terça-feira, 30 de junho de 2009

:: John Zorn toca Ornette Coleman ::


:: JOHN ZORN ::
Spy Vs. Spy - The Music Of Ornette Coleman (1989)


Mais uma desconstrução radical dos temas de Ornette Coleman que uma homenagem "tradicional", Spy Vs Spy estabeleceu John Zorn como um mestre inigualável da improvisação "incansavelmente violenta". Tal como acontecia como Ornette, para Zorn a improvisação coletiva sobrepõe-se à autônoma. E com essa missão, o saxofonista alto e o seu grupo de jovens colaboradores nova-iorquinos fizeram abalar as fundações cimentadas do jazz para criar a sua própria "shape of jazz to come".

O que é aqui demonstrado é jazz vulcânico em forma de jogo com saxofones que soam em diferentes canais de estéreo (Zorn, à direita, contra Tim Berne, à esquerda) sobre uma panóplia de baterias em duelo (Joey Baron contra Michael Vatcher) e dissonâncias de baixo (Mark Dresser). Uma peça preparada propositadamente para alienar os puristas sicofantas do jazz? Talvez, mas depois de fazer explodir a pirotecnia bebop num momento contronado por minimalismo trash-jazz em "Word For Bird", o grupo passa a misturar blues, swing, free-jazz e as infames teorias melódicas de Ornette para formar algo diferente. "Rejoicing" e "Peace Warriors" chocam e assombram os ouvintes ao introduzir referências tonais descodificadass, que até aí apenas se ouviam em temas speed metal ou nas composições caricaturais de Carl Stalling.

As caricaturas reaparecem na capa assinada por Mark Beyer, que encaixa na perfeição (e com humor) na declaração contra os cânones estabelecidos para o jazz. Bem-vindos ao jazz da geração pós-punk. Como diz Zorn no texto de apresentação: "FUCKING HARDCORE RULES". --- 1.001 DISCOS PARA OUVIR ANTES DE MORRER

quinta-feira, 25 de junho de 2009

:: Donald Byrd ::


FUNKIN' BYRD!
- por Eduardo Carli de Moraes -
Um dos meus jazzistas prediletos! Donald Byrd, trompetista magistral, foi um grande aventureiro. Um explorador e expandidor de limites para o jazz. Não era afeito à radicalismos tão extremos quanto os de Ornette Coleman, John Zorn, Peter Brotzman e outros insanos do free jazz, mas suas experimentações, se não soam tão vanguardistas, são certamente muito deliciosas. Apostando mais no groove, no balanço e na melodia, seu som é smooth, funky, cool e malemolente - perfeito para um chill out ou um sossego bem curtido.

Seguindo nas trilhas abertas por Miles Davis, sua maior influência, Byrd nos mostra quantos diferentes mundos sônicos se pode visitar ao realizar a mágica alquimia que apelidou-se de fusion: partindo das lições dadas por Bitches Brew (de Davis) e Headhunters (de Hancock), Byrd não temeu inserir no jazz o groovão e o balanço da música negra nas formas tradicionais de bop, quase sempre com magistrais resultados.

Fez explorações com a inserção de corais gospel em jazzões cabulosos no clássico A New Perspective (que têm a ilustre presença de Herbie Hancock no piano); arriscou uma sonoridade bem R&B no blockbuster Black Byrd, que na época de lançamento atingiu o posto de disco mais vendido da história da Blue Note; chegou perto dum som à la Sly & The Family Stone / Funkadelic / James Brown em muitos de seus discos de jazz-funk dos 70, em especial Ethiopian Knights, Places and Spaces e Street Lady; e teve muitos parceiros de renome, como Stan Getz, com quem gravou alguns duetos sensacionais.

Abaixo, compartilhamos alguns pit-stops obrigatórios na longa discografia do cara, a quem o mundo do jazz deveria agradecer, de joelhos, nos seguintes termos: "thanks for funking up my bop!" =)



Byrd In Flight (1960)
http://www.mediafire.com/?gwt4mmzy4yl



terça-feira, 23 de junho de 2009

:: The Black Crowes ::

