueio econômico, no quesito saúde é um exemplo para o mundo e tem resultados melhores do que os do Brasil. Graças à sua medicina preventiva, a ilha do Caribe tem a taxa de mortalidade infantil mais baixa da América e do Terceiro Mundo – 4,9 por mil (contra 60 por mil em 1959, quando do triunfo da revolução) – inferior à do Canadá e dos Estados Unidos. Da mesma forma, a expectativa de vida dos cubanos – 78,8 anos (contra 60 anos em 1959) – é comparável a das nações mais desenvolvidas. Segundo a New England Journal of Medicine, “o sistema de saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos. Todo mundo tem um médico de família. Tudo é gratuito, totalmente gratuito…” (http://bit.ly/ZMLPfw)

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Cynara Menezes (Socialista Morena): "a medicina cubana é reconhecida mundialmente por ser preventiva. Ou seja, por fazer o possível para impedir que a pessoa adoeça. O que isto significa? Que em Cuba, ao contrário do Brasil, se usam menos remédios. Isso tem se mostrado positivo. Hoje a ilha consegue superar até mesmo os Estados Unidos (ohhh!) na taxa de mortalidade infantil: enquanto na terra de Obama morrem 5,9 crianças a cada mil nascidos vivos, na terra de Fidel e Raul o número é de 4,7 por mil – no Brasil a taxa é quase quatro vezes maior, 16,7 por mil, embora tenha caído muito nos últimos anos.

Será que, na verdade, o que as associações médicas brasileiras temem é que chegue ao Brasil, com os cubanos, uma nova forma de praticar medicina que não a exercitada por eles aqui, uma parceria –praticamente um conluio – com os grandes laboratórios farmacêuticos? Três anos atrás, o CFM (Conselho Federal de Medicina), que agora grita contra os cubanos, desistiu de proibir as escandalosas viagens de médicos brasileiros financiadas pelos laboratórios multinacionais produtores dos remédios que eles receitam a rodo para a população. Você sabia disso?

Será que o medo real do CFM não é que os cubanos tragam uma, essa sim, revolução? Uma revolução contra o excesso de medicamentos que o Brasil consome, por culpa não dos médicos cubanos, mas dos mesmos profissionais brasileiros que se recusam a atender a população do interior? Fica a pergunta.” (http://bit.ly/1dcRTs4)


Alberto Dines no Observatório da Imprensa: “O exercício da medicina não pode ser examinado sem levar em conta o seu caráter humanitário. Levar médicos aos grotões do país – além de salvar vidas preciosas, contribuirá decisivamente para desmonetizar uma profissão que vem perdendo velozmente o seu caráter original, solidário e altruísta.

Nossa mídia embarcou de corpo e alma nessa cruzada egoísta, antissocial, fomentada primordialmente pela poderosa corporação médica, pelas empresas de ensino superior & adjacências. E isso no pós-junho, quando nas passeatas ainda reverberam referências pouco airosas à insensibilidade de jornais e jornalistas.” (Artigo completo: “Mídia não explica, demoniza” - http://bit.ly/18iltW3)


Paulo Moreira Leite na ISTOÉ: “Do ponto de vista da saúde pública, temos um quadro conhecido: faltam médicos em milhares de cidades brasileiras, nenhum doutor formado no país tem interesse em trabalhar nesses lugares pobres, distantes, sem charme algum – nem aqueles que se formam em universidades públicas sentem algum impulso ético de retribuir alguma coisa ao país que lhes deu ensino, formação e futuro de graça.

Respeitando o direito individual de cada pessoa resolver seu destino, o governo Dilma decidiu procurar médicos estrangeiros. Não poderia haver atitude mais democrática, com respeito às decisões de cada cidadão. O Ministério da Saúde conseguiu atrair médicos de Portugal, Espanha, Argentina, Uruguai. Mas continua pouco. Então, o governo resolveu fazer o que já havia anunciado: trazer médicos de Cuba.

Como era de prever, a reação já começou.

E como eu sempre disse neste espaço, o conservadorismo brasileiro não consegue esconder sua submissão aos compromissos nostálgicos da Guerra Fria, base de um anticomunismo primitivo no plano ideológico e selvagem no plano dos métodos. É uma turma que se formou nesta escola, transmitiu a herança de pai para filho e para netos. Formou jovens despreparados para a realidade do país, embora tenham grande intimidade com Londres e Nova York.

Hoje, eles repetem o passado como se estivessem falando de algo que tem futuro.

Foi em nome desse anticomunismo que o país enfrentou 21 anos de treva da ditadura…” 

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Eliane Brum: "A cena de um grupo de médicos cearenses vaiando os médicos cubanos, vários deles negros, que chegaram ao Brasil para ocupar postos em lugares onde os brasileiros não querem ir, é uma vergonha. Mas é bem mais do que uma vergonha. A trilha sonora da manifestação – “escravos”, “incompetentes” e “voltem para a senzala” – é reveladora de como os membros de uma carreira de elite olham para si mesmos – e se veem “ricos e cultos”, como gritaram médicos numa manifestação anterior – e de como a população que depende do SUS (Sistema Único de Saúde) é vista por parte daqueles que têm por dever lhe dar assistência. Dá pistas, especialmente, sobre a tensão social que existe nos corredores dos serviços de saúde pública, que é também uma tensão racial e de classe. 

O espetáculo de racismo e de xenofobia da semana passada tornou ainda mais evidente o baixíssimo nível do embate em torno do programa Mais Médicos. Como tem acontecido no Brasil em questões fundamentais, a polarização só serve para calar a possibilidade de um debate sério, responsável e com a profundidade necessária. Neste caso, com o governo federal, de um lado, e as entidades corporativas dos médicos, no extremo oposto, o país perde uma oportunidade de discutir o tema urgente da saúde pública, cujas omissões e deficiências têm mastigado – objetiva e subjetivamente – a vida de milhões de brasileiros. E aqui desponta um silêncio eloquente: cadê a voz das pessoas que dependem do SUS nessa discussão?"

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Na Globo News, Jorge Pontual aponta porquê a medicina cubana é exemplo para o mundo.

No CQC, Marcelo Taz e sua turma fazem uma reportagem certeira.