quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

:: The rock'n'roll always wins ::

* por Francine Micheli

Enquanto um colocava a bateria abaixo a baquetadas certeiras, o outro fazia tremer o chão com os graves. Também tinha os riffs guitarrísticos junto às frases matematicamente tocadas no teclado e um vocalista pronto pra demolir o estúdio cantando uma canção chamada "Don't Break My Heart". Estava formada uma das bandas indies mais admiráveis da Austrália que já ganhou a América, Canadá e UK, rodando o resto do mundo numa turnê pelas Nações Unidas. Chiqueza.

Nada espantoso ou novo até o ponto em que se olha mais a fundo esse sexteto nascido das águas alternativas de Melbourne, que viaja com doações e patrocínios de empresas e pessoas.

Repare. Cinco deles são considerados mentalmente ou fisicamente incapacitados, incluindo aí autistas, uma portadora de síndrome de Down e outras síndromes graves, cegos e por aí vai. O sexto membro, o guitarrista e backing vocal, é o terapeuta Rohan Brooks, conhecido como o maluco que colocou deficientes pra fazer um som de responsa como terapia e acabou transformando-os em rockstars, propriamente dito.

Rudely Interrupted é uma daquelas coisas que, quando ouvimos - e vemos - é capaz de encher nosso peito com um sentimento grandioso e que vaza pelos poros como se não se coubesse em si, nos dizendo que a música é senhora do universo e que nela, sim, tudo pode.

Alguns críticos australianos definiram a música de Rudely Interrupted como uma das mais originais e enérgicas do rock'n'roll underground do país e, jogando mais confete no carnaval desses meninos, eles foram a atração principal do dia do deficiente em New York, dezembro passado. Pronto, ganharam a atenção da mídia, o reconhecimento do público e o queixo caído dos incrédulos.

Conhecer música nova já é coisa demasiado prazerosa. Conhecer música boa surgida em meio aos espinhos do impossível, é quase uma experiência transcendental. Assistir à banda e sentir o poder de acordes montados com amor sublime é obrigatório, nem que seja pelo You Tube.

Rory Burnside (21) canta como se todas as suas agonias se desfizessem ali mesmo e pra isso, ele nem precisa dos olhos que a natureza lhe privou de ter. O baterista diz que desenvolveu seu senso ritmo ouvindo rádio em casa e treinando com panelas e baldes. Todos, sem exceção, amam estar no palco e fazer música de forma simples e complexa ao mesmo tempo, ora viajando entre tons de Joy Division, às vezes passando pela loucura do Foo Fighters. They rock, é fato.

"Green lights" é minha canção preferida. Uma narrativa de como eles se sentem com as luzes coloridas. Frio com o azul, quentinho com o laranja. Tão isso, tão simples.

Coisa que só dá pra acreditar vendo. Ou ouvindo. Melhor dizendo, sentindo.

Vá lá --> http://www.myspace.com/rudelyinterrupted


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

:: The OneUps ::



Já realizei quase todos os meus sonhos juvenis que envolviam projetinhos de bandas de garagem. Começando com minha primeira banda de punk-ska, depois com a cover de tão somente Rage Agaisnt The Machine e hoje enlouquecendo com o baixo insano de Rancid, sem contar um projetinho semi abandonado de versões-aceleradas-de-hits-grudentos (que já valeu por ter tocado Roxette e Ace Of Base). Só um projeto ficou pra trás, o de versões instrumentais de músicas de games. Em homenagem a esse projeto dedico esse post.

Eu apresento aqui o grupo The OneUps, Dave Mathews Band dos covers de games. Mas antes faço uma introdução de outras bandas que tiveram (e executaram) essa minha idéia, tão original na época. Coisas muito bacanas pra quem sente nostalgia em relembrar as musiquetas com três canais de áudio.

A mais antiga, que conheci em 2000, é Minibosses. Batera, baixo e duas guitarras tocando versões sujas e aceleradas de clássicos do Nintendinho 8 bits. Som tão cru que as vezes dá a impressão de alguma coisa estar desafinada. O destaque deles fica pro sensacional meddley de Mega Man 2 (para aqueles que conhecem, claro). Mp3s disponíveis no site da banda.