BLACK CROWES
"By Your Side" (1998)

por Eduardo Carli de Moraes


By Your Side
, o disco dos Crowes que mais ouvi na vida, é uma fodástica aula de rock and roll ministrada por caras que são pHds no assunto. Ouvindo este álbum dos mestres - ou qualquer dos outros álbuns, na real! - não é absurdo concluir: eles merecem entrar na linhagem do Led, dos Stones, do Cream e dos Faces como mestres absolutos na história do "blues-rock" - ou simplesmente do rock fucking roll. Há quem prefira The Southern Harmony and Musical Companion, o clássico de 1992, que trazia o hit fantástico "Remedy", mas pra mim By Your Side é um disco ainda mais empolgante, flamejante, apaixonante! Foi o primeiro álbum deles que descobri, lá pelos 15 aninhos de idade, e ele me fez tocar air guitar até que me doessem as juntas e me esgoelar até ficar rouco no chuveiro. E me fez, desde então, colocá-los no topo do meu panteão musical, nos céus, agradecendo-os com ardor por serem desses que vivem para dizer: "rock and roll ain't noise pollution, rock and roll ain't gonna die!" (AC/DC).

Pra mim o Black Crowes é como o Led Zeppelin, se este se libertasse de todas as suas pretensões artísticas e se abandonasse, com todo o entusiasmo de que era capaz, ao mais puro hedonismo rocker. A vontade de “fazer boa arte” parece pra lá de secundária para esses Corvos Alucinados, capazes de deixar nossos tímpanos em estado de completa folia. A "missão", muito mais urgente e atraente do que criar "obras de arte", parece ser realizar um rock and roll que é pura exaltação da vida - como tanta boa arte, por vezes, consegue ser. E deve ser! Eles fazem pela via rocker o que a boa arte - especialmente quando é dionisíaca e embriagada! - por vezes é capaz de fazer: exaltar a vida e fazer-nos amá-la! Tanto que imagino que eles talvez concebam o rock and roll como uma religião sem transcendência, que trata de levar-nos a precários paraísos, aqui e agora, nas asas do som. Como as estrelas fazem com o céu, as roupas com os corpos, os perfumes e os sons musicais com o ar, estas músicas decoram a vida: deixando-a mais bela, mais bem-vestida, mais excitante e tão fodidamente cool que sentimos que jamais nos faltará tesão para vivê-la e devorá-la.

Quase todas as canções por aqui tem uma garota como interlocutora, o que não nos deve fazer saltar de imediato para a conclusão de que são simplesmente “canções de amor”. Há, por aqui, monumentais canções românticas, algumas que entram fácil para o rol das mais belas já compostas, mas o buraco é mais embaixo e o leque temático é mais aberto. “Stop Kicking My Heart Around” é um quase-irado anátema contra uma mulher sádica e sapeca, que não pára de chutar por aí o coração do nosso pobre eu-lírico. Tadinho! É um blues-rock fluido, líquido, empolgantérrimo, que lembra um cruzamento entre o Cream e o AC/DC, entre os Small Faces e o Aerosmith.

Nele parece que se consegue, através da terapêutica do cantar e do tocar, uma superação das forças corrosivas do ódio através de uma catarse ao mesmo tempo irada e bem-humorada. Chris Robinson, de modo algum, soa como um homem ferido, que lambe suas feridas no escuro ou que chora suas lamúrias como um emo ou um gótico. Não se deixa derrubar pelo tumultuado chutar-pra-cima-e-pra-baixo que realiza a diabinha, como uma futebolista pé-de-bagre no esporte dos corações, mas soa muito mais como um homem inabalável, selvagem, aos reclamos contra a crueldade feminina ao mesmo tempo que ruge sua força feito um leão plantiano! E como é que pode o animal cantar desse jeito?!? É como Robert Plant, Bon Scott, Mick Jagger, Steven Tyler e Rod Stewart liquidificados e anfetaminados! Bloody hell!


“I've been down, but never on my knees”, canta ele em “By Your Side”, e talvez seja, ao mesmo tempo, uma lembrança de suplícios enfrentados (“i've been down...”) e uma orgulhosa demonstração de força de superação (“but never on my knees”!). A sensação, ao ouvir essa belíssima balada, é a que o cantor está nos dizendo: a vida tenta me derrubar, mas não consegue. Que chovam sobre mim rasteiras e carrinhos, não importa: ao chão não me tacam!

E é essa sensação interna de potência e de intensidade vital, que jorra do cantar de Chris Robinson, e que parece sintoma claro de sua personalidade, o que garante que ele possa fazer tantas promessas à amada: “If you feel your heart is breaking / And all your friends are faking / When it's giving and not taking / I will be by your side”, promete. E sentimos que, mais que açúcar, é força o que ele fornece. Esta não é uma canção de amor idiota, em que um paspalhão derrete-se em promessas impossíveis a uma mulher que chora por não poder ter, mas sim a emanação exaltante de uma alma tão confiante em si mesma que sente-se capaz de ser apoio sólido para outra alma.

