SEM FIRULA E SEM FRESCURA
- Mesclando punk garageiro, rockabilly e surf-music, o Bang Bang Babies faz um dos noises mais turbinados de Goiânia Rock City -
por Eduardo Carli de Moraes
Ah, a garagem! Não há cômodo domiciliar que mais tenha prestado bons serviços ao rock and roll. O espaço concebido pra guardar carro, apossado pela criatividade maníaca da juventude rocker, acabou virando um santuário onde destroçar tímpanos. Sorte a nossa! Enquanto a mamãe ficava com suas panelas na cozinha, o pai frente à TV da sala e a pivetada brincava na área, alguns danados, adeptos da arte-de-fazer-barulho, procuraram guarida ali, em meio à graxa e à fuligem, por vezes em meio a um calor dos infernos, e mandaram bala. E até hoje, ainda que não toquem mais no aperto do inferninho automotivo, há bandas que continuam com o espírito fidelíssimo à ela.
É o caso da Bang Bang Babies, uma das bandas nacionais recentes que com mais
punch e pegada honra o som-garageiro de todos-os-tempos. Inserem-se numa árvore genealógica que, saindo dos anos 60 com Stones, Kinks e Sonics (sem falar de mais mil e uma bandinhas obscuras), passa pelo proto-punk, pelo punk '77 e vai dar em Cramps, Jon Spencer e White Stripes, dentr'outros. Na ativa desde 2005, o grupo soltou recentemente
"Love and Bullets", seu segundo long-play, lançado via Monstro, com excelente produção e
raw-power transbordante. É o
Thee Butchers Orchestra fazendo escola. E a prova de que a garagem ainda pulsa!
Os caras, ao vivo e em disco, soam como uma bandaça energética e noisy, apesar de tosca, que apesar de ter começado na década 2000 não parou de celebrar e honrar bandas das antigas, demonstrando grande conhecimento da história do rock de garagem e dos primórdios do punk. Não à toa, poucos dias antes desta entrevista os caras tinham dado um pulo em Sumpaulo para conferir
Iggy Pop e os Stooges, no festival Planeta Terra, com a formação do clássico
Raw Power. "O James Williamson tocou mal pra caralho!" (risos), não perdoou o guitarrista da Bang Bang Vital - mas o show de Iggy e sua trupe foi elogiado pelos caras, que costumavam tocavam "Loose", do clássico
Fun House, anos atrás.
A classuda capa do álbum, duma estética que vai soar familiar a quem já viu o badalado clipe de
"Favorite Way", dos
Black Drawing Chalks, ficou a cargo da galera do
Bicicleta Sem Freio - agência de design que anda dando uma cara cool e kill-billesca para muitas bandas de Goiânia, com uma certa influência das pirotecnias psicodélicas à la Queens of The Stone Age em "Go With The Flow".
Neste
XV Goiânia Noise, os caras foram escalados para abrir a noite de quinta-feira, no
pub com cara de
rep Metrópolis. Com decibéis em excesso e empolgação de sobejo, mandaram ver 10 pancadas nuns 30 minutos de som, provando que com eles não tem firula nem frescura. Pelo chão, após a passagem do ciclone, espalhavam-se, como despojos de guerra, os cadáveres de um público bangueado sem dó. Na mesma noite, tocaram ainda o
Sapatos Bicolores de Brasília (jovem guarda tocada como se fosse Elvis Costello) e o
The Name de Sorocaba (modernoso róque-de-pista-de-dança que honra Rapture, Kasabian e Franz Ferdinando).
Dias depois, trombando os caras nas dependências do Centro Cultural Martin Cererê, pouco depois do show dos Argentinos do Los Lotus (com que o Bang Bang Babies dividiu o palco para um show extra na ressaca do Noise), batemos um papo com o núcleo da banda - Pedro (voz/gtr) e Vital (gtr/voz). Completam a turma o baixista Pintin e o batera Hélio.
DEPREDANDO:
De onde saiu o nome da banda? Fiquei imaginando, já que vocês se declaram fãs de westerns de Sergio Leone e spagghettis, se poderia ser uma homenagem à Kill Bill...
PEDRO: Na real o nome num tem uma lógica: soou legal e pronto! Num tem que ter sentido não... Mas com certeza a banda tem muita influência indireta de cinema e de quadrinhos, apesar da gente num citar isto especificamente nas letras. Muitas músicas nossas falam disso mesmo: violência, tiro e morte! (rs)
VITAL: A gente sempre curtiu muito esses filmes de Velho Oeste e costumava até pôr aquele som da Nancy Sinatra, "Bang Bang" (que abre os créditos do filme de Tarantino), na abertura dos nossos shows.