Outra que conheci há uns anos foi Grospixels, que já não se restringem à era 8 bits. Aqui o cuidado na produção é maior e há outros elementos além da tradicional cozinha e guitarra, como piano e violão. Versões interessantes de Out Run, Silent Hill e Sonic.

Depois apareceram os brasileiros fazendo igual. O Megadriver com sua guitarra peculiar, os mineiros do 8 Bit Instrumental e os estudantes de música do Gameboys que merecem uma atenção especial. Até o irmão de uma amiga também estava nesse meio e eu nem sabia.


Porém o grande destaque na produção e criatividade dessas interpretações fica com The OneUps. Mesclando as músicas dos jogos com ritmos de diversas partes do mundo, suas versões são agradáveis até para aqueles que nunca colocaram a mão em um joystick. Monkeys (Mario Paint) passeia por ritmos latinos, assim como Bossa De Link (The Legend Of Zelda) tem influência da nossa Bossa Nova e Andy Asteroids (Earthworm Jim) é dominada pelo violino country. Mas o ponto alto são as versões cheias de groove de Toe Jam Jammin' (Toe Jam & Earl) e Bomberman, e da relaxante Aquatic Ambience (Donkey Kong Country).

Além das 16 canções do álbum, mais 5 bônus estão disponíveis no download, entre elas Super Mario's Sleigh Ride e Donut Lifts, ótimas versões das já clássicas músicas de Super Mario World 1 e 2.

Este é o primeiro disco da banda, que lançou em 2008 o Volume 2, álbum duplo, a venda no site oficial: http://www.oneupstudios.com/. Algumas versões podem ser conferidas no myspace: www.myspace.com/theoneups.

Download (21 músicas - 102 MB)

domingo, 22 de fevereiro de 2009

:: da série PÃO QUENTINHO ::

VETIVER - "Tight Knit" (87 MB)
http://www.mediafire.com/?ijd2khujjzm
(freak-folk bacanudo, meio devendra!)

ROBYN HITCHCOCK - "Goodnight Oslo" (56 MB)
http://www.mediafire.com/?zjew2ymuwz3


BEIRUT - "March of the Zapotec" EP e "Holland" EP (52 MB)
http://www.mediafire.com/?nc01jzq2jjo
(quem assistiu 'capitu' sabe qualé!)

ANNEKE VAN GIERSBERGEN - "Pure Air" (74 MB)
http://www.mediafire.com/?m4mkz1mgzed
(vocalista do The Gathering em disco acústico)


o 'hino' de capitu e bentinho:

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

:: Machito ::



:: MACHITO, "Kenya" (1957) ::

Nos anos 40, Machito e a sua orquesta criaram uma onda de mambo-mania, misturando os ritmos afro-cubanos com o jazz americano. O homem à frente do grupo, Frank Grillo, também conhecido como Machito, cantava e tocava maracas, enquanto o diretor musical Mario Bauza guiava a polinização entre os sons das grandes bandas de referência e a tradição musical afro-cubana. Bauza há muito que ambicionava criar uma banda latina de referência, que fundisse os sons fogosos e contagiantes das orquestras que ouvira em Cuba, onde cresceu, com a articulação melódica de Duke Ellington, que ele tinha assistido no Harlem. Tendo chegado ao Harlem aos 19 anos, Bauza tinha tocado saxofone e trompete nas bandas de Chick Webb, Don Redman e Cab Calloway.

Composições originais arrojadas e arranjos realizados por Bauza e René Hernandez, que neste álbum se ouve ao piano, Chano Ponzo e AK Salim (um reconhecido compositor de jazz) definem esta jóia preciosa que não recebeu a notoriedade que lhe é devida. Os convidados especiais Cannonball Adderley, Doc Chestham e Joe Newman oferecem sólidas improvisações de voz que podem ser detectadas em coros sucintos, mas harmoniosos e irresistíveis. O tema de abertura do álbum, "Wild Jungle", deixa transparecer o deleite desfrutado pelos percussionistas. José Mangual (bongos), Uba Nieto (címbalos), Candido Camero (congas) e Carlos 'Patato' Valdés (congas) propulsam as peças musicais. "Holiday" e "Blues À La Machito" fundem o blues e o swing com o trabalho excepcional da orquestra. "Tin Tin Deo" é uma estimulante mostra da influência que o jazz latino exerceu em Pozo.