Oferecer apoio e amparo à amada, através de uma música, com certeza não é idéia nova: já rendeu, além de cerca de um milhão e 400 mil péssimos pops românticos chicletudos que infestaram os tops-of-the-pops história afora, alguns lindos clássicos do soul, como “Lean On Me”, de Bill Withers, alguns hits irresistíveis de R&B, como “I'll Be There For You”, e alguns belos folks. Mas raras vezes esta promessa, na história da música pop, soou tão crível, e tão apaixonadamente expressa, quando na voz de Chris Robinson.

A primeira estrofe de “By Your Side” parece ironizar os antagonismos humanos, retratando sem dó como a miséria de alguns constrói a riqueza de outros e a dor testemunhada pode gerar em quem a vê secretas alegrias. “When you're lost, then I am found / When you slip, I hold my ground / When I fall, please take a bow / And when you're up, just remember I am down”. Na segunda estrofe, a ironia se transmuta em crítica, quase em lição de moral, quando Chris canta: “People looking for fortune and fame / They don't know that it's all the same / It's like any other game / You know there's a loser, but it's allright”. Quem busca fama e fortuna sabe muito bem que a conquistará ao preço da miséria e do anonimato dos que não as terão e ficarão pelas sarjetas, e que são sempre a imensa maioria. Como um vencedor da medalha de ouro que não sente nem uma lágrima de piedade e tristeza vir a seus olhos ao presenciar o decepcionado sofrimento do lanterninha ou do segundo no pódio.

“Heavy” é uma eufórica celebração de um amor que começa, repleto de encantamento e excitação, quando as incertezas quanto ao vínculo tornam-se uma confortável solidez e os pombinhos podem se dizer com absoluta convicção: “somos um do outro”. E às vezes um deles sai, enlouquecido de tão contente com o início de seu êxtase, com o desencadeamento do pacto que tantas flores e orgasmos lhe trará, e corre para fazer um rock and roll. Surgem assim pérolas como “Heavy”. Se esta "mina" é chamada de “pesada”, não é certamente por ser gorduchinha ou por ser um fardo nos ombros do cara. É "pesada" no sentido de pesar na vida e no coração, como só sabem pesar as coisas que são significativas e transformadoras, benignas e tonificantes. “You're so heavy, heavy, heavy...”, canta Chris, e é um elogio, uma palavra de amor , e não uma punhalada de escárnio ou de um reclamo de irritação. Você pesa para mim: para mim você conta muito, e não tem a leveza necessária para ser arrastada do meu galho como uma folha que qualquer brisa branda faz voar pelos ares. “For the first time, I know you're mine!”, diz o refrão, e é essa alegria extrema de descobrir que pela primeira vez a realidade fulgurante e inegável de um amor sólido o que faz esse foguete em forma de música decolar com tamanho estardalhaço.

Talvez digam que estou "forçando a barra" e transformando versos bestalhões em bela poesia. Pode até ser. Se pegarmos, por exemplo, uma canção tão clichêzenta e com gosto de comida requentada como “Diamond Ring”, vai ser difícil negar que a poesia é tosca e o lirismo pobríssimo: “You're the reason I want to sing / You make me feel like a king / I love the sunshine that you bring / I think I'll buy you a diamond ring!” Esse rompante de consumismo, no final, até nos deixa com medo de que se trate de um eu-lírico ricão tentando comprar o amor da moça com presentes deslumbrantes! Mas certamente não é o caso aqui: a sensação que nos passa a música é de uma embriaguez de alegria tão envolvente que nos faz sair pôr aí passarinhando e assobiando melodias solares, a cantar de felicidade quase sem razão (ora, Ela é a razão!), sentindo-nos como reis, deliciados debaixo das carícias que nos faz o sol - ou seja, todos esses rompantes de euforia que às vezes têm os amantes e os apaixonados e que soam tão abomináveis e irritantes aos solitários e aos deprimidos. Os Black Crowes nunca tiveram medo da felicidade, e é nada menos que felicidade que eles, por vezes, espalham pelo mundo como a peste. There's nowhere to run, nowhere to hide, their bliss is gonna get ya!