DEPREDANDO: Que bandas vocês consideram como referências e influências maiores no som de vocês?
PEDRO: Nossa referência sempre foi um som mais proto-punk, à la
Stooges, um som setentista mais rock-and-roll, mas que não fosse nem hard-rock nem progressivo. Resumindo: som tosco e barulhento dos anos 70. Curtimos muito as bandas de garagem dos anos 60, tipo o
The Sonics e
The Seeds. Também nos espelhamos muito em
Gories, Oblivians e Cramps - sempre essas coisas mais garageiras, já que som com essa proposta quase ninguém faz hoje em dia. Isso já foi moda, lá pelo começo da década 2000, quando o
The Hives tava estourado, ou no ápice do
Blues Explosion, quando surgiu um monte de banda garageira, mas depois deu uma caída.
VITAL: O Strokes também trouxe uma onda meio garageira, mas misturada com um lance meio indie-anos 90, com aquelas guitarrinhas "pim-pim" (rs), bem agudinhas!
PEDRO: Também curtimos muito a coletânea
Nuggets - Original Artyfacts From The First Psychedelic Era, que é imbatível, uma das melhores coletâneas já lançadas, se não a melhor. São coisas muito obscuras e raras, de bandas que às vezes lançavam um single só, nem chegavam a gravar álbum. Com as limitações técnicas e financeiras da época, a galera tinha que se desdobrar pra fazer do jeito deles, e é essa atitude transgressora do rock garageiro que a gente gosta. E o cara que fez a seleção, o
Lenny Kaye, o guitarrista da Patti Smith, pesquisou muito o underground garageiro sessentista pra fazer isso. É uma grande referência
DEPREDANDO: Também rola uma influência de surf music no som, não?PEDRO: Com certeza! Só que a gente é tosco e não sabe tocar surf music direito, aí vira surf-punk. Um som tipo
The Mummies, que é uma espécie de surf-punk, também influenciou muito a gente. Que é essa idéia do surf-tosco...
VITAL: O próprio climão do
Cramps tem uma puta duma ondinha surf. A gente até pensou em fazer um disco todo só de surf tosco. E vai rolar, velho... Vai rolar algum dia. Eu gosto pra caramba de surf e de rockabilly, além de já ter tido banda indie antes de banda-de-garagem. Uma pá de música surf que a gente fez a gente aposentou pois num dava conta de tocar (rs). A gente ouviu muito surf das antigas, tipo
Dick Dale e
The Ventures. Hoje em dia, tem 3 bandas de surf que eu elejo as mais foda da América do Sul: a
Dead Rocks, de São Carlos, uma das melhores bandas de surf do continente, que é sensacional! Os caras sabem fazer o clássico, mas também o mais agressivo, saca? Muito, muito bom! E nós somos amigos dos caras, que até já nos levaram pra tocar em São Carlos (SP), num evento que teve uma banda de surf, uma de rockabilly e uma de garagem - foi um dos melhores eventos que a gente já tocou, uma festa foda! Os caras anunciaram o show num Hot Rod, aquele carrão das antigas, e a galerinha chegava de lambreta... foi muito louco! Mas num vou ficar pagando muito pau pros caras senão eles vão ficar enjoados... Johnny Crash: pau no seu cu! (rs) Além do Dead Rocks, ponho no top 3 o
The Tormentos da Argentina e o
Supersonicos do Uruguai - todas elas já tocaram aqui em Goiânia e eu pirei. São três bandas que eu acho foda e que todo mundo tem que escutar.
PEDRO: Hoje em dia, aqui em Goiânia, somos uma das poucas bandas que têm essa influência surf -- porque grande parte da galera foi numa onda mais stoner-rock, de som pesado, isso é que pegou e tá dando o tom aqui hoje em dia. É só ver o
Black Drawing Chalks, MQN, Hellbenders, Mechanics... É uma galera influenciada por Queens of The Stone Age, Kyuss, coisas mais pesadas. Nada contra isso, mas o lance garagem mal existe em Goiânia hoje - e a Bang Bang é que tá tentando manter isso vivo. A gente num é uma banda pra bater cabeça - só pra dançar toscamente! (rs) No passado já teve muita banda garagem foda em Goiânia, tipo a
Hang The Superstars - e mesmo o MQN tocava garagem no primeiro álbum,
Hellbusrt. Hoje em dia não tem mais: a Hang acabou e o MQN e o Mechanics viraram banda de metal. Nada contra. Mas eles tinham outra onda.