A orquestra de Machito tinha lançado os alicerces para aquilo que o jazz latino viria a ser. O tema instrumental "Kenya", que demonstra a mais veemente influência africana, é um marco importante na trajetória do grupo. (1.000 DISCOS PARA OUVIR ANTES DE MORRER)

DOWNLOAD (51 MB, mp3 de 192kps):
http://www.mediafire.com/?mimjwdijqtj

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

:: da série PÃO QUENTINHO ::

Lisa Hannigan - "Sea Sew"
http://www.mediafire.com/?yeo0mzgy5wy
(é a mocinha que cantava com o Damien Rice)



Chris Cornell - "Scream"
http://www.mediafire.com/?he4vnmn2nlo
(disco meio tosco... melhor pegar o crássico!)



...Trail of Dead - "Century of Self"
http://www.mediafire.com/?j2wb2zn2jzz



Andrew Bird - "Noble Beast" (Deluxe Edition)
disco 01: http://www.mediafire.com/?u2twloj4jot
disco 02: http://www.mediafire.com/?nwckjzowdot

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

:: Dirty Pretty Things ::

A Puta Perdida
- por Bernardo Santana -

Após o final do Libertines, uma das bandas mais adoradas da década na Inglaterra (e das pessoas que queriam ter nascido na Inglaterra…), uma das duas cabeças do monstro saiu do eixo. Ficou louca, doida mesmo, pinel, fora da casinha. No caso, estamos falando do guitarrista/cantor/chave-de-cadeia Pete Doherty, a manchete preferida dos The Suns, News of the Worlds e Daily Stars da vida. Foi em boa parte graças à publicidade gratuita trazida por estes e outros tablóides ingleses, que Doherty conseguiu emplacar uma carreira até que meia boca de sua banda posterior, o Babyshambles. Apesar de ter se mostrado bem aquém do resultado perfeito dos discos do Libertines, os BS logo estavam populando paradas, programas de rádio e a mídia “alternativa” de todo o globo. E infelizmente, também estavam ofuscando o ouro que era o Dirty Pretty Things.



Carl Barât, outra cabeça do tal monstro e fundador dos Things, sempre foi o antipático da turminha. Enquanto Doherty era o loucão, o batera era o simpático e o baixista fazia figuração, Barât esbanjava carranca pra todo lado. Um ótimo exemplo disso foi a passagem apagada do próprio Libertines pelo Brasil. Tanto nos shows que fizeram quanto nas aparições na televisão (Altas Horas com Serginho Groisman!!?), o guitarrista não parecia nem um pouco a fim de estar onde estava. Talvez fosse reflexo da saída ainda recente do amigo Doherty da banda, mas o que se viu era um artista de desempenho frouxo e cantando o cansaço e o desânimo. Nada mais longe da verdade…

Este primeiro disco dos DPT, lançado em 2006, mostra a cara real de Barât. Melancólico e ressentido, sim, mas ainda assim, um puta músico e compositor. Talvez seja injusto dizer que ele fosse a metade criativa de sua banda anterior, mas a julgar pelo trabalho pós-Libertines, seu trampo fica, sim, a anos luz do feito pelo ex-parceiro. Desde as referências ao Clash dos bons (muito mais claras aqui do que nos discos dos “putinhas”), até aquelas guitarras confusas, mas estranhamente carismáticas, está tudo aqui. Punk, pós-punk, um pouco de reggae, e a assinatura indefectível das bandas pós-Strokes, jogados no mesmo balaio.

Ao lado do baixista Didz Hammond, ex-Cooper Temple Clause, Carl Barât compôs este Waterloo To Anywhere espumando pela boca pra provar que era capaz. As letras dão muitas vezes um tom de amargura claramente inspirado no divórcio litigioso que deu fim à sua primeira banda, como no single-chiclete Bang Bang You’re Dead (I knew all along/That I was right at the start/Bout the seeds of the weeds/That grew in your heart/(…)/Well I gave you the Midas touch/Oh you turned round and scratched out my heart).