"Diamong Ring", pois, pode ter uma letra que soa, lida no papel, como uma imensa bobagem; mas aquelas palavras, quando cantadas, nos contaminam de excitação e alegria até que essa coisa chamada "boa poesia" pareça uma imensa idiotice. E logo já estamos, como aquele eu-lírico, transbordantes de gratidão e querendo sair correndo para comprar o que de mais precioso há na terra para dizer, com ele, à mulher amada, do tamanho do nosso “obrigado”. Há também por ali momentos brilhantes, como “When you smile it should be a crime / And you do it to me everytime”, que lembra o lado extremamente sagaz e espirituoso dos românticos meio sacanas. Chico Buarque já escreveu algo parecido em seu hiário "Tango Do Covil" quando disse: "Sua beleza é quase um crime". E um pouco de sacanagem faz bem a todo bom romântico!

“Only a Fool”, por sua vez, é uma das mais lindas. Não se enganem: é assim que soa, que deveria soar, que não pode deixar de cantar, um homem que é feliz no amor! É essa a canção que cria uma alma masculina que achou seu complemento, seu fermento, sua alegria, seu apoio, numa alma feminina que abraça e por quem é abraçado. “You're my lover, my soul, my best friend / And I don't want this to ever end”, canta Chris. E, mais uma vez, lidas no papel, essas palavras podem parecer bestices e clichês, presentes como parecem estar em mil outras canções que no palco do pop já desfilaram seus 15 minutos de fama. Mas, ouvidas na voz de Chris Robinson, soam como testemunhos muito verdadeiros e acreditáveis de um sentimento interno de potência e força que só o toque do amor é capaz de desencadear.

Já “Go Tell The Congregation” concebe a comunidade religiosa como uma espécie de divã de psicanálise gratuito, onde as pessoas desabafam seus fantasmas e cospem fora seus demônios. Até a visão de religião do Black Crowes é catártica! Não surpreende, pois, que a visão de vida e de arte do Black Crowes seja, pois, pura catarse, e no bom sentido: purificadora, purgadora, higienizadora da alma. É uma música religiosa, no sentido estrito da palavra? Não: pois não é música de pregação, que tenta convencer os incréus a abraçar a fé, nem muito menos uma música em louvor do Criador e sua hoste de anjinhos. É, muito mais, um libelo em favor da solidariedade humana, como se a igreja pudesse gerar certos vínculos sociais úteis às pessoas presentes naquela agremiação. “When you want to lose your blues / When there's nothing left that you can do / When you want to tell the truth / When the devil's gotta a hold on you”, canta ele, e um insistente coral gospel adiciona, ao fim de cada verso, a conclamação imperativa: “Go tell the congregation!” Trata-se da religião como uma espécie de grupo de ajuda mútua , que cria uma rede de solidariedade onde uns possam ouvir os problemas dos outros, apoiando-se uns aos outros, mais ou menos como um encontro da Alcóolatras Anônimos ou das Estupradas Traumatizadas.


Tô um pouco de sacanagem, claro. Mas é só pra justificar pra mim mesmo o fato estranhíssimo de eu ser capaz de amar tanto uma música de temática profundamente religosa. É que o Black Crowes é uma banda tão fodida de boa que até fazendo certos róques altamente GOSPEL eles soam legal pra caralho (e legal-pra-caralho certamente não é o qualificativo que mais costumo usar para falar de música gospel!). Em vários momentos do álbum, um coro sensacional de negonas, cantando no background como se estivessem tomadas pelo Espírito Salto no altar da Capela Sistina, cantam de um modo tão fodástico que sou obrigado a admitir: não não não, os ateus não são capazes de cantar assim!

Das melhores bandas da história do rock, o Black Crowes foi aquela que parece ter se apropriado com mais espírito e entusiasmo da “elevação” da música gospel, quando grande parte das outras gigantes do estilo – o Led Zeppelin, os Rolling Stones, os Faces, o Lynyrd Skynyrd... – se enlamearam muito mais nos lodaçais do blues. O Black Crowes me soa como um bando de hippies cabeludos, fedorentos, cool as fuck e autenticamente apaixonados por rock and roll - e que invadem a Igreja para mostrar aos caretas como é que se celebra uma missa fodástica. São os profetas de uma religião que é, com absoluta certeza, tão melhor que todos os monoteísmos ocidentais e todas as místicas orientais: o rock and roll! Taí uma boa definição, talvez: o Black Crowes faz música como se o rock and roll fosse uma espécie de religião, e uma que nos dá acesso a tais êxtases e elevações que nunca mais precisaremos de um Cristo.