VITAL: É a gente mantendo vivo o garagem em Goiânia! (rs)
DEPREDANDO: E o Goiânia Noise? Vocês já tocaram aqui várias vezes, né?
VITAL: É o terceiro ano que a gente toca e o nono ano que a gente vem. Desde 2001 a gente vem no Noise. Em 2001 vim aqui pra ver o Dead Billies e o Nebula, e véio... nunca mais saí daqui! Em 2006, primeiro ano que a gente tocou no Noise, ele foi realizado pela primeira vez no Centro Cultural Oscar Niemeyer, que é muuuito grande e tem uma estrutura radical - e quando eu entrei lá eu fiquei assustado com o quanto tinha crescido. A gente já sabia o quanto era grande em questão de mídia e de todo mundo falar bem, mas foi impressionante ver o quanto era grande fisicamente, não só o conceito. Já em 2009 é incrível que esteja rolando festival na quarta, quinta, sexta, sábado e domingo - todos os dias bombados, e eu boto fé que vai bombar amanhã também!
[a entrevista foi no sabadão e, confirmando a profecia de Vital, o Noise do Domingão tava tinindo!] Foi arrojado e está dando muito certo.
PEDRO: E hoje o Noise tá com este formato "espalhado pela cidade", que aconteceu pela primeira vez e funcionou muito bem. As casas tavam todas lotadas, e aqui no Centro Cultural Martin Cererê foi a mesma coisa. Pena que era pra ter sido no Oscar Niemeyer, um lugar bem mais amplo que este aqui, e que permitiria até trazer uns headliners maiores, mas como este espaço não foi liberado pelo governo, teve que ser aqui no Martin mesmo - que é um puta dum lugar, muito clássico no rock goiano, mas que já não funciona tão bem como estrutura pro tamanho do Noise.
DEPREDANDO:
E a "cena" de Goiânia é de uma força incrível, até mesmo pra quem chega de São Paulo ou de outras metrópoles... Não é à toa que andam chamando a cidade de "nova capital do rock brasileiro", né?PEDRO: A gente já viajou por algumas cidades, fomos a alguns festivais que fomos convidados, e a gente via as bandas das outras cidades e não tinham nem um pouco da qualidade que as bandas daqui têm, sabe? Apesar da tendência maior ser o som pesado, aqui tem muitas bandas diversificadas, de vários estilos, cada uma mandando bem de seu jeito. E o Noise exige uma qualidade pra entrar no evento. Se a banda num for boa, não vai tocar. Num adianta.
VITAL: Acho que as bandas daqui ensaiam mais, têm mais pressão! E tocar pra amigo não é fácil, saca? Amigo pode fazer uma crítica muito pior! E pelo menos o pessoal de Uberlândia ficou impressionado com o tanto que o pessoal daqui ensaia pra caramba, o tanto que faz show, antes de chegar a tocar no Noise... Tem muuuita banda que rala muito e acho que é isso que fortalece. Sem falar que tem espelhos bacanas também - e a gente não pode tirar o mérito de jeito nenhum do MQN e do Mechanics, que a gente vê e diz: "temos que fazer um lance bacana assim!"
PEDRO: Tem outras bandas também, que não são da Monstro mas são do caralho, tipo o
Desastre, que já lançou vários LPs na Europa inteira e nunca foi tão valorizada pela mídia nacional, mas que fez um trampo fodido.
DEPREDANDO: Planos pro futuro... quando vêm o sucessor de "Love and Bullets" e qual naipe de som devemos esperar? Algo ainda mais raw power, pra botar fogo na garagem?PEDRO: A gente tá em processo de gravação de um compacto que procura resgatar esta sonoridade lo-fi da época da
Nuggets. Nossos dois CDs anteriores foram gravados com alta tecnologia, no Rock Lab, então as músicas tem uma pegada garageira mas com "computador por trás". Ficou legal, muito bem produzido, mas agora a gente quer ir pra outro lado, experimentar outra coisa - que é este lado mais lo-fi e mais sujo.
VITAL: Cara, a gente tá usando um ampli que é do tamanho deste teu gravador! (rs)
[nota: a entrevista foi gravada num Mini Cassette Recorder de fita K7, mais ou menos do tamanho dos velhos Walkman Sony]. É loucura, cara! E a proposta é muito boa: porque com a limitação e as dificuldades a banda vai crescer pra caramba, sabe? E isso já tá acontecendo: já tamos crescendo muito musicalmente.