Mas essa postura ranzinza não contamina o som de jeito nenhum. Muito pelo contrário: o disco é um daqueles raros exemplares de bolachas ensolaradas que passam sem um momento medíocre, seja em nome da “experimentação sem inspiração” ou da incompetência mesmo. Os pontos altos são vários, Doctors and Dealers, com refrão empolgante, o reggae cheio de passagens The Gentry Cove, o punk um pouco mais ortodoxo de You Fucking Love It, o climão de If You Love A Woman… Quaisquer, e QUAISQUER mesmo, das músicas poderia ser colocada aqui como ponto alto.


Infelizmente, o Dirty Pretty Things acabou se tornando (mais) um projeto fracassado de Barât, após um segundo disco menos inspirado. A banda encerrou suas atividades no ano passado, alegando que os membros se dedicariam a “coisas novas que não são o Libertines”. Deixaram como testamento um dos melhores registros de rock da década, sem dúvida, e a torcida para que esse inglês carrancudo mantenha uma constância de qualidade em seu próximo projeto. Porque, seja lá ele qual for, vai valer a pena esperar.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

:: o novo Sepultura ::

A Clockwork Band
- por Ana Alice Gallo -

* atenção: se você não viu o filme ou leu o livro “Laranja Mecânica”, esse texto contém spoilers (ai que chique isso, não?)


Uma pessoa/entidade/banda é capaz de suportar mudanças bruscas de personalidade? Mesmo que essa alteração seja feita de forma abissal e violenta? A questão que norteia o livro “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, pode ser feita também ao Sepultura. A banda, que se apóia sem sua espinha dorsal original, lança “A-Lex”, álbum baseado na obra de Burgess e que chega para responder com um sonoro “sim” a essa pergunta.

O grupo curtiu a idéia de fazer projetos em cima de grandes marcos da literatura, mas pra isso eles não precisaram se distanciar muito do jeito Sepultura de ser. Os álbuns contam basicamente com uma primeira parte longamente construída em cima de peso, com letras furiosas a respeito de temas como violência, tormento e decrepitude, e um segundo momento mais leve, experimental, que muitas vezes norteia alguns elementos de trabalhos vindouros. Em “Dante XXI”, o antecessor de “A-Lex”, o grupo se debruçou na Divina Comédia e construiu um verdadeiro épico, instrumentalmente mais dark e elaborado, com passagens sonoras demarcando os ritos de entrada no inferno, no purgatório e no céu. O trajeto acompanhava os círculos narrativos do livro, mas não fugia do formato dos trabalhos da banda.




Já em “A-Lex”, a roupagem crua e urgente transpira a contemporaneidade da obra “Laranja Mecânica”, focada na ultraviolenta vida do protagonista, que vai da capacidade de morte e estupro à total apatia induzida por tratamentos desumanos. O que se vê aqui, no entanto, é um Sepultura simples e eficiente, com músicas poderosas, bem pontuadas, feitas para que o pogo da platéia expurgue a jornada destrutiva e subversiva de Alex. Não é um álbum para ser contemplado, e sim para ser transformado em catarse coletiva no local onde a banda reina: o palco, os shows, com a energia dos fãs.

Dividido em 4 partes, assim como o livro, “A-Lex” começa com músicas que lembram os áureos tempos de “Chaos A. D.”, com destaque para “Moloko Mesto” – para quem não se lembra, “moloko” é o leite que Alex e sua gangue ingerem antes de cometerem atrocidades cidade afora. Dessa primeira parte, “Filth Roth” também surpreende por trazer os elementos tribais que se tornaram marca da banda e não soar deslocado mesmo em uma narrativa urbana.

“Alex II” marca a entrada do personagem no tratamento de lavagem cerebral que o deixará totalmente apático e dessa fase pode-se esperar cabeças voando em “Forceful Behavior”, candidata a hino fácil. “Sadistic Values” explora mais as nuances da tortura de Alex quando ele é devolvido ao mundo real e surrado por quem um dia sofreu de sua violência. Já para trilha sonora do momento de desforra social do protagonista, que acontece na fase III quando ele retorna à delinqüência, a banda se permite explorar mudanças de ritmo e brilha com “Strike”, mas exagera na pleonástica “Ludwig Van”.

O filme de Stanley Kubrick, igualmente baseado no livro, terminaria aqui. Mas a obra literária conta com uma quarta parte de transcendência, quando o personagem decide seguir seu caminho e é a própria “Alex IV” que dá conta de passar a mensagem.