DOWNLOAD: http://www.mediafire.com/?qg2irzammyz
ouça com o volume no talo!

quinta-feira, 18 de junho de 2009

terça-feira, 16 de junho de 2009

:: Dave Matthews Band ::


DAVE MATTHEWS BAND,
Big Whiskey and the Groogrux King (2009)

Uma banda que mistura free jazz, vocais sincopadamente africanos, jams country-roqueiras e um naipe de metais só poderia ser coisa de americano, certo? Mais ou menos. Formada por Dave Matthews, um sul-africano criado na Carolina do Sul com sotaque de garçon de drive-in, a Dave Matthews Band pode surpreender os caçadores de clichês. Com uma cozinha matadora comandada pelo baterista-mestre Carter Beauford, violino elétrico, sax, metais e eventuais guitarras, a banda é muito conhecida (não só na terra do Tio Sam) por seus inúmeros álbuns ao vivo, todos constituídos basicamente das mesmas músicas. Daí é possível tirar que o forte da banda é o improviso – e que improviso.

Pergunte a qualquer fã da DMB por onde começar a exploração musical e ele certamente indicará o álbum “Before These Crowded Streets” (1998), aclamado por público e crítica e considerado o melhor trabalho da banda até então. Pois bem, atento leitor: se quiser conhecer a Dave Matthews Band, comece mesmo pelo final, o fresquíssimo “Big Whiskey and the GrooGrux King”. Produzido por Rob Cavallo (sim, aquele do Green Day e do, pasmem, MybChemical Romance), o novo trabalho traz basicamente tudo o que fez da banda uma explosão de sabores: bateria furiosa, naipes que sobem e gritam junto com o gutural Dave, pitadas country e uma ótima pop music.

A mesma seqüência inicial de “Before” - intro instrumental seguida de duas porradas deliciosas - mostra que o disco não veio à toa. “Shake me Like a Monkey” traz o vocalista brincando em mil vozes com a arma mais forte da banda: versos metricamente falados e refrão pegajoso, com arranjos mastodônticos de metais. Sem fôlego, o ouvinte segue para “Funny The Way it is”, escolhida como primeiro single e liberada para download free no site da banda. A música mostra o violino melódico de Boyd Tinsley e avisa também que o violão ainda está presente, mas consegue conviver com a guitarra de Tim Reynolds, parceiro de Dave Matthews em inúmeros projetos, cuja última aparição em um álbum do grupo havia sido – sem coincidências - no mesmo “Before These Crowded Streets”.

Reynolds aplica inusitadas guitarras e sola, como em “Why I Am”, em todo o álbum – o “inusitada” explica-se: o instrumento não é muito a cara da banda, que vive do som mais orgânico do violão-de-mil-notas do vocalista. A última tentativa de colocar guitarras nas músicas da banda resultou no fraco “Everyday” (2001), que ganhou até vaias dos fãs e cartazes nos shows exigindo que Steve Lillywhite, antigo produtor do grupo, retomasse os trabalhos com a DMB.

Os slides do guitarrista chegam em “Lying in the Hands of God”, balada que começa ingênua como o medo de amar que a letra revela. “Dive In” e “Spaceman” seguem a toada de rotação mais baixa, que esquenta aos poucos e, ao chegar em “Squirm”, traz outra característica marcante da banda: a dinâmica perfeita que cresce e explode, muitas vezes, de forma épica.

E, se alguém duvidava que riffs e bandolins poderiam conviver bem, basta ir até “Alligator Pie”. Relaxe: a música é só pra aquecer os ouvidos dos fãs mais ortodoxos, que vão estranhar também a grave “Seven” a princípio, com seu riff em escala menor. Para os mais fanáticos, basta correr até “Baby Blue”, a balada violônica do álbum, que se despede com a também básica “You & Me”.

Pode-se dizer que o diferencial de “Big Whiskey” dos álbuns anteriores está em uma presença e uma ausência. A presença é da guitarra e da virtuose de Tim Reynolds; e a ausência, do saxofonista LeRoi Moore, morto em outubro de 2008 e substituído aqui por Jeff Coffin. Moore havia deixado algumas linhas de saxofone gravadas que deram origem a sete músicas do novo álbum – batizado com esse nome em homenagem ao saxofonista, apelidado de Groogrux em conjunto com outros membros. O nome, explicou o batera Carter à MTV, traduz um pouco da energia selvagem que eles colocam na pegada das músicas.