PEDRO: Nêgo ouve estas novas gravações e diz: 'Num é possível cês terem gravado essas guitas neste ampli de brinquedo!" (rs) Mas foi a real, cara: foram 4 canais, e tem música que tem 3 guita gravada! É um processo que tá exigindo que a banda tenha que se desdobrar 10 vezes mais do que se estivesse gravando normalmente, com toda a tecnologia que se usa em estúdio hoje. É cansativo, mas é ainda mais divertido porque a gente tem mais possibilidades de experimentar.
VITAL: Hoje tá muito fácil gravar, né cara? Tá acessível demais. Eu lembro que no passado eu ouvia umas bandas underground e o show era sempre muito melhor que o disco, mas a tecnologia ficou tão foda que hoje qualquer um consegue gravar um disco com qualidade de som e produção bacana. O que a gente tá tentando passar no disco é a energia do show: é um lance de não enganar a nós mesmos e nem ao público.
PEDRO: É: a maioria das bandas hoje e dia tem um disco muito melhor do que o show - e eu acho que isso não é certo. Tem tanta tecnologia disponível que os caras vão e fazem um CD do caralho, mas cê vai ver no palco e... num é a mesma coisa. Inclusive a gente: não dá pra reproduzir ao vivo o que a gente fez no estúdio. Isso é foda: tem tanto recurso disponível que você grava com uma pegada que é impossível levar pra performance ao vivo - e é o que rola com 90% das bandas hoje em dia.
DEPREDANDO: Mas que tipo de modificação sonora estes novos procedimentos de gravação vão trazer pro som da Bang Bang? Ele vai ficar mais "leve", sessentista e psicodélico?
PEDRO: Que nada, o som tá é mais sujo!
VITAL: Muito mais sujo! Tá muito legal, pra falar a verdade, toda a feitura. O processo é muito longo, saca? A gente abraçou a idéia, e está tendo as mesmas dificuldades técnicas que tiveram os caras que a gente gosta, e tamos tentando ser toscos da mesma forma. Mas tosco no sentido de simples, não no sentido de ruim! Porque pra mim tosco não é sinônimo de ruim, é sinônimo de simples.
DEPREDANDO: O que é um pouco o grande lance do punk, não é? O importante é a expressão simples da emoção - não precisa ser complexo, cheio de virtuosidade, com mil notas por segundo...
VITAL: Mil notas por segundo?!? (hahaha) É isso aí! Com certeza tem mó influência de punk e proto-punk no nosso som.
PEDRO: Punk '77 tem muita banda legal, tipo o
The Damned. O pessoal fala muito de Sex Pistols, mas eu acho uma bosta. Na época teve muitas bandas melhores!
[o camarada ao lado olha feio, quase saltando nas carótidas de Pedro frente à heresia proferida...].VITAL: Hahaha! Ele ficou inconformado, velho! Declaração polêmica! Num podia faltar!
DEPREDANDO: E da cena nacional, quais são as referências?
PEDRO: O
Butchers pra mim é a principal, mas tem outras, tipo o
Dead Billies da Bahia, que já acabou. Quando eles tocaram aqui no Noise a gente pirou, chocou fodidamente. Tem também uma banda paulistana que ninguém conhece, o
Sell-Outs... Na época, todo mundo pagava pau pro Butchers, mas o Butchers chupou muita coisa deles.
VITAL: E tem que falar também do
Damn Laser Vampires, banda recente de Porto Alegre, de 2007, a banda mais massa que tá rolando no Brasil.
PEDRO: É a banda nacional que hoje em dia a gente mais pira. A gente assistiu o show deles aqui faz pouco tempo e foi massa, foi foda!
DEPREDANDO: Pra finalizar, façam um Top 5 Bandas-Da-Vida!
VITAL: Caaara, eu curto muita banda que não tem a ver com o som da Bang Bang, mas muita banda que tem a ver... curto muito tudo do
Jon Spencer. Muito
Stooges. Sou fã incondicional de
Sonic Youth, que pra mim é aula-de-guitarra. Também gosto pra caramba de
Dinosaur Jr, outra banda mó guitarreira, tava até vendo os caras numa revista de skate, cê pira? (rs) E atualmente tô ouvindo demais demais o
Oblivians. Cara, eu posso falar umas 10! Top 5 chega a ser foda...
PEDRO: O meu top 5, não necessariamente nesta ordem:
Blues Explosion (e o resto dos projetos do Jon Spencer, até o Boss Hog é foda!),
Bo Didley,
Clash,
Stooges e o
Oblivians - banda garageira que a gente tá pirando.