Ser grande e inteiro

A saída de Max Cavalera logo após o aclamado "Roots" deixou o grupo sem um de seus alicerces. “Against”, o álbum que se seguiu, continha composições mais fracas e o vocalista Derrick Green demorou mais para adensar o caldo sonoro do Sepultura do que para aprender palavrões em português e torcer pros times brasileiros. O que se viu, no entanto, foi uma banda renovada emergir nessa mudança. Andréas tomou as rédeas dos riffs e eles foram ganhando um corpo próprio. O alicerce que restava, no entanto, dominava o ritmo. Iggor Cavalera pontuava cada uma de suas velozes notas e muitas vezes comandava a música. Se aproveitar o virtuosismo do batera era um deleite, a Sepultribe no entanto ficava sem hinos de guerra ao ver os riffs submetidos às constantes mudanças de andamento de Iggor. A própria mixagem deixava a bateria em primeiro plano e chegava a ofuscar momentos brilhantes de guitarra que não fossem solos.

Jean Dolabella, que entrou para apoiar o alicerce deixado vago quando Iggor saiu, está longe de ter a velocidade e a força do Cavalera, mas isso não é realmente ruim. Virtuoso e extremamente competente, Jean dá corpo a uma parede sonora que, enfim, faz do Sepultura uma banda equilibrada novamente. Com direito a violência, delinqüência, sutilezas sonoras e muita, muita energia. Como uma obra completa deve ser.


DOWNLOAD: http://www.mediafire.com/?tnjylfiixyg

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

:: móveis coloniais de acaju ::

PUTA QUE O PARIU!
- impressões chapadas sobre o móveis ao vivo -

“Móveis Coloniais de Acaju” é uma mistura de Kusturica com Hermeto, um pouco de Cuba com macarrão. Um pouco de Paulista sendo de Brasília, um pouco de Brasília sendo do Brasil, um pouco do mundo sendo da Terra e, por que não, um pouco de Karnak com Los Hermanos. Um pouco de Pato Fu com amendoim. Um pouco de móveis com cabelo, um pouco de sorte com pensamento, um pouco de dor com amor, um pouco de Solidão com quarto e sala com fiador. Gorbachev com Copacabana. Samba de russo, pagode de cego com Tom Waits. Se fosse Teatro seria Tadeus Kantor, se fosse Foto seria do Rodchenko, se fosse esquilo não sambaria . (André Abujamra)


Puta que o pariu. Em cima do palco, os malucos são uns alucinados. Um show do Móveis Coloniais de Acaju é pura catarse: são tempestades de energia bruta, fazendo rios de suor coletivo correr, gerando uma excitação que corre quente nas veias, banhando os tímpanos em uma música que os deixa em estado de Êxtase. Definir o som da banda, além de tarefa ingrata, seria um mutilamento: o Móveis é skacore de desenho animado, é jazz de big band no séc. 21, é rock and roll de maconheiro, é samba-funk assado num caldeirão cool, é punk-rock reinventado por uns hippies, é poesia lúdica e fina ironia e calafrios na espinha e montanha russa e churrasco com uma geladas e uma pelada de futebol e quase um livro do Rabelais... Uma verdadeira "feijoada búlgara"!

O vocalista parece um molecão anfetaminado que pula, se contorce, se alucina, se esgoela e se esparrama pelo chão e pelos ares, sempre com a energia no talo, como um coelho da Duracell chapadaço que tá sempre com as pilhas repletas. É tão cool que dá até raiva. Faz qualquer outro "líder" de banda nacional ficar parecendo um tímido sem sal que ainda precisa passar por um Curso Intensivão de Como Ser um Showman Do Caralho. Ele canta como faria um Frejat punk e desencanado, um Amarante de cabelo-sujo, um Devendra Banhart mais extrovertido, ou sei lá que porra... Sei que é absolutamente sensacional.