Ouça e comprove.

sábado, 13 de junho de 2009

:: Once ::


:: ONCE - Trilha Sonora Original ::
por Francine Micheli

Fácil mesmo é contar histórias apaixonadas. Bota ali uma conversa ao pé do ouvido e dois pares de mãos inquietas que tá pronto, só faltando o narrador sussurrando os sentimentos ardentes do casal que se come enlouquecidamente há mais de dois dias.

Todo mundo, aliás, já teve coisa dessa na vida real e achou que era amor, engano fácil e muito mais corriqueiro do que se imagina.

Por ser algo muito menos ordinário e infinitamente menos compreendido, o amor vive às nossas margens e é realmente difícil encontrar quem saiba transcrevê-lo de forma genuína em forma de música, filme, poesia, gestos, atitudes.

Viver e falar e de amor é tarefa árdua. E, pegando rabeira no dia dos namorados, é ainda mais fácil ver a a diferença entre o cavalo e a égua através de um filme nem tão assim novo, mas atual em qualquer época.

Lançado em 2007, o irlandês Once é do tipo pequeno gigante e muito provavelmente você já deve tê-lo assistido ou ouvido comentários sobre, já que ganhou o Oscar de melhor canção original. A música vencedora foi “Falling Slowly”, composta por Glen Hansard, que também fez uma ponta como protagonista do filme.

Assim como a canção, toda a trilha é como a alma da produção e casou-se tão perfeitamente com a história que é impossível desvincular uma coisa da outra. Daí o reconhecimento veio a jato dos queixos caídos dos bambambans do cinema e do público comum, obviamente.

Hansard compôs todas as músicas e em muitas delas contou com Marketa Iglova, a segunda protagonista do filme não menos talentosa. Da parceria nasceu uma obra-prima. Contando desde a dor de amores abortados à perda do que ainda não se teve, toda a trilha de Once tem o peso do vazio e a insatisfação com sentimentos médios.

Além de uma voz bastante característica, Glen Hansard é bom no violão, nunca deixando a peteca cair no comum. Adicionando ai a voz doce e emociontante de Marketa Iglova, o dueto impressiona e, pessoalmente, me lembra bastante a melancolia e o bombardeio melancólico de Damien Rice e Lisa Hannigan nos áureos tempos em que eram uma boa dupla.

A trilha toda é irretocável, sendo que os destaques ficam também para a desopiladora-de-fígado “Say it to me now”, a filosofante “When your mind's made up” e a cortadora-de-pulsos “All the way down”. E, assistindo ao filme primeiro é ainda mais fácil entender o porquê de a produção barata ter ganhado espaço na prateleira das coisas bacanudas do fim da década.

Falar muito de Once é chover no molhado, entretanto. Curto, grosso, intenso e uma pedra no sapato dos romeus e julietas. O filme é todo sobre possibilidades, inclusive do amor tido com não-possível, assunto já trabalhada com sucesso em filmes como Lost in Translation e a adaptação do livro A Insustentável Leveza do Ser. Sobre a consequência de estar ali e não lá, de fazer isso assim e não assado, de escolher o amarelo e não o roxo. E de tudo isso, a gente tira boas lições de vida, inclusive de como essas possibildades lidam com as diferentes formas de amor, todas cantadas em canções dilaceradoras de corações quentes, mornos ou gelados.

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terça-feira, 9 de junho de 2009

segunda-feira, 8 de junho de 2009

:: Dusty ::


DUSTY SPRINGFIELD,
Dusty In Memphis (1969)