Os caras dos metais, pisoteando os clichês que dizem que os músicos devem ficar quietinhos num canto do palco, saem correndo feito uns insanos, fazem micagens e macacagens, bolam dancinhas curiosas, arriscam altas caretas, e tudo com a sonzeira rolando. A porra toda é tão divertida! A banda inteira parece morrendo de tesão de estar ali, envolvida nesta Experiência Coletiva Fuderosa que apaga os contornos entre público e artista e nos junta a todos na mesma festa, no mesmo lugar do caralho, "todos juntos numa pessoa só" (como diriam os Mutantes sob LSD). Num show dos Móveis, nem é preciso ácido para que estejamos todos juntos numa pessoa só. E isso é um dos maiores elogios concebíveis que se pode fazer à performance ao vivo de uma banda.

Os putos fazem a gente perder a noção. Fazem a galera pogar até chegar nos hematomas e pular até quase bater a cabeça no teto mesmo quando estão tocando - pasmem! - uma cover do PORTISHEAD! Quando o microfone falha e a voz emudece, como ocorreu em "Perca o Peso", no último sábado, no SESC Pompéia, eles não perdem o rebolado e descobrem, embasbacados, que a multidão inteira supre a falta da voz com um coro animal - só lembro de uma coisa dessas no show de despedida dos Los Hermanos, e olhe lá. Para uma banda independente de um disco só, eles já tem um leque de "hits" junto aos fãs que é sensacional: são dúzias e dúzias de vozes que cantam junto com "Menina Moça", "Copacabana", "Seria o Rolex" e tantas outras. Tendo a chance, não percam por nada: o Móveis tem um dos shows mais excitantes, entusiasmantes, pogáveis e lavadores-da-alma que eu já tive o prazer de Experenciar.

"Nós não somos uma banda, somos uma COMUNIDADE HIPPIE", brincou o vocalista numa entrevista. Mas o Móveis é mais: de looonge, uma das bandas mais sensacionais do Brasil, hoje, com um disco de estréia que, sem dúvida, está entre os grandes álbuns da música nacional nesta década que está se acabando. Em Março eles estão de volta, com o aguardado segundo álbum, que vai ser disponibilizado para download gratuito pela Trama Virtual. E nem sinal de cupins roendo o coração destes flamejantes móveis coloniais!

download: http://www.mediafire.com/?m12mz52ldem (76 MB)
myspace: http://www.myspace.com/moveis
trama: http://tramavirtual.uol.com.br/artista.jsp?idp=748584


domingo, 1 de fevereiro de 2009

:: novo colunista! ::


ÁLBUNS E CARTÕES POSTAIS
por DIOGO SOARES
(exclusivo para o Depredando)


Saudosismo é uma merda. Ítalo Calvino, em Cidades Invisíveis, trata do assunto de maneira ácida e tenaz. Para ele os velhos cartões-postais de uma localidade serviriam como artifício perfeito para uma crítica saudosista, por que ao mesmo tempo que temos as imagens da cidade provinciana, o cartão é capaz de desentranhar a história desses locais e então limpar caminho para uma daquelas famosas frases: "No meu tempo era melhor".

Quais os limites de uma comparação entre álbuns e cartões-postais? De estarte consigo fazer algumas conexões bem simples que recuperam a crítica de Calvino.

Álbuns são compilações de idéias, costumes e reflexões sobre os mais determinados assuntos, mas não são estes assuntos nem resumem tais assuntos. Isso já demonstra o caráter parcial e subjetivo que toda produção artística emana de sua criação. Só que alguns críticos não reconhecem isso e insistem em categorizar diversos álbuns como "datados". Como se um trabalho fosse representante de uma geração inteira de idéias e ideais. Lembro do Fredric Jameson quando falo sobre os estereótipos das décadas que "criamos" através do cinema. "Ahh, isso é tão anos 50", "ahh, esse piano é sessentista". É uma maneira tosca de encaixotarmos a diversidade. Aliás, bem conservadora, né?

Outra forma de conectarmos álbuns e cartões-postais seria compará-los com bandas e cidades. Uma cidade existe no tempo. Poderíamos, no limite, dizer que existe uma cidade a cada momento. Da mesma forma como "você nunca atravessa o mesmo rio duas vezes". As bandas sofrem o mesmo processo de transformação. Em algumas a diferença é nítida e esperada, como quando se alteram formações ou passam por experiências mais radicais (acidentes, guerras, censuras etc). Noutras, a diferença é imperceptível de um trabalho para outro, sendo apenas visível quando se tem a obra completa em mãos. Isso me faz lembrar outra cobrança dos críticos. É explícita a cobrança que uma banda sofre para igualar ou superar seus sucessos anteriores. O artista então deveria se colocar na posição de sempre agradar ao seu público, guardando a regra "o artista está onde o povo está". Se partimos da idéia do artista mudar sempre, porque sempre esquecemos que o público também muda sempre? O artista ao buscar agradar estaria sempre correndo atrás. Um sir inglês uma vez disse: "É melhor estar na moda uma ou duas vezes na vida, do que ficar sempre um passo atrás dela".

O que Calvino nos alerta é que as cidades e seus cartões-postais tem os mesmos nomes, mas são locais regidos por deuses diferentes. Existem em paralelo, mas seu cotidiano é inusitadamente outro. Os cartões, como os álbuns, são obras que necessitam de um espectador ativo. Um espectador que imprima sua marca e traga para dialogar a sua história. Vem então uma terceira, e última, crítica aos críticos. De que maneira se pode categorizar um álbum como "fácil" ou "complexo", "pra baixo" ou "pra festa"? Esta crítica me diz mais sobre o crítico do que sobre a obra. É a mesma coisa com as cidades. É de surpreender a multiplicidade de opiniões sobre o Rio de Janeiro. Não se sabe o cara tá falando sobre o carioca, sobre a prefeitura, sobre o trânsito, sobre as mulheres etc. Enfim, uma miscelânea.

Agora, qual é o papel de um blog que envia uma série de cartões-postais por aí ao vento, ao léu, sem um destinatário definido? É bem mais complexo do que uma agência dos Correios. Será?

* * * * *

Deixo aqui com vocês uma das cidades do Calvino, Maurília. Retirada do livro "Cidades Invisíveis".

"Em Maurília, o viajante é convidado a visitar a cidade ao mesmo tempo em que observa uns velhos cartões-postais ilustrados que mostram como havia sido: a praça idêntica, mas com uma galinha no lugar da estação de ônibus, o coreto no lugar do viaduto, duas moças com sombrinhas brancas no lugar da fábrica de explosivos. Para não decepcionar os habitantes, é necessário que o viajante louve a cidade dos cartões-postais e prefira-a à atual, tomando cuidado, porém, em conter seu pesar em relação às mudanças nos limites de regras bem precisas: reconhecendo que a magnificência e a prosperidade da Maurília metrópole, se comparada com a velha Maurília provinciana, não restituem uma certa graça perdida, a qual, todavia, só agora pode ser apreciada através dos velhos cartões-postais, enquanto antes, em presença da Maurília provinciana, não se via absolutamente nada de gracioso, e ver-se-ia ainda menos hoje em dia, se Maurília tivesse permanecido como antes, e que, de qualquer modo, a metrópole tem este atrativo adicional – que mediante o que se tornou pode-se recordar com saudades daquilo que foi.

Evitem dizer que algumas vezes cidades diferentes sucedem-se no mesmo solo e com o mesmo nome, nascem e morrem sem se conhecer, incomunicáveis entre si. Às vezes, os nomes dos habitantes permanecem iguais, e o sotaque das vozes, e até mesmo os traços dos rostos; mas os deuses que vivem com os nomes e nos solos foram embora sem avisar e em seus lugares acomodaram-se deuses estranhos. É inútil querer saber se estes são melhores do que os antigos, dado que não existe nenhuma relação entre eles, da mesma forma que os velhos cartões-postais não representam a Maurília do passado, mas uma outra cidade que por acaso também se chamava Maurília."


(Ítalo Calvino - As Cidades Invisíveis: As Cidades e a Memória, 5)

:: welcome aboard! ::

Depredando tem a honra de dar as boas-vindas ao seu mais novo colunista, Diogo Soares, que estreou por aqui com o texto acima. O Diogo, que manja pacas de música e muito mais, estuda Ciências Sociais na FFLCH/USP, trampa com sonoplastia nas apresentações de teatro e dança da Cia Artesãos do Corpo, era vocalista de uma banda no litoral paulista e, last but not least, foi morador da mais mítica das repúblicas estudantis do Butantã, a Cicerolândia (hehe!). Bem-vindo à gangue! :)