Tinha se tornado mais do que evidente para toda a gente desde 1968: o pop tinha se convertido em rock e as vocalistas femininas tinham grandes dificuldades em chegar aos postos mais elevados das listas de vendas. Dusty não era uma exceção: os seus últimos êxitos mais significativos datavam do Verão de 1968. Apesar diso, Ahmet Ertegun, a mente visionária da Atlantic Records, sabia que ela era uma intérprete tão estupenda quanto Aretha Franklin e quis que a cantora gravasse em estúdio com a mesma banda que tinha ajudado a lançar para a fama Franklin, Wilson Pickett e The Box Tops. Quando Dusty chegou em Memphis, ficou horrorizada com o material que lhe era oferecido (baladas adultas e elegantes em vez de funk pedregoso) e pediu que todos os arranjos se fizessem antes de gravar, adicionando apenas a sua voz à mistura final (os músicos e os produtores pretendiam algo espontâneo e livre, uma base rítmica sober a qual Dusty poderia cantar). A cantora teve um ataque de nervos, discutiu com todos os membros do pessoal e acusou os produtores de serem prima-donas; cinzeiros voaram pelo estúdio e a sessão de gravação foi cancelada. Dusty apanhou o avião de volta para Nova York, na esperança de gravar numa atmosfera mais calma. O resultado, sem dúvida, não poderia ter sido melhor. O material é de grande qualidade, composto por autores de primeira no melhor momento das suas carreiras. Os arranjos são incríveis; e a voz, impetuosa. O primeiro single, "Son Of A Preacher Man", posicionou-se entre os 10 primeiros lugares do top. Dusty teve que esperar um ano para escutar o álbum. Mas os compradores de discos não foram tão condescendentes e Dusty In Memphis foi um fracasso comercial. Apesar das críticas terem sido excelentes, o disco conseguiu apenas ocupar o 99º lugar da lista de vendas americana. A sua carreira nunca viria a se recuperar. --- 1.001 DISCOS PARA OUVIR ANTES DE MORRER

DOWNLOAD (192kps - 45 mb -11 faixas):
http://www.mediafire.com/?xnv2zimzgdw

crássico!



Dusty cantada por Jack White em clipe de Sofia Coppola!

quinta-feira, 4 de junho de 2009

:: Richard Hell ::


RICHARD HELL
"Blank Generation"



"MATE-ME POR FAVOR!", dizia a camiseta dum maluco que andava pelo CBGB's de New York em meados dos anos 70 e que botava lenha na Cena formando bandas, rabiscando poemas, tomando picos e tentando tacar veneno na caixa d'água da cultura americana. A frase que Richard Hell carregava estampada no peito depois se tornaria o nome de um dos mais clássicos livros que conta "A História Sem Censura Do Punk" (organizada por Legs McNeil e Gillian McCain). Sem falar que o próprio Malcolm McLaren muito se influenciou pelo vestuário dele quando começou a bolar as roupas e cabelos que se tornariam a "moda punk". Mas até hoje sua obra ainda permanece cult e desconhecida demais do grande público para um artista de tamanha relevância na constituição do raw power punk na década do prog e da discow.

Richard Hell foi um dos maiores poetas dentre os maiores artistas do Punk. Suas letras se equiparavam às de Patti Smith, Lou Reed e Tom Verlaine, tríade reconhecida pela maestria literária com quê semearam os campos dos primórdios do punk. Mas o som que fazia com os Doidoids remetia muito mais à urgência, à fúria e ao debochado humor dos Ramones, dos Undertones e dos Heartbreakers. Essa mistura de sofisticação lírica e ataque sônico furioso, demonstrando que a poesia podia ser cool e que o punk podia ser literatura, fez da obra de Richard Hell, dentro da Cena Punk, algo ímpar. Só lançou, de fato, um disco clássico: este Blank Generation, de 1977. O segundo, Destiny Street, surgiu 5 anos depois, mas é tão chocho que sepultou para sempre os Voidoids e fez com que Hell abandonasse a música e abraçasse de vez a literatura. O brilhantismo e a excitação daquele primeiro álbum, porém, permanecem intactos, tornando-o um dos mais fodásticos álbuns punk de sua década - o que não é dizer pouco, já que tivemos ainda, naqueles anos dourados do barulho enfezado, London Calling, Rocket To Russia, Never Mind The Bollocks, Raw Power, Undertones, Singles Going Steady, Inflammable Matterial, Entertainment!, My Aim Is True, I'm Stranded, L.A.M.F., Marquee Moon, Damned Damned Damned, Horses, The Modern Lovers, Lust For Life, New York Dolls, Funhouse e tantos e tantos outros clássicos...

Richard Hell foi amigo de infância e de adolescência de Tom Verlaine. Eram tão inseparáveis que muitos pensavam que fossem irmãos. Conta-se que os dois, que tavam mais pra outsiders do que pra CDFs, bolavam juntos um meio de realizar uma mini rebelião juvenil e um ficava tentando "pôr pilha um no outro com um plano pra fugir da escola". O que eles de fato fizeram: o pimentinha Richard, expulso pelo diretor por tomar sementes de ipoméia, caiu na estrada junto com Verlaine querendo tudo: ser artista e poeta, virar "rato de praia", comer muitas garotas, experimentar tudo quanto é tipo de psicotrópicos e ser um caroneiro kerouaquiano pela América Selvagem, inclusive sendo um incendiário das paisagens sulistas ("estávamos muito revoltados com o Alabama!", troveja ele em algum ponto de um relato surreal de Mate-Me Por Favor onde conta como pôs fogo numa floresta). Chegou a tocar contra-baixo no que viria a ser o Television, mas saiu da banda antes da gravação de Marquee Moon - um dos grandes álbuns dos anos 70 e marco eterno do que hoje chamamos de "indie" e "guitar rock".

Admirador de Patti Smith, que depois se tornaria a namorada de Tom Verlaine, Richard Hell foi um dos nomes daquela cena proto-punk que depois mais fundo mergulhou na carreira literária. "Fui ver Patti ler, e ela costumava se apresentar naqueles clubes gays, como Le Jardin, e iam à loucura por causa dela", conta ele em Mate-me Por Favor. "Isto me surpreendeu. 'Essa multidão está aqui por causa dessa garota fazendo poesia?' Patti ficava apenas desfiando coisas, e aquilo era o maior barato, e ela era muito intensa, mas ao mesmo tempo muito doce e muito vulnerável. Ela era o máximo, sem dúvida." (pg. 131)

Hell foi daqueles jovens apaixonados por poesia, desde moleque, mas que descobriu paralelamente a sedução fatal e a energia primal do punk rock: "Era muito mais excitante fazer rock & roll do que ficar sentado em casa escrevendo poesia", relata Hell. "Quer dizer, eu podia lidar com os mesmos temas com os quais eu ficaria penando sozinho no meu quarto pra publicar em revistinhas mimeografadas que só umas cinco pessoas iriam ver. E definitivamente a gente se achava tão cool quanto os outros, então por que não...?" (181) Depois da música, acabou virandoator de cinema (encarnou, por ex., o namorado de Madonna em Desperately Seeking Susan) e se tornou um autor de romances que se inserem na linhagem de William Burroughs, Norman Mailer e Irvine Welsh: literatura contra-cultural e de colhões.

Como não poderia deixar de ser naqueles tempos bem Trainspotting-da-vida-real, o danado não poupou suas veias e, seguindo o zeitgeist, adotou com ardor o estilo-de-vida do junkie/boêmio/artista. "Não tive nenhuma restrição quanto à droga pesada", confessa. "No meu modo de ver, era simplesmente o estado ideal. Não apenas fazia você se sentir fisicamente tão bem quanto é possível - no fim das contas, é um analgésico -, como também parecia ser a realização de todas as minhas fantasias, no sentido de que você sonha, mas dirige seus sonhos como um diretor de filme." (184) Que a junk pudesse ser um armadilha, ele sabia: tanto que mais tarde viu alguns grandes amigos, como Johnny Thunders (com quem fundou os Heartbreakers), perdendo a vida nos trilhos da overdose. Mas, na época, conta Hell, havia uma ilusão de que picar-se não tinha nada de perigoso: "A heroína pareceu muito segura na época, sabe? Porque é verdade que você tem que usar todos os dias por duas ou três semanas para começar a desenvolver o vício. E isto pareceu uma coisa muito fácil de evitar. Como as pessoas podiam ter medo daquilo? Que tipo de risco é este? Risco nenhum - mas é impressionante como te pega." (185)

Em suma: Richard Hell estava lá, como um dos mais importantes pivôs da cena, quando o fogo começou a se alastrar. O que emergia ali era o punk como o conhecemos hoje, em sua versão '77, liberto do experimentalismo elitista e um tanto inacessível do Velvet, do excesso de verborragia literária de Patti e das viadagens espalhafatosas dos Dolls e do glam, adquirindoem sua forma mais clássica: catarse concentrada, crua e trovejante. "A cena definitivamente começou a crescer como uma bola de neve", rememora. "O CBGB's era sem dúvida o lugar onde as coisas estavam acontecendo, desde a primeira vez que a gente tocou lá. Na real éramos os únicos. Não havia no mundo nenhuma outra banda de rock & roll com cabelo curto. Não havia nenhuma outra banda de rock & roll com roupas rasgadas. Todo mundo ainda estava usando purpurina e roupa de mulher. Éramos uns chinelões, arruaceiros sem teto, tocando uma música poderosa pra caramba, apaixonada, agressiva e também lírica." (191)

Blank Generation é o petardo sônico de uma juventude que de "vazia" não tinha nada.